Abraham Guillén
O CONTROLE DOS DIREITOS HUMANOS E A DOUTRINA DE SEGURANÇA NACIONAL
O CONTROLE DOS DIREITOS HUMANOS E A DOUTRINA DE SEGURANÇA NACIONAL[1]
Abraham Guillén
Depois de muitos séculos de história, apesar de nosso progresso científico, tecnológico e econômico, a guerra não foi erradicada da sociedade contemporânea. Desde o encerramento da II Guerra Mundial se produziram mais de cem conflitos armados entre as nações ou dentro das nações: guerras nacionais ou guerras revolucionárias. Não obstante os ideais da paz universal e da ordem mundial das Nações Unidas, a guerra segue sendo uma ameaça para a humanidade, especialmente em uma época em que as guerras revolucionárias são feitas sem frentes fixas, sem grandes batalhas duradouras, com o povo em armas, como está acontecendo em alguns países centro-americanos, onde, pela natureza política ou de classe dessas guerras, não se respeitam de maneira alguma os direitos humanos, as liberdades fundamentais do homem, os acordos internacionais de tratamento justo aos prisioneiros dos lados em guerra.
Não há boa guerra, nem paz que dure para sempre. Enquanto o mundo não for um só país ou uma confederação mundial de países unidos, sem antagonismo de classes, raciais, regionais, religiosos ou de outro tipo, enquanto o mundo estiver dividido em “zonas superimperialistas de influência”, do imperialismo ou do hegemonismo, a humanidade não se libertará dos conflitos armados.
A Europa desejou ser o epicentro das forças históricas. Atualmente, o eixo da história se desloca em direção à Ásia. Não obstante, o eixo central tem uma de suas principais luas na América do Norte - por seu grande poder tecnológico, econômico e estratégico - e outra na América do Sul, por sua vasta reserva de matérias-primas em uma zona isolada dos principais possíveis cenários de uma III Guerra Mundial. Assim, se a América Latina soubesse desenvolver suas economias ante um mundo em ruínas (se estourasse a III Guerra Mundial), se constituiria em uma das principais potências do final do século XX e, mais ainda, do século XXI.
No mundo em crise do nosso tempo, ensaiou-se de tudo: ideologias, políticas, neocapitalismo, capitalismo de Estado, keynesianismo, marxismo-leninismo, nazi-fascismo, liberalismo. Falta uma democracia direta (associativa) baseada na cooperação e na autogestão, que seja capaz de distribuir a crise equitativamente para superá-la, solidária e conjuntamente entre todos: sem terrorismo, sem democracia retórica, sem totalitarismo de esquerda ou de direita, respeitosa dos direitos e das liberdades essenciais do homem.
O homem tem que participar da luta para transformar uma sociedade antagônica entre classes sociais e nações rivais, para que não haja guerra, nem falsas revoluções que, com o passar do tempo, se convertem em contrarrevolucionárias. E tudo porque o homem é ideológico, mas não lógico, delega e não exerce seu protagonismo na política: o homem não será livre enquanto não praticar a democracia direta.
O mundo atual, tanto nos países comunistas como nos capitalistas, precisa ser reestruturado econômica, política e socialmente. Nem a burocracia totalitária do leste nem a burguesia monopolista do oeste, com suas ideologias e economias multinacionais, evitam a crise econômica, a injustiça social, a guerra, a exploração do homem pelo capital privado ou de Estado. Sob o hegemonismo ou o imperialismo, o mundo constitui um permanente antagonismo: corrida armamentista, intervenções armadas sob a foice e o martelo ou sob a bandeira estrelada norte-americana. Não devemos repetir os longos ciclos de hecatombes universais: seria melhor as nações e classes rivais se entenderem, formando uma grande pátria universal, confederada mais que unida, fazendo do mundo um só país para nos lançarmos, não uns contra os outros, mas todos juntos à conquista do espaço sideral, onde o homem, não sendo inimigo do homem, será mais que os deuses do Olimpo.
No caso da América Latina, na divisão dos países que a formam reside a causa principal de sua decadência econômica, de sua insignificância frente às grandes potências, de sua falta de perspectiva histórica para passar os grandes perigos do século XX e constituir-se, no século XXI, como Confederação dos Povos Latino-Americanos, uma das grandes potências destinadas a assumir a história e não a figurar na historieta.
Todas as políticas que não tendam a constituir uma Confederação de Povos Latino-Americanos são anacrônicas, não têm vigência, pois postulam ideologias opostas à realidade latino-americana. Os povos latino-americanos, confederados desde o Rio Grande do Norte[2] até o Cabo de Hornos, reunindo suas populações, seus recursos naturais, seus grandes mercados, suas fontes de energia, ganhariam seu direito à paz, à prosperidade, à liberdade e a escrever a história futura sem que a ditem para eles, como fazem agora, as grandes potências imperialistas ou hegemonistas.
DIALÉTICA DA GUERRA NA HISTÓRIA
A guerra e a natureza antagônica das classes e das nações
As causas das guerras desde a mais remota antiguidade até nossa época não aparecem claramente. Sempre se responsabiliza o grupo que as perde militarmente, pois a história é ditada mais pelos vencedores do que pelos vencidos. Daí a expressão latina: Vae victis! (Exclamação arrogante do gaulês Breno no momento em que colocou sua espada na balança que pesava o ouro que Roma exigia como preço pela paz ditada a partir de uma posição de força).
