David Graeber
Occupy e o presente anarquista a democracia
Occupy e o presente anarquista a democracia
Como a história dos movimentos passados tem deixado claro, nada assusta mais aqueles que governam a América que o perigo do surgimento da verdadeira democracia. Como nós conseguimos ver em Chicago, Portland, Oakland e atualmente na cidade de Nova York, a resposta imediata até para uma modesta faísca de uma desobediência civil democraticamente organizada é a desorientada combinação de conceções e brutalidade. Nossos governantes, de qualquer forma, observam o trabalho sobre um doloroso medo de que caso qualquer número significativo de americanos descubram o que o anarquismo realmente é, eles possam decidir que regras de qualquer tipo são desnecessárias.
Quase toda vez que eu estou sendo entrevistado por um jornalista de mídia convencional sobre o OWS (Occupy Wall Street, ou Ocupe Wall Street em tradução livre), eu recebo alguma variação da mesma observação:
“Como você vai conseguir chegar a qualquer canto se você se recusa a criar uma estrutura com lideranças ou fazer uma lista de demandas práticas? E qual é a dessa besteirada anarquista - o consenso, esses “dedos brilhantes”¹...? Você nunca vai conseguir chegar nos americanos comuns com esse tipo de coisa!”
É difícil imaginar um conselho pior. Afinal de contas, desde 2007, todas as tentativas prévias para conseguir criar um movimento nacional contra Wall Street tomou exatamente o curso que tais pessoas teriam recomendado - e falharam miseravelmente. Foi somente quando um pequeno grupo de anarquistas em Nova York decidiram adotar uma abordagem oposta a essa - recusando a reconhecer a legitimidade das autoridades políticas existentes ao fazer demandas a elas; recusando a aceitar a legitimidade da ordem legal existente ao ocupar o espaço público sem pedir por permissão, recusando eleger líderes quando eles podem ser corrompidos ou cooptados; declarando, embora não violentamente, que o sistema inteiro era corrupto e eles rejeitavam isso; estarem dispostos a se manterem firmes contra a inevitável e violenta resposta do estado - que centenas de milhares de Americanos de Portland até Tuscaloosa começaram a se juntar em apoio, e a maioria declarou suas simpatias.
Esta não é a primeira vez que um movimento baseado fundamentalmente em princípios anarquistas - ação direta[1], democracia direta, rejeição as instituições políticas existentes e a tentativa de criar alternativas a essas - têm surgido no movimento de direitos civis (ao menos, os galhos mais radicais), o movimento anti-nuclear, o movimento de justiça global … Todas tomaram direções similares. Nunca, apesar disso, alguma conseguiu crescer de modo tão surpreendentemente rápido.
Para entendermos o motivo, devemos entender que sempre houve uma distância enorme entre o que aqueles que governam a América entendem por “democracia”, e o que o termo significa para quase todo o resto. De acordo com a versão oficial, é claro, a “democracia” é um sistema criado pelos pais fundadores, baseados nos pesos e contrapesos entre presidência, congresso e judiciário. Na verdade, em lugar algum da declaração de independência ou na constituição é dito alguma coisa sobre os EUA serem uma “democracia”. Muitos definem democracia como um coletivo governo autônomo feito através de assembleias populares, e assim sendo, eles se tornam completamente contra isso, argumentando que isto seria prejudicial aos interesses das minorias ( a particular minoria que eles têm em mente são serem ricos). Eles somente vieram a redefinir suas próprias repúblicas - tomadas não Atenas como modelo, mas sim Roma - como uma “democracia” pois americanos comuns aparentam gostar bastante dessa palavra.
Mas o que os americanos comuns queriam, e o que eles querem dizer pelo termo? Um sistema na qual eles podem definir quais políticos vão atuar no governo? Isto é o que nos falam sempre, mas isto parece implausível. Afinal de contas, a maioria dos americanos detestam políticos, e tendem a serem bastante céticos sobre a própria ideia de governo. Se todos eles segurarem isto como um ideal político, só pode ser porque o povo americano ainda vê isto, embora vagamente, como autogoverno - como os pais fundadores tendiam a denunciar seja como “democracia” ou, como eles às vezes também falavam, “anarquia”.
Se não houver mais nada, isto deve ajudar a explicar o entusiasmo pela qual americanos têm abraçado um movimento baseado em princípios democráticos diretos, apesar da rejeição uniformemente insolente da mídia americana e a classe política. Muitos americanos estão, profundamente e politicamente, em conflito. Eles tendem a combinar uma grande referência à liberdade com uma cuidadosa identificação, inculcada porém real, com o exército e a polícia. Poucos são verdadeiros anarquistas; mesmo aqueles que sabem o que “anarquismo” significa. Não está claro quantos deles desejam em última análise descartar o estado e o capitalismo inteiramente.
Mas uma coisa na qual um número exorbitante de americanos sente é de que existe algo terrivelmente errado com o país deles, que as principais instituições são controladas por uma elite arrogante e que uma mudança radical de muitas dessas instituições vem demorando muito para acontecer. Eles estão certos, é difícil imaginar um sistema político tão sistematicamente corrupto - um onde o suborno, em qualquer nível, conseguiu se tornar completamente legal. A fúria é apropriada. O problema era que, até o dia 17 de setembro, o único lado do espectro pronto a propor soluções radicais de qualquer tipo era a direita. Mas o Occupy Wall Street tem mudado isto: a democracia vem emergindo.
[1] No movimento Occupy Wall Street, foram criados meios de interação baseados em gestos, para tomar certas decisões na rua sem para isso emitir sons.