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Panfleto de 1973 sobre as pouco conhecidas marchas de crianças em idade escolar nos territórios ocupados pelo Reino Unido e Irlanda em 1911, ano no qual se espalhou um sentimento de mal esta industrial na região. As demandas incluíam horário reduzido e o fim da disciplina corporal com bengalas e palmatórias.

A pesquisa é original de Dave Marson, de acordo com libcom.org, que encontrou a documentação dos eventos por acidente enquanto pesquisava a história das pessoas da sua região, Hull. A situação que ele encontrou, apesar de pouco conhecida, teve ecos entre 1970-1972 e exemplifica dificuldades da resistência até o dia de hoje.

Prefácio: Setembro de 1911

Deparei-me com as greves de crianças de 1911 por acidente. Foi ao fazer uma pesquisa sobre a greve no porto de Hull em 1911 que, ao ler um dos jornais de Hull desse mesmo ano, reparei num pequeno parágrafo relativo a uma greve ocorrida em Setembro de 1911 numa escola de Hull. Parecia não passar de uma mera curiosidade, uma ilustração da extensão da agitação operária dessa época. O que primeiro me chamou a atenção foi a história de um polícia ter que montar na sua bicicleta e carregar sobre os jovens grevistas que tinham formado uma linha de piquetes fora da sua escola. O mero vislumbre de um uniforme azul era o suficiente para assustar a mim e aos meus colegas de escola.

O que me motivou a continuar esta pesquisa foi uma parte do relato no qual se afirmava que os rapazes de Hull estavam a seguir o exemplo das crianças em West Riding, Yorkshire. Depois, ao ver outro jornal de Hull descobri uma manchete com fotografias e uma notícia sobre a greve. O jornal listava todas as classes profissionais de Hull que haviam estado em greve durante esse verão quente - construtores civis, operárias, marinheiros e estivadores, relacionando a greve das crianças com as restantes. Havia também uma fotografia que me afectou de forma especial - era uma fotografia das crianças a formar uma linha de piquete nos portões da escola primária de Courtney Street, a mesma escola onde andei. Identifiquei-me com aqueles grevistas - alguns dos quais podiam ser pais de algumas crianças com quem frequentei a escola.

Quando consultei o Times descobri que as greves de crianças decorreram não apenas em Yorkshire mas em todo o país. Inicialmente não conseguia acreditar como tiveram lugar tão rápido e por todo o país. Sempre acreditara que as greves seriam algo organizado previamente. Senti que as crianças estavam a tentar dizer algo. E não tive noção de quantos lugares haviam sido afectados até começar a ler os jornais locais em Colindale. Estes mostraram que havia muito mais do que aquilo que o Times havia relatado.

Em Colindale deparei-me com a minha primeira real dificuldade. Muitos dos jornais locais de 1911 foram destruídos durante o período de Blitz*. *Expressão utilizada pela imprensa britânica para descrever os fortes bombardeamentos aéreos levados a cabo sobre Inglaterra em 1940 e 1941, durante a 2ª Guerra Mundial. N.T. Quando vi o catálogo continuei a deparar-me com uma série completa de diferentes jornais locais com uma nota que dizia ”1911 em falta”. 1911 parece ter sido o único ano a sofrer tanto. Mas mesmo com os jornais que restaram foi possível traçar uma geografia das greves porque estes não continham apenas relatos de greves locais, faziam também referência às que ocorriam noutros sítios. Por exemplo, um jornal de Newcastle-under-Lyne afirmava que as greves haviam ocorrido em outras partes de país.

Acabei por conseguir fazer um lista de 62 cidades onde houve greves de crianças em setembro de 1911. Aqui fica essa lista:

Ancoats, Ardwick, Aston-under-Lyne, Aberdeen, Airdrie

Bradford, Birkenhead, Barrow, Birmingham, Barnsley, Blackburn, Bristol, Burton-on-Trent, Blyth

Choetham, Coventry, Colchester, Clyde Bank

Dublin, Derby, Darlington, Dumbarton, Dunbar

Folkstone

Galashiels, Glasgow, Grimsby, Greenock, Gateshead, Goole, Grantham

Halifax, Hartlepool, Hull, Hyde

Kirkcaldy

London, Llanelly, Liverpool, Leith, Leicester, Leeds

Middlesbrough, Miles Platting, Montrose, Manchester

Nothingham, Northampton, Newcastle

Oldham

Paisley, Portsmouth, Peterborough

Runcorn

Shefield, Stockport, Stockton, Sunderland, Southampton, Stocke-on-Trent

West Hartpool

York

Algumas notícias falam de centenas de crianças em marcha pelas ruas e em Dundee e Hull, milhares de crianças desafiaram as autoridades escolares mas não é possível enumerar exactamente quantas abandonaram as salas de aula. A lista dos locais também não está completa, apenas visitando todas as cidades do país e ao ver se ainda existem jornais de 1911 nos escritórios dos jornais ou na biblioteca poderia ter completado a lista. Mas mesmo assim é possível traçar algumas conclusões.

I: DIVIDIR E DOMINAR

Da minha memória da vida em sala de aula lembro-me que as crianças não se apoiavam mutuamente quando um colega era maltratado pelo professor. O estudante ficaria em pé, indefeso perante o professor, aceitava o seu castigo sem questionar ou protestar e ninguém o apoiaria. Enquanto que no caso dos estivadores, bastava ouvires que alguém havia sido maltratado que davas o teu apoio incondicional em qualquer acção tomada em sua defesa. Quando por algum motivo havia uma acção de greve, os estivadores que estivessem a trabalhar num navio simplesmente largavam tudo e saiam. Os homens andariam, então, pelo porto a chamar estivadores de outras embarcações. A formula é: Nunca ganhamos nada excepto ao estarmos juntos, mantenhamo-nos assim. Nos portos a maioria dos homens conhecem-se pessoalmente porque partilharam as suas despensas entre si. O termo ”Irmão” é um termo sindical mas no porto tem um significado real; pode de facto ser o teu irmão. Nos portos existe uma família criada a partir da experiência de privação e adversidade, sabendo que o outro homem está exactamente na mesma posição do que tu, então o que lhe acontecer a ele irá, certamente, acontecer a ti. Para além disto é apenas algo que se sente. Até mesmo os estivadores mais velhos não o conseguem explicar; as pessoas expunham-se nas reuniões de greve e falavam, abriam os seus corações e os outros seguiam-nos porque sabiam que estavam a ouvir palavras verdadeiras.

Quando desde a escotilha alguém gritava ”Paramos todos”, interrompias imediatamente o teu trabalho. Era um dever mais do que uma questão de orgulho. As necessidades financeiras da família ficariam em segundo plano quando votavas pela greve. Os estivadores estão habituados a correr riscos.

Na minha escola, quando um professor disciplinava um aluno começaria por fazê-lo parecer estúpido e motivo de gozo. O professor deixava-te por tua conta. Inferiorizava uma criança e não o grupo. Lembro-me do seguinte episódio: Um rapaz estava na secretária sem fazer nada durante a maior parte da aula, quando o professor se irritou ordenou que se aproximasse para a frente da sala e se dobrasse; enquanto o professor pegava na vara, o rapaz dobrou-se e o rasgão das suas calças (que tinha estado a tentar esconder do resto da turma) abriu-se e todos vimos o que estava por dentro. A turma desatou a rir. O professor mandou-o sentar e disse que já tinha sido castigado o suficiente.

Sempre que havia um castigo era aceite. Talvez o professor puxasse um rapaz para a frente da sala de aula e fazia-o explicar o seu mau comportamento. Eras exibido publicamente e provavelmente os teus amigos rir-se-iam de ti por seres apanhado. Os professores eram capazes de usar estas situações e asseguravam-se de que a turma se ria da pessoa castigada.

Nós esforçavamo-nos para testar a força do professor. Se fosse novo dava-nos com a vara por testarmos a sua autoridade. Tentávamos faze-lo perder o temperamento. Os professores estagiários eram os nossos favoritos. Os rapazes faziam-se de burros: sempre que lhes faziam uma pergunta, a sua resposta era ”huh”. Penso que sabíamos que o professor nos poderia magoar com a vara ou com um estalo mas não mais do que os nossos pais. E se, por acaso, o teu pai fosse estivador poderia muito bem dar-te um estalo para doer. Um professor ”mole” com as mãos suaves não estava no mesmo nível.

Comparando com o estilo de vida em casa pode-se dizer que, de alguma forma, estávamos melhor na escola. Simplesmente porque recebíamos algum tipo de atenção. Um tipo de atenção que para algumas é visto como disciplina. Mas, pelo menos, alguém se importava o suficiente connosco para dizer: ”Venham para a escola com a cara lavada!” ou ”Porque não estão com as botas limpas?”.

Era uma forma de preocupação. Lembro-me de rapazes a adormecerem nas aulas. Não queriam estudar. Não estavam cansados, simplesmente não queriam fazer nada. Alguns professores deixavam-nos dormir porque pensavam que estavam a precisar. Numa turma de 40 alunos sentes que tens que chamar a atenção, queres que o professor se preocupe contigo. O professor é parte da vida da criança, está ali, na sua frente. Nos portos é diferente. O patrão aparece por vezes, a maior parte do tempo o trabalhador está por sua conta. E não queres saber o que ele pensa de ti, pode até nunca te ter visto.

Quando as crianças agem contra o professor não o fazem em conjunto. Quando algum é apanhado não é apoiado pelos restantes. Durante os meus dias de escola nunca agimos como um corpo só. Normalmente fugia-se e trazia-se a mãe, alguns ameaçavam ao dizer ”Vou chamar o meu pai”. Aí a turma sentava-se e esperava pela troca de insultos, sendo que o mais usual eram os comentários depreciativos acerca da falta de virilidade do professor. Penso que olhávamos para estas situações como entretenimento.