E como uma paz ruim não é suportada para sempre, na dialética da história se foi, ciclicamente, da guerra à paz e vice-versa, sem que tenha podido prevalecer o direito e a razão entre as nações ou os blocos imperialistas antagônicos. Atualmente, depois de muitos séculos de história, apesar de nosso progresso científico, tecnológico e econômico, a guerra não foi erradicada da sociedade contemporânea, pois, desde o encerramento da II Guerra Mundial, se produziram mais de cem conflitos armados entre as nações ou dentro das nações: guerras nacionais ou guerras revolucionárias.
Em todos os tempos existiram grandes antagonismos entre as potências que disputam o domínio do mundo: a Pérsia contra a Grécia ou vice-versa, Roma contra Cartago, etc. E em nosso tempo, URSS contra os EUA ou contra a China, chocando suas estratégias globais ou suas políticas internacionais umas contra as outras. A guerra segue, pois, sendo mais provável que inevitável, como se fosse consubstancial à condição humana. Nesse sentido, Heráclito, com sua abstrusa dialética, disse: “A guerra é como todos os seres, ela é a mãe de todas as coisas, de alguns, faz deuses, de outros faz escravos ou homens livres”. Isto significa, nesta ordem de ideias, que a guerra constitui o conteúdo violento da história, enquanto um país ganha o que outro perde, ou reciprocamente, devido à natureza contraditória da economia, do comércio mundial, que torna alguns países ricos e outros pobres. Isso quanto às guerras nacionais ou mundiais, já que as guerras revolucionárias são provocadas pelas rivalidades de classe; porque alguns são donos da terra ou do capital; alguns produzem a renda e a mais-valia que outros, sem produzir nada, se apropriam. Assim, a liberdade do amo é a dependência do escravo, do servo ou do proletário segundo o modo de produção vigente em uma época histórica. Portanto, enquanto existirem estas violentas contradições, haverá guerras entre as nações e revoluções entre classes sociais antagônicas.
Com paz e abundância, com trabalho e bem-estar, com uma relação de troca justa entre as nações, com o ascenso do consumo e do desenvolvimento da cultura, parece que o perigo da guerra se afastaria no horizonte de uma civilização abundante, seja esta convencional ou revolucionária. No entanto, a “sociedade de consumo” (que o mundo ocidental tem vivido desde os anos 1960 até 1980, sacudida pela crise mundial da energia com os “choques” petrolíferos, com a desocupação em massa) entrou em um período de desestabilização mundial entre países produtores e consumidores de petróleo, cada vez mais antagônicos em seus interesses opostos sobre o preço do petróleo cru. Como o Golfo Pérsico é, com as comunicações marítimas do Índico e do Mediterrâneo, a plataforma geo-estratégica do comércio mundial de hidrocarbonetos, e a União Soviética está se aproximando destas regiões pela Síria, Afeganistão, Iêmen do Sul e Abissínia, soviéticos e norte americanos serão colocados frente a frente.
A qualquer momento em que ocorra alguma alteração no precário equilíbrio de forças no Oriente Médio, no Mediterrâneo oriental e no Índico, não é descartável uma confrontação entre Rússia e Estados Unidos, que poderia arrastar a China contra aquela, enquanto tenta cercar esta pelo Paquistão, Índia e Vietnã. Isso suporia uma espécie de casus belli universal, englobando também a Europa Ocidental e o Japão, em defesa de seus abastecimentos petrolíferos provenientes do Golfo Pérsico.
Ante um panorama internacional de rearme intensivo, de um grande volume do comércio mundial em armamentos, de crise econômica, política e social mundial, de exacerbação do nacionalismo e do protecionismo, de linguagem violenta entre os ideólogos que detém o poder nas nações ou nos partidos políticos e nas organizações, a guerra se perfila como continuidade da política de grande potência a fim de converter um Estado imperial em poder universal.
Nesta ordem de ideias, Hegel considera a guerra como uma política de grandeur do Estado, expressando-se a esse respeito com estas palavras: “A guerra é o ponto culminante da vida do Estado, aquele pelo qual se chega a mais alta consciência de si mesmo e à perfeição a que aspira”. Compreende-se porque Marx, discípulo de Hegel, tenha dito, completando o pensamento de seu mestre, que “a violência é a parteira da história” e que “a história de toda a sociedade até nossos dias é a história da luta de classes”. Como nada mudou substancialmente até nossa época, se as mesmas causas produzem os mesmos efeitos, nos encontraríamos ante guerras e revoluções inevitáveis, cada vez mais “sujas”, mais cruéis, mais destruidoras, mais distantes do direito das gentes, como estamos vendo em vários países da América Central ante os quais a Costa Rica é uma ilha de paz.
