Título: Imaginação, Descolonização e Interseccionalidade: as ocupações estudantis #RhodesMustFall na Cidade do Cabo, África do Sul
Data: 31.12.2022
Notas: Tradução realizada por Cello L. Pfeil.

Imaginação, Descolonização e Interseccionalidade: as ocupações estudantis #RhodesMustFall na Cidade do Cabo, África do Sul

Antje Daniel

Josh Platzky Miller

Tradução: Cello Latini Pfeil

Resumo: Estudantes sul-africanos retornaram, desde 2015, à vanguarda das lutas dos movimentos sociais do país. Foi central para essa onda de disputas o movimento #RhodesMustFall (#RMF) na University of Cape Town (UCT), que se uniu a insurreições em universidades de todo o país, sob a bandeira #FeesMustFall, concentrando as demandas na abolição das mensalidades, na descolonização da educação e da sociedade, e no fim da exploração dos trabalhadores do campus. Neste processo, os alunos imaginaram como a educação e a sociedade poderiam ser diferentes. Neste artigo, discutimos a relação entre movimentos sociais, ocupações e imaginário, ao examinarmos um evento crucial do movimento #RMF: a ocupação estudantil de um prédio administrativo da UCT. Como a teoria dos movimentos sociais possui uma concepção subdesenvolvida sobre o imaginário, nos baseamos na compreensão de Sartre e Fanon sobre imaginário, e a aplicamos ao ativismo dos estudantes. Com base em investigação qualitativa original, demonstramos como futuros imaginados orientam a atividade do movimento, enquanto que suas práticas prefigurativas na ocupação as encenam no tempo presente. A ocupação #RMF foi vista como uma ruptura da realidade que catalisou a imaginação dos estudantes, de modo a honrar suas críticas à sociedade e dando forma a dois imaginários centrais de futuros alternativos, a descolonização e a interseccionalidade. Os imaginários e encenações do movimento foram influentes na remodelação do panorama do ensino superior sul-africano, e até inspiraram movimentos internacionais.

Palavras-chave: Imaginação; decolonização; interseccionalidade; ocupações; movimentos estudantis; África do Sul.

Introdução

A imaginação é central para a existência humana. Contudo, tem sido largamente esquecida em estudos de movimentos sociais, e as filosofias da imaginação são amplamente despolitizadas, deixando subexploradas as ligações entre imaginação e os movimentos. Neste artigo, exploramos as relações entre a imaginação e o protesto, especialmente em forma de ocupações. Concentramo-nos na ocupação estudantil de 2015 #RhodesMustFall [1], na University of Cape Town, África do Sul, para discutir os processos imaginativos dos atores coletivos – especialmente seus imaginários decoloniais e interseccionais. Como “imaginários”, a decolonialidade e a interseccionalidade abrangem os tipos de futuros e configurações sociais alternativas que os ativistas conceberam durante o movimento. Os exploramos teoricamente através de ideias teóricas relacionadas à imaginação e desenvolvidas por Sartre e Fanon; combinadas com debates sobre ocupações. De modo geral, argumentamos que a ocupação estudantil #RhodesMustFall foi um espaço e tempo vital para os estudantes re-imaginarem a educação e a sociedade, catalisando e disseminando os imaginários centrais do movimento.

A partir de março de 2015, numerosos protestos irromperam paralelamente em Instituições de Ensino Superior sul-africanas. O movimento #RhodesMustFall (#RMF), na University of Cape Town, foi central nesse processo, particularmente sua ocupação da Azania House, pois esta proporcionou espaço e tempo para os ativistas re-visualizarem como a universidade, as relações sociais e a organização deveriam ocorrer. Entre 2015 e 2017, o #RMF se conectou com ativistas de outras universidades e fundiu-se como o #FeesMustFall, um dos maiores movimentos e desafios radicais contra autoridade ocorridos na África do Sul pós-apartheid. Estudantes de todo o país confrontaram suas instituições e o Estado, os quais foram moldados por raízes coloniais racistas e funcionalidades da era do Apartheid. Vinte anos após o fim do Apartheid, os estudantes levantaram novas proeminentes críticas ao acordo político de 1994, ao operante African National Congress (ANC) e a suas promessas de transformação, e à ideia de “Rainbow Nation” [2] sul-africana, uma democracia “multirracial” com igualdade e direitos para todos (relatos de estudantes; ver também Chikane, 2018; Lester et al., 2017). Os estudantes destacaram as continuidades entre o colonialismo, o apartheid e a sociedade contemporânea. A maioria negra, argumentaram eles, na verdade continuou a ser explorada [3]. Como sintetizou um estudante,

Post-1994, we have been brainwashed with the idea of the ‘rainbow nation’. What is clear is that we live in a post-apartheid South Africa where inequality, racism, white supremacist capitalist, patriarchy continues to oppress black people in the country. The movement comes out of the feeling of being desperate, angry and frustrated by the state of things in the country. [4] (citação de Ndelu, 2017, pp. 62-63)

Ao mesmo tempo em que se envolveu com o contexto sociopolítico mais amplo, o movimento #Fallist se concentrou em questões centrais para o sistema educativo sul-africano. Contrariamente à educação commodified e mercantilizada, o movimento exigiu a abolição das mensalidades universitárias [5]. Os estudantes apelaram a uma educação descolonizante e à superação da violência estrutural epistêmica. Os estudantes também se aliaram aos funcionários do campus para dar um fim às condições de exploração laboral e às hierarquias de classe racializadas, entrincheiradas por trabalhadores “terceirizados” (relatos de estudante-trabalhador, Lucker & Mzobe, 2016).

Ao longo de 2015-17, os estudantes em África do Sul protestaram dentro e fora dos campi. Seu repertório abarcava piquetes, manifestações, marchas e ocupações. Em todo o país, a onda de movimentos #MustFall teve numerosos impactos diretos, com várias universidades, incluindo a UCT, se comprometendo a descolonizar a educação e a contratar trabalhadores. Em dezembro de 2017, a onda #FeesMustFall recuou, à medida que a pressão dos estudantes se deparou com o comprometimento do então presidente Jacob Zuma com o estabelecimento de um ensino terciário gratuito para pobres e estudantes da classe trabalhadora.

Os movimentos #MustFall na África do Sul podem ser concebidos como parte de uma “quarta fase” dos debates de decolonização em África, especialmente com foco no Ensino Superior (Mamdani, 2016). Eles perseveram, reacendem e desafiam as três fases anteriores: libertação nacional anti-colonial dos anos 1950-60, debates pós-coloniais sobre as relações universidade-Estado, e contestação da neoliberalização da educação pelos Structural Adjustment Programmes dos anos 1980 (Okech, 2020, p. 315-316). Tais desafios são significativos, pois as instituições de ensino se situam em uma interseção única. Embora se orientem especialmente à produção de conhecimento, são locais de luta social, abrangendo preocupações materiais e epistêmicas, e tratam de necessidades imediatas e de questões de reprodução, continuidade e mudança social de longo prazo (Platzky Miller, 2019, p. 43).

Este artigo reúne as investigações empíricas de dois autores, conduzidas de modo independente, sobre uma mesma ocupação e durante um mesmo período de tempo. Este processo se baseou em abordagens teóricas e metodológicas diferentes, mas complementares, sinterizadas nos argumentos abaixo [6]. Desenvolvemos nossa compreensão das perspectivas dos estudantes por meio de entrevistas biográficas, particularmente de participantes em ocupações, explorando seus pontos de vista sobre educação e construção do movimento. Complementamos isso participando em palestras, comparecendo a protestos e comícios populares, entrevistando acadêmicos envolvidos com o movimento, e recorrendo aos trabalhos publicados por inúmeros estudantes.

Neste tipo de investigação, se apresentam preocupações éticas e políticas, incluindo o perigo de se reproduzir hierarquias de produção de conhecimento entre estudantes e ativistas, e o risco de se eclipsar as preocupações dos próprios estudantes por interesse acadêmico (ver e.g., uma antiga questão dos participantes, em Gamedze, 2020; ou mais amplamente em Dawson & Sinwell, 2012). Do mesmo modo, numerosos ativistas e estudiosos têm argumentado que um aspecto importante da resistência ao imperialismo epistêmico é não só dar luz aos movimentos “do Sul” enquanto objeto de estudo, mas teorizar com e a partir de sua própria produção de conhecimento (Cox et al., 2017). Como tal, também nos envolvemos com as contribuições teóricas dos estudantes, prestando particular atenção à sua língua [7], política e imaginários.