II: JUNTA-TE E SEGUE-ME

Em setembro de 1911, crianças das escolas municipais de todo o país entraram em greve, abandonaram as secretárias e marcharam sobre as ruas ou estabeleceram piquetes nas suas escolas. A primeira notícia de uma greve de crianças com que me deparei teve lugar em Hull, a 13 de setembro, e o que aconteceu nesse dia foi relatado no Hull Daily News:

Hull não passa despercebida à confusão e assim foi ontem quando centenas de alunos entraram em greve. Hull tem estado envolvida em praticamente todas as fases da agitação que tem perturbado o país durante os últimos meses. Há semanas que se tem sentido certa ansiedade sobre o que poderá vir a acontecer a seguir. Primeiro os marinheiros e os estivadores, depois os moleiros, os construtores civis, os trabalhadores da madeira, dos caminhos de ferro, os ardinas, as operárias e agora os alunos das escolas.” [1]

A greve começou na St. Mary’s Roman Catholic School quando doze dos alunos mais velhos levaram os mais novos para fora do recreio durante o intervalo da manhã. Uma vez sabido que estavam em greve a notícia espalhou-se rapidamente pela escola e, no momento em que as aulas da tarde deveriam começar, a notícia já tinha chegado a várias escolas da zona de East End, Hull. Logo se juntaram grupos de rapazes fora dos portões das suas escolas a gritar ”venham cá para fora!” e ”fura-greves” aos alunos que voltavam para as salas de aulas:

Um cenário animado pôde ser testemunhado fora da St. Charles Roman Catholic School em Pryme Street por volta da uma e meia da tarde. Alguns dos rapazes mais velhos fizeram assembleias e a forma como imitavam os líderes das recentes greves era significativa. ”Há demasiado trabalho” disse um rapaz, seguido de um grito de aprovação. ”E muita vara” disse outro, ao que se seguiu um grito ainda mais alto. Ondulavam os chapéus, até que um polícia entrou em cena e alguns dos rapazes mais novos, prudentemente, correram para a escola. Mas os mais velhos não. Correram em diferentes direcções.” [2]

Os rapazes decidiram então visitar outras escolas na área e logo a sua marcha tornou-se mais longa e com mais apoio, assim que grevistas de outras escolas se juntaram. No momento em que chegaram a Holderness Road - a estrada principal que atravessa a área de East Hull - centenas de crianças transportavam cartazes e garrafas de leite; um dos cartazes dizia ”Estamos em greve, quem se junta a nós?” À medida que o dia passava, chegavam à polícia relatos de violência. Os rapazes em greve queriam todo o apoio possível dos restantes estudantes.

As notícias sobre a greve de estudantes de Hull encheram a página da frente do Hull Daily News, havia até algumas fotografias que, para mim, foram bem elucidativas devido à forma como as crianças estavam vestidas - com colarinho e gravata mas sem botas ou meias. É possível verificar pelas suas caras a alegria do momento, no entanto os seus olhos fundos e cabelos rapados mostram as dificuldades profundas que tinham que suportar. O relato continuava:

Uma multidão de rapazes fez-se notar fora da St. Mark´s School. O pároco (Rev. Butler Cholmeley), cuja casa se situa perto da escola, tentou acalmar a excitação dos rapazes mas como resposta foram-lhe atiradas pedras, chegando a ser atingido na testa. Tentaram ainda assaltar a escola mas sem sucesso. Um largo número de pais e mães juntaram-se e os rapazes rapidamente deram em retirada. No entanto, antes de partirem, deixaram claro que reivindicavam a abolição da vara. Em algumas das escolas as janelas foram partidas.”[3]

Os rapazes visitaram mais escolas nas ruas Buckingham, Escourt, Craven, Mersey e logo se somaram as crianças das ruas Lincoln e Courtney. Fora da escola de Charter House, um polícia fez várias investidas de bicicleta sobre os rapazes antes de estes fugirem. Milhares de pessoas alinharam-se na estrada principal para ver a marcha das crianças em greve: ”Os comerciantes nas portas riam das cenas pouco usuais, enquanto que muitos se questionavam ansiosamente sobre o destino destes errantes rapazes.” [4]

A procissão dos grevistas seguiu caminho até ”Corporation Field”, uma grande área cimentada na zona oeste de Hull, onde geralmente ocorriam as grandes assembleias dos estivadores. Depois da sua assembleia, os rapazes foram até à margem do rio Humber para um mergulho.

O jornal relata tudo isto de uma forma sarcástica, uma atitude que se repetiu nos jornais de todo o país. Em nenhum relato ou artigo a agitação estudantil motivou um questionamento sério.

Este movimento de greves teve origem em Llanelly, a 5 de setembro de 1911. Começou (de acordo com a notícia de um jornal) quando o director puniu um aluno por passar um papel pela sala de aula a instigar os colegas a entrar em greve:[5]

A epidemia de greves agora prevalecente infectou a nova geração em Llanelly e, para se manterem ”na moda”, os estudantes optaram pela política de ”largar a ferramenta”. A origem deu-se na Bigyn School, na terça feira, quando os estudantes, em solidariedade com um dos seus colegas que tinha sido punido por uma ofensa, abandonaram as salas de aula e marcharam pelas ruas ao som de cantorias e apupos. Contudo, mais tarde, os estudantes regressaram.” [6]

Como é que as autoridades educativas locais se propuseram a lidar com o problema? Numa entrevista, Joseph Roberts, um ex-secretário do Comité da Educação, afirmou que ”A ausência da escola por parte das crianças irá afectar as subvenções do governo”. Advertiu que a ausência de cada criança significa uma perda entre 1 penny e 3,50 pence por cada meio dia e pediu a mães e pais para se certificarem da assiduidade das suas crianças. ”Quanto mais subvenções recebidas, menor será a taxa sobre a educação. A diminuição das subvenções irá afectar indirectamente a classe trabalhadora que terá que pagar rendas acrescidas.” [7]

A febre das greves começa então a sua gradual expansão entre as crianças. Logo no dia seguinte deu-se uma greve no distrito de Edgehill, em Liverpool. Foi onde as crianças começaram a mostrar a sua iniciativa e, fazendo lembrar a forma de organização dos seus pais, elegeram um comité de greve que apresentou as suas exigências aos professores: a abolição da vara e meio dia de descanso extra por semana. ”Tendo exigido o suficiente do lado destrutivo, viraram-se para a política construtiva. Os delegados de turma eram chamados a executar certos trabalhos. Porque não haveriam eles de ser pagos?”.[8] Os grevistas marcharam pelas escolas de Edgehill incentivando os outros rapazes a saírem e apoiarem as suas exigências. Muitos dos estudantes leais disseram ter sido atacados e agredidos com paus quando se recusaram a juntar à greve. ”Tal era o cenário a determinada altura, que foi sugerido chamar uma companhia de Boy Scouts.”.[9]

A greve alastrava-se agora à área de Manchester, onde os rapazes saíram às ruas por causa de um colega que havia sido punido por uma ofensa menor.

Os jovens manifestantes, no desejo de estender a luta contra o poder, logo nomearam piquetes identificados com papeis presos nos chapéus, inscritos com a palavra ”Piquete” e marcharam como um todo, nas proximidades, até à Municipal School de Holland street, com o objectivo de induzir os estudantes de lá a entrarem em greve. Esta tentativa, no entanto, foi inútil e a presença de professores nos portões preveniu a entrada dos piquetes e de levarem a cabo a sua acção de persuasão ’pacífica’. Os grevistas seguiram então para a escola de Corpus Christi, em Varley-street. Por esta altura tinham já assumido uma atitude bastante militante, sendo que pelo caminho pegaram em paus que brandiam firmemente, mas uma exibição ainda mais assustadora provinha de outros que possuíam pistolas de brincar.”[10]

Os rapazes em greve tinham então ganhado a reputação de copiarem os seus pais. Como um deles afirmou ”Os nossos pais passaram fome para conseguirem o que queriam, o que eles fizeram nós também podemos fazer.”. Os directores e as autoridades educativas entrevistadas sugeriam que o necessário nas escolas elementares era mais vara, e não menos. À medida que a greve se alastrava pelo país, estas mesmas autoridades começaram a culpar a imprensa popular e barata por dar ideias aos estudantes. As crianças da ’Classe Ociosa’ também foram consideradas culpadas: um jornal afirmava que as escolas elementares dos distritos onde há bairros de lata são responsáveis pela falta de disciplina das crianças. A reportagem do Birmingham Daily Mail de 14 de setembro que noticiava uma greve em Manchester, via a situação da seguinte forma:

Antigamente os rapazes inspiravam-se pelos contos de aventura ou pelos episódios mais românticos relatados nos seus livros de história. O advento da imprensa fotográfica e do cinematógrafo aproximou-os dos eventos actuais. A sua conduta na greve revela uma intima aproximação aos métodos empregues nas greves dos caminhos de ferro e dos estivadores.”[11]

A meio de setembro as greves tinham já alcançado Portsmouth e Southampton a sul, enquanto que a norte, na Escócia, escolas em Glasgow e Leith foram afectadas. Por todo o país estudantes saíam às ruas para protestar. Ninguém ouvia as suas exigências e eram ridicularizados pelos espectadores adultos. Estas crianças tinham acabado de voltar das férias escolares e apesar da sua acção ter falhado em fechar completamente uma escola conseguiram, no entanto, criar distúrbios suficientemente sérios para terem a polícia estacionada à frente dos portões da escola. Os seus esforços foram dignos de notícia, tendo as suas tentativas sido registadas para a posteridade nos jornais que normalmente apenas lhes dão espaço na secção de poesia ou dos jogos.