Se, depois de tanto progresso, do homem ter chegado ao espaço sideral, projetando uma civilização planetária, estourar a III Guerra Mundial porque ainda temos as fronteiras nacionais da época do cavalo quando um satélite artificial dá a volta na Terra em menos de uma hora, significaria que progredimos muito em ciência e técnica mas que, no entanto, estamos (em moral, política e direitos) na Idade da Pedra, na luta animal pela existência que, entre os homens, é luta de classes (guerrilhas, insurreições) ou luta entre as nações (guerras locais ou guerras mundiais). Assim sendo, não é precisamente a razão que governaria o mundo, mas sim o ódio, a inimizade de todos contra todos, as paixões bélicas, as lutas raciais, religiosas, nacionais e sociais (clima apropriado para o estalar das guerras revolucionárias, imperialistas ou hegemonistas). Sem a moral social, sem o respeito aos direitos do homem nem ao direito internacional entre as nações, prevalecendo o egoísmo sobre o altruísmo, o imperialismo sobre a autodeterminação dos povos, Deng Xiaoping teria razão quando disse: “cada geração terá sua guerra”.
Se, por causa de nosso grande progresso tecnológico e científico e de nosso atraso moral, político, social, jurídico e filosófico, se produzisse uma nova guerra mundial, todo o saber de nossa época seria questionado. Uma ciência ou uma política que, como saber no limbo, não expliquem o atual perigo de guerra ignorando o essencial de nossa civilização posta à prova, talvez permanentemente, com um maquinário bélico irracional (submarinos nucleares, mísseis com cabeças atômicas, bombardeiros atômicos de grande raio de ação, bombas orbitais no espaço exterior da Terra e uma gama mortífera de armas químicas e bacteriológicas) demonstraria sua inutilidade ao ser incapaz de evitar e denunciar o perigo de uma terceira conflagração universal.
Assim, todo progresso se transformaria, por uma rara dialética, em retrocesso, não no caminho em direção ao paraíso, mas sim ao inferno da guerra nuclear. Eis aí um grande fracasso da ciência ou, melhor dizendo, dos cientistas que descobrem o que não controlam: criam assim uma máquina para destruir a si mesmos e a humanidade. Seriam sábios burros, pois não decidem sobre a aplicação social de suas descobertas nem dos resultados históricos e políticos. Se isso é ciência, a ignorância é filosofia.
A guerra e a paz
Não há boa guerra, nem paz que dure para sempre enquanto o mundo não for um só país ou uma confederação mundial de países unidos, sem antagonismo de classes, raciais, regionais, religiosos ou de outro tipo. Enquanto o mundo estiver dividido em “zonas superimperialistas de influência”, do imperialismo ou do hegemonismo, a humanidade não se libertará dos conflitos armados. Assim, durante as guerras, se pensará na paz e, em tempos de paz, se preparará outra guerra. Enquanto os vencidos não forem convencidos de que os vencedores venceram de forma decisiva, enquanto os vencidos continuarem ressentidos e oprimidos, preferirão uma guerra justa a uma paz ruim.
Dentro desta filosofia, Spinoza, com razão, disse: “Por amor à paz se pode aprovar muitas coisas; mas se a escravidão, a barbárie e a destruição são adoradas com o nome de paz, ela será a maior das misérias para o homem”. Se diria, pois, que se o homem não tem direitos essenciais, se é reprimido, preferiria uma guerra justa a uma paz degradante. E precisamente por isso a guerra é um fato repetido enquanto durar a injustiça humana, pois o homem está condenado a ser livre por bem ou por mal.
Durante a primeira metade do século XX estalaram duas grandes guerras mundiais - fato dramático repetido em 1914-1918 e em 1939-1945 - coincidindo com os ciclos de crises econômicas, de desocupação de milhões de trabalhadores, de militarização das economias em tempos de paz, de tensão entre as grandes potências que disputavam o domínio no mundo, o que criou condições políticas e psicológicas favoráveis à guerra e não à paz. Por um lado, as potências nazi-fascistas, mais pobres que as potências demo-liberais e, por outro, estas que controlavam os impérios coloniais e boa parte do comércio mundial, estando frente a frente, não se entendiam nas conferências internacionais, onde não se evitava a guerra, mas a adiava para mais tarde.
Hoje existe uma situação parecida no mundo: crise econômica, desocupação em massa, guerra econômica, militarização das economias por toda parte, comércio intensivo de armamentos, crises financeiras colossais nos países subdesenvolvidos, tensões no Afeganistão, Camboja, Nicarágua, Polônia, Angola, Moçambique e conflitos árabe-israelenses desempenhando o mesmo papel que, em 1936-1939, desempenharam a invasão da Áustria, dos Sudetos ou da Etiópia.
O caminho em direção à guerra se facilita quando não se respeitam os direitos humanos (contidos no Acordo de Helsinque) ou se rompe o “status quo” dos tratados internacionais, fazendo novas divisões no mundo que alteram o equilíbrio militar e econômico entre as grandes potências. Em tais situações econômicas, um país não está disposto a perder o que os outros ganham às suas expensas, prefere recorrer à guerra, quando a possa ganhar, coisa que poderia se produzir entre soviéticos e norte-americanos no “arco estratégico de crise” que vai desde o Índico ao Golfo Pérsico e ao Paquistão.
Nesse sentido, a III Guerra Mundial poderia muito bem estourar na Ásia e não na Europa, como a primeira e a segunda guerras mundiais. A Europa deixou de ser o epicentro das forças históricas, já que atualmente o eixo da história se desloca em direção à Ásia: geoestratégia do petróleo e geopolítica (antagônica) entre China e URSS. Mas o eixo principal da história, não obstante, tem uma de suas principais luas na América do Norte, por seu grande poder tecnológico, econômico e estratégico; e outra na América do Sul, por sua grande reserva de matérias-primas em uma zona isolada dos principais possíveis cenários de uma III Guerra Mundial. Assim, se a América Latina soubesse desenvolver suas economias ante um mundo em ruínas (se estourasse a III Guerra Mundial), se constituiria em uma das principais potências do final do século XX e, mais ainda, do século XXI.