Na próxima seção, mostramos como a teoria dos movimentos sociais pode se envolver produtivamente com a teorização da imaginação e das condições espaço-temporais das ocupações. Na terceira parte, discutimos as lutas dos estudantes na África do Sul, antes de nos concentramos na ocupação da Azania House para argumentar que foi um importante espaço para os estudantes se refugiarem, partilharem experiências e imaginarem uma educação mais liberta, assim como formas alternativas de organização social. Na quarta parte, apresentamos os imaginários dos estudantes, argumentando que, destes, dois emergiram centralmente da ocupação: a descolonização, que se tornou o eixo fundacional do movimento, e a interseccionalidade, que também foi central, mas mais contestada. Finalmente, concluímos argumentando que os movimentos #MustFall são significativos não só à escala local, mas são fundamentais a nível global, pois nos fazem atentar para o modo como o colonialismo e a descolonização são importantes na teorização do Sul Global sobre os movimentos sociais.

Movimentos sociais, Imaginação e Ocupações

Estudos sobre movimentos sociais pressupõem implicitamente uma relação entre a ação coletiva e o futuro: uma crítica do presente e uma reivindicação de um futuro alternativo são condições prévias para a mobilização (Schulz, 2016). Os participantes de movimentos sociais visam recuperar o controle sobre suas próprias vidas, e no processo, então, criar imaginários sobre como uma sociedade deveria ser (Neidhardt & Rucht, 2001). Embora haja relativamente amplo reconhecimento de que a imaginação, o futuro e a temporalidade são importantes para os movimentos, estes temas permanecem sendo um nicho nos debates acadêmicos (Gillan, 2020; McAdam & Sewell, 2001). Sintetizando uma questão especial recente sobre temporalidade para os Estudos de Movimento Social, Gillian e Edwards (2020) argumentam que a literatura existente tende a interrogar a temporalidade através de metáforas de ritmos, tais como ciclos de protesto, ou através da noção de temporalidade “agitada” em protestos. Dentre aqueles que se aproximam da relação entre presente, futuros possíveis e a imaginação em movimentos, vários autores já reconheceram diretamente a importância do senso de futuro dos ativistas. Brown (2016), por exemplo, destaca o papel do “prospecto”, um horizonte de possibilidades nos movimentos, que se baseia na imaginação sem teorizá-la enquanto tal. Outros, tais como Schulz (2016), apoiaram um diálogo contínuo entre movimentos sociais e a investigação sobre futuros para compreender e moldar a imaginação pública, mas também não teorizaram sobre o papel da própria imaginação.

Muito pouco da investigação sobre futuros nos estudos dos movimentos sociais se envolve diretamente com a imaginação (Haiven & Khasnabish, 2014). As relações concretas entre ação coletiva e imaginários futuros permanecem sub-teorizadas, especialmente quando mediadas em condições espaço-temporais específicas, tais como ocupações (Aitchison, 2011; Frenzel et al., 2014). Este artigo aborda tais lacunas. Em primeiro lugar, tecemos perspectivas sobre a imaginação desenvolvidas por Sartre e Fanon, para compreendermos como funciona a imaginação, e consequentemente como as pessoas desenvolvem imaginários (objetos de sua imaginação). Em segundo lugar, demonstramos como a espacialidade de um movimento – aqui, em termos de ocupações – importa no desenvolvimento, negociação e experimentação de imaginários.

Imaginação

Imaginar é estar consciente do que não atualmente existe. Isso é vital para os movimentos sociais em sua projeção de “como o mundo poderia ser de outra forma”, moldando o sentido, a ação e a mudança individual e coletiva (Haiven & Khasnabish, 2014). Os estudos sobre movimentos sociais discutem tangencialmente a imaginação ao destacarem as motivações subjetivas para o ativismo, fundamentadas em experiências individuais e influência cultural (Baumgarten et al., 2014), ou ressonância emocional (Jasper, 1998). Estudiosos também têm discutido a construção do significado dos movimentos e o modo como as reivindicações de mudança foram desenvolvidas através da framing theory [8] (Benford & Snow, 2000). Essas podem ser faces importantes dos movimentos, mas não tratam centralmente da imaginação como uma capacidade humana fundamental, intervindo, na verdade, “a jusante” em suas funções ou efeitos. Inversamente, as filosofias da imaginação que exploram suas categorias básicas, tais como em Kind (2016), tendem a permanecer em silêncio em relação à ação política e, por isso, são em grande parte inúteis para os estudiosos de movimentos sociais. Para abordar as características subjacentes à imaginação e à dinâmica política, a teoria dos movimentos sociais podem recorrer produtivamente às contribuições de Sartre e Fanon. Sartre (1940 / 2004) teoriza a imaginação como uma faculdade mental intencional básica: a imaginação é uma prática central e inerentemente humana. Para Sartre, a imaginação difere de percepção, porque não é limitada pela realidade. Imaginar algo é estar consciente de algum objecto - um imaginário - mas consciente de que ele não é real. Isto por si só é vital para os movimentos sociais, porque o ativismo implica necessariamente uma relação com possíveis arranjos sociais alternativos; ou seja, uma consciência de algo desejável, mas irreal no presente momento.

Sem sermos capazes de imaginar e relacionar as nossas experiências actuais com um futuro imaginado, experimentaríamos o mundo puramente como dado e, por conseguinte, não teríamos a capacidade de conceber possibilidades alternativas que pudessem estar ao nosso alcance, o que nos impediria de agir para mudar a forma como as coisas são. Assim, a imaginação (ou falta dela) é necessária para desenvolver (ou limitar) um sentido de sujeito em si, de agência e, em última análise, de ação coletiva - como na ocupação de um movimento.

Contudo, imaginar pode somente ocorrer em relação a, em a partir da experiência sobre, aquilo que é real (Sarte, 1940 / 2004, p. 185). Desenvolvendo a teoria de Sartre, Fanon argumenta que a consciência imaginária é “certainly unreal, but it drinks from the concrete world” [9] (Fanon & Geronimi, 1956/2018, p. 431). Isto significa que "imaginary life cannot be isolated from real life: the concrete, objective world is what constantly fuels, enables, legitimates and founds the imaginary” [10] (p. 431). A tensão entre o real e o imaginário é fundamental para o ativismo do movimento porque, como Sartre (1940/2004, p. 184) argumenta, imaginar envolve um "escape from the world" [11], o que permite um envolvimento alternativo com o mundo. A partir disto, distinguimos três momentos no ato de imaginar: o emaranhamento com a realidade tal como ela é (muitas vezes, em movimentos sociais, envolvendo um sentimento de descontentamento ou crítica); depois, um imaginário em que essa realidade é negada (imaginando um mundo sem o objeto da crítica); e depois uma alternativa imaginária substantiva (uma forma diferente em que o mundo poderia ser).

As estruturas sociais condicionam a relação entre a agência e a imaginação. Se a imaginação se baseia em experiências situadas, encarnadas, vividas, pode ser condicionada (facilitada ou inibida) por configurações sociais particulares [12]. O alcance de nossa capacidade de imaginar depende também de nossa agência, especificamente de nossa ligação e envolvimento com a realidade. Como defende Fanon (Fanon & Geronimi, 1956/2018, p. 431), os imaginários “are only possible to the extent that the real belongs to us” [13]. O oposto disso seria uma negação da agência e uma alienação da realidade tão severas que a imaginação não poderia ser posta em ação. A contribuição particular de Fanon (pp.), então, é argumentar que a opressão estrutural, particularmente as suas formas mais extremas sob o colonialismo, pode limitar o alcance da imaginação, reduzindo a sensação de possibilidade de romper com a atualidade.

Enquanto as configurações sociais podem inibir a imaginação, os movimentos sociais também podem afetar o alcance da imaginação popular. É amplamente compreendido que a ação coletiva orientada para a mudança do mundo social pode revelar alternativas às estruturas, normas, e comportamentos existentes. A realização de ações coletivas pode, assim, incitar e facilitar a expansão dos horizontes imaginativos dos participantes. Além disso, ao modificar as circunstâncias, os movimentos sociais podem moldar novas condições a partir das quais as pessoas imaginam. Tal ação se sustenta em condições do mundo real e possui localização espacial, como, por exemplo, em uma ocupação. Em resumo, compreender como as pessoas imaginam requer uma compreensão do seu contexto social, e especialmente dos espaços em que emergem e em que são moldados novos imaginários de movimentos coletivos.