Por todo o país, ’Colunas Móveis’ e ’Piquetes Voadores’ de crianças, aparentemente sem organização, conseguiram criar distúrbios sérios o suficiente para justificar a polícia e, em alguns casos, agentes à paisana a serem chamados para os reprimir. Em Manchester, por exemplo:

Ontem, um contingente de jovens rebeldes de Ancoats e de outras partes de Manchester invadiram Reddish e tentaram persuadir outros estudantes a juntarem-se a eles. Aproximaram-se do distrito por Gorton e ao chegarem a Reddish visitaram todas as escolas. Apesar de falharem o objectivo em North Reddish Council School, foram bem sucedidos em Houldsworth School e em St. Joseph’s Roman Catholic School onde a maior parte dos rapazes aceitou o convite e abandonou o recreio.”[12]

Até os mais pequenos foram afectados pela epidemia da greve. Há um relato de uma greve em Risinghill School, Islington, que incluía crianças de 3 anos. E no tribunal de Tower Bridge ”duas pequenas crianças de 6 e 8 anos” foram levadas ao magistrado a 15 de setembro. Ambos se chamavam Tillyer e eram de Bermondsey. Foram acusados de vagabundagem sem guarda adequada:

O funcionário da escola industrial, Sr. Westcott, disse que na tarde de quarta feira viu os rapazes em Great Dover street. Chovia muito na altura e os rapazes, mal abrigados, estavam num estado deplorável. Quando se dirigiu a eles, estes disseram ”Estamos em greve”. Depois de lhes dizer que os levaria até à sua mãe resistiram e começaram a gritar e, à medida que se juntava um grupo de pessoas, um polícia foi chamado ao local. O magistrado (rindo-se): ”Só um polícia, pensei que fosse uma greve!”. Testemunhas consideraram desejável, tendo em conta a condição das crianças, que estes fossem enviadas para uma casa de detenção. O seu relatório de assiduidade era insatisfatório. O pai advertiu que desde a greve dos taxistas tinha sido incapaz de fazer mais do que providenciar comida às crianças e que a sua roupa havia sido negligenciada. A mãe afirmou que os seus filhos conheceram outros rapazes em greve e juntaram-se a eles. O magistrado dispensou-os.”[13]

A principal acção dos grevistas era visitar escolas vizinhas. Em Swansea:

Na segunda feira de manhã cerca de 300 rapazes abandonaram o recreio da escola determinados a ir a St. Thomas School para tentar induzir os rapazes de lá a entrar em greve. Alguns dos rapazes utilizaram tiras de couro para apertar os portões da escola.”[14]

Em Liverpool:

”… quando as crianças da escola do distrito de Edgehill, em Liverpool, foram para o recreio, entraram em greve, marcharam pelo distrito e chamaram outros estudantes para se juntarem. Janelas e lampiões foram destruídos e os ’estudantes leais’ foram agredidos com paus.”[15]

Por todo o país crianças transportavam cartazes, gritavam slogans e escreviam as suas reivindicações a giz. Quais eram as suas exigências? ”Menos horas e abolição da vara” era a mais popular. Onde os alunos se organizavam em comités de greve, os seus comunicados à imprensa incluíam a imposição de pagamentos aos rapazes que tinham deveres de delegados. Em Montrose fizeram a seguinte lista:

Aparelhos de aquecimento;

Idade limite de 14 anos;

Menos horas;

Interrupção lectiva na época da apanha da batata;

Fim dos trabalhos de casa;

Abolição da tira de couro;

Lápis e borrachas gratuitas.[16]

Em Darlington os alunos exigiram ”uma hora de aulas de manhã e outra à tarde e 1 xelim por semana pela sua frequência.”[17] Os rapazes que frequentavam as escolas de Low Felling Council, em Durham ”pediram para terem aulas das 9 da manhã até ao meio dia e das 14h até às 16h e avisaram Alderman Costelloe que, caso estas condições não fossem cumpridas, não devia contar ser eleito presidente de Gateshead no próximo ano.”.[18] Os grevistas de Hull exigiram ”meia folga extra às quartas feiras, pagamento de 1 penny por semana aos delegados semanais e que todos deixassem a escola aos 13 anos.”.[19] Os de Nottingham também exigiam idade limite de frequência na escola até aos 13 anos.[20] Em Bradford, ”50 estudantes de Bolton Woods Council School saíram à rua para exigir a abolição do attendance officer* *No sistema educativo britânico, até cerca do início dos anos 2000, o attendance officer era a pessoa encarregue de registar os processos dos estudantes e de os encorajar a frequentar as aulas N.T. e um dia de a mais de folga para além do sábado.”.[21] Em Coventry, aos alunos das escolas mais afectadas, a Holy Trinity Non-Provided School e a Red Lane Council School, também se juntaram valentes alunos de outras escolas e houve uma reunião em Pool Meadow convocada por um dos rapazes. ”Pode-se perceber que as modestas exigências dos grevistas são: Fim dos trabalhos de casa, abolição da vara, meia folga às quartas feiras, abolição do attendance officer, 1 penny por semana para os delegados de turma.”.[22]

Em Leicester os manifestantes carregavam cartazes onde podia ler-se ”Queremos 30 xelins por semana e menos horas por dia.”.[23] E em Newcastle:

um grupo juntou-se para pedir a abolição da vara, o estabelecimento de meia folga adicional por semana e pediram ainda 1 penny todas as sextas feiras para cada rapaz, independentemente das suas notas. Aparentemente os socialistas andaram a trabalhar com estes jovens engraçadinhos.”.[24]

”Piquetes Voadores” ajudaram a espalhar a greve. Em Manchester, onde os jovens grevistas eram numerosos, ”a organização era o seu forte. Eram encarregados piquetes que, com cartões improvisados para usar nos seus casacos, iam pelas várias escolas tentar obter solidariedade de outros rapazes, levando a cabo estas operações com muita seriedade.”.[25] Em Ashton-under-Lyne, ”Piquetes, alguns dos quais tinham preso no casaco pedaços de cartão com a palavra Piquete escrita, iam a várias escolas instigar os outros a sair.”.[26] Em Paisley também o piquete voador foi bem preparado:

Ontem à tarde, um grupo de crianças, que previamente se tinha juntado para pensar, resolveu convocar uma greve de todas as escolas e à hora de almoço formaram uma coluna que passou por várias escolas do burgo. O núcleo cresceu com a rapidez de uma bola de neve tanto que, mais tarde, eram 200 os rapazes em marcha.”[27]

Noutros locais os piquetes eram mais impulsivos. Em Hull a confusão começou quando doze dos estudantes abandonaram o recreio da St. Mary Catholic School durante o intervalo. ”Agindo como piquetes, rondaram as outras escolas a proclamar o facto de estarem em greve.”.[28] Numa escola de Aberdeen a chegada do piquete teve um efeito electrizante:

Os rapazes, ao serem informados da presença de um grande número de grevistas no exterior, revoltaram-se. Abanaram as secretárias e, na selvagem correria para ir até lá fora juntarem-se aos outros, destruíram o mobiliário escolar. Durante algum tempo o cenário foi de grande desordem e o pessoal da escola demonstrava-se impotente nas suas tentativas de acalmar as crianças.” [29]

Pode ser que alguns dos rapazes preferissem ir formar piquetes em outras escolas para que não fossem reconhecidos como grevistas pelos professores, mas também existiam conflitos entre grupos de diferentes escolas e podem ter aproveitado o momento para os resolver, o que justificaria alguns dos relatos de lutas entre grupos de rapazes.

Em alguns locais revelou-se difícil para os grevistas ganharem o apoio dos seus amigos e isto significava que os professores tinham sido capazes de isolar e identificar os líderes de determinado grupo:

Uma greve de estudantes deu-se hoje em Blackburn. Cerca de uma vintena de alunos da St. Lukes’s Church of England School recusaram entrar na sala de aula esta tarde. Contudo, quando perceberam que os restantes não se iriam juntar apresentaram-se e teriam regressado à sala de aula se lhes tivesse sido permitido. O director, Sr. Cornall, recusou deixá-los regressar, disse que escreveria aos seus pais e mães para que lidassem com eles. Os rapazes ficaram na rua para pensarem sobre o seu castigo.”[30]

Esta situação colocou as crianças numa situação delicada. Entrar em greve era um grande passo, mas estar a contar com um grande apoio e, em vez disso, ser ignorado pelos colegas deve ter sido desencorajador. Em Londres, um pequeno e vivo rapaz de 10 anos disse: ”Temos que voltar, estamos muito poucos e não adianta se apenas alguns de nós declararmos que não vamos às aulas.”.[31]

Em Maryport os professores conseguiram que os alunos leais travassem a batalha por eles. Quando um forte piquete vindo da Grasslot School visitou a Maryport Council School para instigar os colegas e entrar em greve, ”Os maiores estudantes da Maryport School foram enviados para capturar os líderes do piquete e seguiu-se uma batalha em Market-place. Pedras e punhos foram utilizados. Alguns dos rapazes de Grasslot foram agarrados, mas lutaram e, ao usarem o seu tamanho e força, escaparam.”[32]

A maioria dos jornais faz referencia a cerca de 50 a 80 rapazes de cada escola que tiveram um interesse activo na forma como as greves eram organizadas, os restantes estavam lá por capricho ou porque não queriam ser a minoria. As poucas mas ousadas crianças que formavam as linhas de piquete fora das escolas, que gritavam exigências e chamavam os restantes para se juntarem faziam-no ignorando o risco de apanharem com a vara. Isso foi o que aconteceu aos grevistas da Bigyn Boys School, em Llanelly, onde o director, Mr. Gwilym Harris, puniu dessa forma cada um deles:

Na terça feira, enquanto as crianças estavam no recreio parece que 30 das 827 presentes saíram da escola. Pelo que sei, não me parece apropriado chamar a isso uma greve, é simples insubordinação por parte de alguns rapazes (…) Quando regressei à escola, na terça feira à tarde, utilizei a vara para castigar todos os que tinham faltado…” [33]

Havia outros castigos para estas crianças porque as nódoas negras eram incluídas nas suas referências de carácter, sendo que estas eram necessárias para se candidatar a um trabalho. Para alguns significava perder a sua chance de ganhar uma medalha de assiduidade pela qual muitos pais da classe trabalhadora ambicionavam - de tal forma que muitas crianças eram forçadas a ir para a escola mesmo que estivessem doentes. Eram necessários quatro anos de assiduidade perfeita para ganhar uma medalha de bronze, seis para ganhar a prateada e dez para atingir o ouro.