No entanto, agora a América Latina está prostrada economicamente, abalada politicamente por “golpes” de Estado e guerrilhas (surgidas aos montes na América Central, onde o principal inimigo da paz não são os grupos “golpistas” ou “sediciosos”, mas sim uma profunda crise econômica, monetária e financeira). Na Guatemala, Nicarágua, Costa Rica, Honduras e El Salvador se tivessem economias prósperas, se sua crise não fosse acumulativa, possivelmente com trabalho e bem estar para todos, haveria paz, respeito aos direitos humanos, sem “transgressões” ou “infiltrações” de fronteiras, com armas e guerrilhas de direita e de esquerda.
Guerrilhas e Injustiça Social
A América Latina se encontra em um estado de comoção interna devido a uma situação econômica que vai se deteriorando acumulativa e sistematicamente. Assim, por exemplo, os três maiores países latino americanos: Brasil, Argentina e México, em 1982 haviam acumulado uma dívida pública externa de cifras astronômicas: respectivamente 81 bilhões, 39 bilhões e 80 bilhões de dólares. Praticamente, estes países se encontram em uma situação de suspensão de pagamentos de suas obrigações externas. As amortizações e juros pagos por essa dívida cresciam, respectivamente, a quase totalidade de suas entradas de divisas por exportações.
A dívida pública externa por habitante, em 1981, era de 1.402 dólares por habitante na Argentina, contra um produto interno bruto por pessoa de 1.782 dólares. Essa mesma relação para o Brasil e o México, respectivamente, alcançava 675 e 1.583 dólares por 1.186 e 1.535 dólares, ou seja, no caso do México, a dívidas externa per capita se aproximava do valor de sua renda nacional por habitante. A violência na Argentina, onde os direitos humanos foram transgredidos, assim como no Brasil, com o “batalhão da morte”, coincide com um período de instabilidade, de crise econômica e social, campo apropriado para a insurreição de esquerda ou para a repressão de direita.
A América Central, com sua crise econômica, derivada principalmente de uma relação de intercâmbio desigual que lhes é desfavorável, se descapitalizou e se endividou com o exterior por vender barato e comprar caro nos mercados dos países industrializados, que foram se tornando mais ricos quanto mais pobres os países latino-americanos foram se convertendo. As exportações centro-americanas de minerais, açúcar, café, cacau, banana, tabaco, sisal e outros produtos (animais, florestais, pesqueiros, agrícolas) quando subiram de preço durante a Guerra da Coreia, tiveram preços congelados pela Conferência Internacional de Matérias Primas, mas quando baixaram de preço, descongelaram suas cotações, criando relações desfavoráveis de intercâmbio. Em condições econômicas tão desiguais, a América Central se endividou cada vez mais, como se pode apreciar no quadro “Dívida Externa de Alguns Países da América Central e Caribe”.
É evidente, à luz das cifras, que os países centro-americanos e do Caribe estão passando por uma aguda crise financeira: endividamento exterior excessivo, falta de divisas nos cofres dos bancos centrais, dívida externa por habitante e trabalhador superior ao produto nacional bruto (PNB) por pessoa, tudo indica que pode-se chegar a uma suspensão dos pagamentos ao exterior a menos que as dívidas externas sejam renegociadas a longo prazo.
A Costa Rica, país prático e democrático, como consequência de ter que importar caro o petróleo e os produtos manufaturados e exportar barato seus produtos primários, adquiriu uma dívida externa por habitante, em igual medida que outros países centro-americanos, talvez um pouco menos que a Nicarágua, mas se a crise econômica costarriquense não for superada mediante um profundo reajuste de sua economia para produzir mais e melhor e renegociar sua dívida externa, ao passo em que recebe novos créditos generosos, poderia ir da crise econômica à crise social. Então, não haveria na América Central países pacíficos. Assim, a guerra poderia se estender a todo o istmo centro-americano. Isso constituiria um agravo para a história universal contemporânea, estalando um conflito interno de classes antagônicas e outro externo: talvez entre América do Norte (rica) e América Central (pobre), melhor dizendo, empobrecida por um comércio inequitativo, desigual, entre os países desindustrializados e os países subdesenvolvidos.
Se a “brecha” econômica e tecnológica entre as Américas se torna cada vez maior, com maior renda por habitante no norte e menos no sul, umas dez vezes mais em um que em outro, e se a população no sul duplicar em menos de trinta anos, segundo seu crescimento atual por ano, enquanto a América do Norte precisa de cerca de cem anos, não cabe dúvida que o conflito entre as duas Américas tenderá a aumentar e não a diminuir nos finais do século XX, de continuar sem mudanças as tendências atuais de crescimento desigual da população entre as duas Américas, cujo desenvolvimento econômico e tecnológico desproporcional criaria condições favoráveis a situações como as que se vivem atualmente, em pleno desenvolvimento da violência, na América Central.
