Carvalho Filho
A Ruptura Permanente
Teses Rebeldes
I.
Sim, somos egoístas por natureza, não por escolha consciente, mas porque estamos condicionados pela mente que limita a nossa percepção e existência. A nossa realidade é mediada pelo que podemos experimentar diretamente; não há transcendência para além do que o mundo concreto nos impõe, e a totalidade do indivíduo é formada dentro das estruturas que o circunscrevem. A nossa visão do mundo e dos outros é sempre filtrada pelas bases materiais em que vivemos, pelas relações que definem o que somos e o que podemos ser. E é precisamente neste contexto que surgem os antagonismos inevitáveis entre os produtores e aqueles que se apropriam do seu trabalho.
II.
Embora os indivíduos procurem satisfazer as suas próprias necessidades, estes interesses nunca são puramente individuais. Combinam-se com os de outros que partilham condições materiais semelhantes, criando um campo de tensões. Os interesses que o outro tem em relação a você são exploratórios e, por isso, autoritários. A ideia de um "interesse coletivo" unificado é uma abstração perigosa, utilizada para subjugar os indivíduos a um projeto que invariavelmente beneficia poucos à custa de muitos. Assim, a noção de que o proletariado tem uma missão histórica ou um destino revolucionário é teleológica.
III.
Quando se tenta cristalizar a diversidade do proletariado numa entidade coletiva homogénea, surge inevitavelmente uma hierarquia. Mesmo dentro dos movimentos revolucionários, é comum que certas figuras assumam o controle sob a capa da organização. Esses líderes, antes apenas referências intelectuais ou práticas, tendem a consolidar uma posição de influência, que pode ser vista como poder efetivo sobre os demais membros. Uma vez antagonizada, essa burocracia acaba agindo em função de seus próprios interesses, utilizando o coletivo como instrumento para alcançá-los e preservá-los.
A história demonstra que, quando essas organizações tomam o controle do aparato estatal, sua burocracia se converte na nova classe dominante. A estatização dos meios de produção apenas transfere a gestão do excedente do capital privado para o Estado, mas não altera o modo de produção, tornando o capitalismo privado em capitalismo estatal.
IV.
Os coletivos genuinamente libertários costumam existir apenas espontaneamente e temporariamente. São expressões de autogestão, baseadas em afinidades autênticas e na ausência de coerção. Tais associações rejeitam a permanência e a hierarquia, preferindo a fluidez das trocas igualitárias e a livre-associação, dissolvendo-se antes de se institucionalizarem em relações autoritárias.
V.
A liberdade, por sua vez, é algo puramente individual. Não é uma dádiva do Estado ou um acordo com o coletivo, mas uma prática direta. A anarquia não está num futuro idealizado, ela existe como ação no presente, como uma ruptura com todas as formas de opressão: propriedade, gênero, tradições, leis, autoridade. Ser um insurrecionista significa criar uma vida alternativa autossuficiente que rejeite os valores morais e afirme a autonomia do indivíduo. É na viver ilegal que o sistema encontra a sua negação mais completa, não como um meio para a revolução, mas como revolução em ato.