Em muitos casos as crianças ficavam fora da escola o tempo suficiente para realizarem um protesto simbólico e bastava a aparição de um professor (especialmente se fosse o director) para os mandar de volta para as secretárias: a greve em Latchmere Road School, em Battersea durou menos de uma hora. As crianças saíram durante a hora da refeição e marcharam em Battersea Park Road para cima e para baixo, ao som do slogan ”Junta-te e segue-me” e dos gritos ”Estamos em greve”. Porém, quando faltavam 10 minutos para as duas o director apareceu na sua bicicleta ”após o que a maioria das crianças correu para o recreio.”.[34] Em Birmingham, ”alguns dos rapazes de St. Mark’s School mantiveram-se juntos nas ruas durante alguns minutos em vez de voltarem para o edifício à medida que chegavam os professores, mas quando um destes se aproximou e lhes disse para irem para a sala de aula, eles prontamente obedeceram e o trabalho escolar começou à hora do costume.”.[35]

Em Llanelly, onde a greve se originou, ”a aparição do director com uma robusta vara parou a procissão dos grevistas de escola em escola e estes deram rapidamente em retirada.”.[36] O director da Huntingdon School, em Nottingham, ouviu rumores sobre uma greve e, ”depois das orações informou os rapazes que ele também pode bater * (em inglês, a palavra strike significa greve e também bater N.T.) e bater com força, se necessário.”[37] Em Carlton Road Schools, em Kentish Town ”cerca de 300 rapazes e raparigas marcharam pelas ruas à hora de almoço e quando, às 2 da tarde, a campainha da escola tocou, reuniram-se na estrada e, com um estridente entusiasmo, declararam ao mundo e entre si ”’Estamos em greve!’. Mas de repente fez-se silêncio, até que uma voz aterrorizada disse ’Merda, está aqui a polícia!’ (…) A directora lidou com as raparigas e com os mais novos, e ao bater das suas palmas estes obedeceram cabisbaixos.”[38] Em Bradford School, cerca de 50 rapazes entre os 10 e os 14 anos de idade recusaram-se a voltar às suas tarefas ontem depois da refeição e tiveram uma acesa discussão sobre ’direitos’. No entanto, quando confrontados com a presença do director ”acalmaram-se e retomaram o trabalho.”.[39]

Por outro lado havia aqueles locais onde os grevistas longe de terem medo dos professores, atacavam-nos. Os alunos de Coventry resgataram outros dois que estavam a ser escoltados por um funcionário escolar até aos escritórios, foram de tal forma agressivos que ele teve que os soltar.[40] Em Salmon Pastures School, em East End de Sheffield, ”foram atiradas pedras a uma professora quando esta se dirigia para o eléctrico, os ’grevistas’ também atacaram os rapazes que estavam nas aulas, mas todos estes permaneceram leais.”.[41]

Os edifícios escolares foram atacados em vários locais. Em Glasgow:

Ontem a situação tornou-se séria devido aos relatos de destruição em grande escala das janelas da sede direcção da escola. Em Crookston Street school foram partidos oito grandes janelas e em Barrowfield School e Dalmarck School foram dezoito. A polícia está a investigar.” [42]

Mais uma vez, em Bradford, ”Os rapazes de meia dúzia de escolas entraram ontem em greve e fizeram uma assembleia. Alunos partiram as janelas de Northwood Grove e Central Schools, em Hanley e em Cobridge a polícia teve que estacionar à porta das escolas da vila.” [43]

Um relato sobre os grevistas de Islington da escola de Risinghill declara: ”as suas idades variavam entre os 13 e os 5, sendo que alguns transportavam pedras, bastões de ferro e paus. Um miúdo não teria menos que três metades de tijolos enfiados debaixo do braço enquanto marchava pela rua.”.[44]

Em Leicester ”piquetes pacíficos não constam nos seus planos, com os bolsos cheios de pedras cedo mostraram que não estavam para brincadeiras. Um ousado rapaz deu início às hostilidades ao despedaçar uma janela com uma pedra e os restantes aproveitaram a deixa para rapidamente partir outras tantas. Contudo, estes não foram todos os estragos. O procedimento variou, sendo que danificaram placares de notícias, etc.”.[45] Entre duzentos e trezentos rapazes saíram para as ruas de Ashton-under-Lyne:

A greve chegou às portas do povo de Ashton na terça feira e, em consequência, também muito entusiasmo à cidade. Duzentos ou trezentos rapazes ’saíram’ afectando a maior parte das escolas elementares e a situação tornou-se de tal forma séria, que a polícia estacionou nas redondezas de algumas escolas e oficiais à paisana foram destacados.” [46]

Em Payne Street Schools, em Islington, um piquete de greve de Shoreditch atacou os edifícios escolares:

Assim que um grupo de estudantes ia na direcção da escola, cerca de dez grevistas apareceram em cena, armados com paus, pedras, pedaços de ferro e armas semelhantes. Atiraram pedras às janelas da escola e o polícia que estava de guarda teve a difícil tarefa de pôr fim aos distúrbios.” [47]

Em Sheffield, os piquetes experimentaram métodos ainda mais duros, ”um grupo de ’grevistas’ perseguiu os rapazes que iam para a escola e arrastaram para fora alguns deles.”.[48] Em Potteries, ”os alunos, armados com tacos de madeira e pedras, atacaram as escolas de Northwood e Grove, em Hanley, partindo uma dúzia de painéis de vidro em cada, enquanto o mesmo se passou noutras escolas.”.[49]

Os grevistas em Shoreditch, East London, foram particularmente formidáveis ao fazerem ataques surpresa ”armados com paus, pedras, bastões de ferro e cintos.”. ”Exibiram suficiente fogo e chacina para fazer com que uma dúzia de polícias fossem chamados de propósito.”.[50] A polícia também saiu em força em Liverpool.

Os rapazes comportaram-se tão violentamente que a polícia teve que ser requisitada e durante algumas horas impediram os ’grevistas’ de entrarem nas escolas apesar de que, num caso, os rapazes conseguiram chegar a um recreio e partir algumas janelas. Já durante a tarde, os rapazes fizeram uma assembleia em miniatura e dispersaram pelo meio de aplausos, finalizando o seu protesto de hoje.” [51]

Outro local onde os distúrbios se aprofundaram foi em Birkenhead. ”Uma grave falta de disciplina ” foi verificada antes de a greve se iniciar e, depois de começar, a polícia foi convocada para proteger os professores:

O movimento da ’greve’ estudantil estendeu-se até Birkenhead e uma grave falta de disciplina foi verificada em muitas das escolas das zonas mais pobres da cidade. Ontem de manhã a confusão irrompeu de novo na escola de St. Anne e os professores experimentaram dificuldades em passar pelas ruas mais próximas da escola. Muitos dos espíritos mais amotinados assobiaram e gritaram epítetos abusivos aos professores e quando um destes agarrou um dos atacantes teve como resposta uma rajada de pedras, mostrando o quão bem as lições dos recentes distúrbios laborais foram transmitidas à geração mais nova. A má conduta dos rapazes tem, pelo menos, a conivência dos seus pais e mães. Os factos que sugerem isto são os protestos nas ruas por parte dos indolentes, declarando a sua intenção de não voltarem às escolas e o facto de que os funcionários das direcções escolares do distrito serem apedrejados e forçados a abandonar o seu local de trabalho. A protecção da polícia foi requisitada para os professores e as medidas para erradicar os distúrbios estão a ser tomadas tanto pela polícia como pelas autoridades educativas. Os rapazes têm vagas ’reivindicações’ que exibem de forma infantil. Aparentemente falham em entender que os distúrbios terão apenas um fim, uma desagradável entrevista com as mães e pais, com o professor ou com o flagelador da polícia, o sargento White e o seu terrível açoite.” [52]

Em West Hartlepool cerca de 100 rapazes saíram de uma escola do concelho para a rua.

Uma sala de armazenamento nas traseiras de um hotel foi pilhada, os ’grevistas’ roubaram algumas garrafas de cerveja preta, whisky e caixas de cigarros, alguns deles foram detidos e serão julgados esta manhã (três rapazes ficaram em liberdade condicional e quatro foram absolvidos). Enquanto marchavam pelas ruas, os rapazes pararam um moço de recados que estava a levar maçãs para uma casa e serviram-se livremente da fruta. Também foram vistos a atirar pedras a janelas de casas de professores.” [53]

As notícias da chegada dos piquetes às escolas levou a que professores, pais e mães se dirigissem aos portões para protegerem as suas crianças. Em Hull, as mães e pais preocupados apressaram-se até às escolas para confirmar que os seus rapazes - a greve era confinada aos rapazes - apareciam para as aulas.

Na maioria dos casos, os professores desorientados sacudiam as suas cabeças, pais e mães apressavam-se depois da crescente procissão de rapazes que, armados com cabos de vassouras e garrafas, iam de escola em escola tentar induzir outros a juntarem-se ao movimento.” [54]

Em Llanelly, os directores ”tomaram conhecimento da brincadeira que se preparava” e quando chegaram os piquetes que vinham das escolas de Copper Works e Old-road foram ”vergonhosamente expulsos”, diz uma reportagem do Western Weekly Mercury. [55] Em Grimsby alguns rapazes da escola de Wellsby-street marcharam pelas ruas carregando faixas com as palavras ”Alunos em greve”. Os grevistas marcharam até outras duas escolas ”mas os professores, ao serem avisados (…) mantiveram os alunos dentro da escola. O líder fugiu assim que apareceu um professor e outro rapaz que estava montado num pónei assumiu o comando.”. [56]

Em muitos locais, as fura-greves mais activas parecem ter sido as mães. Não só ao exercer pressão sobre os filhos quando estes regressavam a casa no final do primeiro dia de greve mas também ao intervirem mais activamente, arrastando os filhos de volta para a escola no dia seguinte e, em alguns casos, ao fazerem de contra-piquetes no portão da escola. A título de exemplo, uma tentativa de greve em East Wall National School, em Dublin, foi sumariamente suprimida pelas mães que se juntaram em força e, artilhadas com todos os tipos de armas, dispersaram os protestantes.

Quando as aulas terminaram, às três da tarde de ontem, alguns polícias e muitas mães estiveram lá para proteger os bons rapazes que resistiram à tentação de se desviarem do caminho do conhecimento. Sob escolta feminina estes rapazes chegaram às suas casas em segurança.” [57]

Os rapazes podiam ter alguma simpatia por parte dos seus pais mas estes nunca intervinham no que dizia respeito a assuntos escolares. Em Londres foram também as mães que fizeram de fura-greves.

Em todas as direcções era possível ver procissões de mulheres nada amigáveis a levar os seus jovens esperançosos para a escola contra a sua vontade e tornou-se evidente que a greve havia colapsado.” [58]

Relatos dos jornais por todo o país descrevem como as mães confrontavam as linhas de piquetes das crianças e como, em alguns lugares, eram a única autoridade perante a qual as crianças se rendiam. ”Um exército de mães encheram a escola de Bath-street, em St. Luke, Londres, arrastando os seus descendentes até ao director.” [59] e na escola de Radnor-street, noutra parte do mesmo distrito:

Uma mãe enraivecida foi vista na escadaria a trazer o seu filho relutante. ’Eu dou-te a greve!’ disse ela enquanto arrastava o rapaz que resistia até ao director (…) A partir da uma da tarde um exército de mães, pensando que era mais certo, enfileiraram-se até à escola levando os seus filhos com elas e entregando-os ao director.” [60]

Em alguns locais as crianças assustavam-se com o polícia corpulento que ficava de guarda do lado exterior dos portões da escola para proteger os estudantes leais. Mas, no entanto, não voltariam à escola a não ser que fossem forçados pelas suas mães. Em Hull: ”Que diferença esta manhã! Mães a pais trouxeram os seus filhos à escola e outros levantavam a mão aos seus precoces descendentes, demonstrando-lhes o que lhes esperava se faltassem às aulas.” [61]

Nos distritos de Southampton as crianças também voltaram para a escola com as suas mães.