Ocupações

Desde 2008, a Primavera Árabe, os movimentos europeus anti-austeridade e Occupy chamaram a renovada atenção popular e acadêmica para as ocupações (Daniel, 2018) [14]. De Tahrir a Wall Street, de Gezi a Syntagma, de Bolotnaya a St Paul's, movimentos reclamaram o espaço público, questionando a autoridade estabelecida. Literaturas sobre movimentos sociais centram-se, em grande parte, em ocupações alinhadas a campos de protesto, e por vezes em ocupações de propriedades abandonadas, em sua maioria como estratégia ou tática de movimento (ver, por exemplo, Feigenbaum et al., 2013; Frenzel et al., 2014; Yip et al., 2019). Tais estudos destacam a centralidade do espaço na remodelação de subjetividades ativistas e no fomento de práticas políticas criativas (Aitchison, 2011; Frenzel et al., 2014; Risager, 2017). Em espaços ocupados, os participantes podem desenvolver novas formas de vida e formas de relacionamento entre si ou com o mundo para além da ocupação, implementando normas ou valores alternativos, ou elaborando novas formas de poder. No entanto, as ocupações são simultaneamente fundamentadas em condições do mundo real, moldadas pelo contexto ao qual respondem. Ocupações funcionam contra existentes estruturas sociais como parte de uma “ongoing and evolving sequence of interactions and resistance practices” [15] (Beckett et al., 2017, p. 175). As ocupações podem, assim, abrigar práticas contra-culturais contra normas hegemônicas e relações sociais dominantes [16] (Naidoo, 2016, p. 2). As ocupações são, por conseguinte, protestos "agitados", transformando o movimento ao desafiar o que está ultrapassado e gerando algo novo (Della Porta, 2011; Platzky Miller, 2021).

Desde os anos 2000, estudiosos de movimentos sociais têm também explorado a prefiguração: a “creation of alternatives in the here and now” procurando “build the world anew” [17] através das práticas do movimento (Maeckelbergh, 2011, pp. 2–3). Na sequência de numerosos movimentos recentes, os estudiosos destacaram como a estratégia dos movimentos está relacionada com a imaginação, experimentação e estabelecimento de novas práticas ou instituições (Yates, 2015, 2021). Os movimentos prefiguram mundos alternativos imaginados ao se recusarem a fazer uma distinção entre os "fins" e os "meios" da luta política, instanciando imaginários na organização atual (Graeber, 2002). Isto é crucial nas ocupações e campos de protesto (Feigenbaum et al., 2013), que oferecem espaço para experimentar e instanciar configurações sociais alternativas. Nas ocupações, os ativistas podem materializar os imaginários.

As ocupações dependem de participantes que imaginam o mundo de outra forma, ao mesmo tempo que manifestam estes imaginários como agentes na remodelação do mundo à sua volta. Mas as ocupações também podem facilitar o desenvolvimento da imaginação. Porque a imaginação é socialmente condicionada, pode ser teorizada como se desenvolvida através de três vias: espaços de diálogo, recursos conceituais e expressão criativa (Fletcher, 2016) [18].

Em primeiro lugar, ocupações podem ser locais privilegiados de “copresença” (Sewell, 2001, p. 57), reunindo pessoas de diversas origens em um mesmo espaço, facilitando o diálogo e a troca, e até mesmo oferecendo refúgio e descanso contra a opressão cotidiana. Em segundo lugar, proporcionam espaço físico para os participantes aprenderem: introduzindo, partilhando, e explorando novos recursos conceituais, desde ferramentas teóricas a dicas táticas, histórias de ativismos anteriores a experiências pessoais. Em terceiro lugar, ao controlarem o espaço de uma ocupação, os ativistas controlam as suas próprias atividades e são menos constrangidos pelas restrições da vida cotidiana. Assim, experimentam a produção criativa, desde novas atividades culturais até formas alternativas de tomada de decisão, atuação e relação (Naidoo, 2016, p. 6). Estas atividades dependem frequentemente da limitação do acesso ao espaço ocupado, parcialmente ou excluindo extensivamente os participantes de fora do movimento. O controle semi-exclusivo do espaço ocupado pode facilitar uma fuga da realidade presente indesejada, retomando o ato individual de imaginar a nível de grupo: retirar-se coletivamente da vida comum, tomar consciência de algo diferente do que existe, e comprometer-se com a realidade ao se posicionar contrariamente à mesma (Sartre, 1940/2004, p. 184). Como Naidoo (2016, p. 6) argumenta, uma ocupação "cria um novo espaço-tempo", que lança em relevo os problemas das estruturas sociais existentes e torna as alternativas mais visíveis. As ocupações podem, assim, facilitar formas alternativas de vida, valores e práticas, e podem desafiar as estruturas sociais existentes. Oferecem um ponto focal para os movimentos desenvolverem, negociarem e praticarem novos imaginários (Aitchison, 2011).

No entanto, ocupações são frequentemente temporárias, são contra-espaços instáveis, mudando e adaptando-se continuamente (Beckett et al., 2017, pp.). Estão sob pressão de dois desafios principais: se manterem e evitar fissuras ou dispersões, especialmente sob repressão das autoridades (Naidoo, 2016, p. 4); ou tornarem-se integradas, institucionalizadas, e incorporadas ao status quo (por exemplo, Tarlau, 2015).

Argumentamos que os estudos dos movimentos sociais podem ser enriquecidos por uma teoria da imaginação, que liga as condições do mundo real e a atividade do movimento aos imaginários dos ativistas. Discutimos isso especificamente através de ocupações, que podem desafiar estruturas existentes, criar refúgios e sítios de cooperação e aprendizagem, e podem, experimentalmente, prefigurar formas alternativas de organização social. Tais ocupações demonstram, através da luta, como o mundo poderia ser.

#RhodesMustFall e a Ocupação Azania House

O movimento #RhodesMustFall (RMF) liderado pelos estudantes começou com um encontro em massa de estudantes na University of Cape Town (UCT) em 12 de Março de 2015. Esse encontro foi precedido alguns dias antes por um protesto simbólico, no qual a estudante Chumani Maxwele atirou merda sobre a estátua do colonialista racista britânico Cecil John Rhodes, localizada proeminentemente no centro do campus principal da UCT [19]. Os objetivos do protesto se centraram no fim do “institutionalised racism and patriarchy” na UCT, e resistência à violência contra “black students, workers and staff” [20] (#RhodesMustFall, 2015). Durante os meses seguintes, protestos semelhantes surgiram em outras universidades de todo o país, antes de se unificarem a partir de Outubro de 2015 sob as bandeiras de #FeesMustFall [21] e #EndOutsourcing [22]. Os manifestantes da UCT inauguraram a onda de movimentos de estudantes-trabalhadores de 2015 na África do Sul, e fizeram-no de forma espetacular, perfurando a vida universitária: com exigências radicais de descolonização interseccional irrompendo pelos discursos usuais de transformação pós-Apartheid - e com uma ocupação bem-sucedida de um grande centro administrativo da UCT, o edifício Bremner (ou, como foi rebatizado, 'Azania House').

Apesar das ocupações terem se tornado mais comuns a nível mundial nas lutas pós-2008 (Risager, 2017), tinham sido raras nas universidades sul-africanas antes de 2015. Houve dois precursores significativos nos anos 1960, quando os estudantes da UCT ocuparam brevemente um mesmo edifício administrativo durante o “Mafeje Affair” (Ntsebeza, 2014), e no início dos anos 2000 em Joanesburgo, quando os estudantes da University of Witwatersrand ocuparam o escritório de um gerente para contestar o despedimento de trabalhadores (Pendlebury & van der Walt, 2006). A partir de 2015, porém, no contexto do #FeesMustFall, estudantes de todo o país tentaram ocupar edifícios em numerosas universidades. Não tiveram êxito, pois a polícia e a segurança privada impediram violentamente os estudantes de controlar o espaço do campus (Duncan & Frassinelli, 2015; Manzini, 2017). Por ter sido uma tática excepcional e bem-sucedida, concentramos a nossa análise na ocupação da Azania House na UCT.

A ocupação da Azania House

Em uma sexta-feira, 20 de março de 2015, os estudantes da UCT ocuparam o edifício Bremner [23]. De acordo com Ahmed (2019, p. 29), os ativistas ligados ao Conselho de Representantes dos Estudantes (SRC) tinham planeado previamente uma ocupação simbólica curta, com a duração de um fim-de-semana - o que ressonou com a ocupação Mafeje Affair de 1968 (#RhodesMustFall, 2015, pp. 9, 118). A maioria dos estudantes, contudo, não fazia ideia de qualquer ocupação planejada, e um deles a descreveu como ocorrendo "quase por acidente" (Entrevista, estudante, 20 de Março de 2019).

