O MOVIMENTO ANARQUISTA NO JAPÃO (1906-1996) [1]

John Crump

Introdução

Anarquistas no Japão! Para muitos, a própria ideia é surpreendente. A imagem popular do Japão é a de uma sociedade hierárquica e regulamentada, enquanto os japoneses são amplamente considerados como servos inabalavelmente leais à empresa e ao Estado. Mesmo dentro do Japão, há muitos japoneses que não sabem da existência do movimento anarquista, dos mártires que morreram pela causa e da luta prolongada que tem sido travada contra o Estado capitalista e a desumanidade que ele perpetrou ao longo dos anos. Não faz muito tempo, uma jovem japonesa que por acaso estava estudando em uma universidade estadunidense me escreveu pedindo informações sobre o movimento anarquista no Japão depois de ter lido um de meus artigos no Bulletin of Anarchist Research. O fato dela ter descoberto o movimento anarquista somente depois de deixar o Japão é uma boa ilustração da extensão da omissão da existência do anarquismo japonês no registro histórico oficial, filtrado no currículo educacional e ignorado pela mídia de massa.

Contexto Econômico e Histórico (1906-1911)

Claro, há um elemento (embora unilateral) de verdade na imagem popular do Japão e dos japoneses. Isso tem muito a ver com a forma como o Japão se modernizou nos anos de grande agitação social após 1868. Naquele ano, o poder chegou às mãos de um estreito círculo de jovens samurais que estavam determinados a fazer do Japão um país rico e militarmente forte. Para conseguir isso, eles pretendiam criar um Estado altamente centralizado, uma economia industrializada e um império ultramarino que compensaria a falta de matérias-primas no Japão. Essas eram metas ambiciosas para o que, naquela etapa, ainda era um país pequeno, fraco e atrasado, à margem da civilização mundial. Para realizar essas ambições, o povo japonês teve que ser forçado a se conformar, em parte persuadido e em parte coagido, a colocar os interesses do Estado antes dos seus e alimentar uma ideologia de orgulho nacional e serviço ao Imperador.

Por muitos anos, depois de 1868, a maior parte da população permaneceu camponesa, trabalhando na terra. A agricultura era a base da economia, uma vez que as indústrias só podiam ser estabelecidas espremendo a riqueza dos camponeses e canalizando-a para as fábricas, estaleiros e minas que foram montados com o incentivo do Estado. Para conseguir essa transferência de riqueza do setor agrícola da economia para as indústrias em desenvolvimento, um pesado imposto sobre a terra foi exigido. Um efeito disso foi que muitos camponeses que não podiam pagar seus impostos foram forçados a vender suas terras e se tornarem arrendatários. De uma sociedade composta principalmente por famílias de camponeses engajados na agricultura intensiva de pequenas parcelas de terra que eles próprios possuíam, o Japão foi transformado em um país onde a maior parte da terra era trabalhada por inquilinos que, normalmente, entregavam metade de suas safras na forma de aluguel para proprietários, frequentemente, ausentes. À medida que as condições da população agrícola se deterioravam, alguns cortaram seus laços com a terra, se mudaram para as cidades e procuraram trabalho nos nascentes empreendimentos industriais e comerciais.

Foi entre essa classe trabalhadora emergente que as primeiras tentativas para organizar sindicatos foram realizadas, no final do século XIX. Mas o Estado reagiu rapidamente introduzindo, em 1900, uma "lei policial de paz pública" que efetivamente baniu todas as organizações de trabalhadores e, desnecessário dizer, as greves. Não apenas os camponeses foram, por muitos anos, a espinha dorsal da economia, eles também foram o esteio do considerável exército de recrutas que o novo Estado rapidamente estabeleceu. Os anos formativos do camponês médio ou do jovem da classe trabalhadora eram passados com eles sendo moldados e disciplinados, primeiro na escola primária e depois no exército. O pronunciamento do Imperador, de 30 de outubro de 1890, conhecido como Rescrito Imperial sobre Educação, transmite bem as crenças que as autoridades tentaram implantar nas mentes dos jovens. Lê-se em uma parte:

Respeite sempre a Constituição e observe as leis; em caso de emergência, ofereça-se corajosamente ao Estado; e assim guarde e mantenha a prosperidade de Nosso Trono Imperial coevo com o céu e a terra. Assim, não apenas sereis nossos súditos bons e fiéis, mas tornareis ilustres as melhores tradições de seus antepassados. (BORTON, 1970, p. 205)

Garotas camponesas e trabalhadoras da cidade escaparam parcialmente dessa lavagem cerebral organizada, em parte porque eram mais propensas do que seus irmãos a não irem à escola para ajudar em casa, mesmo durante os poucos anos de escolaridade obrigatória. No entanto, o peso da convenção também pesava sobre as moças, pois eram instadas a se tornarem "uma boa esposa e uma mãe sábia" e eram ensinadas desde cedo que o destino de uma mulher é obedecer aos três homens em sua vida – o seu pai na juventude, o marido no auge e o filho mais velho na velhice.

Não é de surpreender que, embora os estadistas tenham tido sucesso em alcançar a maioria de seus objetivos de transformar o Japão em um país mais rico e poderoso e a maioria dos homens e mulheres japoneses se conformasse aos papéis prescritos para eles, alguns indivíduos corajosos resistiram à tendência dos tempos. Além disso, justamente porque o Japão era uma sociedade altamente conformista, a reação contra o conformismo foi ainda mais intensa quando ocorreu, uma vez que as demandas do Estado por obediência e lealdade absolutas deixavam pouco espaço para concessões, meias-medidas liberais ou a rota de fuga da excentricidade. As principais estruturas do Estado japonês moderno foram estabelecidas no final do século XIX e os oponentes do regime estiveram, inicialmente, inclinados a incorporar ideologias ocidentais como o cristianismo e a social-democracia, na crença de que estas ofereciam modelos alternativos e mais humanos para a modernização.

O que expôs as inadequações do Cristianismo e da social-democracia foi a primeira grande guerra do Japão no século XX, a Guerra Russo-Japonesa de 1904-1905. Apesar de sua natureza inconfundivelmente imperialista, muitos cristãos japoneses estavam preparados para apoiar esta guerra como um meio de ganhar a simpatia do Estado, enquanto muitos social-democratas em todo o mundo apoiavam uma vitória japonesa, sob o argumento de que isso precipitaria uma revolução na Rússia. Aqueles que estavam determinados a resistir tanto ao Estado quanto à guerra se voltaram para outros lugares em busca de inspiração política e, ao fazê-lo, lançaram as bases do movimento anarquista japonês.

Kôtoku Shûsui e a Emergência do Anarquismo Japonês

Kôtoku Shûsui[2] desempenhou um papel importante na introdução do anarquismo no Japão.[3] Ele nasceu em 1871, na cidade provincial de Nakamura, na província de Kôchi, a cerca de 700 quilômetros a oeste de Tóquio em linha reta. Ainda hoje, se você visitar Nakamura, descobrirá que seu túmulo é bem cuidado, uma ampla evidência de que ainda é um lugar que as pessoas visitam a fim de reconhecer suas dívidas intelectuais e políticas para com Kôtoku. Depois de se mudar para a Tóquio na adolescência, Kôtoku tornou-se jornalista em 1893 e a partir de 1898 se tornou um popular colunista do jornal diário mais radical da época, o Notícias de Todas as Manhãs (Yorozu Chôhô). Politicamente, Kôtoku saiu do liberalismo, movimento que inicialmente o atraiu para a social-democracia, fez parte de um pequeno grupo que tentou organizar um Partido Social-Democrata em Tóquio em maio de 1901, apenas para vê-lo imediatamente banido pelo governo.

Kôtoku era um homem de considerável integridade e coragem, que se apegou a seus princípios, por mais dolorosas ou perigosas que fossem as consequências. À medida que a guerra com a Rússia se aproximava, o jornal liberal e anteriormente anti-guerra Notícias de Todas as Manhãs alinhou-se com a opinião orquestrada pelo governo e tornou-se cada vez mais beligerante. Kôtoku recusou-se a seguir a nova linha do jornal e, em vez disso, optou por renunciar ao emprego que até agora lhe proporcionava uma renda estável e uma "voz" na sociedade respeitável. Junto com outro jornalista do Notícias de Todas as Manhãs, chamado Sakai Toshihiko, ele dava agora o arriscado passo de lançar um jornal abertamente anti-guerra, em uma época de militarismo cada vez mais histérico. Este era o jornal semanal Jornal do Povo Comum (Heimin Shinbun), cuja primeira edição apareceu em novembro de 1903 e que lutou bravamente contra o beligerante governo até ser forçado a deixar de existir em janeiro de 1905. Ao longo de sua breve existência, os editores e jornalistas do Heimin Shinbun foram repetidamente processados, multados e presos por infrações às sufocantes leis de imprensa e, em fevereiro de 1905, Kôtoku começou a cumprir uma pena de cinco meses de prisão por um desses crimes.

O Heimin Shinbun não era um jornal anarquista. Sua razão de ser era a oposição à guerra e, na medida em que seus apoiadores tinham quaisquer outras visões políticas comuns, estas eram em grande parte social-democratas. Esse, é claro, foi um período em que, de longe, o partido social-democrata mais influente do mundo foi o SPD alemão. Ser um “marxista” nesta época anterior à Revolução Russa não significava ser leninista, mas compartilhar a perspectiva política de Kautsky, Bernstein e outros líderes do SPD. Quando Kôtoku e outros tentaram fundar o Partido Social-Democrata Japonês (Shakai Minshutô) em 1901, eles optaram por um programa de reformas políticas semelhantes ao do SPD e influências parecidas estavam agindo sobre Kôtoku e Sakai quando eles traduziram conjuntamente o Manifesto Comunista de Marx e Engels e o publicaram no Heimin Shinbun em novembro de 1904. Esta foi a primeira tradução para o japonês do Manifesto Comunista e a edição do Heimin Shinbun que o publicou não só foi proibida de ser vendida, como Kôtoku e Sakai foram severamente multados.

Depois que Kôtoku retornou, em julho de 1905, dos cinco meses que passou na prisão, ele afirmou que “tinha ido [para a prisão] como um socialista marxista e retornado como um anarquista radical” (SHIOTA, 1965, p. 433 ). Na verdade, a mudança em suas visões políticas foi menos nítida do que o indicado, mas não pode haver dúvida de que suas ideias estavam se movendo em direção ao anarquismo. Enquanto estava na prisão, Kôtoku leu Campos, Fábricas e Oficinas de Kropotkin e também pensou muito sobre a posição do Imperador na sociedade japonesa. Como o SPD alemão, os social-democratas japoneses mantiveram silêncio sobre a instituição imperial. Na pior das hipóteses, isso acontecia porque alguns deles consideravam a social-democracia apenas uma questão de instalar um novo governo, mas deixando as bases da sociedade japonesa (da casa imperial ao sistema de salários) inalteradas. Na melhor das hipóteses, os social-democratas mais radicais julgavam prudente simplesmente ignorar o imperador e deixar a resolução desse problema para o futuro. No entanto, Kôtoku estava se tornando cada vez mais consciente de até que ponto o imperador era o eixo da ideologia e da máquina do Estado que juntos mantinham o capitalismo existindo no Japão.

Com essa consciência cada vez maior de que o capitalismo e o Estado só poderiam acabar no Japão se a instituição do Imperador também fosse abolida, Kôtoku decidiu, após sua libertação da prisão, fugir do Japão por um tempo para que pudesse “criticar livremente a posição de 'Sua Majestade' e das instituições políticas e econômicas em uma terra estrangeira em que a mão perniciosa de 'Sua Majestade' não o pudesse alcançar” (SHIOTA, 1965, p. 434). Foi com esse estado de espírito que Kôtoku deixou o Japão em novembro de 1905 para passar seis meses nos Estados Unidos. Como material de leitura para a longa viagem marítima, ele levou consigo Memórias de um Revolucionário, de Kropotkin.

Influências Estadunidenses

Kôtoku permaneceu nos EUA (principalmente na Califórnia) até junho de 1906 e absorveu muitas influências que se mostraram cruciais não apenas para ele, mas para o anarquismo japonês como um todo. Em primeiro lugar, havia o anarco-comunismo defendido por Kropotkin e outros. Kôtoku começou a se corresponder com Kropotkin durante seu tempo nos Estados Unidos, mas também foi exposto às ideias anarco-comunistas de muitos outros quadrantes enquanto interagia com os numerosos ativistas políticos na Califórnia que sustentavam tais ideias nos primeiros anos deste século. A influência anarco-comunista atuando em Kôtoku (e através dele no movimento no Japão) é mais bem simbolizada pelo que muitos consideram a maior obra de Kropotkin, A Conquista do Pão. Kôtoku adquiriu um exemplar deste livro em inglês enquanto estava nos EUA e começou a traduzi-lo quando voltou ao Japão. Por fim, uma edição clandestina de mil exemplares foi publicada em março de 1909 e amplamente distribuída entre estudantes e trabalhadores.