Se os países pobres não podem pagar o que devem aos países ricos, aqueles também não prosperarão, pois a prosperidade no mundo vai se tornando indivisível (compartilhada). Assim, ninguém poderá se salvar de uma crise econômica colossal como a que está acontecendo no mundo, agravada pelos “choques” petrolíferos depois de 1973. Se os países subdesenvolvidos são explorados, comprando barato e vendendo caro, vão sendo roubadas, pouco a pouco, as divisas que ganhariam com um comércio equitativo (justo), ao passo que se endividam com créditos onerosos, cujo montante deveria ter ganhado, justamente, com um comércio são, não de agiotagem.
Sem um direito econômico, sem um comércio internacional são, moral, inspirado na lei da equivalência de troca e na da cooperação internacional, não há prosperidade, paz e liberdade para nenhum país, e sim condições políticas, sociais e psicológicas para intervenções, invasões, infiltrações, guerrilhas e golpes de Estado que colocarão o mundo, em qualquer momento crítico, à beira da guerra ou dentro dela.
A América Central começa a arder em algumas de suas regiões. O partido do descontentamento é o maior de todos, saindo daí a violência de esquerda ou de direita. Violência fanática que só vê a revolução ou a contrarrevolução no derramamento de sangue, no extermínio de grupos coletivos, sobretudo no campo, em vez de encontrar soluções econômicas, políticas, sociais, com reformas profundas e oportunas que evitem o massacre de populações inocentes. Se os países centro-americanos tivessem mais alimentos e menos armamentos, mais economia e menos ideologia, mais prosperidade e liberdade, menos opressão e mais expansão da economia, mais trabalho e bem-estar, mais cooperativas e menos monopólios, uma indústria moderna e um regime justo de propriedade fundiária, a América Central seria uma região de paz.
A deterioração da economia centro-americana foi particularmente acelerada depois dos dois “choques” petrolíferos internacionais em 1973 e 1981, por se tratar de uma zona não produtora de hidrocarbonetos, endividando sistemática e acumulativamente a Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua, Panamá e outros países latino-americanos importadores de petróleo. Na medida em que a crise econômica foi se agravando, a violência começou a estalar por distintas regiões do istmo centro-americano. O declínio das cotações dos produtos tropicais de exportação, próprios da América Central, e a alta vertical dos preços do petróleo cru importado, criaram uma crise financeira e monetária, adiada, mas não resolvida, com mais créditos exteriores, mais endividamento, que não deteve a saída de divisas conversíveis ou de reservas de ouro dos bancos centrais centro-americanos. Por sua vez, as moedas nacionais centro-americanas foram se debilitando, o custo de vida foi aumentando, assim como a inflação, tendo que desvalorizá-las, de tempo em tempo, sem que esses remédios tenham podido evitar a enfermidade: sair da crise econômica importada (externa), ou provocada internamente por não saber fazer reformas econômicas, sociais e políticas que tivessem evitado a propagação da violência.
Em uma época de civilização planetária, quando as estratégias das grandes potências são globais, a América Central, debilitada economicamente, se prestou a manipulações internacionais imperialistas ou hegemonistas nas quais os “serviços multinacionais” se tornam, reciprocamente, “guerra por procuração”, com telecomandos no leste ou no oeste. A guerra direta entre as grandes potências (enquanto os armamentos nucleares não forem proibidos mediante um convênio internacional que seja respeitado) não é facilmente realizável a nível atômico, já que suporia a destruição recíproca dos contendentes. Portanto, as “guerras sujas” (indiretas), ganhando um país para um bloco, na medida em que se perde para outro, se tornaram moda. No entanto, as frentes de guerra marginais se tornaram muito rígidas: é difícil avançar assim em linhas que não cedem, pois atrás delas está o imperialismo ou o hegemonismo. Isso supõe um grave perigo de guerra mundial induzido por guerras marginais descontroladas. Por conseguinte, a América Central, para evitar a violência, deve se desenvolver econômica, cultural e tecnologicamente, a fim de que haja trabalho e prosperidade, paz e liberdade para todos.
OS DIREITOS HUMANOS NA ÉPOCA DA GUERRA TOTAL
Estratégia Nuclear e Guerra Revolucionária
O mundo em que vivemos é muito contraditório: parece evoluir de um estado melhor em direção a outro pior, desmentindo assim a ilusão da lei do progresso. Não é que tenhamos uma visão pessimista do futuro, subjetiva ou voluntarista. Não, pois a realidade demonstra que a “sociedade de consumo” está acabando nos países industrializados, onde há mais de trinta milhões de desocupados; a crise econômica golpeia cada vez mais forte; a população já não se reproduz; a corrida armamentista absorve boa parte do excedente econômico para produzir instrumentos de destruição e não de produção; as ideologias ou as políticas vigentes se desprestigiaram, ficando obsoletas. Por outro lado, nos países subdesenvolvidos, segundo os métodos utilizados, a desocupação pode chegar a 30 ou 40% de sua população ativa e sua dívida externa com os países ricos alcança aproximadamente 600 bilhões de dólares. Os países ricos, a cada ano, gastam em seus programas de defesa nacional mais milhões de dólares que o total da dívida externa dos países afro-asiáticos e latino-americanos.