Ao assumirem o controle do espaço, os estudantes reformularam-no e reestruturaram-no para o desenvolvimento do movimento, inicialmente contestando e reconstruindo o significado simbólico do espaço. Fizeram-no inicialmente rebatizando o edifício de 'Azania House', adotando um termo pan-africanista que se referia às fronteiras sociais pré-coloniais da África do Sul. Como explicou um estudante,

Azania is a name for free liberated space for black people. We said that ‘Bremner’ must be changed to ‘Azania’ because it is a place for black people to speak about their pain and to reengineer society [24] (Entrevista de estudante, 23 Março 2017).

A ocupação rapidamente se tornou mais do que simplesmente simbólica. Em seu interior, os estudantes estabeleceram um local de trabalho e de vida, e criaram um espaço de organização e sustentação do movimento, com estudantes cozinhando e comendo nos escritórios do edifício. Um estudante narrou,

At the occupation, we had corners of the different areas that people would sleep in and leave their things. We’d wake up in the morning, organize breakfast or whatever, and some people would go to class, other people would stay at the occupation [25](Entrevista de estudante, 29 Setembro 2017)

A Azania House também acolheu grande parte da educação política e produção cultural do movimento, uma vez que os estudantes organizaram eventos, desde debates públicos a sessões de poesia e exibições de filmes. Embora o grupo central de cerca de 60 ocupantes fosse uma pequena proporção do corpo estudantil da UCT, numerosos estudantes, trabalhadores e acadêmicos participaram da vida social e política da ocupação. Um acadêmico salientou posteriormente o sentimento positivo e otimista que este grupo diverso criou, e a “remarkable energy and solidarity” [26] que moldou a ocupação (Entrevista de acadêmico, 30 Setembro 2017).

Reimaginação e condicionamento

Para os estudantes, a Azania House era um espaço a partir do qual se exprimiam frustrações e aspirações, estimulando a imaginação dos estudantes sobre o que era possível. Como sugeriu um estudante-ativista, a ocupação “created the conditions for a vibrant intellectual space for imagining what could replace [the university]” [27] (Naidoo, 2016, p. 3). Azania House foi, como outros refletiram, um 'símbolo' ou 'catalisador' da 'imaginação negra' (Gamedze, 2015; Sebambo, 2015).

De fato, escritos do #RMF na ocupação demonstram a importância que deram à imaginação: em uma coleção publicada, os estudantes mencionam a imaginação aproximadamente 100 vezes em quase 100 páginas, e ela aparece frequentemente nos títulos dos participantes (#RhodesMustFall, 2015). Como disse um estudante,

I think that was one of the most fundamental aspects of the movement: that we were able to imagine [. . .] what a liberated society would be like. (Entrevista de estudante, 29 Setembro 2017) [28]

Os estudantes usaram a Azania House para facilitar a sua atividade imaginativa ao (1) criarem um sentido de refúgio, cuidados, pertencimento e cura; ao (2) aprenderem em conjunto e partilharem ideias; e (3) ao experimentarem e apresentarem os seus imaginários.

Refúgio

Os estudantes usaram a Azania House em busca de um refúgio à alienação e marginalização que vivenciam na universidade, frequentemente enquadradas como "dor negra" (ver, Nyamnjoh, 2017). Os estudantes falavam da Azania House como uma espécie de santuário: uma casa de cuidados que fomentava um sentimento de pertencimento, possibilitando que os estudantes se curassem das suas experiências de racismo e discriminação (Entrevista de estudante, 29 de Setembro de 2017). Isto surgiu especialmente das práticas dos estudantes de partilhar as suas experiências universitárias e vivências na África do Sul, escutando-se uns aos outros, e levando a sério as experiências uns dos outros. Como disse um estudante, “there were many people who could acknowledge what people were saying and respect it” [29] (Entrevista de estudante, 29 Setembro 2017). Isto ajudou os estudantes a refletir e a construir novos sentidos de si próprios, de comunidade e de relações entre si, e a compreender a sua posição em sua instituição e na sociedade (Relato de estudante, Gamedze, 2015, p. 123). Como um estudante descreveu,

At first it was completely overwhelming finding people who are feeling the same as you and feeling validated in your experience [. . .] a whole lot of people felt super isolated [. . .] At first, I was like ‘oh my goodness, this is a daydream’. (Entrevista de estudante, 11 Abril 2017) [30]

Mesmo estando ligada à vida "ordinária", a prática de imaginar envolve sempre alguma dissonância para com a realidade. Este foi um ponto de partida para a Azania proporcionar, segundo o relato de um participante, uma ‘spatial safety that allowed for the imagination of blackness to flourish’ (Sebambo, 2015, p. 108). O sentido de refúgio na ocupação proporcionou, assim, um ambiente em que a prática da imaginação foi alimentada e cultivada.

Aprendizado

A Azania House também se constituiu como um espaço de aprendizagem individual e coletiva, de reflexão e partilha de ideias, estimulando a imaginação. A aprendizagem dos estudantes abarcou a desnaturalização e desnormalização das relações sociais existentes, em vez de aceitar as coisas como elas são, inevitáveis ou desejáveis (Platzky Miller, 2021). Como destacou um estudante,

In those occupations, there was much deeper conversation about how we imagine our society. [. . .] We just started and notions of decoloniality came into the picture. That we are not here for transformation, we are here for decolonization. Because if societal disease is colonial the only remedy should, therefore, be decolonial. (Entrevista de estudante, 23 Março 2017) [31]

Os grupos de leitura floresceram durante toda a ocupação, particularmente depois de um estudante ter trazido uma caixa de livros sobre temas em grande parte relacionados com o pensamento político africano e lutas anticapitalistas e anti-imperialistas. Ao longo do tempo, os estudantes criaram as suas próprias listas de leitura e organizaram recursos digitais, divulgando amplamente uma pasta Dropbox de livre acesso com 'literatura de conscientização'. A ocupação também acolheu discussões e debates, até mesmo com simpatizantes acadêmicos e trabalhadores, sobre temas que vão desde os atos de despossessão de Rhodes, até a conivência da UCT diante de racismo e apartheid (Entrevista de estudante, 7 Abril 2017).

Enquanto estudantes universitários, juntamente com interações com acadêmicos e círculos de leitura, os pontos de vista participantes foram parcialmente influenciados por debates acadêmicos. Os participantes se baseiam em teorias feministas, decoloniais e pós-coloniais (particularmente, nos estudos subalternos) e em autores da diáspora africana, especialmente no Feminismo Negro, Teoria Crítica da Raça e Afropessimismo (Sitas, 2017, pp. 34-35) [32]. Estas ferramentas teóricas foram livremente adaptadas, reinterpretadas, e transferidas para os imaginários do movimento. Como Xaba (2017, p. 98), um estudante, argumentou, “what was unique about the movement was the ability to articulate and translate a fairly alienating academic concept to the public and also use the theory of decolonization as an ideological tool that inspired resistance.”

Os estudantes também se basearam em seu conhecimento sobre movimentos sociais, revoluções e histórias de luta pela libertação antigos. As fontes de influência incluíram, por exemplo, os movimentos pan-africanistas e anti-coloniais, o anti-racismo diásporo no movimento Black Power dos EUA, e as lutas contra o apartheid na África do Sul, especialmente o Black Consciousness Movement e a Revolta do Soweto de 1976, liderada por estudantes (Booysen, 2016, pp. 12-14). Uma estudante narrou como foi inspirada pelas lutas antigas durante a ocupação:

I remember one guy got up, and talked about [Black Consciousness Movement co-founder] Steve Biko. I remember thinking, I need to read the book [. . .] That weekend I stayed at home, I read the book, and I was crying because of what Steve Biko was talking about. He was talking to me about the things that I have been taught about myself. (Entrevista de estudante, 7 Setembro 2018) [33]

O que os estudantes aprenderam ajudou-os a compreender melhor a si próprios e a discriminação que sofreram. Os estudantes basearam-se nas demandas dos movimentos anteriores, transpondo-as para as condições que vivenciaram na África do Sul contemporânea e na universidade. Estas experiências foram, como discutimos abaixo, as matérias-primas que moldaram os imaginários dos estudantes.