A segunda influência importante foi o sindicalismo revolucionário, em parte na forma do recém-formado Industrial Workers of the World (IWW) organizado em Chicago em junho de 1905 e em parte como panfletos e artigos sobre o movimento sindicalista revolucionário europeu que estavam prontamente disponíveis na Califórnia. Sabemos que, pouco depois de Kôtoku chegar a São Francisco, três membros do IWW o procuraram e o convidaram para falar em uma de suas reuniões.[4] Quanto ao sindicalismo revolucionário europeu, o panfleto do anarquista alemão Siegfried Nacht, A Greve Geral Social, foi publicado em inglês com o pseudônimo “Arnold Roller” em Chicago em junho de 1905 para coincidir com a conferência de fundação da IWW. Novamente, Kôtoku obteve uma cópia deste panfleto e o traduziu para o japonês após retornar dos EUA. Em 1907, foi publicado clandestinamente, usando o estratagema de dar-lhe o título inócuo de O Futuro da Organização Econômica para despistar as autoridades. Mais uma vez, alcançou uma distribuição nacional entre os militantes políticos.

A terceira maior influência foi o terrorismo político, que influenciou Kôtoku e outros menos por fontes anarquistas do que por meio do exemplo dado pelo Partido Socialista Revolucionário Russo (os SRs), cuja “organização de luta” havia realizado numerosos assassinatos de funcionários czaristas. As façanhas dos SRs eram amplamente conhecidas até mesmo nos EUA e eram muito admiradas pelos ativistas políticos com quem Kôtoku entrou em contato na Califórnia. Pouco antes de Kôtoku retornar ao Japão, mais de 50 imigrantes japoneses (dos mais de 70 mil que se estabeleceram na costa oeste) se reuniram em Oakland, na Califórnia, em 1º de junho de 1906, para fundar um Partido Socialista Revolucionário (Shakai Kakumeitô em japonês).

Este Partido Socialista Revolucionário careceu de recursos para sustentar a atividade organizada por muito tempo, mas durante 1906-1907 publicou vários números de um jornal chamado Kakumei (Revolução), cujo conteúdo foi revelador. O Kakumei declarou que “o reformismo e a política parlamentar” eram “como tentar combater um fogo violento com uma pistola de água de criança”. Como alternativa, acreditava que o único meio revolucionário eficaz era a violência armada: “O único meio é a bomba. O meio pelo qual a revolução também pode ser financiada é a bomba. O meio para destruir a classe burguesa é a bomba” (SUZUKI, 1964, p. 467) .

O Kakumei também descreveu o imperador japonês como "uma ferramenta controlada pela atual classe dominante com o propósito de escravizar as massas" (SUZUKI, 1964, p. 478). No aniversário do imperador, em 3 de novembro de 1907, alguns dos associados ao Partido Socialista Revolucionário emitiram nos EUA um folheto intitulado “Terrorismo” (Ansatsushugi) que ameaçava um ataque armado ao imperador. Dirigindo-se ao imperador pelo seu nome pessoal, Mutsuhito, o folheto terminava com as palavras: “Mutsuhito, pobre Mutsuhito! Sua vida está quase no fim. As bombas estão à sua volta e estão a ponto de explodir. É um adeus para você” (SUZUKI, 1964).

A notícia da distribuição deste folheto nos EUA foi retransmitida ao Japão e causou sensação nos círculos dirigentes. Funcionários indignados mal podiam acreditar que algum japonês ousaria se dirigir ao, supostamente, sagrado imperador dessa maneira e juraram vingança assim que surgisse a oportunidade. Três anos depois, eles teriam sua chance.

O retorno de Kôtoku e os anarquistas se organizam no Japão

Assim que Kôtoku voltou dos EUA, uma grande reunião pública foi organizada em Tóquio para recebê-lo de volta e dar-lhe a oportunidade de relatar como suas ideias se desenvolveram enquanto esteve no exterior. Nesta reunião, realizada em 28 de junho de 1906, Kôtoku falou sobre “A Maré do Movimento Revolucionário Mundial”, que afirmou estar fluindo contra o parlamentarismo e em direção à greve geral como “o meio para a futura revolução”.[5] Ele deu seguimento a seu discurso com numerosos artigos na imprensa revolucionária, todos eles repudiando o parlamentarismo social-democrata e defendendo a ação direta. O mais conhecido desses artigos foi “A Mudança em Meu Pensamento (Sobre o Sufrágio Universal)”, que foi publicado em 5 de fevereiro de 1907. Alguns trechos deste extenso artigo mostrarão até que ponto a perspectiva política de Kôtoku mudou:

Eu quero fazer uma confissão honesta. Minhas opiniões sobre os métodos e a política a serem adotados pelo movimento socialista começaram a mudar um pouco desde a época em que fui para a prisão alguns anos atrás. Então, durante minhas viagens no ano passado, elas mudaram dramaticamente. Se me lembro de como eu era há alguns anos, tenho a sensação de que agora sou quase uma pessoa diferente.

(...) Se eu fosse resumir o que penso agora, seria do seguinte modo: “Uma verdadeira revolução social não pode ser alcançada por meio do sufrágio universal e de uma política parlamentar. Não há maneira de alcançar nosso objetivo socialista a não ser pela ação direta dos trabalhadores unidos como um só.”

(...) Anteriormente, eu ouvia apenas as teorias dos socialistas alemães e aqueles da mesma corrente e dava muita ênfase à eficácia dos votos e do parlamento. Eu costumava pensar: “Se o sufrágio universal for alcançado, então certamente a maioria de nossos camaradas será eleita. E se a maioria dos assentos no parlamento for ocupada por nossos camaradas, então o socialismo pode ser posto em prática por meio de uma resolução parlamentar”. É verdade, claro, que reconheci ao mesmo tempo a necessidade urgente da solidariedade dos trabalhadores, mas ainda assim acreditava que pelo menos a primeira prioridade para o movimento social no Japão era o sufrágio universal. Meus discursos e artigos estavam cheios disso, mas agora penso nisso como uma ideia extremamente infantil e ingênua.

(...) O que a classe trabalhadora precisa não é a conquista do poder político, é a “conquista do pão”. Não são leis, mas comida e roupas. Portanto, segue-se que o parlamento quase não tem utilidade para a classe trabalhadora. Suponha que devêssemos ir tão longe ao ponto de colocar nossa fé e confiança simplesmente em coisas como a introdução de um parágrafo em uma lei parlamentar aqui ou revisando várias cláusulas em algum projeto de lei ou outro ali. Nesse caso, poderíamos realizar nossos objetivos simplesmente colocando nossa confiança nos defensores da reforma social e nos socialistas estatistas. Mas, se em vez disso, o que queremos é realizar uma verdadeira revolução social, melhorar e manter os reais padrões de vida da classe trabalhadora, devemos concentrar todos os nossos esforços não no poder parlamentar, mas no desenvolvimento da solidariedade dos trabalhadores. E os próprios trabalhadores também devem estar dispostos a não depender de figuras como parlamentares e políticos burgueses, mas a alcançar seus objetivos por meio de seu próprio poder e sua própria ação direta. Repetindo: a última coisa que os trabalhadores devem fazer é confiar nos votos e nos deputados.

(...) Espero que, de agora em diante, nosso movimento socialista no Japão abandone seu compromisso com uma política parlamentar e adote como seu método e política a ação direta dos trabalhadores unidos como um só. (SHUSUI, 1907, p. 1)

As novas ideias de Kôtoku surpreenderam seus camaradas. A maioria estava acostumada a aceitar a garantia do SPD de que sua doutrina representava as forças da razão, do progresso e da boa ordem dentro da sociedade, ao passo que haviam sido ensinados, pela mesma fonte, que o anarquismo era uma reação primitiva e caótica à repressão política, que não tinha nada em comum com o “socialismo científico”. No entanto, aqui estava o socialista mais conhecido e intelectualmente mais talentoso de sua época, desafiando os ensinamentos do SPD e argumentando de forma coerente e persuasiva a favor do anarquismo. Alguns dos social-democratas japoneses resistiam à nova linha de pensamento. Por exemplo, em setembro de 1907, Katayama Sen, que foi o pioneiro das ideias social-democratas e trabalhistas no Japão e que, anos depois, se tornou um dos lacaios de Stálin no Comintern (há uma placa em sua homenagem na parede do Kremlin em Moscou) , rejeitou com desprezo o anarquismo de Kôtoku da seguinte forma:

O movimento socialista do Japão está um tanto debilitado e prejudicado por causa das visões anarquistas sustentadas por alguns que professam ser...socialistas e têm alguma influência entre seus camaradas. Aqueles que passaram para o anarquismo se opõem às táticas legislativas e parlamentares e ao movimento político, e pregam a chamada ação direta ou uma greve geral revolucionária ou destrutiva. Lamentamos que alguns de nossos melhores camaradas tenham mudado para os pontos de vista acima e não nos acompanhem mais… (KATAYAMA, 1907, p. 1)

Katayama estava certo em um aspecto, muitas vezes foram os social-democratas mais capazes que responderam positivamente ao desafio de Kôtoku às suas opiniões anteriormente defendidas. Para muitos socialistas mais jovens, o apelo de Kôtoku a favor do anarquismo veio como uma lufada de ar fresco e ele logo reuniu ao seu redor um corpo de apoio impressionante. Ôsugi Sakae, Arahata Kanson, Yamakawa Hitoshi e muitos outros desempenharam papéis importantes nesta época na popularização das ideias de autolibertação e ação direta, embora nos anos posteriores alguns como Arahata e Yamakawa sucumbissem à ilusória promessa do bolchevismo.

Enquanto Kôtoku estava nos Estados Unidos, uma segunda tentativa foi feita para formar um partido social-democrata. Conhecido nesta época como Nippon Shakaitô (Partido Socialista do Japão), foi fundado em fevereiro de 1906 e inicialmente foi tolerado pelas autoridades, principalmente porque cortejou a respeitabilidade e se comprometeu a “defender o socialismo dentro dos limites da lei do país”.[6] Um desenvolvimento relacionado a isso foi o relançamento do Heimin Shinbun (Jornal do Povo Comum), em janeiro de 1907, desta vez como um diário. Embora o Partido Socialista do Japão fosse uma organização pequena, com apenas cerca de 200 membros, Kôtoku o descreveu corretamente em dezembro de 1906 como um amálgama de muitos elementos diferentes:

Social-democratas, socialistas revolucionários e até socialistas cristãos (…). Muitos de nossos camaradas estão inclinados a adotar as táticas do parlamentarismo em vez do sindicalismo ou do anarquismo. Mas não é porque eles estão seguramente convencidos de que isso é verdade, mas por causa de sua ignorância sobre o comunismo anarquista. Portanto, nosso trabalho mais importante no momento é a tradução e publicação da literatura anarquista e de pensamento livre (SHIOTA, 1965, p. 441).

As questões levantadas pela nova postura de Kôtoku foram exaustivamente debatidas em uma conferência do Partido Socialista do Japão, realizada em Tóquio em 17 de fevereiro de 1907. Muitas das opiniões apresentadas representavam uma ruptura com a social-democracia e os delegados apoiaram um chamado à greve fora das regras do partido, que estavam comprometidas a operar “dentro dos limites da lei do país”. Isso não apenas levou ao banimento do Partido Socialista do Japão do governo, em 22 de fevereiro de 1907, mas as tensas relações entre social-democratas e anarquistas rapidamente chegaram ao ponto de uma divisão total. Quando o diário Jornal do Povo Comum fechou em abril de 1907, devido aos efeitos combinados de dificuldades financeiras e perseguição do governo, foi substituído em junho de 1907 por dois jornais separados - o semanário Shakai Shinbun (Notícias Sociais), que estava sob o controle sociais-democratas, e o Ôsaka Heimin Shinbun (Jornal do Povo Comum de Ôsaka) bimestral, que defendia fortemente a ação direta. Este desenvolvimento representou a divisão definitiva entre social-democratas e anarquistas no Japão. Desse momento em diante, o anarquismo permaneceu como uma corrente distinta e organizada separadamente, que se opunha tanto à social-democracia (e mais tarde ao bolchevismo) quanto ao capitalismo convencional (CRUMP, 1983).

Preparando a Repressão

Foi mencionado anteriormente que as ideias anarquistas que Kôtoku trouxe dos EUA eram uma mistura de comunismo anarquista, sindicalismo e terrorismo. O próprio Kôtoku era antes de mais nada um anarco-comunista (um “Kropotkiniano”, se se deseja usar o termo). As condições no Japão fizeram o anarco-comunismo parecer altamente relevante e atraente. Como a Rússia que inspirou a visão de Kropotkin de uma sociedade baseada na propriedade comum, federação libertária e apoio mútuo, o Japão também era uma sociedade amplamente agrária. Suas aldeias agrícolas pareciam prontas para a conversão em comunas anarquistas, especialmente, porque as práticas associadas à produção de arroz deram origem a uma cooperação e solidariedade profundamente arraigadas entre os agricultores. Muitos anarquistas, além de Kôtoku, ficaram entusiasmados com a visão anarco-comunista e se lançaram no esforço de popularizar essa perspectiva de como a sociedade poderia ser organizada. Um exemplo entre muitos foi Akaba Hajime, que em 1910 escreveu o panfleto Nômin no Fukuin (O Catecismo do Agricultor). Aqui, Akaba preencheu habilmente a lacuna entre a comunidade da aldeia do passado, que os efeitos corrosivos do mercado estavam minando, e a comuna revolucionária do futuro vislumbrado. Ele escreveu:

Devemos enviar os ladrões de terras [ou seja, os proprietários] para a guilhotina revolucionária e retornar à "comunidade da aldeia" de muito tempo atrás, que nossos ancestrais remotos desfrutavam. Devemos construir o paraíso livre do "comunismo anarquista" que complementará a estrutura da aldeia comunitária com o conhecimento científico mais avançado e com a moralidade elevada do apoio mútuo. (AKABA, 1960, p. 294)

Os métodos políticos empregados pelos anarco-comunistas foram, em geral, a divulgação de suas ideias por meio de propaganda escrita e oral. Na tentativa de difundir a palavra, no entanto, eles se depararam com a intensa repressão imposta pelo Estado. Após a forçada dissolução do Partido Socialista do Japão em 1907, reuniões públicas eram interrompidas rotineiramente, a distribuição de publicações foi proibida e os anarquistas foram submetidos a muitos tipos de perseguições diárias, desde violência policial até demissão do trabalho e perseguição por detetives. O que aconteceu com Akaba foi um exemplo. Após a publicação de O Catecismo do Agricultor, ele foi forçado a ir para a clandestinidade por causa das críticas deste panfleto ao Imperador, acabou sendo preso pela polícia e morreu na prisão de Chiba em 1 de março de 1912, após um período de greve de fome.