Sexta feira de manhã praticamente todos os estudantes estiveram presentes na escola. Muitos daqueles que haviam participado nos protestos dos dias anteriores foram acompanhados pelas suas mães, embora um dos líderes, um rapaz com ar corajoso, tenha sido trazido pelo seu pai e chegou à escola seguido por um grupo de simpatizantes.” [62]

As raparigas, por serem mais controladas pelas mães do que os rapazes tiveram um papel reduzido nas greves. Apenas duas reportagens as mencionam. Em Portsmouth ”cerca de 150 rapazes e raparigas das escolas do concelho marcharam pelas ruas e passaram por várias escolas buscando recrutas.”.[63] E na Escócia as estudantes de Kirkcaldy e Cambuslang mostraram-se bastante mais militantes do que as raparigas de Inglaterra ou Gales. Poderia dizer-se que o sistema educativo escocês era bastante mais igualitário, encorajando tanto raparigas como rapazes a obter resultados educativos. Isto pode ter influenciado as raparigas a serem parte activa em todas as formas de actividade escolar, incluindo as greves:

Cem rapazes e cem raparigas entraram ontem em greve na escola de Sunderland. Os funcionários escolares prontamente entraram em acção e chamaram os rapazes a ”Juntarem-se”… As raparigas, no entanto, foram desafiadoras e marcharam nas ruas do bairro a cantar ’Junta-te e segue-me’.” [64]

No decorrer da greve fizeram-se várias afirmações sobre o papel de rapazes mais velhos e adultos a encorajar as crianças a agir (os directores estavam particularmente inclinados para colocar a culpa em elementos ”externos”). Na escola de Attercliffe, Sheffield, dizia-se que os rapazes foram encorajados por ”uma mulher idiota”. Assim que o professor apareceu (segundo um relato de jornal) ”eles fugiram”.[65] Numa das manifestações em Leeds, um aprendiz de engenharia, armado com uma moca, foi apanhado por um dos professores e levado para a escola. Afirmava-se que este grupo de grevistas em particular havia sido encorajado pelos seus pais e mães e que ”andavam nos portões da escola a perturbar os não-grevistas nas suas secretárias.”.[66] Em Dublin:

Um dos professores colocou a culpa da ’greve’ em alguns rapazes que recentemente deixaram a escola e foram trabalhar. Satisfeitos com a sua recém-adquirida liberdade da disciplina aborrecida da escola, acredita-se que estes jovens trabalhadores estavam cheios de uma gloriosa esperança de tornar menos dura a situação dos seus antigos colegas, ainda presos ao excessivo e monótono trabalho na secretária.” [67]

Em Shirebrook, Notts, declarou-se que os rapazes foram influenciados ”por um grupo de jovens problemáticos que os incitaram depois de lerem as manchetes dos jornais.”.[68] E em Southampton relatou-se:

Um grupo de cerca de 70 rapazes juntaram-se em Bond-street, os seus impulsionadores eram jovens rufias que, diz-se, não tinham nenhuma relação com a escola. De facto, apenas 30 pertenciam à escola de Northam…” [69]

”Desordeiros” parecem ter tomado parte na grande manifestação e motim nocturno que teve lugar em Dundee e, possivelmente, a força excepcional da greve neste local - ’várias centenas’ de rapazes envolvidos nos motins - deve-se à estreita ligação das crianças às fábricas sob o sistema de meio-tempo. A greve de Dundee foi a maior do país. Irrompeu quinta feira, 14 de setembro e foi relatada num dos jornais escoceses da seguinte forma:

AS ”GREVES” ESCOLARES

OITO ESCOLAS ENVOLVIDAS EM DUNDEE.

CEM JANELAS DE ESCOLAS PARTIDAS.

Cenas desordeiras ocorreram ontem em Dundee relacionadas com a greve dos estudantes. Não menos de oito escolas estiveram envolvidas e calcula-se que durante a tarde milhares de crianças se envolveram nos motins. A confusão começou, originalmente, na escola de Cowgate onde houve uma separação durante a manhã e os líderes do movimento foram vistos a ameaçar outros caso não se juntassem. Os professores entrevistados declararam desconhecer qualquer reivindicação, enquanto que os rapazes afirmaram que queriam menos trabalhos de casa, mais férias e menos punição com a tira de couro. Às onze horas os problemas pareciam estar a desaparecer, grande parte dos rapazes haviam regressado e um dos líderes, sujeito a punição corporal, recusou-se a aconselhar a continuação do protesto. Mas as notícias da greve espalhavam-se pela cidade e à hora de almoço houve acções de abandono em escolas de Wallacetown, Victoria Road, Blackness, Balfour Street, Hill Street e Ann Street, rapazes marcharam pela cidade e adoptaram várias tácticas para assegurar adesão às suas fileiras. Um grupo visitou a escola secundária e, armados com paus e projecteis, criaram uma manifestação. Contudo, não obtiveram ali qualquer adesão. Em muitos casos os familiares dos rapazes interferiam com o objectivo de colocar um fim aos distúrbios e um rapaz foi levado de volta à escola pela sua avó, puxando-lhe as orelhas de vez em quando. Nenhuma rapariga se juntou aos protestos.

A greve tomou proporções sérias durante a tarde, quando um grupo de 1500 rapazes, acompanhados por alguns desordeiros, marcharam pela cidade. Estavam armados com paus e, muitos deles, abastecidos com pedras. Várias escolas foram visitadas e os jovens mais destemidos subiram aos parapeitos e partiram janelas com as suas armas, enquanto eram lançadas rajadas de pedras. Não se sabe exactamente a extensão dos estragos mas oito ou nove escolas foram tratadas desta forma e acredita-se que, pelo menos, cem janelas estão mais ou menos destroçadas. Os jovens reconheceram um professor que regressava da escola da tarde, tendo sido atacado e atingido com uma pedra.”[70]

Nas cidades têxteis, como Dundee, a escola e a fábrica não estavam muito distantes devido ao sistema de ”meio-tempo”. Bob Stewart, na sua autobiografia, Breaking the Fetters, fala sobre o infame carácter industrial e social de Dundee. Os proprietários dos moinhos de juta (*fibra têxtil fornecida pela planta herbácea com o mesmo nome.) eram os maiores empregadores de crianças entre os 10 e os 14 anos de idade e como eram obrigados por lei a educar as crianças, algumas salas de aula eram construídas dentro dos moinhos. As escolas e casas para os trabalhadores imigrantes eram construídas entre os armazéns e os moinhos de juta; a maioria deles vinha da Irlanda e o resto da comunidade considerava esta como a forma mais baixa de vida. No seu estado natural, a juta é desagradável e perigosa para a saúde, particularmente quando os seus flocos são respirados e engolidos, criando uma sede permanente. Talvez por isso Dundee tenha sido considerada uma cidade de alcoólicos.

Os ´Half-Timers’* (*trabalhadores a meio tempo) trabalhavam três dias por semana no moinho de juta e depois passavam dois dias na escola e na semana seguinte, vice versa. Aos sábados trabalhavam até às duas da tarde. Nas semanas de trabalho menores eram pagos a 2 xelins e 9 pence e nas maiores a 3 xelins e 4 pence.

No andar da fiação onde Bob Stewart trabalhou costumavam cantar:

Valha-me Deus, a moagem ganhou velocidade

Pobres de nós trabalhadores que não descansamos,

Que mudamos bobines, praguejamos e acabamos,

Que trabalhamos por três centavos.

“E trabalhávamos mesmo” diz Bob Stewart, das “seis da manhã até às seis da tarde, com duas pausas para o pequeno almoço e para o jantar.” [71] Bob Stewart tinha um trabalho extra como “chapper” ou “acordador”.[72] (*trabalho cujo objectivo era acordar os trabalhadores nas suas casas a determinada hora)

As crianças eram aceites como parte da força de trabalho e tratadas como iguais pelos adultos. Os trabalhadores do serviço social desaprovavam esta prática e argumentavam que as fábricas estavam impregnadas de influências malignas: “o desregramento e o vocabulário obsceno nestes locais é tão comum hoje em dia que dificilmente se toma isso em atenção. A mania do jogo é predominante e o bar é um refúgio para o trabalhador esgotado.”.[73]

Era durante as pausas para o almoço que as crianças se envolviam mais no mundo adulto, o ruído da maquinaria parava enquanto os seus operadores de reuniam em pequenos grupos, a conversa era quase nula até que acabassem a sua escassa refeição (os mais sortudos partilhariam a refeição com as crianças), em seguida as crianças liam o jornal. Talvez, ao transmitirem as notícias aos trabalhadores mais velhos tenham descoberto como crianças pelo país afora estavam a lutar para tornar a sua situação conhecida.

III: A CLASSE OCIOSA

As crianças que saíram em greve em 1911eram quase na totalidade das Council School situadas nas cidades industriais e nas áreas mais pobres e oprimidas. De acordo com Alderman Jarman, presidente da direcção da Autoridade de Educação de Hull: “Eles são maioritariamente da ‘Classe Ociosa” devido à falta de cuidado parental. O fenómeno esteve quase totalmente confinado aos quarteirões mais pobres de East Hull.”.[74] Jornais por todo o país continham reportagens deste género. O Birmingham Daily Mail, por exemplo, continha uma notícia acerca das crianças grevistas de Liverpool que afirmava: “A origem das greves provém maioritariamente daqueles que pertencem à classe ociosa.”.[75] A Times situava os distúrbios de Hull “nos distritos mais pobres” onde “mulheres instigaram as crianças a seguir o exemplo dos ‘grevistas’. Pedras foram arremessadas em direcção aos professores.”.[76] Em Birkenhead dizia-se que os distúrbios ocorriam “nas zonas pobres da cidade.”.[77]

A maioria dos rapazes que entraram em greve eram definitivamente parte da classe trabalhadora, ainda assim eram uma particular franja desta classe. Em Hull, as crianças da zona pobre foram as mais afectadas pela agitação. Mais concretamente em East Hull, onde havia maior concentração de famílias de estivadores e de trabalhadores dos moinhos – a área ‘Groves’. Zona que conheço bem porque nasci lá e é dura. Foi onde surgiu o “Silver Hatchet Gang” – os capangas do submundo local e nos anos 20 surgiu também o “Junior Silver Hatchet Gang”, prontos para apoiar os primeiros à medida que cresciam. Falei com uma pessoa mais velha que me contou histórias sobre eles. Eram rapazes duros que estavam preparados para fazer qualquer coisa por dinheiro. Nos anos 20 eram utilizados pelos empregadores dos portos para ameaçar outros potenciais empregadores que quisessem começar negócios nas docas.