Experimentação

Uma outra faceta da ocupação que condicionou a imaginação dos estudantes foi sua experimentação. Isto manifestou-se em várias áreas, incluindo a pedagogia, uma vez que os estudantes exploraram modos alternativos, artísticos, dialógicos, e não hierárquicos de produção e partilha de conhecimentos. Um tema central, porém, era a organização horizontal; como recordou um estudante, “we agreed from the beginning that it was a flat structure that nobody was going to be the leader of the movement” (Entrevista de estudante, 29 Setembro 2017) [34] [35]. Na prática, os estudantes na ocupação decretaram isto através de um processo direto-democrático, baseado no consenso na tomada de decisões. Eles alinharam isso à crítica às estruturas hierárquicas da universidade, do Estado e dos partidos políticos e organizações estudantis existentes (Relato de estudante, Chikane, 2018, p. 203). Ao experimentar a horizontalidade e o consenso, os estudantes esforçaram-se por centrar as vozes e posições daqueles que são normalmente discriminados e negligenciados na universidade. Por exemplo, os estudantes recordaram terem suas falas priorizadas em reuniões devido à sua experiência de discriminação (Entrevista de estudante, 29 Setembro 2018). Os estudantes tentaram, assim, transformar o espaço universitário, que consideravam discriminatório e opressivo, num espaço social e inclusivo. A experiência da tomada de decisões inclusivas se entrelaçou com a questão da liderança: o horizontalismo, destinado a superar todas as formas de estruturas hierárquicas e de exclusão, prefiguraria, assim, a universidade e a sociedade mais igualitárias que desejavam criar, tecendo futuros igualitários imaginados no presente na organização da ocupação (Platzky Miller, 2019, p. 148).

Apesar destes princípios, clivagens internas e novas hierarquias no movimento #RMF surgiram ao longo do tempo (Entrevista, estudante, 27 de Setembro de 2018). Estas se constituíam por controvérsias sobre representação; papéis e violências de gênero e heteronormatividade; diferenças ideológicas e político-partidárias; política racial essencializada e hierarquias de classe entre os ativistas estudantis (Ver, por exemplo, relato estudantil, Ndelu, 2017; ver também, Daniel, 2020, 2021). A Azania House, ainda um refúgio para alguns, tornou-se mais perigosa ou excludente para outros. Num caso flagrante, um participante homem agrediu sexualmente uma participante mulher dentro da ocupação (para saber mais ver Dlamini, 2015; ver também, Maluleke & Moyer, 2020). Apesar de se afirmar que a ocupação era um espaço de experimentação seguro e livre de hierarquias, este exemplo mostra que problemas sociais mais amplos poderiam ser recriados dentro da ocupação. Experiências igualitárias podem falhar.

Em síntese, a ocupação da Azania House foi um espaço que ofereceu um refúgio a alguns. Estimulou a aprendizagem, facilitando a compreensão compartilhada sobre discriminação e uma base de conhecimento comum sobre lutas anteriores e debates acadêmicos. Simultaneamente, os estudantes experimentaram novas formas de relações sociais, incluindo a tomada de decisões horizontais e coletivas. Estas condições revelaram-se terreno fértil para um desenvolvimento imaginativo, como discutiremos na seção seguinte.

Imaginários decoloniais-interseccionais dos estudantes

Durante a ocupação da Azania House, os estudantes imaginaram como seria uma universidade alternativa e até mesmo a sociedade. Nesta seção, discutiremos os seus imaginários em três grupos: 1) imaginários de negação, em que aspectos da ordem existente já não existem; seguidos de imaginários substantivos de futuros alternativos que os englobam; 2) imaginários decoloniais; e 3) imaginários interseccionais. Cada um destes imaginários foi informado por uma complexa conjugação dos fatores destacados acima, incluindo as experiências pessoais dos estudantes, debates acadêmicos, e experiências com formas alternativas de organização na ocupação.

A descolonização e a interseccionalidade foram os dois imaginários substantivos mais proeminentes que os estudantes no #RMF desenvolveram. O que estes imaginários implicaram foi contestado ao longo do tempo, e ambos frequentemente estiveram entrelaçados. Dentre os imaginários desenvolvidos, a descolonização tornou-se dominante e amplamente aceita em todo o movimento, como um desafio a um "system that does not recognize" a "experience of blackness" [36] (#RhodesMustFall, 2015, p. 3). A descolonização, de acordo com um enquadramento precoce proeminente no #RMF, implicou três pilares: Consciência Negra, Pan-Africanismo, e Feminismo Radical Negro.

O segundo imaginário chave, a interseccionalidade, sobrepôs-se à descolonização, especialmente nas contribuições das estudantes feministas e LGBTQI*. Contudo, o seu lugar foi significativamente mais contestado ao longo do movimento (Daniel, 2021).

Em declarações-chave, o movimento argumentou que a descolonização e a interseccionalidade estavam ligadas. Além disso, argumentaram que os "systems of exploitation" em torno de múltiplas categorias sociais estavam "rooted in the world at large", e, por conseguinte, que a “decolonization of this institution is thus fundamentally linked to the decolonization of our entire society” [37] (#RhodesMustFall, 2015, p. 12). Contudo, concentramo-nos aqui nos imaginários dos estudantes no ensino superior, como um poderoso ponto focal para a reprodução social intergeracional, na interseção da reorganização institucional, epistêmica e social (Platzky Miller, 2019, pp. 40-41).

Nas seções seguintes, discutiremos os imaginários dos estudantes sobre o que a descolonização e a interseccionalidade poderiam envolver nesta escala. Primeiro, contudo, abordamos os "imaginários da negação" como precursores para os imaginários mais substantivos. Ao fazê-lo, destacamos as condições opressivas que os estudantes criticaram e rejeitaram, e como imaginaram um mundo sem essas formas de opressão. Os estudantes ainda imaginavam o mundo de outra forma, mas num sentido limitado, apenas da ausência (negação) destas condições, sem demonstrar como seria um futuro descolonizado ou interseccional.

De críticas a imaginários de negação

Como a imaginação se baseia em experiências do mundo real, a forma mais imediata de imaginar um mundo alternativo é imaginar o mundo a partir da negação de uma particularidade sua.

As primeiras experimentações dos estudantes para implementar a descolonização e a interseccionalidade se iniciaram muitas vezes por críticas à realidade, emergindo de sentimentos palpáveis de alienação e frustração na universidade, de sua cultura hostil, e das continuidades do racismo e da exploração na África do Sul desde 1994. Uma estudante descreveu as suas experiências na universidade:

I am so angry about my history, that this happened to my family, that I come to UCT and am still treated inferior, I am still not given the human dignity that I deserve and that white people in this institution are so violent (Entrevista de estudante, 7 Setembro 2018) [38]

Tais experiências discriminatórias fizeram com que os imaginários dos estudantes partissem frequentemente da negação das condições sociais existentes; retirando-se, criticando, e ultrapassando o presente existente. Como outro estudante indicou, “for imagining the ideal society we have to dismantle the colonial system” [39] (Entrevista de estudante, 7 Setembro 2018).

Muitos estudantes também apontaram para os currículos universitários como uma fonte de alienação, criticando os conhecimentos que reconheceram como “Ocidentais”, “Eurocêntricos”, ou que reproduziam “Brancura” (#RhodesMustFall, 2015). Os estudantes argumentaram que isto moldou suas próprias experiências: sentiam-se cada vez mais isolados e desunidos do seu passado e de sua história, porque “the West is always the starting point from which we articulate ourselves” [40] (Entrevista de estudante, 3 Março 2017).

De tais críticas, surgiu um imaginário de negação: os estudantes vislumbraram o fim de um mundo branco-supremacista, patriarcal, colonial, e de toda a sua alienação e desumanização. O próprio slogan 'MustFall' expressa esta luta pela abolição, independentemente de outros imaginários em disputa que possam colidir para a reconstrução. Como explicou um estudante,

you want nothing to do with the system as it is. It’s not about ‘you want to change things here and there’. We are disconnecting ourselves from the so-called ‘society’ that was there. (Kamanzi, 2015) [41]

Estes imaginários de negação foram também desenvolvidos por uma perspectiva interseccional. Isto implicou imaginar a superação de relações de poder hierárquicas interligadas, e particularmente um futuro livre de dominação masculina, violência de gênero, constrangimento, e heterossexualidade compulsória (Ver, por exemplo, relato de estudante, Matandela, 2017, p. 15).