Nos países do bloco soviético (onde a Rússia está gastando em torno de 15% de sua renda nacional bruta na defesa nacional e exige sacrifícios parecidos aos países de seu bloco estratégico), a crise econômica não é menor que em alguns países do Terceiro Mundo. Assim, por exemplo, a Polônia não pode pagar sua pesada dívida externa com os países ocidentais, estimada em cerca de 27 bilhões de dólares, pois se pagasse comprometeria a quase totalidade de suas entradas de divisas anuais por exportações. A Romênia, com 12 bilhões de dívida externa, deixou de pagar, em 1981, cerca de 1,5 bilhões de dólares em termos de juros, tendo que liquidar, além disso, outros 3 bilhões em 1982. Cuba tampouco é uma exceção: solicita de seus credores ocidentais não pagar 95% de suas obrigações externas até dentro de dez anos, com três ou quatro anos de carência.
A Rússia está importando, há anos, cerca de 40 milhões de toneladas de grãos para alimentar sua população e, sobretudo, sua pecuária, tendo que gastar anualmente muitos bilhões de dólares, entregar suas reservas de ouro, produção de titânio, platina e paládio que os norte-americanos dedicam à fabricação de armamentos sofisticados. A dívida externa da Rússia, ainda que não seja tão grande relativamente quanto a da Polônia, da Romênia, da Iugoslávia ou de Cuba, está alcançando limites, os quais, se ultrapassados, não teria ouro nem divisas conversíveis para seguir importando (pagando) os grãos e a manteiga dos Estados Unidos. Se criaria, assim, na União Soviética, o dilema de “canhões ou manteiga”. Isso exporia os dirigentes do Kremlin ao desprestígio político, ao descontentamento do povo (o maior dos partidos), como seria agora o caso entre governo e povo na Polônia.
Os quatro cavaleiros do apocalipse caminharão em direção aos quatro pontos cardiais do mundo se não entrarmos na idade da razão, convertendo os armamentos em instrumentos de produção, as bombas atômicas em energia produtiva, o aço em maquinaria para dar trabalho a milhões de operários em vez de destiná-lo a fabricar canhões, tanques, navios de guerra, fuzis e metralhadoras. Não é racional que o mundo – todos os anos – destine ao poço sem fundo do armamento cerca de 800 bilhões de dólares que pagariam (e sobrariam, todavia, cerca de 200 bilhões) as dívidas que oneram os países do Terceiro Mundo. Com esses bilhões de dólares, investidos produtivamente, poder-se-ia mecanizar e estimular a agricultura dos países afro-asiáticos e latino-americanos, onde a metade de sua população passa fome e há cerca de quinhentos milhões de desocupados. Onde a população se duplica em pouco mais de trinta anos e representa, agora, 75% da população mundial.
Quem pensa – se não é um otimista incondicional – que no ano 2000 se viverá melhor que em nossa época? O mais provável é que a explosão da população no Terceiro Mundo – a “cama pródiga e a mesa escassa” - crie uma situação de subversão, parecida com a que se está vivendo na América Central, onde a crise econômica cria a crise social e esta a tensão política que conduz à guerra de guerrilhas. Por isso, dizemos que, se o mundo não entrar na idade da razão, iremos de uma situação melhor a uma situação pior. Mas até onde e até quando?
O mundo de nosso tempo está experimentando uma profunda crise não só econômica, como também energética, de esgotamento de recursos naturais, de contaminação ambiental (de piora da qualidade de vida), de redução da população nos países ricos e aumento rápido nos países pobres. Se ensaiou de tudo: ideologias, políticas, neocapitalismo, capitalismo de Estado, keynesianismo, marxismo-leninismo, nazi-fascismo, liberalismo. Falta uma democracia direta (associativa) baseada na cooperação e na autogestão, que seja capaz de distribuir a crise equitativamente para superá-la, solidária e conjuntamente entre todos. Sem terrorismo, sem democracia retórica, sem totalitarismo de esquerda ou de direita, respeitosa dos direitos e das liberdades essenciais do homem.
Estamos frente ao perigo de uma terceira guerra mundial, provocada pelas ambições imperialistas de grandes potências ou por pequenas guerras marginais, nacionais ou revolucionárias que, por contágio, podem fazer estalar todos os muros de contenção dos antagonismos bélicos, simplesmente porque se produziu – como em 1913 – um atentado contra um príncipe austríaco em Sarajevo, ou – como em 1939 – quando as tropas alemãs invadiram o paço de Danzig.
A faísca que pode ascender o pavio pode partir de qualquer lugar, pois há vários focos de “instabilidade” no mundo: 1) Oriente Médio; 2) América Central; 3) Afeganistão; 4) Camboja; 5) África do Sul, Angola, Moçambique; 6) Conflito permanente entre judeus e árabes; 7) Polônia e a URSS; 8) Conflito permanente entre a China e a URSS; 9) Guerra de guerrilhas por toda a geografia instável do Terceiro Mundo; 10) Aumento do exército de desocupados no mundo, especialmente jovens, que pode sacudir – por dentro – uma civilização decadente, em crise.
