“Gosta da palavra Socialismo?”, disse-me uma senhora noutro dia. Temo que eu não, de alguma forma encolho quando a ouço. Está associada a tanto que é mau! Devemos nós conservá-la?

A senhora que me fez esta questão é uma anarquista séria, uma amiga firme da Liberdade, e – é quase supérfluo acrescentar – altamente inteligente. As suas palavras dão voz ao sentimento de muitos. Mas afinal é só um sentimento e não passará ao teste da razão. Sim, respondi, é uma palavra gloriosa, muito abusada, violentamente distorcida, estupidamente incompreendida, mas expressando melhor do que qualquer outra o propósito do progresso politico e económico, o objectivo da Revolução neste século, o reconhecimento da grande verdade de que a Liberdade e a Igualdade, através da lei da Solidariedade, irá fazer o bem-estar de cada um contribuir para o bem-estar de todos. Tão boa palavra não pode ser poupada, não pode ser sacrificada, não será roubada.

Como pode ser salva? Apenas levantando-a para fora da confusão que a obscurece, para que todos a possam ver claramente e definitivamente, e aquilo que significa fundamentalmente. Alguns escritores tornam o Socialismo inclusivo de todos os esforços para melhorar as condições sociais. O Proudhon é suposto ter dito algo do género. Como quer que seja, a definição parece demasiado ampla. Etimologicamente não é injustificável mas derivativamente, a palavra tem um significado mais técnico e definido.


Hoje (perdoem o paradoxo!) a sociedade é fundamentalmente antissocial. Todo o pseudo tecido social reside no privilégio e no poder, e é desordenado e esticado em todas as direcções pelas desigualdades que resultam necessariamente daí. O bem-estar de cada, em vez de contribuir para o de todos, como naturalmente deveria e faria, quase invariavelmente o prejudica. A Riqueza é tornada, por privilégio legal, num anzol com o qual se rouba dos bolsos do trabalho. Todo o homem que fica rico desse modo faz o seu vizinho pobre. Quanto melhor um está, pior estão os restantes. Como diz Ruskin, todo o grão calculado de Incremento para o rico é balançado por um Decremento matematicamente equivalente para o pobre. O Deficit do Trabalhador é precisamente igual ao Efficit do Capitalista.

Agora, o Socialismo quer mudar isto tudo. O Socialismo diz que o que é a carne de um homem não pode mais ser o veneno doutro; que nenhum homem será capaz de aumentar a sua riqueza senão pelo trabalho; que aumentando a sua riqueza pelo trabalho apenas, nenhum homem faz outro homem mais pobre; que ao contrário todo o homem aumentando assim a sua riqueza faz todos os outros homens mais ricos; que um aumento e uma concentração da riqueza pelo trabalho tende a aumentar, embaratecer e diversificar a produção; que todo o aumento de capital nas mãos do trabalhador tende, na ausência de monopólio legal, a pôr mais produtos, melhores produtos, produtos mais baratos e uma grande variedade de produtos no alcance de todo aquele que trabalha; e que este facto significa o aperfeiçoamento físico, mental e moral da humanidade e a realização da fraternidade humana. Não é isso glorioso? Será uma palavra que significa tudo isso posta de lado simplesmente porque alguns a tentaram casar com a autoridade? De jeito nenhum. O homem que subscreve isso, o quer que pense que é ou o quer que se chame a si mesmo, por muito implacavelmente que ataque a coisa que confunde com o Socialismo, é ele próprio um Socialista, e o homem que subscreve o oposto e age de acordo com o oposto, por muito benevolente que possa ser, por muito devoto que possa ser, qualquer que seja o seu lugar na sociedade, a sua posição na Igreja, a sua posição no Estado, não é um Socialista mas um Ladrão. Porque no fundo há apenas duas classes – os Socialistas e os Ladrões. Socialismo, praticamente, é guerra contra a usura em todas as suas formas, o grande Movimento Anti-Roubo do século dezanove e os Socialistas são as únicas pessoas às quais os pregadores da moralidade não têm direito ou oportunidade para citar o oitavo mandamento, Não roubarás! Esse mandamento é a bandeira do Socialismo. Só que não como mandamento mas lei da natureza. O Socialismo não ordena, profetiza. Não diz: Não roubarás! Diz: Quando todos os homens tiverem Liberdade, não roubarão.

Porque, então, a minha senhora questionadora contrai-se quando ouve a palavra Socialismo? Dir-lhe-ei. Porque um grande número de pessoas, que vêem os males da usura e estão desejosos de os destruir, imaginam tolamente que o podem fazer pela autoridade e consequentemente estão a tentar abolir o privilégio centrando toda a produção e actividade no Estado para a destruição da competição e as suas virtudes, para degradação do individuo e putrefacção da Sociedade. São pessoas bem-intencionadas mas equivocadas e os seus esforços condenados a se demonstrarem abortivos. A sua influência é perniciosa neste sentido: que um grande número de outras pessoas, que não tendo ainda visto os males da usura e não sabem que a Liberdade os destruirá, mas, não obstante, acreditam fervorosamente na Liberdade pelo amor à Liberdade, são levados a confundir com todo o Socialismo este empreendimento para fazer do Estado a totalidade e finalidade da sociedade e, horrorizados com razão, a sujeitá-lo como tal ao merecido desprezo da humanidade. Mas as críticas muito razoáveis e justas dos individualistas deste tipo ao Socialismo de Estado, quando analisados, revelam ser direccionados não contra o Socialismo mas contra o Estado. Até agora a Liberdade está com eles. Mas a Liberdade insiste, ainda assim, no Socialismo – no verdadeiro Socialismo, o Socialismo Anarquista: a prevalência na Terra da Liberdade, Igualdade e Solidariedade. Disso a minha senhora questionadora nunca se irá encolher.