Porque os imaginários da negação representam o fim da discriminação, de hierarquias e exploração, eles implicam na libertação das estruturas de opressão que se cruzam. Isto motivou os estudantes; como um estudante argumentou, “we want to be free. I think that is precisely what has been my fuel. The constant longing to be free” [42] (Entrevista de estudante, 29 de Agosto de 2018).

Imaginários Decoloniais

Para além de negar o mundo existente, os estudantes da ocupação da Azania House desenvolveram imaginários expansivos sobre como poderia ser o futuro. De modo mais proeminente, os estudantes imaginaram uma universidade e uma sociedade descolonizadas. A nível universitário, os imaginários descolonizados foram particularmente sensíveis a três questões epistêmicas: que tipo de conhecimento as universidades produzem e priorizam, o conhecimento de quem é validado, e porquê/onde esse conhecimento é importante.

Reflexões iniciais de como os estudantes imaginavam a descolonização estão incorporadas na #RMF Mission Statement (#RhodesMustFall, 2015, p. 8), publicada em 25 de Março após vários dias da ocupação. A declaração reflete uma constelação de preocupações, incluindo as exigências de que a UCT:

-Implemente um currículo que centralize criticamente África e o subalterno [...] tratando os discursos africanos como ponto de partida - abordando não somente o conteúdo, como também as línguas e metodologias de educação e aprendizagem - e abordando as tradições ocidentais apenas na medida em que sejam relevantes para nossa própria experiência.

-Introduza um currículo e um fomento de pesquisa ligados à justiça social e às experiências de pessoas negras.

-Reavalie os padrões pelos quais são decididos os campos de pesquisa - desde áreas que sejam lucrativas e que tenham centralidade na branquitude, até áreas relevantes localmente e a nível continental para as vidas de pessoas negras.

Os estudantes imaginaram, assim, em primeiro lugar, a descolonização como uma forma de ressuscitar e valorizar a composição de conhecimentos subalternos. Isto foi intuitivamente enquadrado como uma reorientação da aprendizagem para o "conhecimento africano", fundamentado nas experiências das sociedades africanas, ou não atravessadas pelo colonialismo, ou formadas em resistência a ele, ou operando fora de seu alcance. Trazendo estes futuros imaginados para o presente, os estudantes se depararam com a questão sobre como os currículos existentes, eurocêntricos, deveriam ser abolidos, radicalmente alterados, ou relacionados com currículos alternativos (africanizados) (Platzky Miller, 2019, pp. 65-68). Ao longo dos movimentos #MustFall, estudantes e acadêmicos ofereceram numerosas sugestões, de acrescentar ou recentrar o currículo existente (Relato de estudante, Shezi, 2016, p. 27; ver também, Garuba, 2015), até reconhecer a gama de formações dinâmicas de conhecimento que se dão através do encontro e da interação histórica - em vez de um conhecimento 'pertencente' a uma cultura, geografia, ou 'raça' (Connell, 2019, pp. 91-94; Smith, 2017, p. 15).

Em segundo lugar, os estudantes procuraram “disturb institutional academic hierarchies’ (ver, Gamedze, 2020, p. 61 para um relato de estudante), desafiando a compreensão institucional sobre quem teria conhecimentos valiosos. Em vez disso, os estudantes imaginaram instituições que reconhecessem o valioso e comumente escondido ou negligenciado conhecimento de estudantes e de trabalhadores (operacionais). Isto também emergiu dos grupos de discussão da ocupação, liderados por estudantes e trabalhadores participantes, identificando-se de várias formas como mulheres, não-bináries e negros. Isto reconstruiu as suas experiências como “pedagogicamente valiosas” (Naidoo, 2016, p. 3). No centro da ocupação, os comumente mais marginalizados na instituição tentavam pôr em prática o mundo diferente que imaginavam: livre da hierarquia, da exploração e da opressão, e onde todas as experiências eram verdadeiramente importantes. Em terceiro lugar, os estudantes re-imaginaram a universidade como um microcosmo da sociedade, de uma forma potencialmente transformadora. Um terceiro aspecto de imaginar a descolonização seria, assim, conceber um sistema de educação reestruturado: mais sintonizado com as necessidades de uma sociedade mais plural no país e no continente. Isto abarcava quem e o quê, uma vez que não se poderia esperar que uma universidade que marginaliza alguns grupos e trocas no conhecimento eurocêntrico abordasse adequadamente certas questões contextuais. Um estudante descreveu, então, sua universidade imaginária como “an institution in Africa that stands and believes and looks for solutions for Africa [. . .] To allow African people to take part” [43] (Entrevista de estudante, 28 Setembro 2018).

Imaginários Interseccionais

O segundo grande imaginário emergente da ocupação foi a interseccionalidade. Desde o início, os estudantes apresentaram a descolonização e a interseccionalidade como dois imaginários complementares, entrelaçados. A Mission Statement (#RhodesMustFall, 2015), por exemplo, apresenta a interseccionalidade e a decolonalidade como desmanteladoras de estruturas de opressão. Sua compreensão baseou-se na concepção de Crenshaw (1991), que define a interseccionalidade como um instrumento para compreender as condições sócio-estruturais de opressões interligadas e sobrepostas, incluindo o gênero, a sexualidade, a classe, a saúde mental, e a capacidade corporal. Como argumenta a declaração fundadora do #RMF (2015, p. 6), a interseccionalidade

must inform our organizing so that we do not silence groups among us, and so that no one should have to choose between their struggles. Our movement endeavours to make this a reality in our struggle for decolonization. [44]

Ativistas estudantis feministas e queer utilizaram o conceito de interseccionalidade como instrumento, tanto para criticar as hierarquias do movimento, como para desafiar as relações sociais patriarcais que moldaram suas instituições. Tais relações foram fomentadas por uma masculinidade heteronormativa, e apagaram em grande parte as vozes e experiências de feministas e de pessoas LGBTQI* (Relato estudantil, Khan, 2017). A interseccionalidade, portanto, poderia ser utilizada para facilitar o caminho para a descolonização (Daniel, 2020, 2021).

A partir da ocupação da Azania House, os estudantes começaram a desenvolver imaginários expansivos sobre como uma libertação interseccional se demonstraria. Alguns imaginavam um mundo que privilegiava correlações socioemocionais, tais como amor, cuidado, compaixão profunda, e comunidade e humanidade genuínas (por exemplo, UCT Trans Collective, in Publica[c]tion, 2017, p. 27). Galvanizados em parte por imaginários emergentes da ocupação inicial, os estudantes ao longo dos movimentos #MustFall desenvolveram visões aprofundadas que deram mais substância a um futuro interseccional imaginado. Por exemplo, um estudante salientou que, para além das opressões interseccionais, existia um “mundo pós-revolucionário” de solidariedade, que facilitaria as capacidades de todos a aprenderem uns com os outros, que “sustain all of us”, and “be safe for all of us, and not just some of us” [45] (Relato estudantil, Zukiswa White, em Publica[c]tion, 2017, p. 28).

Embora os imaginários de descolonização e interseccionalidade tenham sido inicialmente apresentados como complementares, a interseccionalidade tornou-se cada vez mais contestada e tornou-se um ponto de ruptura (Daniel, 2021). Já no início da ocupação Azania, alguns participantes, predominantemente homens, disseram às feministas e aos queers que #RMF era 'Black first' [Negro primeiro] e para “leave our gender issues and feminist politics at the door” [46] (relato estudantil, Ramaru, 2017, p. 92; ver também, Daniel, 2020). Envolvidos por outras correntes ideológicas e pela crescente politização partidária, alguns estudantes proeminentes da #RMF imaginaram uma descolonização em torno de uma identidade racial negra mais restritiva e essencializada (por exemplo, Nyamnjoh, 2017, p. 264). Ao descartarem a interseccionalidade, os participantes patriarcais argumentaram que as hierarquias existentes, especialmente em torno de classe, gênero e sexualidade, não eram prioridades do movimento. As estudantes feministas contestaram particularmente esta mudança, com o contraprotesto #PatriarchyMustFall [47]. Contudo, muitos abandonaram ou se desidentificaram com o #RMF em virtude das posições excludentes de tais ativistas. Desse modo, por exemplo, o UCT Trans* Collective decidiu “submarine from active membership” [48], atribuindo ao #RMF a responsabilidade sobre a descolonização interseccional a partir do meio externo (Relatos de estudantes da UCT Trans Collective, em Publica[c]tion, 2017, p. 27).

