Título: Reavaliando o Anarquismo
Data: 2002
Fonte: Adquirido em 25/07/2024 de theanarchistlibrary.org
Notas: Tradução: Coletivo Editorial Letra A.

Após a dissolução do socialismo real, ou melhor, sua integração ao sistema, os movimentos anarquistas que são tão antigos quanto o socialismo real e encontram suas raízes na Revolução Francesa merecem uma reavaliação. Hoje é melhor compreendido que os famosos representantes do anarquismo, Proudhon, Bakunin e Kropotkin não estavam completamente errados em suas críticas a respeito do sistema do socialismo real. Eles são salientes (chamam a atenção) por estarem localizados no polo mais oposto ao sistema, como sendo um movimento que critica o capitalismo não apenas como monopólio privado e estatal, mas também como modernidade.

As críticas que eles fazem ao poder, tanto de forma moralista (ética) quanto política carregam um importante nível de verdade interior. As estruturas sociais de onde vêm afetam o
movimento de maneiras óbvias. As reações de “classe” de grupos aristocráticos que perderam o poder e artesãos da cidade que ficaram em situação relativamente pior devido ao capitalismo refletem essa mesma realidade. Os fatos de que eles permanecem em um nível individual, não conseguem encontrar uma base e não conseguem desenvolver um contra-sistema estão fortemente conectados às suas estruturas sociais. Eles sabem bem o que o capitalismo faz, mas não sabem bem o que devem fazer. Se resumirmos brevemente
sua visão;

1. Eles criticam o sistema capitalista da posição mais à esquerda. Eles compreendem melhor que esse sistema destrói a sociedade moral e política. Eles não atribuem um papel progressista ao capitalismo, como os marxistas fazem. Sua abordagem às sociedades destruídas pelo capitalismo é
mais positiva. Eles não veem estas sociedades como atrasadas e fardadas ao declínio, acham a sobrevivência delas algo mais moral e político.

2. Eles têm uma abordagem mais abrangente e realista em relação ao poder e ao estado em comparação aos marxistas. Bakunin é quem disse que o poder é o mal absoluto. No entanto, exigir a remoção do poder e do estado imediatamente, de qualquer forma, é utópico e uma abordagem que tem pouca chance de ser realizada na prática. Eles foram capazes de prever que o socialismo não pode ser construído com base no estado e no poder, e que isso pode acabar em um capitalismo mais perigoso e burocrático.

3. Sua previsão, de que o estado-nação centralista seria um desastre para toda a classe trabalhadora e movimentos populares e esmagaria suas esperanças, é realista. Eles também acabaram corretos em suas críticas aos marxistas em relação à unificação da Alemanha e da Itália. Sua declaração sobre a história se desenvolvendo em favor dos estados-nação significaria uma grande perda para a utopia da liberdade e igualdade, suas críticas aos marxistas por tomarem posição ao lado do estado-nação e culpá-los pela traição são aspectos importantes a serem enfatizados. Eles defenderam o confederalismo.

4. Suas ideias e críticas sobre burocratismo, industrialismo e urbanização são verificáveis até certo nível. Por desenvolver uma postura antifascista e ecologista desde seu estágio inicial, essas ideias e críticas desempenharam um papel importante.

5. Suas críticas ao socialismo real também são verificáveis através da dissolução do sistema. Eles são a fração que melhor diagnosticou que o que foi construído não foi socialismo, mas capitalismo de estado.

Apesar de todas essas ideias e críticas importantes e verificadas, é bastante intrigante que eles não conseguiram se massificar (tornar-se um movimento de massa, original em turco: kitleselleşme) e encontrar a chance de implementação prática. Acredito que isso vem de uma séria deficiência e enfermidade (falta de firmeza) em sua teoria. A falta em sua análise da civilização e a incapacidade de desenvolver um sistema aplicável desempenharam um papel importante nisso. A análise histórica da sociedade e a análise de soluções não foram desenvolvidas.

Além disso, eles próprios carregam o impacto da filosofia positivista. Não se pode dizer tanto que eles foram capazes de divergir das ciências sociais eurocêntricas. Seu maior fracasso, de acordo comigo, é não ser capaz de entrar em um pensamento e estrutura sistemática em relação à política democrática e à modernidade. Eles não fizeram o esforço detalhado de sistematizar e praticar (implementação), que corrigiria suas ideias e críticas. Talvez sua posição de classe tenha impedido isso.

Outro obstáculo importante é a reação que eles mostram contra todo tipo de autoridade, em suas visões teóricas e em suas vidas práticas. Projetar a reação que eles corretamente tem contra o poder e a autoridade do estado em toda forma de autoridade e ordem teve impacto de eles não trazerem a modernidade democrática em questão na teoria e na prática. Acredito para eles que o aspecto mais importante da autocrítica é não ver a legitimidade da autoridade democrática e a necessidade da modernidade democrática.

Além disso, não desenvolver a opção de nação democrática em vez de estado-nação é um importante ponto perdido e assunto de autocrítica. Sem dúvida, os anarquistas tiveram um impacto importante na dissolução do socialismo real, desenvolvimento de movimentos feministas e ecologistas e crescimento do “sociedade-civilismo” (original em turco: sivil toplumculuk) na esquerda. No entanto, repetir que eles provaram estar certos não significa muito. A pergunta que eles têm que responder é por que eles não desenvolveram uma atividade assertiva e construção de um sistema. Isso traz às nossas mentes a profunda lacuna entre a teoria e suas vidas. Eles foram realmente capazes de superar a vida moderna que eles criticam muito? Ou quão coerentes eles são nisso? Eles são capazes de deixar a vida eurocêntrica e entrar em uma verdadeira modernidade democrática global?

É possível multiplicar perguntas e críticas semelhantes. É um movimento que mostrou grandes sacrifícios na história, que carregou pensadores importantes, tomou espaço importante na arena intelectual com suas ideias e críticas importantes. O importante é reunir esse movimento e o legado dele dentro de um contrasistema coerente e expansível. Comparado aos socialistas reais, é mais possível para os anarquistas tenderem à práxis diária por meio da autocrítica.

Ainda é importante que eles tomem o lugar que merecem na luta econômica, social, política, intelectual e ética. Nas lutas que ganharam velocidade e avançaram com os aspectos culturais no solo do Oriente Médio, é possível para os anarquistas se renovarem e fazerem fortes contribuições. Eles são uma das forças importantes com as quais é necessário colaborar na obra de reconstrução da modernidade democrática.