A Sr.ª L. K. Phillips, uma trabalhadora de serviço social da igreja escreveu um livro em 1970 sobre a “situação precária” de Hull e daqueles a quem chamava de vagabundos:

Homens e mulheres deste tipo são terrivelmente prolíficos. Em cada bairro de lata das cidades mais barulhentas, as suas crianças espalham-se abundantemente como moscas no verão. Os seus lugares favoritos contêm sempre as mesmas três características – (1) um odor a humanidade bolorenta que penetra em toda a parte, (2) uma imponente e ruidosa mobilização às tabernas, onde tradicionalmente fazem os seus negócios esplêndidos e (3) uma numerosa companhia de crianças sujas e despenteadas, de caras patéticas e atormentadas.” [78]

“Groves” sempre foi uma zona muito pobre e, em verdade, sempre conhecida pela luz da lua. Viver em casas arrombadas era comum. Havia escassez de alojamento devido à chegada de muita gente do campo, sem trabalho os trabalhadores rurais iam para a cidade e instalavam-se em alojamentos temporários. Os homens podiam ir beber cerveja no balcão ou arranjar trabalho, uma hora de trabalho permitia comprar uma cerveja e sentar-se numa casa pública durante a noite.

As suas crianças enquanto ainda frequentavam a escola tinham um trabalho a meio tempo, normalmente a ajudar numa loja ou a vender jornais. A ajudar os adultos, talvez o avô ou um tio que tivesse uma oficina na esquina. Uma pessoa mais velha lembra-se de trabalhar com um talhante, começava às seis da manhã antes de ir para a escola e depois à noite, sendo que às vezes não terminava antes das dez da noite. Recebia meia coroa por semana e “bits” (restos de carne que sobravam). As vidas das crianças eram bastante semelhantes às dos adultos – toda a família dormia no mesmo quarto e as crianças adormeciam onde calhava devido à exaustão. A hora de dormir era pouco antes da chegada do homem vindo da taberna.

Charlie Simpson lembra-se de esperar à porta da taberna pelo seu pai para depois o ajudar a regressar a casa. Quando arranjou o seu primeiro trabalho na fábrica de tinta, o seu pai, um estivador, esperava por ele nos dias de pagamento e levava o seu dinheiro para a taberna.

Outro homem mais velho lembra-se de que nunca comeu a gema de um ovo até ter 18 anos. O seu pai cortava a parte de cima do ovo e dava-lhe, era o seu pequeno-almoço, ou então molhava uma fatia de pão na frigideira depois do seu pai fritar o bacon.

Das fotografias tiradas durante a greve é possível ter uma ideia da aparência física das crianças. Eram bastante magras, com os olhos empolados, todos pareciam ter uns sacos por baixo dos seus olhos. Alguns não tinham sapatos. Em alguns casos estavam descalços mas usavam gravata ou laço. Durante o verão, as suas roupas mais grossas eram armazenadas e penhoradas. Geralmente porque assim estavam mais seguras.

Bob Broadwell, um estivador aposentado, recorda-se de como ele e o seu irmão tinham que faltar às aulas por não terem sapatos ou socos para usar.

Tínhamos roupa porque alguns rapazes da turma nos ofereciam. O director enviou uma circular para nossa casa para que a levássemos à “Cloggy Walsh’s”, quando recebíamos os socos, estes vinham marcados com um círculo para que a minha mãe não os pudesse penhorar.”

Durante a época de bom tempo, a maioria das crianças andava descalça e os seus socos e sapatos eram limpos, engraxados e depois guardados, provavelmente até novembro. As autoridades escolares não haviam estipulado a obrigatoriedade do calçado. Quando estas crianças entravam para a escola eram marcadas e os professores tratavam-nas como diferentes dos restantes estudantes – devido à forma como se vestiam e à sua aparência em geral. A sua maioria sofria de todas as doenças infantis. Piolhos era o mais comum e mais facilmente visível, pois tinham que rapar o cabelo.

Quando perguntei a Bob Broadwell acerca da sua aparência quando ele andava na escola, a primeira coisa que ele mencionou foram os cortes de cabelo. Como não tinha dinheiro para ir ao barbeiro, o seu pai ou mãe colocavam uma tigela na sua cabeça – o que proporcionava um corte em linha recta – e se esta não coubesse perfeitamente na sua cabeça ficaria com uma pequena franja, depois de várias tentativas de fazer um corte direito.

No caso de haver piolhos, as autoridades escolares insistiam para que os cabelos das crianças fossem rapados. As crianças viviam em casas desconfortavelmente pequenas e se tivessem uma família grande, provavelmente dormiriam todos na mesma cama então, se alguém da família tivesse algum tipo de infecção na cabeça, todos ficariam infectados.

A escola começava pela manhã com uma inspeção que, normalmente, ocorria no recreio. As crianças reuniam-se com a sua turma e o professor andaria pelas filas a inspecionar as crianças. Estas ficavam em pé, com as suas mãos abertas para que as suas unhas fossem vistas e o professor batia-lhes nas mãos como sinal para as virarem. Após algum tempo as crianças já faziam isso automaticamente. Nestas inspeções as crianças tinham que inclinar a sua cabeça para a frente e virá-las de um lado para o outro, permitindo ao professor ver os seus pescoços e cabeças. Um rapaz a quem encontraram uma marca de sujidade por só ter lavado a cara, deixando o pescoço sujo, foi arrastado para fora da linha, chamado de “parasita” e depois mandado para casa para se lavar.

Os professores inspecionavam os estudantes como se estes fossem animais ou um móvel para venda. Este tipo de tratamento começava logo pela manhã e continuava até ao final das aulas.

Harry Burns lembra-se de que no seu tempo de estudante era sempre posto de lado por ser de uma família muito pobre. Cabia ao professor decidir se determinada criança necessitava de atenção especial. Se alguma criança precisasse de sapatos, roupa ou refeições gratuitas o professor é que avisava o director e este decidia se a criança recebia ou não ajuda. Quando as crianças recebiam roupas das autoridades escolares, vinham marcadas para impedir que fossem penhoradas. As crianças que recebiam refeições gratuitas tinham que se dirigir ao café mais próximo; não a um local onde se usavam toalhas e se servia nas mesas. Um café frequentado pelos trabalhadores durante a sua pausa. Os rapazes e raparigas sentavam-se geralmente num local sujo, onde adultos fumavam e cuspiam no chão. As crianças recebiam o pequeno almoço, almoço e chá, caso o director considerasse necessário. O dono do café tinha um livro que as crianças assinavam depois de cada refeição. Este era visto pelo director uma vez por semana e cada criança que faltasse a uma refeição era punida.

Os professores tratavam como mais idiotas os estudantes pobres. Normalmente acabavam por sentar-se nas secretárias da frente para os professores os vigiarem melhor porque se algum distúrbio surgisse na sala de aula, vinha de alguma criança pobre: porque não se concentrava. As crianças não tinham disciplina de leitura e escrita e quando se aborreciam começavam a falar entre si. O professor, para lidar com situações deste género, atravessava a sala e batia ou arremessava o que tivesse à mão. Harry Burns lembra-se dos grossos pedaços de giz que por vezes lhe atingiam, atirar giz era mais rápido para o professor do que atravessar a sala até chegar à beira do aluno. O professor tornava-o numa piada: o rapaz a quem fosse atirado giz era chamado de “Tia Sally”. Imaginas um rapaz de cabeça rapada com giz a ser-lhe arremessado? Era uma situação ridícula e os outros riam-se.

Harry contou-me também que os rapazes pobres eram sempre deixados para o fim se algo fosse para ser passado por todos, por exemplo, os quadros de traças e de borboletas nas aulas de ciências naturais, estes eram dados aos monitores para que os passassem pela turma e, claro, nunca escolheriam um dos rapazes pobres para ser monitor.

Os mais pobres também eram excluídos nas actividades desportivas da escola. Não tinham o equipamento desportivo adequado e a escola também não oferecia chuteiras ou fatos de banho. Quando as crianças iam para as piscinas, os mais pobres iam nus. Na altura da gala de natação escolar ou num dia dedicado ao desporto, os rapazes que não tinham o equipamento certo não participavam. Numa das fotografias da greve de crianças em Hull de 1911 é possível ver algumas crianças despidas. Algumas crianças foram para a margem do rio para um mergulho e a fotografia mostra os rapazes agrupados em pé, alguns equipados, outros nus.

Colin Hedge, um carpinteiro aposentado, lembra-se de viver na rua com mais densidade populacional de Hull, “havia cinquenta e dois terraços, cada um contendo doze casas. Havia dois pubs, uma igreja e um centro recreativo da Church Army, uma padaria, um barbeiro, uma mercearia e talho e a escola.” A sua escola estava dividida em três, “bebés”, “raparigas” e “rapazes”. “Obviamente não queriam que nos misturássemos, visto que altas paredes de tijolo separavam os recreios.”. Não se esqueceu também das inspecções, “Todos ficávamos assustados quando a “Enfermeira das lêndeas” vinha inspecionar as nossas cabeças”. As crianças filhas de pais “trabalhadores sem qualificação” eram as mais pobres, todos os dias iam buscar uma senha para a sopa à secretária do professor e apressavam-se para as cantinas em Hessle Road. Colin foi o líder de um gang chamado “Black Hand Gang” e cujo teste de iniciação consistia em trepar até ao telhado da escola e largar sacos de papel cheios de água em direcção a um personagem local a quem chamavam drunken Jesus enquanto ele ziguezagueava de volta à casa da Church Army.

Albert Green, um verificador de mercadorias, agora com cerca de sessenta anos de idade, lembra-se de como o seu pai rapava o cabelo aos rapazes como prevenção contra “piolhos”, deixando apenas um rabicho de cabelo pendurado sobre as suas testas.

Uma vez a minha mãe fez-me ir descalço para a escola no inverno para que eu recebesse umas botas do Benefício Público. As botas tinham uns buracos na parte de cima para impedir que os nossos pais as penhorassem mas a minha mãe enchia-os com graxa. As minhas outras roupas eram apenas uma camisola de lã e um par de calças, geralmente usadas anteriormente pelo meu irmão mais velho.”