À tradicional contradição leste-oeste, que parecia ter sido dominante desde o término da II Guerra Mundial, foi somada a contradição norte-sul, entre países industrializados e subdesenvolvidos, que movimentam uma ordem mundial frágil. Nas faixas geográficas tropicais e subtropicais do mundo, em direção ao hemisfério sul, vivem três quartos da população mundial, mas com menos de 20% do produto interno bruto do mundo e mais ou menos 10% da produção industrial mundial. Como poderia haver paz entre as nações se, por falta de um direito equitativo, umas estão contra as outras? Se um país não pode ganhar sem que outro perca e se uma região é rica porque outra é pobre, então como conservar a paz em um mundo tão contraditório?
Direitos Humanos e Guerra Nuclear
A economia de guerra em tempos de paz está tragando boa parte da riqueza para aumentar a pobreza. Os Estados Unidos e a União Soviética, com seus grandes gastos em um rearme que nunca termina, se preparam para a mais total de todas as guerras. Segundo estimativas do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos de Londres, segundo dados para 1980, a Rússia estava investindo na defesa nacional 193,9 bilhões de dólares e os Estados Unidos 128,2 bilhões, respectivamente 15 e 6% de sua renda nacional bruta. Mas, em 1982, os norte-americanos investiram mais de 250 bilhões de dólares em seus programas de defesa nacional. Como a economia norte-americana é aproximadamente o dobro do produto interno bruto da soviética, com 8% desse produto investido em gastos militares, se aproximaria, em quantidade de bilhões de dólares, dos investimentos soviéticos em defesa.
Na União Soviética já há somente dois setores em sua economia: o militar e o civil, mas com tendências a aumentar a primeira sobre a segunda. Nos Estados Unidos, o deficit orçamentário, em quatro anos, subiria para 481,3 bilhões de dólares. Desta maneira, o direito dos consumidores é sacrificado para a expansão dos complexos militares (soviético e norte-americano) que amontoam armamentos para o desafio final.
A corrida armamentista supõe uma guerra econômica entre os “dois grandes”. Onde a manteiga, o pão, a carne, os bens e serviços da economia de paz faltarem primeiro, necessariamente se produzirão insurreições, descontentamento popular, manifestações de protesto e outras ações políticas e sociais caso a guerra não estoure. Para que a depreciação da economia de guerra - insuportável para os consumidores - não chegue a derrotar governos impopulares, estes colocarão suas contradições internas para o exterior na forma de guerra internacional antes de se verem encurralados revolucionariamente em suas frentes internas.
Os armamentos modernos custam muito caro: um submarino “Trident” e um porta-aviões nuclear, com todos os equipamentos e armas, custam cerca de 5,5 bilhões de dólares cada um. Um bombardeiro B-1 custaria entre 100 e 140 milhões de dólares. Seu projeto total somaria 18 bilhões de dólares e o domínio do espaço extraterrestre, onde se fará a guerra, suporia cerca de 300 bilhões de dólares. O rearmamento, portanto, é caro e nunca definitivo, pois é preciso renovar as armas modernas a cada dez anos. O arsenal atômico e convencional do Leste e do Oeste já é colossal, como se pode apreciar nos quadros “Leste-Oeste: Forças Nucleares Comparadas” e “Leste-Oeste Forças Convencionais em Presença”.
A economia de guerra das grandes potências é monopolizada por oligarquias burocrático-militares que controlam os complexos militares-industriais como sua propriedade. Não há nenhuma participação efetiva dos povos que, quando o cinto aperta, pagam com impostos crescentes os custos astronômicos de realização dos programas de defesa. Nos quadros anteriores, com a eloquência de suas cifras, percebe-se que as armas nucleares e convencionais, os mísseis de longo e médio alcance com cabeças atômicas, podem destruir, em grande parte, nações continentais como Estados Unidos e a União Soviética. Se a III Guerra Mundial chegar ao nível nuclear – tático ou estratégico - seria a mais total de todas as guerras. Poderia pulverizar, em pouco tempo, cidades inteiras, grandes fábricas, portos, pontos estratégicos de comunicação, aeroportos, quartéis, edifícios de ministérios e outros objetivos estratégicos.
Se o arsenal atômico do nosso quadro entrasse em ação (com mísseis lançados por vários aviões estratégicos, submarinos nucleares e foguetes intercontinentais), as cidades e grandes indústrias estratégicas, mais que as frentes de batalha, suportariam a hecatombe da guerra total, já que se atacaria o território dos países mais que as linhas de fogo constituídas por seus soldados regulares. A guerra, nestas condições totais, abarcaria todos os espaços e, portanto, a doutrina clássica da defesa nacional deve ser modificada, tratando de defender as fronteiras nacionais com tropas regulares, as retaguardas com milícias territoriais que auto-organizassem as populações apavoradas que saíssem das cidades dispersamente.
Somente assim, dentro de uma guerra total, se pode defender, dentro do possível, os direitos humanos essenciais da pessoa humana: direito à própria vida, por meio da auto-organização da solidariedade humana; direito a um lugar de emergência e à aquisição do indispensável para a alimentação familiar ou pessoal; direito à propriedade de objetos pessoais, não deixando que hostes transumantes depredem as economias locais ou pessoais; direito à participação de todos na produção e autoadministração local para salvar a comunidade do caos; e direito à inviolabilidade da família e do matrimônio em situação de emergência, ainda que este e esta estejam em uma residência precária como consequência da guerra total.