O sindicalismo era atraente para muitos anarquistas porque parecia estar em sintonia tanto com a rápida expansão da indústria, que estava em curso no Japão na época, quanto com a marcante combatividade de setores da classe trabalhadora, como os mineiros. Havia uma crença entre anarquistas de inclinação sindicalista de que, por mais trunfos que o Estado e os patrões tivessem nas mãos, eles ainda tinham seu calcanhar de Aquiles. A linha de raciocínio em ação aqui era que o Estado capitalista precisava se industrializar para realizar suas ambições econômicas e militares, mas que, uma vez que a indústria dependia da classe trabalhadora, quanto mais forte o Japão se tornava industrialmente, mais ele se tornava vulnerável a uma greve geral conduzida por trabalhadores determinados e bem organizados.

Essa linha de pensamento ganhou mais plausibilidade pela frequência com que os trabalhadores explorados respondiam à arrogância dos patrões com greves, algumas das quais alcançaram proporções insurrecionais. O mais famoso caso de uma greve que evoluiu para violência contra as empresas e confronto armado contra o exército nesse período foi a disputa na mina de cobre de Ashio em fevereiro de 1907. Depois que os mineiros de Ashio entraram em greve, eles cortaram o fornecimento de eletricidade, explodiram e incendiaram edifícios da empresa, deram uma surra severa no gerente geral com seus cabos de picareta, atacaram uma delegacia de polícia próxima e, finalmente, lutaram contra três companhias de infantaria que foram enviadas para a ação contra eles. Embora a disputa de Ashio tenha sido o caso mais conhecido de greve insurrecional neste momento, estava longe de ser o único. Nos meses que se seguiram, uma série de conflitos em outras minas se transformaram em violência e os ataques a funcionários e destruição de propriedade de empresas não eram nem um pouco incomuns em outras indústrias (CRUMP, 1983, p. 158–67).

Embora os anarquistas, obviamente, tenham dado boas-vindas aos sinais de que os trabalhadores estavam preparados para lutar para melhorar suas condições, a situação nunca mostrou quaisquer sinais, neste estágio, de ir além do ponto onde o Estado poderia controlá-la. Enquanto as disputas trabalhistas ocorressem uma a uma, o Estado poderia concentrar seus recursos primeiro aqui e depois ali, a fim de quebrar a resistência de grupos isolados de trabalhadores. O que a situação exigia, como ensinava a teoria sindicalista, era uma federação de sindicatos que pudesse coordenar ações desarticuladas, superar a fragilidade do isolamento e elevar a luta ao nível de greve geral. Isso, entretanto, se mostrou impossível de se conseguir neste período devido às disposições da já mencionada “lei de polícia de paz pública”. Talvez porque o Estado capitalista estivesse ciente do fato de que era mais vulnerável na frente econômica do que na política, era ainda mais draconiano na forma como tratava organizações de trabalhadores do que grupos socialistas e jornais. Mesmo o mais brando dos sindicatos não era tolerado, de modo que qualquer um que tentasse se formar era imediatamente eliminado.

Com as rotas anarco-comunistas e anarquistas sindicalistas efetivamente bloqueadas, não é de surpreender que alguns anarquistas tenham se voltado para o terrorismo, a terceira das maiores influências atuando no movimento anarquista japonês. No entanto, mesmo quando por volta de 1908 alguns anarquistas começaram a brincar com a ideia de enfrentar a violência do Estado com sua própria violência, na esperança de desencadear uma revolta popular mais ampla, seus planos nunca foram além do estágio de experimentação com explosivos. Como uma fração do movimento anarquista como um todo, apenas alguns poucos estavam envolvidos. Além disso, em uma sociedade altamente repressiva como o Japão, onde todos os dissidentes conhecidos eram mantidos sob estreita vigilância, demorou um tempo considerável para adquirir as informações e materiais necessários. Quando quatro anarquistas foram presos, em 25 de maio de 1910, após a polícia descobrir um estoque de equipamentos para fabricação de bombas, nenhum ataque havia sido realizado ainda contra qualquer alvo. O máximo que se conseguiu foi a detonação bem-sucedida de uma bomba experimental nas montanhas. No entanto, aqui estava a oportunidade que as autoridades esperavam desde o folheto “Terrorismo”, de 1907. Centenas de suspeitos foram levados sob custódia e um caso foi inventado, alegando que 26 deles estavam envolvidos em um complô para assassinar o Imperador (NOTEHELFER, 1971; CRUMP, 1983; ANARKOWIC, 1994).

O julgamento foi realizado em dezembro de 1910, fechado ao público, e a forma como o Estado lidou com toda a investigação indicava que não iria permitir que sutilezas legais interferissem em sua determinação de paralisar o movimento anarquista. A única coisa que impediu as autoridades de envolverem números ainda maiores no caso foi que vários anarquistas proeminentes, como Ôsugi Sakae, já estavam cumprindo sentenças de prisão por outros crimes e dificilmente poderiam ser implicados em conspirações que deveriam ter ocorrido enquanto eles estavam atrás das grades. Previsivelmente, todos os 26 réus foram considerados culpados e todos, exceto dois, foram condenados à morte. Embora doze dos que aguardavam execução tiveram suas sentenças comutadas para prisão perpétua, entre os doze restantes que o Estado estava determinado a enforcar estava Kôtoku Shûsui. Na época da execução de Kôtoku, em 24 de janeiro de 1911, o movimento anarquista japonês já estava reduzido a um estado de quase hibernação que ficou conhecido como seu “período de inverno”.

O Estado estava determinado a fechar todos os jornais, proibir todas as reuniões e, de maneira geral, tornar a vida intolerável para os anarquistas que tentassem sustentar qualquer forma de atividade. Para muitos, não havia alternativa a não ser retirar-se para o campo, buscar algum tipo de vida da terra e aguardar por uma mudança de circunstâncias nos próximos anos. Outros foram para o exílio. Ishikawa Sanshirô, que havia sido repetidamente preso por crimes contra a lei de imprensa, deixou o Japão e foi para a Europa em 1913 e só voltou em 1920. Porém, o importante é que as ideias não morreram, nem a chama foi extinta. O movimento, de alguma forma, sobreviveu aos longos anos de obliteração quase total que agora se seguiam, de modo que, quando uma mudança nas condições após a Primeira Guerra Mundial forçou o Estado a relaxar ligeiramente seu estrangulamento, o anarquismo ressurgiu mais forte do que nunca.

Segundo Período (1912 – 1936)

Ao longo dos anos entre 1912 e 1936, o comunismo anarquista, o sindicalismo e o terrorismo permaneceram como tendências identificáveis dentro do anarquismo japonês. Durante a primeira metade desse período, foi o sindicalismo que predominou intelectualmente, enquanto na segunda metade o pêndulo oscilou para o anarco-comunismo. Comparado a essas duas influências teóricas principais, o terrorismo nunca foi mais do que uma subcorrente menor no movimento anarquista, mas, embora aqueles inclinados à luta armada sempre tenham sido uma pequena minoria, a repressão estatal incessante garantiu que, invariavelmente, houvesse alguns anarquistas cuja raiva e frustração transbordasse em tentativas de retribuir seus opressores na mesma moeda.

Existem várias razões pelas quais o sindicalismo havia predominado inicialmente. Durante o “período de inverno”, que durou até 1918, os anarquistas estavam cientes de que estavam quase indefesos em face de um Estado particularmente cruel, que tinha uma força avassaladora à sua disposição e não hesitaria nem mesmo em usar assassinatos legalmente sancionados para suprimir o anarquismo. Embora a organização sindical ainda fosse proibida, ao menos como proposição teórica, a ideia de que um movimento sindical de massas poderia servir de baluarte contra o poder do Estado tinha forte apelo. Em segundo lugar, com a morte de Kôtoku, Ôsugi Sakae tornou-se o pensador mais talentoso e o escritor mais produtivo nas fileiras anarquistas e passou a ser muito inspirado pelo crescimento da federação sindicalista francesa, a CGT. Foi principalmente por meio dos artigos de Ôsugi que a CGT foi apontada como um exemplo para os trabalhadores japoneses emularem. Em terceiro lugar, a reputação do anarco-comunismo foi manchada, ainda que temporariamente, quando Kropotkin sucumbiu ao chauvinismo francês, após a eclosão da Primeira Guerra Mundial. Posteriormente, os anarco-comunistas foram tranquilizados quando Malatesta e outros reiteraram a oposição de princípio à guerra, mas a posição de Kropotkin, no entanto, causou um choque grave para aqueles que absorveram o comunismo anarquista de fontes como A Conquista do Pão.

Um golpe de sorte fortuito para os sindicalistas anarquistas foi o sucesso em conseguir publicar o jornal Kindai Shisô (Pensamento Moderno), mesmo nas profundezas do “período de inverno”. Durante essa época, houve muitas tentativas de lançar diferentes jornais por parte dos anarquistas, mas, quase sem exceção, eles foram fechados e seus editores multados e presos. A única exceção foi o Kindai Shisô, que Arahata Kanson e Ôsugi Sakae começaram em outubro de 1912 e que conseguiram publicar mensalmente até setembro de 1914. O Kindai Shisô sobreviveu por dois anos, principalmente porque conseguiu apresentar ideias sindicalistas sob a forma de discussão filosófica mais do que como uma proposição realizável. Em associação com o Kindai Shisô, Arahata e Ôsugi também organizaram um Grupo de Estudos de Sindicalismo (Sanjikarizumu Kenkyû Kai) que realizou várias reuniões públicas entre 1913 e 1916. Mais uma vez, as autoridades provavelmente não conseguiram avaliar o verdadeiro significado das reuniões do Grupo de Estudos de Sindicalismo porque elas atraíram principalmente jovens intelectuais em vez de trabalhadores. Apesar dessa desvantagem, o grupo foi um importante impulsionador do moral no que seria um período de tristeza implacável e derrota contínua.

Fim do “Período de Inverno”

O que pôs fim ao “período de inverno” foi a espontânea eclosão de revolta popular que ocorreu no verão de 1918 na forma dos “motins do arroz” em todo o país. Os anos da Primeira Guerra Mundial foram um período de boom para o capitalismo japonês, à medida que as empresas japonesas se aproveitaram dos problemas trazidos pela guerra que interferiam nas operações de seus rivais europeus. Com o boom da economia, a inflação aumentou e o preço do arroz, o alimento básico, disparou em uma espiral ascendente de forma assustadora no último ano da guerra, deixando os salários para trás. Como resultado, uma pequena manifestação de pescadoras na província de Toyama, em 23 de julho de 1918, em protesto contra o embarque de arroz para fora de seu distrito, desencadeou uma torrente de revolta que se espalhou por todo o Japão nas semanas seguintes, envolvendo centenas de “incidentes” de um tipo ou de outro. Nem todos esses distúrbios atingiram as proporções de tumultos em grande escala, mas em grandes cidades, uma após a outra, houve batalhas campais entre dezenas de milhares de manifestantes e a polícia, com o exército sendo convocado em muitos casos. Para as pessoas em Osaka, em 12 de agosto de 1918, por exemplo, parecia “que uma revolução realmente tinha acontecido”.[7] Aqui, finalmente, estava o tipo de situação com que os anarquistas haviam sonhado durante os anos sombrios do “período de inverno”. O Estado não estava mais no controle, havia muitos distúrbios para que ele pudesse concentrar suas forças e sufocar os protestos um de cada vez, e a classe dominante estava com medo de fazer concessões.

O Japão, de forma alguma, se tornou uma democracia liberal da noite para o dia como resultado dos distúrbios do arroz em 1918. Pelo contrário, a “lei de polícia de paz pública” e sua nova versão de 1925, a “lei de manutenção da paz pública”, permaneceram ao longo dos anos seguintes e os anarquistas continuaram a ser os principais alvos da repressão do Estado. Mas a supressão total de todas as atividades não era mais possível e os anarquistas foram rápidos em aproveitar as oportunidades que se apresentavam para se reagrupar, lançar novos jornais e se envolver nos movimentos dos trabalhadores e camponeses.