Conclusão

Desde 2015, os apelos à descolonização e à interseccionalidade moldaram significativamente o panorama do ensino superior na UCT e em toda a África do Sul. Ao longo do tempo, os estudantes contestaram e re-trabalharam estes imaginários centrais, moldando-os em projetos epistêmicos e políticos mais específicos. Por exemplo, os estudantes contribuíram para a produção de conhecimento acadêmico, frequentemente enquadrado como 'decolonial' e 'interseccional', através de numerosos artigos de revistas, livros, conferências e projetos de pesquisa (para visões gerais, ver, Platzky Miller, 2019, p. 66, 211; Maylam, 2020). Em toda a UCT, foram iniciadas estruturas de auto-reflexão, desde o Grupo de Trabalho de Mudança Curricular a escolas de verão e eventos regulares sobre descolonização.

Argumentamos que estes imaginários foram catalisados e incubados pela ocupação da Azania House, que oferecia espaço e tempo para os estudantes encontrarem refúgio, se conectarem uns com os outros, partilharem experiências, aprenderem, e experimentarem a prática dos seus imaginários. A ocupação extraiu os estudantes de suas experiências cotidianas, para imaginarem como o futuro poderia ser diferente, e tentarem desenvolver esses imaginários na prática atual. Tais imaginários foram construídos pelas críticas dos estudantes à ordem social existente, por instrumentos conceituais da academia e de movimento, por experiências de alienação e raiva compartilhadas, e por práticas tais como a tomada de decisões coletivas e horizontais. Os estudantes responderam a questões profundas no ensino superior e na sociedade sul-africana: nos seus imaginários de negação, previram a abolição da discriminação, do racismo, das hierarquias e da exploração, e a libertação das estruturas de opressão entrecruzadas. Além disso, a partir da ocupação, os estudantes estabeleceram a descolonização como um imaginário dominante do movimento, e a interseccionalidade como um imaginário central e uma ferramenta para realizar a descolonização. No entanto, a interseccionalidade permaneceu contestada e foi um eixo significativo de faccionalização, e a sua centralidade diminuiu ao longo do tempo (Daniel, 2020, 2021). Isto mostra que, mesmo que alguns imaginários em movimentos possam ser relativamente mais constantes ou significativos, são fluidos e negociados em vez de estáticos.

A centralidade e o significado dos imaginários decoloniais do #RMF são também demonstrados por sua ressonância externa; influenciando, envolvendo e, por vezes, catalisando novos movimentos (Rhodes Must Fall Oxford, 2018). Os apelos à descolonização cresceram no Norte Global, especialmente nas ciências sociais europeias e americanas - incluindo, particularmente, nas antigas metrópoles coloniais da África do Sul, o Reino Unido e a Holanda (Ahmed, 2019; Omarjee, 2018; Rhodes Must Fall Oxford, 2018) [49]. Este eco é sustentado pela expansão interligada do capitalismo e do colonialismo, estruturas globais de exploração e opressão, que moldaram o mundo contemporâneo e imprimem o presente (Bhambra, 2021). Os imaginários de descolonização da #RMF não são, portanto, exclusivo à África do Sul, mas atravessam transnacionalmente as ligações historicamente marcadas pelo colonialismo e pelo capitalismo.

As condições estruturais são importantes para os movimentos sociais, e os acadêmicos - após um hiato centrado em questões culturais e "pós-materiais" - têm renovado o seu interesse pelo capitalismo (Hetland & Goodwin, 2013). Contudo, até mesmo essa literatura comumente permanece sendo moldada pelos estudos dos protestos em Europa Ocidental e América do Norte, que são, ainda, a base para o fomento a estudos sobre movimentos sociais (Daniel & Neubert, 2019; Fadaee, 2016; MacSheoin, 2016). A teorização euro-americana corre o risco de recriar uma pseudo-universalização, apresentando experiências regionais particulares como teoria geral, e assim perpetuando hierarquias sobre quem produz conhecimentos mais valiosos – e cujas experiências são suficientemente importantes para serem teorizadas (ver, por exemplo, Ndlovu-Gatsheni, 2018; Santos 2018). Os movimentos sul-africanos liderados por estudantes chamam a atenção para o colonialismo como uma condição estrutural contra a qual muitos movimentos atuam, muitas vezes de modo mais explícito no Sul Global. Demonstram, assim, a importância da teorização da centralidade do colonialismo para os movimentos, em geral (Cox et al. 2017). Isso não interessa somente para movimentos explicitamente anti-coloniais ou indígenas, que atualmente são postos de lado com facilidade, como um tipo de movimento “histórico” ou “periférico”. As estruturas coloniais permanecem entrincheiradas nos centros do domínio imperial euro-americano, e este legado contínuo molda e é contestado por movimentos tanto no Sul como no Norte Globais.

O movimento estudantil sul-africano criou um espaço para se refletir e teorizar sobre os desafios do mundo contemporâneo. Ressonando com lutas que extrapolam os limites da Cidade do Cabo, os imaginários e práticas decoloniais e interseccionais dos estudantes são valiosos para reimaginar a justiça global nos dias de hoje.

Agradecimentos

Josh Platzky Miller gostaria de reconhecer que este trabalho se baseia na investigação apoiada pelo National Institute for the Humanities and Social Sciences (NIHSS), África do Sul.

Financiamento

Este trabalho foi apoiado pelo National Institute for the Humanities and Social Sciences (NIHSS), África do Sul.

Notas

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[1] É vital compreender “raça” como uma categoria que varia de acordo com o contexto, que é construída sociopoliticamente. Em vez de reificar ideias racistas, ao longo deste documento adotamos normas sul-africanas críticas (ver Vally & Motala, 2018).

[2] O acesso à universidade tem permanecido amplamente limitado pelas dinâmicas raciais e de classe. As universidades historicamente dominadas pela branquitude na África do Sul, como a UCT, foram abertas mais amplamente aos estudantes racializados como negros a partir dos anos 1980, expandindo se significativamente desde 1994 (Booysen, 2016).

[3] Antje Daniel analisou o #RMF como parte de seu projeto de investigação intitulado “Aspiring to alternative future: lived utopias in South Africa”. Como parte de sua pesquisa, ela também investiga o ativismo do movimento por habitação Reclaim the City, e o ativismo ambiental do Green Camp Gallery Project and Oude Moden Eco Village. Ela conduziu mais de 80 projetos biográficos e entrevistas semi-estruturadas e métodos etnográficos utilizados, tais como a observação participante. Para mais investigação deste projecto, ver, Daniel (2020, 2021) ou Daniel e Klapeer (2019). Josh Platzky Miller pesquisou #RMF como parte de sua dissertação de doutorado intitulada “Politics, Education and the Imagination in South African and Brazilian student-led mobilisations (2015–16)”. Isso envolveu cerca de 50 participantes em 30 entrevistas semi-estruturadas e discussões em grupo, baseando-se também em textos e vídeos produzidos por estudantes, e participando de eventos de reflexão com os participantes, e - tendo estudado na UCT - conduzindo conversas pessoais com os colegas (ver Platzky Miller, 2019. p. 26–34, 2021).

[4] O papel da língua é altamente questionado na África do Sul, especialmente dentre os ativistas decoloniais que recorrem a autores críticos como Ngũgĩ wa Thiong'o. No entanto, o inglês foi a língua comum em grande parte do debate geral do #RMF, e nossas entrevistas, portanto, foram todas conduzidas em inglês.

[5] Ver Stoetzler e Yuval-Davis (2002) para uma discussão mais longa, não elaborada diretamente sobre Sartre ou Fanon, sobre uma "imaginação situada" que é "moldada e condicionada (embora não determinada)" pelo posicionamento social.

[6] A ocupação do espaço (público) tem uma longa história. Isto pode ser rastreado através dos movimentos dos mineiros do século XVII, da auto-organização dos trabalhadores nas ocupações das fábricas (Ness & Azzellini, 2011), e parte da resistência anti-colonial em, por exemplo, comunidades marroon. As ocupações têm sido "redescobertas" nos movimentos sociais desde os anos 60 (Frenzel et al.., 2014).