Em caso de guerra total, depois de milhões de seres humanos terem saído das cidades – principalmente mulheres, idosos e crianças – os direitos e as liberdades fundamentais do homem só poderiam ser garantidos colocando em harmonia os direitos individuais com os da comunidade auto-organizada para sobreviver ante uma catástrofe nuclear. A doutrina de defesa nacional, caso a guerra chegue a se tornar total ou limitada, requereria que, em cada comarca ou região, as populações rurais, engrossadas com milhares de refugiados provenientes das cidades, auto-organizassem a população e a produção, as reservas de víveres, a busca por alimentos vegetais comestíveis, bagas ou frutos que não sejam nocivos para a saúde.
Se milhões de pessoas saem desorganizadas ao campo – sem que ninguém se preocupe em estabelecer uma ordem civilizada frente a possíveis depredadores com intenções de homens das cavernas – a população se exporia a aniquilação por fome ou por homens com instinto bestial. Para evitar estes perigos de autodestruição dos refugiados, deverão ser organizadas milícias territoriais que vigiem e trabalhem, que produzam e defendam suas comarcas, que estejam dispostas a combater tropas inimigas transportadas por ar, tentando tomar o país por sua retaguarda. Nesta ordem de ideias, a doutrina da defesa nacional deve ser modificada ante o perigo da guerra nuclear, pois a doutrina convencional, tendo o monopólio da defesa dos exércitos regulares, não basta nem para defender um pequeno país de uma grande potência, nem para auto-organizar as populações por seu próprio interesse geral a fim de evitar o retorno à luta animal pela existência.
Para evitar epidemias entre milhares de refugiados, prover água potável, alimentos frescos, saúde e higiene para evitar enfermidades infecciosas, as milícias territoriais, os grupos de auto-organização da produção e da distribuição, respeitando os direitos humanos mais elementares, podem evitar que a humanidade, em caso de guerra nuclear total, volte à Idade da Pedra ou a uma nova Idade Média.
O Preço da Guerra
A guerra se tornou um demônio incontrolável: uma bomba de um megaton pode destruir edifícios de tijolo a uma distância de cinco quilômetros de seu epicentro de explosão. Uma bomba de dez megatons, ainda que sua capacidade de destruição não fosse proporcional à sua carga em relação à de um megaton, aniquilaria tudo o que encontrasse em raio de ação de vários quilômetros e afetaria uma zona de muitos quilômetros quadrados. Mais precisamente, uma bomba de dez megatons pode pulverizar tudo em um raio de onze quilômetros e contaminar com seus efeitos residuais 3 mil quilômetros quadrados de extensão. Esta capacidade de aniquilamento está contida nos mísseis soviéticos ou estadunidenses intercontinentais equipados com dez cabeças nucleares cada um; lançados por terra ou por submarinos atômicos, alcançariam distâncias de até 11 mil quilômetros desde seu ponto de lançamento.
A humanidade está sobrecarregada de quilotons e megatons destinados à sua autodestruição: com os arsenais nucleares atuais em poder das potências atômicas, cada habitante do mundo dispõe de cem toneladas de TNT como explosivo equivalente. Se toda essa energia mortífera fosse utilizada para a produção mediante uma saudável pesquisa pacífica, convertendo a energia nuclear suja em limpa, teríamos superado a escassez de energia mundial.
Na guerra moderna, um bombardeiro de grande raio de ação como o B-1 e o Blackfire, o primeiro estadunidense e o segundo soviético, são capazes de lançar em um dia, com cargas nucleares, uma quantidade de explosivo equivalente ao lançado na Segunda Guerra Mundial. Significa, então, que a guerra está se tornando muito destrutiva, já que é mais barato destruir cada vez mais quilômetros quadrados por um preço menor. Assim, por exemplo, 10 quilotons de explosivo atômico custam cerca de 350 mil dólares; 200 quilotons, 500 mil dólares e 2 mil quilotons, 600 mil dólares, ou seja, quanto mais quilotons uma bomba contém, mais barata ela é, seu custo é decrescente.
A luz desta aritmética infernal com uma bomba de dez quilotons foi possível destruir, em 1945, a cidade de Hiroshima, onde morreram milhares de habitantes. Mas em 1982, se estalasse uma guerra nuclear, com 2 mil quilotons se destruiria uma megalópole moderna que fosse escolhida como alvo. Por conseguinte, progredimos muito para nos autodestruirmos e caberia nos perguntarmos se não somos capazes de controlar nossas ciências e técnicas, se não progredimos moral, social e politicamente, no mesmo ritmo que científica e tecnicamente. Todo nosso progresso, por uma ironia dialética, se transformaria em retrocesso, se retornássemos, graças à ciência, ao homem das cavernas.
[1] Este artigo de Abraham Guillén, publicado pela revista costarriquense Relaciones Internacionales em 1982, é fruto da participação do anarquista espanhol no Primeiro Congresso Mundial de Direitos Humanos realizado na cidade de Alajuela na Costa Rica nesse mesmo ano. Tradução: Ivan Thomaz de Oliveira.
[2] Guillén não se refere ao estado brasileiro, mas sim ao Rio Grande localizado no sudoeste dos EUA e no norte do México, nos territórios dos estados do Colorado, Novo México, Texas, Chihuahua, Coahuila, Nuevo León, Tamaulipas. Este rio também é conhecido na região como Río Bravo del Norte, Tooh Baʼáadii e Kótsoi. (N.T)