Não apenas houve tumultos generalizados nas ruas neste período, como também nas fábricas as disputas trabalhistas eram comuns. Em 1918, mais de 66 mil trabalhadores estiveram envolvidos em 417 disputas diferentes. Esses números podem parecer pequenos para os padrões atuais, mas precisam ser comparados com a cifra de menos de 1,5 milhão de trabalhadores empregados em todas as fábricas na época. Embora os sindicatos continuassem tecnicamente ilegais, o Estado não estava mais em posição de fazer cumprir a lei integralmente. A Sociedade Amiga (Yûaikai), que foi formada em 1912 com apenas 15 membros, expandiu sua organização e membros para 30 mil em 1918 e em 1921 mudou seu nome para Confederação Japonesa do Trabalho (Nihon Rôdô Sôdômei). É verdade que a maioria dos sindicatos recém-formados, tanto dentro quanto fora da Confederação Japonesa do Trabalho, eram, indubitavelmente, liderados por reformistas que estavam simplesmente procurando melhorar a posição dos trabalhadores dentro do capitalismo, ao mesmo tempo que buscavam construir carreiras para eles próprios.

No entanto, entre os sindicatos que surgiram neste período estavam alguns que abraçaram o anarquismo, tanto como objetivo de sua luta quanto como método de organização. Uma dessas entidades foi o sindicato dos impressores Shinyûkai, que, embora tivesse uma visão puramente reformista em 1916, quando foi formado pela primeira vez, em 1919 havia expandido seus membros para 1.500 e optou pelo anarquismo. Também em 1919, outro sindicato de impressores com inclinação anarquista, o Seishinkai, foi formado por 500 jornalistas. O Shinyûkai e o Seishinkai se uniram em 1923 para estabelecer uma federação de impressores e, em 1924, ela havia alcançado 3.850 membros, um número considerável para os padrões da época.

O Shinyûkai e o Seishinkai foram destacados para menção especial aqui porque os impressores formaram a espinha dorsal do movimento sindical anarquista durante os anos anteriores à guerra. No entanto, os sindicatos anarquistas não estavam de forma alguma confinados apenas à indústria gráfica. Uma declaração emitida em novembro de 1922 por grupos de trabalhadores que defendiam a organização com base na "federação libertária" e rejeitava a "autoridade centralizada" foi assinada por sindicatos que representam, entre outras seções da força de trabalho, relojoeiros, trabalhadores sem qualificação, trabalhadores de bondes, construtores navais, trabalhadores da construção e trabalhadores da comunicação.[8] Isso dá uma ideia da disseminação das ideias anarquistas entre a classe trabalhadora em geral.

Um importante grupo anarquista que foi formado em 1919 em resposta aos desenvolvimentos descritos acima foi o Grupo Rôdô Undô (Movimento Operário), que publicou um jornal com o mesmo nome. A característica mais marcante do jornal Rôdô Undô era que, enquanto anteriormente um jornal como o Kindai Shisô (Pensamento Moderno) recomendava o sindicalismo como um curso de ação a ser seguido e uma meta pela qual lutar, o Rôdô Undô estava mais preocupado em relatar e analisar lutas que, muitas vezes, assumiam uma forma anarquista, não importava se os trabalhadores conheciam a teoria sindicalista ou não. Isso fez com que, com o fim do “período de inverno”, o sindicalismo anarquista passasse do reino da teoria para o campo da prática. Em um sentido, isso representou o amadurecimento do sindicalismo anarquista em um contexto japonês, mas, em outro, forçou muitos anarquistas japoneses a enfrentar problemas inerentes ao sindicalismo, os quais eles desconheciam anteriormente. Voltaremos a isso a seguir quando discutirmos a divisão entre anarco-comunistas e anarquistas sindicalistas que ocorreu em 1928.

Anarquismo x Bolchevismo

No Japão, como em muitos países, levou-se algum tempo para se compreender a verdadeira natureza da Revolução Russa de 1917. Inicialmente, havia muitos anarquistas no Japão que simpatizavam com o pouco que sabiam sobre os bolcheviques. Imediatamente após a revolução, tudo o que se sabia sobre Lênin e seus seguidores era que eles haviam executado o czar, libertado a Rússia da guerra e, com isso, conquistado o ódio da burguesia e também dos social-democratas reformistas. À primeira vista, este parecia ser um curso de ação que muitos anarquistas poderiam ter seguido nas circunstâncias. Portanto, não foi surpreendente que o bolchevismo tenha atraído o interesse e simpatia de muitos anarquistas japoneses e que, embora alguns tenham percebido rapidamente que Lenin e seus camaradas eram simplesmente uma nova classe dominante com a intenção de consolidar seu poder, outros tenham sido tomados pelo novo credo e abandonaram em definitivo o anarquismo.

De fato, quando o Partido Comunista do Japão foi fundado, em 1922, entre seus líderes estavam Arahata Kanson (ex-co-editor, junto com Ôsugi, do Pensamento Moderno) e Yamakawa Hitoshi (que foi um dos primeiros a se unir a Kôtoku após sua “mudança de pensamento” tendo ajudado a traduzir A Conquista do Pão). Além disso, o primeiro presidente do Partido era ninguém menos que o velho amigo de Kôtoku, Sakai Toshihiko (que, embora nunca tenha sido um anarquista, pediu demissão, do Notícias de Todas as Manhãs em 1903 e ajudou Kôtoku a lançar o Jornal do Povo Comum). É interessante notar que, embora nenhum deles tivesse qualquer outra associação com o anarquismo, nenhum deles durou muito nas fileiras do Partido Comunista, uma vez que sua capacidade de pensamento independente os impedia de engolir as constantes reviravoltas na política do Comintern (BECKMANN; ÔKUBO, 1969, p. 8–78).

Embora Ôsugi nunca tenha dado sinais de que trocaria o anarquismo pelo bolchevismo, até ele estava pronto para aceitar um convite para visitar Xangai, em outubro de 1920, para discussões com agentes do Comintern. Ele voltou com 2 mil yenes para serem usados na retomada do jornal Movimento Operário, que teve sua publicação temporariamente interrompida em junho de 1920. O resultado desse financiamento do Comintern foi a segunda fase do Movimento Operário, que durou de janeiro a junho de 1921 e coincidiu com o ponto alto da cooperação entre anarquistas e partidários japoneses do bolchevismo (STANLEY, 1982). Durante este breve período, artigos escritos a partir de perspectivas anarquistas e bolcheviques apareceram lado a lado no Movimento Operário, mas não demorou muito para que as tensões no relacionamento começassem a aparecer. O regime de Lenin reprimiu o levante de Kronstadt contra o despotismo bolchevique em março de 1921.

Ôsugi logo começou a traduzir relatos de testemunhas oculares como Emma Goldman e Alexander Berkman sobre a repressão bolchevique aos anarquistas russos e, em pouco tempo, Ôsugi concluiu que havia pouca diferença entre o capitalismo de Estado russo e o capitalismo privado ocidental. A política bolchevique, escreveu ele, “lançou as cadeias da escravidão assalariada para o proletariado russo e arrastou os trabalhadores para uma situação pior do que as condições de trabalho encontradas em outros países capitalistas”.[9] O Movimento Operário continuou a ser publicado intermitentemente até outubro de 1927, mas, após o breve flerte entre anarquistas e bolcheviques que foi uma característica de seus primeiros números, ele logo se estabeleceu em um jornal totalmente anarquista que era inequivocamente oposto ao bolchevismo.

Paralelamente à cooperação temporária entre anarquistas e bolcheviques no campo da publicação que foi descrita acima, também houve tentativas, nos primeiros dias do movimento sindical, de reduzir a divisão ideológica. Sindicatos de diferentes convicções ideológicas organizaram em conjunto a primeira manifestação do Primeiro de Maio no Japão, em 1920, e a partir disso surgiu uma Aliança Sindical (Rôdô Kumiai Dômeikai). Ainda assim, quando um ato de Primeiro de Maio foi realizado novamente no ano seguinte, membros de sindicatos anarquistas e reformistas entraram em conflito e a Aliança Sindical naufragou.

Em 1922, houve uma última tentativa de formar uma federação de sindicatos abrangente, desta vez na forma da Federação Geral de Sindicatos Operários do Japão (Zenkoku Rôdô Kumiai Sôrengô). Sua conferência de fundação foi realizada em Osaka, em 30 de setembro de 1922, e contou com a presença de 106 delegados, representando 59 organizações com um total de mais de 27 mil membros. Os sindicatos representados estavam divididos em três ideologias: anarquistas, reformistas e bolcheviques. Embora não houvesse simpatia entre os reformistas e os bolcheviques, eles cooperaram temporariamente para se opor à preferência dos anarquistas por uma federação descentralizada e insistiram que o movimento sindical deveria ter uma liderança centralizada com poderes para fazer cumprir suas decisões. Naturalmente, os reformistas e os bolcheviques discordavam sobre qual deles deveria exercer a liderança. Este antagonismo chegaria ao auge três anos depois, em 1925, quando os sindicatos controlados pelos bolcheviques romperam com os reformistas para criar o Conselho Sindical do Trabalho Japonês (Nihon Rôdô Kumiai Hyôgikai).

Do ponto de vista de nossa abordagem, no entanto, o resultado mais significativo da tentativa fracassada em 1922 de estabelecer a Federação Geral de Sindicatos Operários de todo o Japão foi que 20 sindicatos revelaram sua forte preferência por princípios organizacionais anarquistas, assinando, em novembro de 1922, o Anúncio aos Trabalhadores de Todo o País, documento ao qual fizemos referência anteriormente.[10] Quatro anos depois, esse apoio central seria o foco em torno do qual a primeira federação nacional de sindicatos com inclinação anarquista, a Federação Libertária de Sindicatos Operários do Japão (Zenkoku Rôdô Kumiai Jiyû Rengôkai), deveria se cristalizar. Em 1922, então, o antagonismo entre anarquistas e bolcheviques havia alcançado um nível de intensidade que tornava impossível qualquer cooperação futura. Desse ponto em diante, a hostilidade anarquista ao Partido Comunista do Japão igualou o desprezo de longa data que os anarquistas tinham em relação aos social-democratas reformistas.

A Morte de Ôsugi e Novas Tentativas de Terroristas

Em setembro de 1923, o anarquismo no Japão sofreu um golpe tão duro quanto a execução de Kôtoku e seus camaradas doze anos antes. Já foi mencionado que, após a morte de Kôtoku, Ôsugi foi indiscutivelmente o pensador e escritor mais talentoso nas fileiras anarquistas. Durante a dura repressão do “período de inverno” e nos anos de ressurgimento que se seguiram, sua combinação de compromisso apaixonado com a libertação pessoal com um entusiasmo igualmente ardente pelos objetivos e métodos do sindicalismo anarquista inspirou muitos. Agora, tragicamente, ele seria interrompido em seu auge. Em 1º de setembro de 1923, o leste do Japão (região de Kanto) foi atingido por um grande terremoto. Mais de 90 mil pessoas morreram e quase meio milhão de edifícios foram destruídos, em parte pelos efeitos iniciais do terremoto, mas principalmente pelos incêndios subsequentes que ficaram fora de controle por dias a fio. Enquanto faixas de fogo cortavam Tóquio, Yokohama e outros lugares, rumores de que incendiários e revolucionários estavam nas ruas se espalharam tão assustadoramente quanto as próprias chamas.

A histeria se espalhou e levou a linchamentos, muitos deles contra imigrantes coreanos. Nesta situação de pânico e caos, as autoridades tiveram outra oportunidade de ouro para eliminar os inimigos do Estado. Ôsugi Sakae, sua companheira Itô Noe (que também era uma anarquista notável) e o sobrinho de Ôsugi, Tachibana Munekazu, de seis anos (que por acaso estava com eles) foram presos por um esquadrão da polícia militar e os três foram brutalmente executados. Levados sob custódia em 16 de setembro de 1923, seus corpos agredidos foram encontrados quatro dias depois, em um poço onde haviam sido jogados (STANLEY, 1982).

A brutalidade dos assassinatos de Ôsugi, Itô e seu sobrinho foi agravada pela hipocrisia do Estado. Amakasu Masahiko, o capitão no comando da unidade da polícia militar, foi levado a julgamento e condenado a dez anos de prisão, mas em três anos estava novamente livre e de volta ao serviço. Os camaradas de Ôsugi que o conheceram pessoalmente, bem como outros que o conheceram como um propagandista inspirado e um defensor irrepreensível da liberdade apenas por meio de seus escritos, ficaram indignados com a facilidade casual com que o Estado matou o anarquista mais hábil de sua geração, como se estivesse golpeando uma mosca. Não surpreendentemente, houve aqueles que juraram vingança.

Em setembro de 1924, um grupo anarquista que foi apropriadamente chamado de Sociedade da Guilhotina (Girochin Sha) fez dois atentados contra a vida de Fukuda Masatarô, o general no comando das tropas que assassinaram Ôsugi. Na primeira tentativa, um dos antigos camaradas de Ôsugi, Wada Kyûtarô, atirou no General Fukuda, mas só conseguiu feri-lo, enquanto na segunda a casa de Fukuda foi bombardeada, embora ele não estivesse em casa no momento. Wada foi julgado e condenado à prisão perpétua, mas cometeu suicídio na prisão em 1928. Outros membros da Sociedade da Guilhotina foram condenados a longas penas de prisão e dois, Furuta Daijirô e Nakahama Tetsu, foram executados por sua participação em um assalto a banco que foi cometido em outubro de 1923 a fim de levantar fundos e no decurso do qual um funcionário do banco foi morto.