Havia sete crianças na família e o “meu pai não podia trabalhar, então a maior parte do tempo vivíamos da assistência da paróquia.”. Eles iam à National Kitchen para obter refeições gratuitas. “Quando já todas estavam servidas e sentadas alguém gritava "uns segundos para quem quiser” e na correria geral por mais comida era necessário agarrar bem o prato e esperar que sobrasse alguma coisa. Havia muitos ovos para comer, na sua família:

Por vezes a minha mãe trabalhava no Armazém de Embalamento de Ovos na rua de St. James, então tínhamos sempre muitos ovos para comer. O seu trabalho consistia em segurar os ovos em frente a velas para verificar se estavam estragados ou não. Antes de ir para o trabalho levantava as roupas e escondia um saco por baixo, pronto para depositar os ovos mal tivesse oportunidade. A maioria das mulheres estavam grávidas então ninguém notava mais um inchaço.”

Bob Wreathall, um estivador aposentado, frequentou a escola da rua Lincoln e recebia refeições gratuitas. “Ia ao café Pop In tomar o pequeno almoço, eram duas fatias de pão com compota e uma chávena de chá.”. Nas férias de verão ajudava o seu pai: “Ele era colector de excrementos durante a noite. Isto significava que tínhamos que nos levantar muito cedo pela manhã porque o carro de mão tinha de estar longe do centro da cidade antes que os comerciantes e os trabalhadores dos escritórios começassem a trabalhar. Tinha uma pá e um balde de madeira que carregava ao ombro para esvaziar as casas de banho, uma vez esvaziadas outro homem pulverizava-as com desinfectante. Eu costumava conduzir o cavalo e o carro de mão. Nunca lhe foi fornecida roupa de trabalho.”.

Charles Wallace France, um estivador aposentado lembra-se dos seus dias de escola tanto felizes como esfomeados:

Íamos sempre pedir depois da escola fechar e quando estavam a acabar o trabalho, a fábrica de tinta era a mais próxima. Pedíamos por pão que sobrasse depois de terminada a sua função. Um dia um sujeito deu-me uma sanduíche que tinha rebocado com mostarda. A minha boca esteve dolorida nos dias seguintes. Pouco depois de um polícia apanhar a mim e ao meu irmão a pedir, fomos enviados para escolas industriais em partes diferentes do país e nunca mais nos vimos desde então.”

IV: A AGITAÇÃO INDUSTRIAL

O pano de fundo das greves de crianças foi a agitação industrial que eclodia por todo o país meses antes.

O verão de 1911 chegou numa fúria ardente, o que terá dado novas ideias à medida que o brilho do sol entrava pelas comunidades húmidas dos trabalhadores. Foram os marinheiros e os bombeiros em Southampton os primeiros a lançar os foguetes de sinalização vermelhos para o alto dos céus nocturnos e limpos de junho. O brilho vermelho anunciou a vontade dos homens de lutar por mais e melhores salários e condições. A greve rapidamente se alastrou a outros portos, Goole, Hull e Liverpool logo paralisaram. Em Hull a agitação começou com a greve dos marinheiros, à qual os estivadores se juntaram (não se tinham esquecido da forma como os marinheiros os ajudaram em 1893).

Os estivadores de Hull estavam completamente à mercê dos patrões das docas. Havia uma massa de trabalhadores; que quando se apresentavam ao trabalho eram escolhidos na hora por alguém que dizia “tu, tu e tu!”. O mais comum eram os “estivadores de verão”, assim eram chamados (o meu pai foi um). Uma expressão ridícula para se referir a homens que passavam o inverno a trabalhar nos moinhos. Na época de verão juntavam-se na passagem da popa à proa dos navios das docas. Iam de navio em navio esperando serem colocados. Um certo período houve cerca de sete mil pessoas em busca de trabalho nas docas de Hull; mesmo durante as épocas de maior ocupação havia apenas trabalho suficiente para cerca de quatro mil homens. Os estivadores tinham pouca ou nenhuma organização desde que o seu sindicado foi esmagado depois das greves de 1893. Mas em 1911 uma nova liderança havia emergido, homens novos, desejosos e com vontade de lutar e organizar greves juntamente com outras secções da industria dos transportes. Começaram a perceber o quão eficazes se tornavam organizados em tais grupos mas, ao mesmo tempo, também se tornaram mais individualistas. Os estivadores ganharam então reputação por serem duros e militantes. Não eram apenas aquelas figuras monótonas que se vêm nas manhãs enevoadas junto às docas. Os seus irmãos noutros portos haviam vencido a Shipping Federation*, (*Associação de patrões da industria do transporte por via marítima. Formada em 1890 como resposta à greve de 1889 do porto de Londres e aos sucessos da União Nacional de Marinheiros e de vários sindicatos de estivadores. A função primordial desta federação era a coordenação de acções por parte dos patrões contra os sindicatos e greves. N.T.) e agora era a sua vez. Não eram apenas bestas de carga, agora exigiam melhores condições e comodidades. Foi um despertar dos trabalhadores.

Assim que a greve começou em Hull, logo se espalhou a outras classes profissionais, aos faroleiros, aos trabalhadores dos moinhos, aos mensageiros, aos pescadores e aos trabalhadores das serrações. Polícias tiveram que ser deslocados de Birmingham, Leeds e outros quinhentos da força Metropolitana para controlar as multidões de grevistas que cercaram as fábricas na tentativa de envolver todos os homens e todas as mulheres trabalhadoras na luta por melhores condições e salários.

Segunda e terça feira foram dias de relativa calma, os grevistas preocuparam-se principalmente em organizar assembleias e em fortalecer os preparativos para os piquetes. Mas na quarta feira deu-se uma séria e ameaçadora reviravolta. Grandes grupos de grevistas visitaram vários espaços de trabalho e, na maioria dos casos, foram bem sucedidos em trazer para fora os trabalhadores.

Os moinhos de farinha Rank* (foi uma empresa ligada ao negócio alimentar, detentora de várias marcas, em particular de farinha N.T.) foram visitados e depois dos trabalhadores saírem os moinhos fecharam. Aqui, os trabalhadores exigiram um aumento de 2.6 pence por semana. A partir dos moinhos Rank, um grande número de homens, estimado entre 3000 e 5000, visitaram Reckitt’s* (*negócio ligado aos produtos de limpeza, teve origem em Hull quando o seu fundador Isaac Reckit alugou um moinho para produção de amido) em Damson Lane mas aí falharam em induzir os trabalhadores de lá a juntarem-se. Houve então confrontos com a polícia e infelizmente houve feridos.[79]

Quando Askwith, o Conciliador do Ministério do Comércio Industrial chegou a Hull deparou-se com uma cidade em tumulto. Os patrões locais não conseguiam negociar com os novos líderes. As ofertas iniciais feitas pelos donos dos navios aos marinheiros foram consideradas inadequadas por outros grevistas que se indignaram ao saber que os patrões sugeriram que os marinheiros voltassem ao trabalho até novas negociações. Askwith que havia estado em Hull por duas vezes para negociar com os pescadores de barco de arrasto pensou que conhecia estes homens, no entanto foi isto que encontrou:

Alcançou-se uma decisão. Esta deveria ser proclamada à população. Estimava-se estarem presentes 15 000 pessoas quando os líderes começaram as suas declarações. Eles anunciaram a decisão; e, antes de chegar a minha vez de falar, explodem enraivecidos gritos de “Não!” e “Vamos pegar fogo às docas!” [80]

No seu livro, Industrial Problems and Disputes, Askwith relata ter ouvido um membro do conselho da cidade dizer que tinha estado em Paris durante a Comuna mas que nunca havia visto nada parecido; ele não sabia haver gente assim em Hull – “as mulheres meio despidas, com o cabelo a esvoaçar enquanto dançavam, esmagavam e destruíam pelas ruas afora.”

As mulheres em Hull sempre foram proeminentes nas greves. Penso que se não fosse pelas mulheres de Hull não teria havido tantas mudanças. As mulheres insistiam sempre para que os homens entrassem em greve, qualquer que fosse o motivo. Uma mulher mais velha disse que “se ele não saísse para a greve eu tinha-o posto na linha!” enquanto falava do seu marido.

A agitação industrial morreu em finais de julho mas uma segunda vaga irrompeu em agosto. Foi o verão mais quente até então registado. As temperaturas chegaram aos 43ºC em alguns lugares. Em junho, a greve afectou toda a industria. Por exemplo, em Manchester não menos que dezoito sindicatos garantiram publicamente que “Não regressavam até que todos estivessem satisfeitos!”. A meio de agosto a agitação alastrou-se aos trabalhadores dos caminhos de ferro, cujos trabalhadores com salários mais baixos revoltaram-se contra os anos de respeitabilidade sindical e obrigaram os directores dos sindicatos de caminhos de ferro a convocar a sua primeira greve nacional. Trabalhadores da área de transportes de todo tipo juntaram-se – carreteiros, condutores de barcos de rio e condutores de autocarro – fortalecendo um movimento antes desorganizado.

A 15 de agosto, o primeiro ministro e o presidente do Ministério de Comércio mostraram sinais de pânico perante a sugestão de que uma greve geral estava iminente. Os jornais nacionais apresentavam manchetes que anunciavam greves atrás de greves afectando os maiores portos do país. Em Liverpool acenderam-se fogueiras nas ruas para impedir o progresso da polícia e dos soldados. Cinco cavalos pertencentes à polícia montada tiveram de ser abatidos devido a ferimentos. Donos de navios declararam lock-out e depois de sérios confrontos entre grevistas e polícia, o Departamento de Guerra tomou conta da cidade. [81]

Contudo, em setembro, as pessoas já voltavam à normalidade quando, de repente, as crianças abandonam as salas de aula e tomaram as ruas carregando armas, cartazes e a gritar “Estamos em greve, quem se junta a nós?”.

Os locais onde as crianças entraram em greve foram aqueles mais afectados pelos distúrbios durante a agitação industrial. Em Llanelly, por exemplo, onde houve a primeira greve de crianças, dois homens foram mortos pelas tropas durante as greves de agosto. Posteriormente, o chefe da polícia de Carmarthenshire emitiu um relatório telegráfico ao primeiro ministro como se segue:

Ataque efectuado a partir de ambos os lados da linha a um comboio que passava pela estação de Llanelly sob protecção militar. As tropas sob o comando do major Stuart logo se posicionaram, seguidas de três magistrados. As tropas foram atacadas de ambos os lados, foram lançadas pedras e outros objectos. Um soldado foi retirado com um ferimento na cabeça e outro foi atingido. Leu-se a Lei do Motim. O major Stuart sobre a barricada tentou acalmar a multidão. O apedrejamento continuou e as tropas eram desafiadas pela multidão. Dispararam-se tiros de aviso. [Este último relato, como um inquérito subsequente veio a provar, era falso. Dispararam uma metralhadora por engano.] Não surtiu efeito, a atitude da multidão era determinada e ameaçadora. Outros tiros foram disparados, duas pessoas morreram, uma ficou ferida, a multidão dispersou.” [82]

Em Hull, as escolas mais afectadas pelas greves de crianças foram as da zona este da cidade – onde as greves de junho e julho foram mais generalizadas. As crianças em greve imitavam – ou assim aprenderam com – os mais velhos.