[7] Neste sentido, as ocupações podem ser entendidas, nos termos de Foucault (Foucault & Miskowiec, 1986), como uma espécie de espaço 'heterotópico' - um contra-lugar. Do mesmo modo, a noção de "espaços livres" descreve lugares de alteridade, que têm um caráter contra-hegemônico. O conceito de espaços livres reconhece as práticas culturais de povos subordinados para a transformação, operativas através de subculturas, comunidades, instituições, organizações, e associações. Os espaços livres podem ser espaços em que emerge a resistência, a estratégia de um movimento social, recrutando bases de mobilização, ou resultados de movimentos sociais à medida que espacialmente se institucionalizam (ver, por exemplo, Polletta, 1999, p. 4, 7; Varvarousis et al., 2021, p. 295). As ocupações não têm necessariamente um caráter contra-hegemônico, mas podem ser uma estratégia de interrupção ou execução de poder. No nosso estudo de caso do RMF, no entanto, as ocupações têm um caráter contra-hegemônico e podem assim ser descritas também como espaços livres.

[8] Essas três vias são semelhantes ao relato de Brown (2016, p. 549) da experiência circulada, herdada, e habitada respectivamente.

[9] A identificação do 'ponto de partida' de qualquer movimento é controversa. Situamos este movimento de origem no encontro de massa porque é a sua primeira ação coletiva em grande escala. No entanto, reconhecemos que isto só foi possível devido ao ativismo institucional anterior (por exemplo, a participação do Student Representative Council), e numerosas conversas dos grupos existentes sobre decolonalidade (Ver, por exemplo, relatos de estudantes, Ndelu, 2017; Xaba, 2017).

[10] Enquanto os protestos estudantis em todo o país tinham pontos comuns gerais, particularmente em torno de questões sobre a abolição das mensalidades e o fim da terceirização dos trabalhadores, as suas trajetórias, táticas e imaginários específicos variaram.

[11] Bremner/Azania na UCT foi inicialmente ocupada durante três semanas antes de os estudantes serem despejados pela segurança privada chamada pela direção da universidade (Naidoo, 2016, p. 3). Pouco tempo depois, os estudantes ocuparam outro edifício universitário nas proximidades durante mais algumas semanas, também lhe dando o nome de Azania House e continuando práticas semelhantes. O edifício Bremner foi brevemente reocupado em Abril de 2017.

[12] Estudantes se empenharam particularmente com Fanon (1963/2004) e Steve Biko (1978), juntamente com uma série de figuras na África do Sul e mais além, incluindo Pumla Gqola, Zethu Matebeni, Achille Mbembe, Sabelo Ndlovu Gatsheni, Angela Davis, bell hooks, Patricia Hill Collins, Ifi Amadiume, Maria Lugones, Boaventura de Sousa Santos, Nelson Maldonado-Torres, Ramón Grosfoguel, e Walter Mignolo.

[13] Ao invés de um único líder, os estudantes adotaram aquilo a que chamaram uma abordagem "leader-full", com uma pluralidade de lideranças em todo o movimento. Esta prática emergiu, em parte, da compreensão dos estudantes da política consensual pré-colonial em África, bem como da prática anarquista (Platzky Miller, 2019, p. 153).

[14] Essa ressonância é desigual: combinando-se, por vezes, com outras lutas contra legados duradouros de colonialismo e racismo ao longo do continente e da diáspora, mas também sendo facilmente despolitizada e domesticada (Okech, 2020).

[15] “#RhodesDeveCair” (tradução livre)

[16] “Nação arco-íris” (tradução livre)

[17] Depois de 1994, nos foi feita uma lavagem cerebral com a ideia da “nação arco-íris”. O que é evidente é que vivemos em uma África do Sul pós-apartheid onde a desigualdade, o racismo, a supremacia capitalista branca e o patriarcado continuam a oprimir o povo negro no país. O movimento surge do sentimento de desespero, raiva e frustração pelo estado das coisas no país.

[18] Teoria do enquadramento (tradução livre).

[19] “certamente irreal, mas bebe do mundo concreto” (tradução livre).

[20] “a vida imaginária não pode ser isolada da vida real: o mundo concreto e objetivo é o que constantemente alimenta, permite, legitima e funda o imaginário” (tradução livre).

[21] “escape do mundo” (tradução livre)

[22] “são somente possíveis na medida em que o real nos pertence” (tradução livre).

[23] “sequencia contínua e progressiva de interações e práticas de resistência” (tradução livre).

[24] “criação de alternativas no aqui e agora” procurando “construir o mundo de novo” (tradução livre).

[25] “racismo institucionalizado e patriarcado” na UCT, e resistência à violência contra “estudantes, trabalhadores e funcionários negros” (tradução livre).

[26] “#MensalidadesDevemCair” (tradução livre).

[27] Azania é um nome para o espaço liberto e aberto para negros. Dissemos que “Bremner” deve ser mudado para “Azania” porque é um lugar para os negros falarem de sua cor e para reorganizar a sociedade (tradução livre).

[28] Na ocupação, tínhamos esquinas de diferentes áreas onde as pessoas dormiam e deixavam suas coisas. Acordávamos de manhã, organizamos o pequeno-almoço ou o que quer que fosse, e algumas pessoas iam para a aula, outras ficavam na ocupação. (tradução livre)

[29] “energia e solidariedade notáveis” (tradução livre).

[30] “criou as condições para um espaço intelectual vibrante para imaginar o que poderia substituir [a universidade]” (tradução livre).

[31] Penso que esse foi um dos aspectos mais fundamentais do movimento: que fomos capazes de imaginar [...] como seria uma sociedade libertada. (tradução livre)

[32] “havia muitas pessoas que podiam reconhecer o que as pessoas diziam e respeitar isso” (tradução livre).

[33] Inicialmente, foi completamente espantoso encontrar pessoas que sentem o mesmo que você e que se sentem validadas em sua experiência [...] um monte de pessoas sentiam-se isoladas [...] No início, eu pensava “oh meu deus, é como se eu estivesse sonhando acordado”. (tradução livre)

[34] Nessas ocupações, houve uma conversa muito mais profunda sobre como imaginamos a nossa sociedade. [...] Acabamos de começar e surgiram noções de descolonização. Que não estamos aqui para a transformação, estamos aqui para a descolonização. Porque se a doença da sociedade é colonial, o único remédio deveria, portanto, ser a descolonização. (tradução livre)

[35] Lembro-me de um moço que se levantou e começou a falar sobre Steve Biko [o co-fundador do Movimento de Consciência Negra]. Lembro-me de pensar, preciso ler esse livro [...] Nesse fim-de-semana, fiquei em casa, li o livro, e estava chorando por causa do que Steve Biko falava. Ele estava falando comigo sobre as coisas que me foram ensinadas sobre mim. (tradução livre)

[36] “concordamos desde o início que era uma estrutura nítida de que ninguém seria o líder do movimento” (tradução livre).

[37] "sistema que não reconhece” a “experiência da negritude” (tradução livre).

[38] Além disso, argumentaram que os “sistemas de exploração” em torno de múltiplas categorias sociais estavam “enraizados largamente no mundo” e, por conseguinte, que a “descolonização dessa instituição estaria assim fundamentalmente ligada à descolonização de toda a nossa sociedade” (tradução livre).

[39] Estou com tanta raiva de minha história, de que isso aconteceu com minha família, que venho para a UCT e ainda sou tratado de forma inferior, de que ainda não me é dada a dignidade humana que mereço e que os brancos nessa instituição são tão violentos. (tradução livre)

[40] “por imaginarmos a sociedade ideal, temos de desmantelar o sistema colonial” (tradução livre).

[41] “o Ocidente é sempre o ponto de partida a partir do qual nos articulamos” (tradução livre).

[42] você não quer ter nada a ver cm o sistema tal como ele é. Não se trata de “querer mudar as coisas aqui e ali”. Estamos nos desligando da chamada “sociedade” que lá estava. (tradução livre)

[43] “queremos ser livres. Acho que isso é precisamente o meu combustível. A constante ânsia por ser livre” (tradução livre).

[44] deve informar a nossa organização para que não silenciemos grupos entre nós, e para que ninguém tenha de escolher entre as suas lutas. O nosso movimento se esforça por tornar isso uma realidade na nossa luta pela descolonização. (tradução livre)

[45] “uma instituição em África que acredita e procura soluções para África [...] Para permitir a participação do povo africano” (tradução livre).

[46] “sustente todos nós” e “seja seguro para todos nós, e não somente para alguns de nós” (tradução livre).

[47] “deixarem suas questões de gênero e suas políticas feministas do lado de fora” (tradução livre).

[48] #PatriarcadoDeveCair (tradução livre).

[49] “abandonar a adesão ativa” (tradução livre).