Por mais justa que seja a indignação que disparou essas tentativas de retaliação contra a crueldade perpetrada pela classe dominante, o terrorismo provou ser totalmente improdutivo no avanço da causa anarquista. As prisões em massa e o aumento da repressão foram o resultado inevitável de ataques que, em sua maioria, erraram seus alvos e infligiram danos insignificantes às estruturas de poder. Apesar do evidente fracasso desses vários incidentes, no entanto, ao fim e ao cabo, eles não colocaram o fantasma terrorista para descansar. O terrorismo foi o resultado da desumanidade sistemática praticada pelo Estado capitalista e a persistência deste fator causal garantiu que, nos próximos anos, uma minoria de anarquistas continuaria a ser provocada em tentativas de retribuir à classe dominante na mesma moeda.

O Ressurgimento do Anarco-Comunismo

Muitas abordagens sobre o anarquismo no Japão, particularmente aquelas que são simpáticas ao bolchevismo, sugerem que desde a época da morte de Ôsugi o anarquismo estava preso em uma espiral descendente. Isso está longe de ser o caso. Durante a década de 1920, os anarquistas no Japão eram organizacionalmente mais fortes do que nunca, e houve um florescimento correspondente de ideias e teorias, particularmente entre os anarco-comunistas.

Em 1926, duas federações nacionais de anarquistas foram formadas. A primeira, organizada em janeiro de 1926, foi a Liga Juventude Negra (Kokushoku Seinen Renmei), geralmente conhecida pela abreviatura japonesa Kokuren. Quando a Kokuren foi fundada, era composta principalmente de jovens anarquistas do leste do Japão (a região de Kanto), mas rapidamente se expandiu para incluir todas as gerações e estender sua organização federal por todo o Japão e mesmo além, nas colônias japonesas, como Coreia e Taiwan. A segunda federação foi a Federação Libertária de Sindicatos Operários do Japão (Zenkoku Rôdô Kumiai Jiyû Rengôkai), cujo nome era geralmente abreviado em japonês para Zenkoku Jiren. Em sua conferência de fundação, em 24 de maio de 1926, 400 delegados compareceram, representando 25 sindicatos, com um total de 8.400 membros. Esses números se comparam aos 35 sindicatos (com cerca de 20 mil membros) que permaneceram na reformista Confederação do Trabalho Japonesa quando 32 de seus sindicatos (com 12.500 membros) se separaram em 1925 para formar o Conselho Sindical do Trabalho Japonês, liderado pelos bolcheviques.

Embora a Zenkoku Jiren fosse menor do que seus rivais reformistas e bolcheviques, os sindicatos que o compunham foram implantados em praticamente todas as áreas do Japão, desde a ilha de Hokkaido, no extremo norte, até grandes centros urbanos como Tóquio e Osaka, no coração industrial do Japão, passando por cidades no sudoeste do país, como Hiroshima. Além da ampla distribuição geográfica da Zenkoku Jiren, também tinha raízes na maioria das principais indústrias. Seus sindicatos eram organizados em linhas industriais e abrangiam setores da força de trabalho tão variados quanto impressores, trabalhadores têxteis, trabalhadores da engenharia, trabalhadores de alimentos, seringueiros, trabalhadores de serviços gerais e assim por diante (CRUMP, 1993).

Também havia outro aspecto em que Kokuren e Zenkoku Jiren se basearam amplamente quando foram formados. Ocorre que eles assumiram a maioria dos tons do anarquismo, do sindicalismo anarquista ao comunismo anarquista. Por exemplo, embora a forte presença de anarco-comunistas nas fileiras de Kokuren e Zenkoku Jiren fosse óbvia desde o início, o programa que a conferência de fundação do último adotou foi, no entanto, claramente influenciado pela declaração clássica de princípios sindicalistas - a Carta de Amiens da CGT francesa (1906). O programa de fundação de Zenkoku Jiren declarou:

- Tomamos a luta de classes como base para o movimento de libertação dos trabalhadores e camponeses.

- Rejeitamos todos os movimentos políticos e insistimos apenas na ação econômica.

- Defendemos a federação libertária organizada indústria por indústria e rejeitamos o autoritarismo centralizado.

- Nós nos opomos à agressão imperialista e defendemos a solidariedade internacional da classe trabalhadora”. (CRUMP, 1993, p. 77)

As relações entre Kokuren e Zenkoku Jiren eram extremamente próximas, com o primeiro atuando como um núcleo duro de ativistas comprometidos com a luta dentro das fileiras mais amplas do último. Quando os sindicatos filiados à Zenkoku Jiren se envolveram em disputas industriais, muitas vezes foram os militantes do Kokuren que assumiram as formas mais perigosas de ação direta, como lutar contra a polícia e bombardear as casas dos patrões. A este respeito, a relação entre Kokuren e Zenkoku Jiren tem sido frequentemente comparada à que se estabeleceu entre a FAI e a CNT na Espanha. No entanto, essa analogia não pode ser levada muito longe, uma vez que, como veremos, as ideias que inspiraram muitos anarquistas japoneses divergiram cada vez mais daquelas defendidas por seus colegas na Espanha e em outros lugares.

A história dos próximos anos é de um antagonismo cada vez mais agudo entre o anarco-comunismo e o sindicalismo anarquista, que levou os sindicalistas anarquistas a se retirarem tanto da Kokuren quanto da Zenkoku Jiren, em 1927/1928, com um sentimento de considerável amargura e estabelecerem suas próprias organizações independentes. As razões desse confronto são várias. Um dos mais fáceis de identificar é a influência de dois proeminentes teóricos e propagandistas anarco-comunistas, chamados Hatta Shûzô e Iwasa Sakutarô (CRUMP, 1993). Embora Hatta tenha atuado no movimento anarquista apenas durante os últimos dez anos de sua vida relativamente curta (1886-1934) ele foi amplamente aclamado como “o maior teórico do anarco-comunismo no Japão” (HATTA, 1981, p. 309). Iwasa viveu muito mais (1879-1967), e cada vez mais passou a ser considerado, com uma mistura de afeto e respeito, o grande veterano do anarquismo japonês.

Ainda que pessoas diferentes de muitas maneiras, Hatta e Iwasa complementavam-se de forma extremamente eficaz e o que compartilhavam era uma profunda desconfiança tanto do sindicalismo quanto do movimento operário convencional. Como um clérigo protestante caído, Hatta era um orador magistral, o tipo de homem que conseguia manter uma audiência de fazendeiros ou trabalhadores enfeitiçados por horas a fio, levando-os às lágrimas com sua descrição da iniquidade do capitalismo convencional e do bolchevismo, e incendiando-os com paixão por uma sociedade alternativa que combinaria com sucesso a liberdade individual e a solidariedade comunitária. Iwasa era um tipo mais quieto, menos extravagante, que se dava melhor em conversas e discussões informais. Sempre em movimento, ele viajou por todo o Japão, silenciosamente, fazendo amigos e implantando as ideias do anarco-comunismo onde quer que fosse.

No entanto, por mais talentosos que Hatta e Iwasa possam ter sido como expoentes do anarco-comunismo, o ressurgimento dessa doutrina no Japão nesta época particular não pode ser explicado adequadamente em termos de sua influência apenas. Para que o anarco-comunismo desfrutasse da popularidade que teve no Japão no final dos anos 1920, teve que fornecer uma explicação convincente para a opressão que tantos estavam experimentando e, igualmente, teve que corresponder às suas aspirações por uma nova vida. Muitos arrendatários e trabalhadores descobriram que o anarco-comunismo poderia cumprir esses papéis com muito mais eficácia do que o sindicalismo anarquista. Do ponto de vista dos arrendatários desesperadamente pobres, que constituíam a maior parte da população do Japão neste período e um número muito inferior de operários, as razões para isso talvez não sejam difíceis de entender. Quando os anarco-comunistas falaram sobre a conversão por meios revolucionários das aldeias agrícolas miseravelmente empobrecidas em comunas florescentes e autossustentáveis, sua mensagem parecia diretamente relevante para os agricultores arrendatários, de uma forma que a abordagem predominantemente sindicalista, urbanizada e industrializada dos sindicalistas anarquistas nunca poderia ser.

No entanto, a divisão entre anarco-comunismo e sindicalismo anarquista não pode ser adequadamente apreendida simplesmente em termos das diferentes posições sociais dos agricultores arrendatários e trabalhadores industriais. Por um lado, havia um grande movimento entre o campo e as cidades, com novos trabalhadores sendo absorvidos pelas fábricas à medida que a economia se expandia constantemente e, com a mesma regularidade, sempre que ocorriam as inevitáveis crises econômicas. Por outro lado, mesmo entre os trabalhadores permanentemente baseados na cidade, o anarco-comunismo impressionou muitos como constituindo uma ruptura mais fundamental com as estruturas e valores do capitalismo que o sindicalismo anarquista jamais poderia alcançar.

Muitos desses trabalhadores acharam o argumento de Hatta convincente quando ele insistiu que, porque o sindicalismo anarquista se baseou em organizações sindicais que eram frutos dos locais de trabalho capitalistas, ele replicaria em suas relações sociais a centralização, hierarquia e poder encontrados no capitalismo. Hatta argumentou que, ao adotar uma forma de organização que espelhou a indústria capitalista, o sindicalismo anarquista perpetuaria a divisão do trabalho. Previa-se que, mesmo que os patrões fossem eliminados para que as minas fossem controladas pelos mineiros, as siderúrgicas pelos metalúrgicos e assim por diante, ainda haveria tensões entre diferentes setores industriais e diferentes corpos de trabalhadores. Embora fosse reconhecido que o sindicalismo anarquista estava ideologicamente comprometido com a abolição do Estado, Hatta sustentou que haveria uma tendência inerente ao surgimento de alguma forma de órgão de arbitragem ou coordenação para lidar com conflitos de interesse entre diferentes setores econômicos e aqueles que trabalhavam neles. Havia não apenas o perigo de existir um novo Estado em formação, mas que aqueles capazes de exercer controle sobre este corpo de coordenação provavelmente se tornariam uma classe dirigente emergente. Como disse Hatta:

Em uma sociedade baseada na divisão do trabalho, aqueles engajados na produção vital (visto que ela forma a base da produção) teriam mais poder sobre a máquina de coordenação do que aqueles engajados em outras linhas de produção. Haveria, portanto, um perigo real de surgimento de classes. (HATTA, 1983, p. 14–15)

Hatta e Iwasa também foram altamente críticos da crença do sindicalismo anarquista de que a revolução poderia ser perseguida por meio da luta de classes. Em primeiro lugar, eles apontaram que as relações sociais que existiam entre os milhões de fazendeiros arrendatários e os proprietários de quem eles alugavam suas terras eram mais próximas do feudalismo do que do capitalismo. Consequentemente, a sociedade japonesa não poderia ser reduzida a uma estrutura de classes esquemáticas de trabalhadores versus capitalistas, como os sindicalistas anarquistas (e o Partido Comunista do Japão, nesse caso) tendiam a afirmar. Em segundo lugar, e mais fundamentalmente, foi argumentado que a vitória na luta de classes no máximo muda a hierarquia entre as classes, mas não traz a condição sem classes que está implícita no anarquismo. Iwasa expressou isso por meio de uma analogia que se tornou famosa entre os anarquistas japoneses - a analogia de uma gangue de bandidos da montanha. Se o chefe bandido (equivalente aos capitalistas) fosse deposto e substituído por um ou mais de seus capangas (equivalente ao movimento operário convencional), poder-se-ia dizer que a hierarquia (estrutura de classe) mudou, mas não a natureza exploradora da sociedade (representada na analogia de Iwasa pela atividade continuada de saques da gangue de bandidos) (CRUMP, 1993, p. 111–13). Foi por motivos como esse que Hatta chegou à conclusão:

Se entendermos (...) que a luta de classes e a revolução são coisas diferentes, então somos forçados a dizer que é um grande erro declarar, como fazem os sindicalistas, que a revolução será provocada pela luta de classes. Mesmo que uma mudança na sociedade ocorresse por meio da luta de classes, isso não significaria que uma verdadeira revolução ocorreu. (HATTA, 1983, p. 29)

Aliado a essas críticas ao sindicalismo anarquista, Hatta, em particular, escreveu extensivamente sobre como uma sociedade anarco-comunista poderia superar a divisão do trabalho e, ao fazê-lo, avançou nas fronteiras teóricas do anarco-comunismo de uma forma que não havia sido feita desde os dias de Kropotkin. Sua visão do anarco-comunismo era essencialmente de uma série de "pequenas sociedades" (comunas), cada uma das quais seria amplamente autossustentada em virtude do envolvimento na agricultura geral, bem como na atividade industrial (em pequena escala). Sobre como isso pode funcionar na prática, ele desenvolveu ainda mais algumas das ideias que permaneceram de uma forma bastante rudimentar nos escritos de Kropotkin (por exemplo, a noção de uma "fisiologia da sociedade" (KROPOTKIN, 1972, p. 191)) e fez algumas contribuições importantes para o desenvolvimento de uma teoria econômica do comunismo anarquista (CRUMP, 1993).