Da minha perspectiva, as crianças, durante todo o verão quente de 1911, ouviram em casa toda a conversa sobre greves. Depois tiveram a oportunidade de elas próprias entrar em greve e exprimir os sentimentos reprimidos colectivamente. À medida que a greve se alastrava de cidade em cidade, as crianças começaram a organizar piquetes e assembleias e, assim como os mais velhos fizeram, também atacaram quem não participava, os “blacklegs” e “scabs”. (termos utilizados para os fura-greves) Viram nas manifestações nas ruas uma forma de se exprimirem. Não havia autoridade que os impedisse de marchar pelas ruas e de carregar cartazes. Estavam bastante alegres ao fazerem isso. As crianças podem não ter percebido a seriedade da greve ao verem os seus pais carregarem faixas que custavam mais do que eles podiam ganhar em dois ou três anos.

V: LIBERDADE EM PÉS DESCALÇOS

Depois de acabar a pesquisa em Colindale fiquei com a sensação de que algo faltava dos relatos dos jornais. É difícil imaginar ou reconstruir como estas crianças se organizavam durante as aulas. A sua maioria provinha de famílias pobres e eram simplesmente descritas como sendo da “classe ociosa” ou crianças das zonas “pobres” da cidade. As suas aulas consistiam em horas gastas em repetições de tabelas numéricas e versos. A individualidade era reprimida por professores sem imaginação que, obviamente, tratavam as crianças como seres inferiores devido à sua proveniência social.

A greve foi um veículo através do qual expressaram os seus sentimentos de forma enérgica, ou o que mais seria? Talvez, no momento, pensassem que as greves pudessem resolver tudo, mas só então aprenderam o quão difícil é mantê-las.

Como é que as crianças se lembraram disto? Algumas horas de liberdade a fazer exactamente aquilo que queriam? Buscavam sensações? As fotografias mostram caras felizes e sorridentes e sinais óbvios de que se estavam a divertir, independentemente das consequências que teriam que enfrentar quando regressassem à escola. Apesar dos jornais serem preconceituosos nos seus relatos, descreveram factualmente os comportamentos das crianças durante os protestos, alguns bastante notáveis.

Em Sunderland, as crianças (todas elas descalças) carregavam um enorme ramo de árvore, o qual, julgava o jornal Illustrated Chronicle, parecia ter algum significado místico. [83] Alunos em Pollokshaws, em Glasgow, também marcharam pelas ruas com ramos de árvores e “a bater em latas”. [84] Tal como em Airdrie, onde centenas de crianças tomaram as ruas a soprar em apitos e a bater em latas; e em Southampton onde formaram bandas de coros vocais enquanto batiam numa grande banheira de metal. Os estudantes de Manchester também participaram desta forma: “Em grande número juntaram-se na vizinhança da estação de caminhos de ferro de Oldham-road, onde tamborilaram ao vivo na vedação de madeira e nas placas de publicidade metálicas.”. [85]

Nas áreas industriais, usaram giz no pavimento e nas paredes em redor da escola para proclamar as suas exigências. Usavam formas de agitação mais directa quando outros alunos se recusavam a apoiar a greve. Em casos extremos os “estudantes leais” eram agredidos com paus e a polícia chamada para proteger a propriedade escolar. Aos professores eram entregues panfletos a exigir a abolição da vara. Em Bray, Co. Wicklow, os professores receberam um ultimato exigindo menos horas de aulas e mais tempo livre. Quando isto foi recusado os rapazes saíram da escola e foram para as ruas a cantar e a soprar os seus apitos de metal com intervalos para gritar “Marcha, marcha, os rapazes estão em marcha” e “Junta-te e segue-me” (a canção favorita durantes as greves por todo o país). [86] As atitudes das crianças face às autoridades escolares pelo país diferiam entre a completa rendição perante a aparição do director e o apedrejamento e agressão de qualquer pessoa que parecesse representar autoridade e disciplina.

Longe das salas de aula, as alegres crianças começaram a expressar-se de diferentes formas. Para algumas isto seria um “teatro de rua” e para outras a sensação de felicidade era tanta que as motivava a agir como um agitador de portão de fábrica ou um agitador de rua.

Para os colunistas eram apenas “Ignorantes”; “a classe ociosa”; “as crianças das zonas pobres”. Esta atitude demonstra como as classes respeitáveis viam as crianças. Por todo o país as crianças começaram a mostrar originalidade e independência. Nem todas as manifestações foram violentas. Em Hartlepool os rapazes foram caminhar para a praia e fizeram um piquenique, aproveitando o esplêndido tempo de verão. Em outros locais foram nadar ou simplesmente sentavam-se a discutir diferentes assuntos; brincavam aos soldados e marchavam; alguns cantavam canções patrióticas. Em Northampton os grevistas foram apanhar amoras. Entreteram-se a fazer a sua própria música para as letras das canções. Estas crianças, apesar da sufocante escolarização, mostraram que as suas mentes não haviam sido dominadas pelo cinzentismo das salas de aula. Ainda tinham imaginação e ideias como as cores de uma caixa de tintas.

[1] Hull Daily News, 13 set. 1911.

[2] Ibid., 12 set. 1911.

[3] Hull Daily News, 13 set. 1911.

[4] Ibid., 12 set. 1911.

[5] Western Weekly Mercury, 9 set. 1911.

[6] Llanelly Mercury, 7 set. 1911.

[7] Ibid.

[8] Northern Daily Mail, 9 set. 1911.

[9] Northern Daily Telegraph, 9 set. 1911.

[10] Northern Daily Telegraph, 9 set. 1911.

[11] Birmingham Daily Mail, 14 set. 1911.

[12] Northern Daily Telegraph, 13 set. 1911.

[13] Hull Daily News, 16 set. 1911.

[14] South Wales Daily Post, 12 set. 1911.

[15] School Government Chronicle, 16 set. 1911.

[16] The Greenock Telegraph, 19 set. 1911.

[17] Northern Daily Mail, 15 set. 1911.

[18] The Illustrated Chronicle, 15 set. 1911.

[19] The Times, 13 set. 1911.

[20] Northern Daily Telegraph, 15 set. 1911.

[21] The Star, London, 12 set. 1911.

[22] Birmingham Daily Mail, 13 set. 1911.

[23] The Weekly Express, 15 set. 1911.

[24] Northern Daily Mail, 15 set. 1911.

[25] Ibid., 12 set. 1911.

[26] Birmingham Daily Mail, 13 set. 1911.

[27] Paisley Daily Express, 15 set. 1911.

[28] Northern Daily Telegraph, 13 set. 1911.

[29] The Greenock Telegraph, 16 set. 1911.

[30] Lancashire Daily Post, 14 set. 1911.

[31] Northern Daily Mail, 14 set. 1911.

[32] Ibid., 16 set. 1911.

[33] South Wales Daily Post, 7 set. 1911.

[34] Referência perdida.

[35] Birmingham Daily Mail, 14 set. 1911.

[36] Grimsby and County Times, 8 set. 1911.

[37] Northern Daily Mail, 14 set. 1911.

[38] Northern Daily Telegraph, 13 set. 1911.

[39] The Lancashire Daily Post, 13 set. 1911.

[40] Birmingham Daily Mail, 13 set. 1911.

[41] The Times, 14 set. 1911.

[42] The Greenock Telegraph, 15 set. 1911.

[43] Ibid.

[44] The Observer, 15 set. 1911.

[45] The Leicester Mail, 14 set. 1911.

[46] The Evening Reporter, 13 set. 1911.

[47] The Herald, 13 set. 1911.

[48] The Times, 14 set. 1911.

[49] The Lancashire Daily Post, 15 set. 1911.

[50] The Star, 12 set. 1911.

[51] Northern Daily Telegraph, 12 set. 1911.

[52] The Liverpool Daily Post and Mercury, 14 set. 1911.

[53] The Times, 15 set. 1911.

[54] Hull Daily News, 12 set. 1911.

[55] Western Weekly Mercury, 9 set. 1911.

[56] The Illustrated Western Weekly News, 16 set. 1911.

[57] The Irish Times, 15 set. 1911.

[58] The Illustrated Chronicle, 13 set. 1911.

[59] The Independent, 15 set. 1911.

[60] Northern Daily Telegraph, 13 set. 1911.

[61] Hull Daily News, 13 set. 1911.

[62] The Hampshire Advertiser, 16 set. 1911.

[63] The Times, 15 set. 1911.

[64] The Greenock Telegraph, 16 set. 1911.

[65] The Times, 14 set. 1911.

[66] Birmingham Daily Mail, 14 set. 1911.

[67] The Irish Times, 15 set. 1911.

[68] The Weekly Express, 15 set. 1911.

[69] The Hampshire Advertiser, 16 set. 1911.

[70] Paisley Daily Express, 15 set. 1911.

[71] Bob Stewart, Breaking the Fetters, London, 1967, p. 13.

[72] Ibid, p. 14.

[73] L. K. Phillips, The Ragged Edge, p. 70.

[74] Hull Daily News, 13 set. 1911.

[75] Birmingham Daily Mail, 13 set. 1911.

[76] The Times, 13 set. 1911.

[77] Liverpool Daily Post, 14 set. 1911.

[78] L. K. Phillips, The Ragged Edge, p. 7.

[79] The Daily Mail, 1 jul. 1911.

[80] G. R. Askwith, Industrial Problems and Disputes, London, 1920, p. 150.

[81] The Star, 15 ago. 1911.

[82] George Dangerfield, The Strange Death of Liberal England, 1910-1914, London, 1961 ed., p. 269.

[83] The Illustrated Chronicle, 15 set. 1911.

[84] Greenock Telegraph, 15 set. 1911.

[85] The Herald, 16 set. 1911.

[86] Northern Daily Telegraph, 20 set. 1911.