O que foi pelo menos tão impressionante quanto o alto calibre dos escritos teóricos de Hatta foi a extensão em que tais ideias reverberaram entre muitos trabalhadores, mesmo aqueles acostumados a viver em um ambiente industrial e urbano. Para dar apenas um exemplo, um impressor de Tóquio escreveu um artigo intitulado “Vamos Abandonar as Cidades” no jornal Jiyû Rengô (Federação Libertária) da Zenkoku Jiren, em dezembro de 1926. Aqui, o argumento apresentado foi que os trabalhadores industriais não deveriam ter como objetivo tomar o controle das cidades dos capitalistas e gerenciá-las em seus próprios interesses. Em vez disso, eles deveriam se rebelar contra os patrões e levar suas habilidades industriais para o campo, enriquecendo assim a vida da aldeia e alcançando a unidade com seus irmãos e irmãs nas fazendas.[11] Quanto ao sindicalismo anarquista, um artigo que apareceu no jornal Kokushoku Seinen (Juventude Negra) da Liga Juventude Negra (Kokuren), em dezembro de 1929, expressou vigorosamente o que se tornou a opinião majoritária ao declarar:

O movimento anarquista está progredindo muito no Japão atualmente. Em outros países, encontramos um movimento anarquista que se liga aos sindicalistas. Mas neste país não os aprovamos, afastando-os como fazemos com os bolcheviques. Somos até contra o sindicalismo anarquista e aderimos ao comunismo anarquista.[12]

A Cisão

A divisão entre anarco-comunistas e anarquistas sindicalistas ocorreu primeiro na Kokuren. À medida que 1927 avançava, a maioria anarco-comunista na Kokuren expressou sua oposição ao sindicalismo cada vez mais abertamente, levando a minoria de sindicalistas anarquistas a se agrupar primeiro em torno de um novo jornal, o Han Seitô Undô (O Movimento do Partido Antipolítico), que começou em junho, e, eventualmente, a se retirar inteiramente da Kokuren. A tensão transbordou da Kokuren para Zenkoku Jiren, levando a procedimentos caóticos em sua segunda conferência, que foi realizada em novembro e teve de ser adiada, pois os debates degeneraram em um jogo de calúnias (CRUMP, 1993, p. 83–86). Nesse momento, relatos sobre a divisão iminente entre anarco-comunistas (que às vezes eram conhecidos no Japão como "anarquistas puros") e sindicalistas anarquistas se espalharam para além do Japão e uma das pessoas que ficou alarmada foi Augustin Souchy, secretário da sindicalista anarquista International Workers' Association (IWA, ou AIT, em francês). Em uma carta dirigida à segunda conferência da Zenkoku Jiren, Souchy escreveu:

Camaradas! Ouvimos algo sobre uma disputa teórica recente entre os anarquistas puros e os sindicalistas puros dentro do movimento operário libertário japonês. Se pudéssemos expressar nossa opinião, agora não é realmente o momento para uma disputa sobre esse assunto. Isso assumiu um caráter inteiramente teórico. Nesta ocasião, gostaríamos de chamar sua atenção para a Argentina e para os países sul-americanos em geral. Nesses países, o movimento operário atua no espírito de Mikhail Bakunin e também, ao mesmo tempo, está sob a orientação espiritual de nosso indomável pioneiro Errico Malatesta. Nesses países, todos os anarquistas participam heroicamente do movimento sindicalista, enquanto, ao mesmo tempo, todos os sindicalistas lutam para abolir a máquina opressora do Estado e resistir à exploração capitalista. Também na Espanha, anarquistas e sindicalistas dividem entre si a preocupação com as questões econômicas e com o lado espiritual das coisas, de modo que não surjam disputas teóricas.[13]

Embora a carta de Souchy tenha sido publicada na primeira página do jornal Federação Libertária da Zenkoku Jiren em janeiro de 1928, ela não teve o efeito desejado. Em vez disso, o jornal Juventude Negra da Kokuren publicou o artigo Sobre a Mensagem da International Workers’ Association em sua edição de fevereiro, no qual afirmava intransigentemente que desde 1927 vinha lutando contra "os traidores, oportunistas e imperialistas sindicais" nas fileiras da Zenkoku Jiren.[14] Essa atitude foi levada para a segunda conferência da Zenkoku Jiren, quando ela se reuniu novamente em março de 1928. Depois de horas de um duro debate, com insultos sendo proferidos com intensidade por ambos os lados, os sindicalistas anarquistas decidiram reconhecer o inevitável, desfraldaram seus estandartes e marcharam para fora do salão. Isso não apenas formalizou a divisão dentro do movimento sindical anarquista, mas subsequentemente a mesma oposição aberta entre anarco-comunistas e sindicalistas anarquistas se manifestou em todos os outros campos onde os anarquistas estavam ativos. Por exemplo, o florescente movimento literário e cultural anarquista dividiu-se da mesma maneira em alas comunistas e sindicalistas que, a partir de então, estavam armadas uma contra a outra (CRUMP, 1993, p. 88).

Pode-se pensar que a divisão entre os anarco-comunistas e os anarquistas sindicalistas teria um efeito negativo no crescimento do movimento anarquista em sua totalidade, mas não foi esse o caso. É verdade que a Zenkoku Jiren perdeu vários sindicatos de uma vez e os ramos pró-sindicalistas de outras associações também na cisão de 1928. Além disso, sua espinha dorsal, na forma de 5 mil militantes do forte Sindicato dos Gráficos de Tóquio, se fraturou em abril de 1929 em antagônicas organizações anarco-comunistas e organizações sindicalistas anarquistas. No entanto, em 1931, a agora exclusivamente anarco-comunista Zenkoku Jiren tinha um total de 16.300 membros, o que a tornava virtualmente duas vezes maior do que era na época de sua formação, em 1926. Quanto aos sindicatos anarquistas sindicalistas que se retiraram da Zenkoku Jiren, a maioria deles acabou federado no Nihon Rôdô Kumiai Jiyû Rengô Kyôgikai (Conselho Federal Libertário de Sindicatos Operários do Japão), geralmente conhecido pela abreviatura Jikyô. Embora consideravelmente menor que a Zenkoku Jiren, em 1931 o Jikyô também havia crescido a ponto de ter quase 3 mil membros (CRUMP, 1993).

É importante diferenciar antissindicalismo de antiassociativismo[15] quando se busca compreender a teoria e a prática dos anarco-comunistas. A base de sua oposição ao sindicalismo já foi explicada, resumindo as teorias de Hatta Shûzô e Iwasa Sakutarô. Entretanto, o antissindicalismo não deve ser interpretado como uma expressão de hostilidade à atividade associativa. Zenkoku Jiren permaneceu uma federação de sindicatos de trabalhadores mesmo depois que os sindicalistas anarquistas se retiraram de suas fileiras. Como vimos, ela continuou a atrair um número significativo de trabalhadores para suas fileiras nos anos seguintes. Além disso, seus sindicatos estavam sempre prontos para confrontar os patrões sobre salários e condições de trabalho, e estavam envolvidos em algumas disputas notáveis, como a luta de 1.300 trabalhadores contra demissões e cortes salariais na Shibaura Works da Mitsui Company e da General American Electric Company, em 1930.

O que distinguiu a atitude anarco-comunista em relação ao movimento sindical foram basicamente dois fatores. Em primeiro lugar, eles enfatizaram constantemente a luta mais ampla por uma nova sociedade que estava acima e além das questões imediatas, como salários e condições de trabalho. Em segundo lugar, embora os sindicatos da Zenkoku Jiren fossem compostos de trabalhadores industriais, eles focaram a atenção nos arrendatários como a força social crucial que poderia criar uma sociedade alternativa ao capitalismo baseada na comuna. Foi a importância que atribuíram a esses dois fatores que os induziu a canalizar tempo e energia consideráveis para o trabalho teórico destinado a esclarecer a natureza da nova sociedade e as forças sociais que poderiam trazê-la à existência.

Em contraste, os sindicalistas anarquistas japoneses eram menos talentosos no campo da teoria. Provavelmente seria justo dizer que não houve ninguém no Japão que fez uma contribuição importante e original para a teoria sindicalista anarquista. Nesse sentido, é significativo que o teórico anarquista sindicalista mais proeminente, geralmente considerado, seja Ishikawa Sanshirô. No entanto, mesmo que o fato de Ishikawa não rejeitar o sindicalismo anarquista imediatamente o tornasse uma espécie de contrapeso aos anarco-comunistas como Hatta e Iwasa, ele era principalmente orientado pelo anarquismo agrário (e, incidentalmente, pelo anarquismo cristão também).

Portanto, pode-se dizer que, no contexto japonês, as contribuições mais significativas feitas pelo sindicalismo anarquista não foram no campo da teoria, mas no campo da ação. Por exemplo, em uma disputa na Nihon Senjû Company em abril de 1931, o sindicato filiado ao Jikyô não apenas ocupou a fábrica, mas usou métodos inovadores de luta, como a greve de fome e o amplo envolvimento de mulheres na comunidade do entorno. Um militante do Jikyô, Chiba Hiroshi, dramatizou com sucesso a luta para ganhar o apoio público escalando a chaminé da fábrica e permanecendo empoleirado ali 40 metros acima do solo durante os quatorze dias seguintes. Embora a disputa com a Nihon Senjû tenha terminado em um acordo, isso em si foi uma conquista nas condições prevalecentes na época, quando todas as cartas estavam contra os trabalhadores.

Último Suspiro do Movimento Anarquista Japonês Pré-Guerra

A virada para o movimento anarquista pré-guerra veio em 1931, quando o chamado Incidente da Manchúria ocorreu. Sob a influência da depressão econômica mundial, que se iniciou em 1929, todas as potências imperialistas começaram a erguer barreiras tarifárias mais altas nos territórios que controlavam para usar suas posses coloniais como um colchão contra a crise econômica. No entanto, em comparação com as principais potências imperialistas, como os EUA, Grã-Bretanha ou França, os territórios coloniais do Japão eram insuficientes para fornecer mercados adequados ou suprimentos suficientes de matérias-primas baratas. O Incidente da Manchúria foi o início do processo pelo qual o Estado capitalista japonês tentou estender seu controle sobre fatias crescentes do território chinês para compensar essas deficiências. Se o processo descrito aqui começou na Manchúria, em 1931, ele culminaria no ataque a Pearl Harbor em 1941 e na guerra em grande escala com os EUA, como o jornal da Zenkoku Jiren resumiu a situação, em novembro de 1931:

A verdadeira causa da mobilização para a China não é outra senão a ambição da classe capitalista e militar japonesa de conquistar a Manchúria. O Japão tem sua própria doutrina Monroe. O capitalismo japonês não pode se desenvolver, ou mesmo sobreviver, sem a Manchúria. É por isso que seu governo decidiu arriscar qualquer coisa para não perder seus muitos privilégios na China... O capital estadunidense fluiu para a China em quantidades cada vez maiores. Isso representa uma ameaça enorme para a classe capitalista japonesa. Em outras palavras, agora o Japão é forçado a se opor ao capital estadunidense na China.[16]

À medida que o Estado japonês se encaminhava para uma luta de vida ou morte com seus rivais internacionais, tornou-se cada vez mais determinado a esmagar qualquer dissensão no front doméstico e os anarquistas estavam no topo da lista daqueles a serem eliminados. A Kokuren foi extinta em 1931 e, de seu pico de adesão naquele ano, a Zenkoku Jiren e ao Jikyô viram seus números começarem a cair à medida que os parafusos da repressão eram cada vez mais apertados. Em 1933, a Zenkoku Jiren havia encolhido para 4.400 membros e o Jikyô para 1.100 filiados. Com as costas contra a parede, três estratégias para tentar sobreviver surgiram nas fileiras anarquistas. Uma dependia que Zenkoku Jiren e Jikyô superassem suas diferenças, se reunissem como uma federação sindical que englobasse anarco-comunistas e sindicalistas anarquistas, e se engajassem em uma resistência ao fascismo em frente única. A reunificação veio em janeiro de 1934, quando o Jikyô se desfez e a maioria de seus membros e sindicatos constituintes reingressaram na Zenkoku Jiren. Mesmo cerrando fileiras, isso não impediu a atrofia do movimento sindical anarquista. Quer fossem organizadamente separados ou unidos, os sindicatos simplesmente não eram páreo para o poder à disposição do Estado, uma vez que este decidiu acabar com eles. Em 1935, o número de membros até mesmo da Zenkoku Jiren reunificado caiu para meros 2.300 (CRUMP, 1993, p. 160–172).

Uma segunda estratégia para enfrentar a repressão do Estado foi a empregada pela Nôson Seinen Sha (Associação de Jovens das Aldeias Agrícolas), que geralmente era chamada de Nôseisha para abreviar. Formada em fevereiro de 1931, a Nôseisha era uma rede de anarco-comunistas que levou a descentralização ao seu limite. A Nôseisha favorecia a descentralização extrema em sua organização, não apenas porque prefigurava o tipo de anarquismo que desejava alcançar, mas também porque acreditava que isso reduziria a vulnerabilidade dos anarquistas à repressão estatal. A expectativa era de que, sem um centro reconhecível para atacar, o Estado não saberia para onde direcionar seus golpes. A Nôseisha criticou aqueles anarquistas (Bakunin foi um caso que eles citaram) que consideraram suficiente substituir o sistema de controle de cima para baixo encontrado em organizações autoritárias por um sistema supostamente libertário de baixo para cima. O que era necessário, argumentou Nôseisha, não era ter a base no controle do topo, nem a periferia no controle do centro, mas uma forma organizacional que dispensasse totalmente os topos ou centros.

Outra característica distintiva da Nôseisha era que ela defendia uma forma de “anarquismo prático” que poderia ser implementado imediatamente e que seria baseado inteiramente nas aldeias. No texto seminal Apelo aos Agricultores, escrito por Miyazaki Akira, os agricultores de suas aldeias foram instados a se desvincular das cidades, recusar-se a pagar impostos ou reconhecer o Estado de qualquer outra forma e mudar imediatamente para um sistema comunista de produção e consumo. A Nôseisha reconheceu que, pelo menos inicialmente, o resultado seria um comunismo baseado na pobreza compartilhada, mas sua convicção era que, mesmo nos primeiros estágios da reconstrução social, as vantagens da solidariedade comunal mais do que compensariam as dificuldades econômicas.

Mesmo este breve relato das ideias da Nôseisha evidencia que tanto sua teoria como sua organização foram uma consequência da principal corrente do anarco-comunismo. Os membros da Nôseisha pegaram alguns dos elementos que já estavam presentes na teoria e prática anarco-comunista e desenvolveram uma abordagem distinta da organização e atividade anarquista. Talvez fosse previsível que, dada sua ênfase na extrema descentralização, eles gradualmente passassem a questionar a necessidade de sua própria existência organizada.

Ao tomar a decisão de se dissolver, foram indubitavelmente influenciados pelo fato de que a maioria de seus membros em Tóquio tinha sido presa no início de 1932, após uma campanha de roubo para arrecadar fundos. Portanto, foi em parte como um ato de autopreservação que a Nôseisha foi dissolvida em setembro de 1932. Isso não significa que seus membros deixaram de ser anarco-comunistas ou que caíram na inatividade. Em vez disso, a partir de então, eles se dedicaram ao trabalho local, muitas vezes nas aldeias pobres dos distritos montanhosos, e mantiveram apenas contatos informais. Como veremos, no entanto, essa estratégia de dispersão não salvou os ex-membros da Nôseisha quando a repressão do Estado finalmente veio (CRUMP, 1993, p. 172-180).

A terceira estratégia destinada a preservar o movimento anarquista diante de um Estado que estava decidido a esmagá-lo foi a posta em prática pelo Museifu Kyôsantô (Partido Comunista Anarquista). Em muitos aspectos, essa estratégia era exatamente o oposto da adotada pela Nôseisha. Como o próprio nome sugere, o Partido Comunista Anarquista foi estabelecido em janeiro de 1934 por um pequeno grupo de militantes que permaneceram comprometidos em criar o tipo de sociedade comunista livre e sem Estado com o qual o termo comunismo anarquista sempre foi identificado. No entanto, se os fins aos quais a luta era dirigida permaneciam inalterados, os meios a serem empregados seriam um assunto completamente diferente. No que diz respeito a este tema, aqueles que estabeleceram o Partido Comunista Anarquista estavam determinados a usar os métodos organizacionais bolcheviques para fins anarquistas!

O Partido foi fundado como um grupo altamente secreto, cuja existência não foi abertamente divulgada e cujos membros eram restritos a uma elite escolhida a dedo. Uma das táticas frequentemente empregadas pelo Partido Comunista Anarquista era manobrar seus membros para posições-chave em organizações maiores, que poderiam então ser manipuladas por dentro. Por exemplo, ao aplicar essas táticas, o Partido assumiu amplamente o Jornal da Federação Libertária, que servia como jornal da Zenkoku Jiren desde que foi lançado em setembro de 1928. De fato, membros do Partido Comunista Anarquista, como Aizawa Hisao, que era um dos editores do Jornal da Federação Libertária, desempenharam um importante papel nos bastidores para a reunificação de Zenkoku Jiren e Jikyô, uma vez que isso coincidiu com a promoção de uma frente única feita pelo partido.

Para os anarquistas, haverá poucas surpresas sobre aonde esse flerte com os métodos bolcheviques levou. A atmosfera dentro do Partido Comunista Anarquista logo se tornou impregnada da paranoia habitualmente encontrada nas organizações de vanguarda. O medo de traição e espionagem virou parte da ordem do dia e culminou com um integrante do Partido, Futami Toshio, atirando em outro, conhecido como Shibahara Junzô, por suspeita de que este fosse espião da polícia. Após o assassinato de Shibahara, em outubro de 1935, houve um assalto à mão armada malsucedido no mês seguinte, no qual Futami, Aizawa e outro membro do Partido tentaram confiscar dinheiro de um banco. Tanto o assassinato quanto a tentativa de assalto a banco colocaram a polícia no encalço dos militantes do Partido e, uma vez que Aizawa foi preso e torturado, detalhes da organização do Partido Comunista Anarquista foram revelados (CRUMP, 1993, p. 180-186).

Isso, mais uma vez, foi providencial para um Estado que buscava estrangular inteiramente o movimento anarquista. A polícia lançou sua rede o mais longe possível e cerca de 400 anarquistas foram presos nos últimos meses de 1935. À medida que o nível de repressão aumentava, a Zenkoku Jiren foi forçada a encerrar atividades no início de 1936 e aquele reduto anarquista, o Sindicato dos Impressores de Tóquio, ficou paralisado quando quase uma centena de seus membros foram presos. A devastação das fileiras dos anarquistas não parou por aí. À medida que mais e mais presos eram interrogados, a polícia montava uma imagem cada vez mais precisa da rede Nôseisha, há muito extinta. Apesar do fato da Nôseisha ter cessado a atividade coordenada mais de três anos antes, em setembro de 1932, outra onda de prisões dirigida contra seus ex-membros e além foi desencadeada em maio de 1936. Desta vez, mais 300 anarquistas foram presos.

Como no caso de Kôtoku e seus camaradas uma geração antes, apenas uma pequena parcela dos presos foi finalmente levada a julgamento. Nesta ocasião, apenas o assassino de Shibahara, Futami Toshio, foi condenado à morte e, como se viu, até sua sentença foi comutada para vinte anos de prisão. Outros membros proeminentes do Partido Comunista Anarquista e da Nôseisha receberam sentenças mais curtas do que Futami. Por exemplo, Aizawa Hisao, o principal organizador do Partido Comunista Anarquista, foi condenado a seis anos de prisão, enquanto Miyazaki Akira, o autor de Apelo aos Agricultores, e outros considerados "líderes" da Nôseisha receberam sentenças de até três anos.

Embora as punições individuais fossem menos draconianas do que nos dias de Kôtoku, a pressão exercida sobre o movimento anarquista em geral era ainda pior do que durante o "período de inverno". De 1936 em diante, a atividade organizada tornou-se literalmente impossível. Isso não significa que os anarquistas desapareceram do Japão após essa data. Obviamente, eles permaneceram uma presença na sociedade japonesa durante os anos de guerra, mas não havia mais nenhuma maneira de darem uma expressão organizada à sua existência. Para cada indivíduo anarquista, a sobrevivência agora se tornou a principal prioridade e a maioria não tinha alternativa a não ser manter um perfil discreto, manter seus pensamentos para si mesmos e esperar…

A guerra em grande escala com a China a partir de 1937 se transformou em guerra com os EUA e seus aliados depois de 1941 e, por fim, levou ao bombardeio de Tóquio e outras grandes cidades em 1945, sem mencionar os horrores finais de Hiroshima e Nagasaki. Mais de três milhões de japoneses morreram durante esses anos de massacre e nem é preciso mencionar que as bombas e as balas não faziam distinção entre militaristas raivosos e aqueles que se opunham à guerra, como os anarquistas. Não foram poucos os anarquistas que desapareceram sem deixar vestígios, vítimas de ataques aéreos surpresas ou de algum outro desastre provocado pela guerra. Embora o Estado japonês tenha sido finalmente forçado a se render em agosto de 1945, sua máquina de repressão permaneceu intacta até o fim. Como resultado, quando a guerra finalmente chegou ao fim, os anarquistas tiveram que tentar reconstruir seu movimento do zero.

De 1945 até o Presente

Nos anos do pós-guerra, o anarquismo existiu no Japão em uma escala muito reduzida em comparação com períodos anteriores. Isso pode ser explicado pelas grandes mudanças que afetaram o país no pós-guerra e que privaram o anarquismo do apoio substancial que anteriormente recebia de fazendeiros arrendatários e trabalhadores sindicalizados. No entanto, o anarquismo sobreviveu, apesar das condições frequentemente difíceis que enfrentou nos últimos cinquenta anos, e pode ser que os desenvolvimentos recentes estejam agora produzindo um conjunto mais promissor de circunstâncias para os anarquistas trabalharem.

Entre 1945 e 1952, o Japão foi ocupado por uma força militar nominalmente “Aliada”, mas na realidade estadunidense. Uma das medidas mais importantes que o Quartel General da Ocupação promoveu foi uma ampla reforma agrária, que aboliu as antigas divisões entre proprietários e inquilinos e, em vez disso, criou uma nova classe de pequenos agricultores proprietários. Esses fazendeiros se tornaram um bastião do conservadorismo político, usando seus votos principalmente para apoiar o corrupto Partido Liberal Democrático (Jiyû Minshutô), que continuamente formou o governo durante 38 longos anos de 1955 a 1993. Em troca dos votos dos fazendeiros, o Partido Liberal Democrático manteve os preços dos produtos agrícolas altos, por trás das barreiras comerciais que excluíam os produtos rivais do exterior. Desta forma, o preço do arroz japonês, por exemplo, tem sido mantido artificialmente em um nível pelo menos seis vezes superior ao encontrado no mercado mundial em geral.

Quanto ao movimento sindical, o Quartel General da Ocupação primeiro encorajou a formação de sindicatos, uma vez que a direita desarticulada foi inicialmente vista como a maior ameaça aos interesses estadunidenses, e depois se moveu contra os sindicatos, alcançando um acordo com a direita reabilitada, com o início da Guerra Fria. Um dos exemplos mais claros dessa reversão da política estadunidense foi que os chamados regulamentos de “expurgo”, que o Quartel General da Ocupação usou pela primeira vez para remover direitistas de cargos públicos, foram posteriormente redirecionados contra a esquerda, por volta de 1950, no que ficou conhecido como “expurgo vermelho”. Essa gangorra na política estadunidense levou a uma situação em que a sociedade japonesa estava politicamente polarizada entre direita e esquerda, com os anarquistas como alvos de ambos os lados.

Por um lado, mesmo sob as condições da tão alardeada “democracia”, os anarquistas foram discriminados por conta da política de “anticomunismo” que tanto as autoridades de ocupação estadunidenses quanto o governo japonês seguiram. Por exemplo, inúmeros anarquistas foram vítimas do “expurgo vermelho” (HAGIWARA, 1969, p. 192, 226). O fato de que nem os estadunidenses nem os japoneses tivessem a menor noção do que constituía o comunismo não tornou seu “anticomunismo” menos repressivo. Por outro lado, nos sindicatos e em outros lugares, os anarquistas eram frequentemente obstruídos e praticamente silenciados pelo controle exercido por funcionários de esquerda que, frequentemente, usavam o confronto com o Estado e a mentalidade de cerco que induziam como desculpa para expulsar os críticos. Não é que os anarquistas tenham desaparecido inteiramente dos sindicatos, mas que o escopo de agir abertamente como anarquistas virtualmente desapareceu.

O maior problema para os anarquistas era o estado de espírito que prevalecia entre a maioria dos trabalhadores e trabalhadoras. Nos anos que se seguiram à derrota, o desemprego em massa e a miséria estiveram na ordem do dia e “a política da fome” predominou. Políticos ambiciosos balançavam promessas ilusórias de tigelas de arroz cheias sob o nariz de eleitores cuja credulidade era proporcional à sua privação. Então, com a eclosão da Guerra da Coreia (1950-1953), as circunstâncias econômicas do Japão melhoraram dramaticamente. A guerra foi um bom negócio para a indústria japonesa, que começou a funcionar a todo vapor para abastecer a máquina de guerra estadunidense na vizinha Coreia (e mais tarde no Vietnã). Além disso, após a tomada do poder pelo Partido Comunista na China, em 1949, os EUA precisavam de uma vitrine no Leste Asiático para demonstrar a superioridade do "capitalismo" sobre o "comunismo".

O Japão foi selecionado para cumprir este papel e sua importância estratégica para os EUA era tanta, que as práticas comerciais discriminatórias do Japão foram toleradas sem muitas reclamações enquanto durou a Guerra Fria. Contra o pano de fundo deste acordo entre os Estados capitalistas em uma aliança (embora temporária), onde o Japão servia aos interesses estratégicos dos EUA e ganhava vantagens econômicas em troca, o capitalismo japonês desfrutou de condições de expansão por muitos anos. Preocupados com a polarização esquerda-direita da política japonesa nos primeiros anos do pós-guerra, a partir da década de 1960, os líderes japoneses seguiram uma política consciente de despolitizar a população, garantindo que migalhas da festa do capitalismo caíssem nos pratos anteriormente quase vazios da força de trabalho nas fábricas e oficinas. O consumismo crasso foi promovido como uma nova religião e, enquanto houve sobras e sobras da festa, conseguiu-se o efeito desejado. Dada a pobreza qualitativa das vidas das pessoas, no entanto, um espectro sobre o que aconteceria se a festa chegasse ao fim sempre assombrou o capitalismo japonês.

Obviamente, este esboço resumido da história do pós-guerra do Japão foi escrito com o benefício de uma visão retrospectiva. Nada disso era perceptível para os anarquistas enquanto tentavam, a partir de 1945, reconstruir seu movimento. A Federação Anarquista do Japão (Nihon Anakisuto Renmei) foi formada em meio a grande entusiasmo em maio de 1946 e o cuidado foi tomado nessa fase para não permitir que o antigo antagonismo entre anarco-comunistas e anarquistas sindicalistas ressurgisse e prejudicasse a eficácia da nova organização. Homens e mulheres mais velhos que haviam pertencido a uma ala do movimento anarquista ou a outra agora cooperavam prontamente e eram acompanhados por camaradas mais jovens para os quais as divisões pré-guerra significavam pouco. Por um tempo, tudo parecia possível.

O odiado Estado militarista estava despedaçado, as forças policiais que sobreviveram não tinham confiança e estavam inseguras de si mesmas no novo clima “democrático”, e supervisionando tudo havia uma força de ocupação aparentemente benigna que, inicialmente, encorajou todas as expressões de oposição ao antigo regime. A Federação Anarquista lançou seu jornal em junho de 1946 e enfatizou suas ligações com as lutas do passado ao ressuscitar o antigo cabeçalho de Kôtoku, o Heimin Shinbun (Jornal do Povo Comum). Um enorme esforço foi feito para distribuir o jornal em todo o país, com novos métodos de vendas (como anarquistas viajando de um lado para outro na rede ferroviária para vendê-lo em trens de longa distância) sendo usados para impulsionar a circulação. No entanto, o fato de que tais métodos tiveram que ser empregados ilustrou até que ponto o anarquismo havia perdido aqueles que, até então, pareciam ser seus “componentes naturais” nas fazendas e nas fábricas.

À medida que a frustração aumentava devido à falta de progresso (resultado dos obstáculos descritos nos parágrafos acima), as velhas tensões entre anarquistas de diferentes convicções começaram a ressurgir. Em maio de 1950, a Federação Anarquista realizou sua quinta conferência, em Quioto, e esta provou ser a ocasião em que o antagonismo entre anarquistas sindicalistas e comunistas anarquistas fervilharia mais uma vez. No mesmo mês, um Grupo Anarcossindicalista distinto (Anaruko Sanjikarisuto Gurûpu) foi formado. Em outubro de 1950, a Federação Anarquista se dividiu e, de fato, se estagnou. É verdade que a Federação Anarquista foi reconstituída em junho de 1951, mas a organização que continuou com esse nome era composta principalmente por simpatizantes do sindicalismo. No mesmo mês, os anarco-comunistas fundaram o Clube Anarquista do Japão (Nihon Anakisuto Kurabu), resultando no fato de que, mais uma vez, o movimento anarquista japonês estava de volta à condição dividida que estava entre 1928 e 1934 (CRUMP, 1993, p. 227–228; LIBERTAIRE GROUP, 1979, p. 27). Em grande medida, isso foi uma repetição da história anterior e até mesmo algumas das principais figuras envolvidas eram as mesmas. Hatta Shûzô pode ter morrido em 1934, mas Iwasa Sakutarô ainda era a personalidade-chave do lado anarco-comunista, enquanto Ishikawa Sanshirô mais uma vez apoiava os sindicalistas anarquistas.

A Federação Anarquista cambaleou até 1968, mas reconheceu o inevitável em novembro daquele ano, quando decidiu "se dissolver criativamente" (HAGIWARA, 1969, p. 228). Embora por muitos anos depois disso não houvesse nenhuma rede federada cobrindo todo o país reivindicando ser a Federação Anarquista, o ano de 1968, de forma alguma, marcou o fim do anarquismo no Japão. Na verdade, o Clube Anarquista sobreviveu por muito tempo ao seu rival sindicalista anarquista e continuou a publicar o jornal Movimento Anarquista (Museifushugi Undô) até março de 1980. Além deste órgão, composto principalmente de antigos anarquistas comunistas dos dias pré-guerra, numerosos outros grupos anarquistas e publicações existiram em diversos momentos. Embora muitos tenham sobrevivido por apenas alguns anos, ou mesmo alguns meses, eles foram continuamente substituídos por outros. Em outras palavras, a atividade de publicação e propaganda anarquista continuou inabalável, mesmo que em uma escala limitada, e casos isolados de ação direta irromperam periodicamente.

Uma nova Federação Anarquista foi formada em outubro de 1988 e continua a publicar seu jornal Livre Arbítrio (Jiyû Ishi) até o presente. Embora esta nova Federação Anarquista tenha uma rede nacional de contatos, a escala de seu apoio é muito menor do que sua homônima da década de 1940, sem falar nas federações pré-guerra, como a Kokuren ou a Zenkoku Jiren. O sindicalismo anarquista é representado pelo pequeno grupo denominado Movimento de Solidariedade dos Trabalhadores (Rôdôsha Rentai Undô), que existe em sua forma atual desde 1983. O Movimento de Solidariedade dos Trabalhadores é filiado ao IWA/AIT (Internacional Sindicalista) e desde 1989 tem publicado o jornal Zettai Jiyû Kyôsanshugi (Comunismo Libertário). Quanto ao anarco-comunismo, sua manifestação mais visível hoje é a pequena, mas ativa, editora chamada Kokushoku Sensen Sha (Companhia Frente Negra de Batalha), que está agrupada em torno do velho militante Ôshima Eizaburô. Entre as publicações recentes da Frente Negra de Batalha, os vários volumes de Materiais Sobre o Incidente da Nôseisha (Nôson Seinen Sha Jiken Shiryô, 1991 em diante) refletem a crença de muitos anarquistas do pós-guerra de que há lições importantes a serem aprendidas ao estudar as teorias e a prática das gerações anteriores de anarquistas.

Um ponto que tem sido frequentemente levantado em relação ao anarquismo pós-guerra é que, enquanto o movimento anarquista autodeclarado é menor do que antes, a organização e atividade “anarquista” inconscientemente têm sido perceptíveis entre vários grupos engajados na luta. Este argumento foi frequentemente ouvido no auge do movimento estudantil durante os anos 1960 e 1970, e mais recentemente reivindicações semelhantes foram feitas em relação aos "movimentos de cidadãos" (campanhas populares, geralmente direcionadas a um único assunto) (TSUZUKI, 1971, p. 105–106; MIHARA, 1993, p. 135–137). Aqueles que utilizaram este tipo de argumento têm apontado principalmente para os métodos descentralizados de organização preferidos pelos grupos em questão e sua ênfase na autonomia e (às vezes) espontaneidade. No entanto, embora possa haver algo de “anarquista” sobre esses atributos, certamente é apropriado insistir que, por si só, eles ficam aquém do anarquismo.

Ainda que os grupos de estudantes fossem opostos ao Estado existente, poucos duvidaram da necessidade de algum tipo de Estado político. Quanto aos movimentos de cidadãos, a maioria se concentra em um único problema, que procuram resolver isoladamente das “grandes questões”, como a natureza do Estado, porque sentem (provavelmente com razão) que essas questões mais amplas os dividiriam politicamente e, portanto, minariam suas campanhas. À luz disso, referir-se aos grupos de estudantes ou movimentos de cidadãos como "anarquistas" seria estender o significado do termo muito além do empregado neste estudo.

O que é notável sobre a presente conjuntura é que muitos dos fatores que agiram em combinação para frustrar o anarquismo durante os anos do pós-guerra estão atualmente sendo minados. Como foi mencionado anteriormente, a partir de 1955 a política no Japão foi definida em um molde de dominação perpétua do Partido Liberal Democrático. O segundo maior partido político, o social-democrata Partido Socialista do Japão (Nihon Shakaitô), foi permanentemente excluído do poder e pôde, portanto, se engajar na política de posturas morais a partir do elevado distanciamento da oposição. Por 38 anos, esses dois partidos foram, na prática, as pedras fundamentais do moribundo sistema político. O Partido Liberal Democrático usou sua posição no governo para distribuir os espólios que mantinham o status quo, enquanto o sacrossanto Partido Socialista do Japão adotou posturas em prol daqueles que não se beneficiaram da generosidade ou que a acharam moralmente inaceitável. O sistema rachou quando o Partido Liberal Democrata falhou em garantir sua maioria habitual nas eleições gerais de 1993.

Então, em 1994, o Partido Liberal Democrata viu sua chance de reingressar no governo, desde que estivesse preparado para fazer causa comum com seu suposto arqui-inimigo, o Partido Socialista do Japão. Sem corar, ambos os partidos se apressaram em abraçar um ao outro, de modo que, no momento em que este artigo foi escrito, havia um governo chefiado pelo líder do Partido Socialista do Japão com uma maioria de ministros oriundos do Partido Liberal Democrata. Desnecessário dizer que, em seu entusiasmo por conquistar o poder, o primeiro-ministro Murayama não encontrou dificuldade em abraçar todas as políticas capitalistas que eram supostamente inaceitáveis enquanto o Partido Socialista do Japão estava na oposição. Todo esse negócio sórdido tem sido uma lição prática sobre o oportunismo dos políticos e o absurdo dos combates parlamentares simulados. Portanto, não é de se admirar que o cinismo e a desilusão sejam agora as atitudes políticas predominantes entre a maioria dos homens e mulheres que trabalham.

Associadas a essas travessuras políticas estão as mudanças na sorte econômica do Japão. A economia está atualmente passando pela mais longa e profunda desaceleração desde a guerra. As migalhas da festa capitalista estão decididamente escassas, tanto que 1993 viu o primeiro declínio nos salários médios desde 1950. Pressionado por Estados capitalistas rivais (principalmente os EUA), o Japão está sendo forçado a abrir seus mercados agrícolas, o que, por sua vez, está provocando insatisfação política por parte dos agricultores.

Dada a posição do Japão como uma das forças econômicas mais poderosas dentro do capitalismo mundial, sua importância como um eixo do sistema internacional atual dificilmente pode ser exagerada. É por isso que não é, de forma alguma, insignificante, mesmo para aqueles de nós que vivemos do outro lado do mundo, que as oportunidades de espalhar ideias antiestatistas e anticapitalistas no Japão são melhores agora do que foram por muitos anos. Se os anarquistas japoneses serão capazes de enfrentar o desafio, é algo que interessa a todos nós.

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[1] Dedicatória do Autor: “Este texto é dedicado à Ôshima Eizaburô, cuja inalterada paixão pelo anarco-comunismo, a despeito de sua avançada idade, é uma inspiração para muitos camaradas mais jovens. Além disso, quantas pessoas podem animar uma conversa com o casual comentário: “Quando eu coloquei uma bomba de fumaça no palácio imperial...”? Ôshima-san pode”. Tradução: Ivan Thomaz de Oliveira.

[2] Os nomes japoneses são apresentados na forma habitual do Leste Asiático, ou seja, nome de família (por exemplo, Kôtoku) seguido pelo nome pessoal (por exemplo, Shûsui). Prolongamentos em palavras japonesas são indicados por acentos (por exemplo, ô).

[3] Cf. NOTEHELFER, F. Kôtoku Shûsui: Portrait of a Japanese Radical. Cambridge: University Press, 1971.

[4] Cf. HIKARI, 20 jan. 1906, p. 6.

[5] HIKARI, 5 jul. 1906, p. 1.

[6] HIKARI, 5 mar. 1906, p. 6.

[7] SHAKAISHUGI Kenkyû, Out. 1921, p. 12.

[8] RÔDÔ Undô, 1 nov. 1922, p. 2.

[9] RÔDÔ Undô, 1 Jan. 1923, p. 9.

[10] Cf. CRUMP, John. Hatta Shûzô and Pure Anarchism in Interwar Japan. Basingstoke: Macmillan, 1993, p. 83–86.

[11] JIYÛ Rengô, 5 dez. 1926, p. 3.

[12] KOKUSHOKU Seinen, 10 dez. 1929, p. 1.

[13] JIYÛ Rengô, 10 jan. 1928, p. 1 (em Japonês).

[14] KOKUSHOKU Seinen, 5 fev. 1928, p. 8.

[15] Os termos originais que se referem às práticas organizativas opostas no movimento de massas japonês contidos nesse parágrafo são syndicalism e unionism. Optamos por utilizar os termos sindicalismo e associativismo porque, nesse contexto específico, nos parece incorreto traduzi-los como “sindicalismo revolucionário” e “sindicalismo”, sendo o último uma forma de sindicalismo mais ampla, porém menos combativa em relação à primeira. A raiz da oposição entre os grupos anarquistas no movimento de massas no Japão parece ter sido em torno do alcance da atividade sindical e não da atuação nos sindicatos em si. Ao passo que os chamados anarco-comunistas acreditavam que o sindicato por si só não era suficiente para concretizar a revolução no Japão, apostando em uma construção que envolvia um arco maior de sujeitos revolucionários, os chamados anarquistas sindicalistas parecem ter suas apostas estratégicas concentradas na atividade sindical, especialmente entre trabalhadores urbanos, considerando este o caminho mais adequado para construir o processo revolucionário japonês. Isso levou à caracterização dos anarco-comunistas como “antissindicalistas”, no entanto, eles continuavam atuando em sindicatos. Assim, no artigo de Crump, o sindicalismo aparece como uma posição que confere centralidade ao sindicato na prática política anarquista, ao passo que o associativismo estaria associado a uma posição que abarca não só sindicatos, mas outras formas de organização federalista, em particular no caso japonês, associações rurais, mas também organizações comunitárias e estudantis. (N.T.)

[16] JIYÛ Rengô Shinbun, 10 nov. 1931, p. 4.