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Deric Shannon e J. Rogue
Recusando-se a esperar
Anarquismo e Interseccionalidade
Recusando-se a Esperar: Anarquismo e Interseccionalidade
Por que Interseccionalidade? Como chegamos aqui
Visões concorrentes na “Segunda Onda”
E o Que o Anarquismo Pode Fornecer à Teoria da Interseccionalidade?
Recusando-se a Esperar: Anarquismo e Interseccionalidade
“Sem justiça não pode haver amor.” – bell hooks
O Anarquismo pode aprender muito com o movimento feminista. Em muitos sentidos ele já tem aprendido. Anarca-feministas têm desenvolvido análises do Patriarcado que o relacionam com a forma do Estado. Nós aprendemos com o slogan que “o pessoal é político” (por exemplo, homens que defendem a igualdade entre todos os gêneros devem tratar mulheres em suas vidas com dignidade e respeito). Nós aprendemos que nenhum projeto revolucionário pode ser completo enquanto homens sistematicamente dominarem e explorarem mulheres; que o socialismo é antes um objetivo vazio – mesmo se ele for “sem Estado” – se a dominação das mulheres pelos homens é deixada intacta.
Esse ensaio argumenta que anarquistas podem igualmente aprender com a teoria da “interseccionalidade”, que emergiu do movimento feminista. Na realidade, concepções anarquistas da luta de classes foram ampliadas como resultado da ascensão dos movimentos feministas, movimentos pelos direitos civis, movimentos de libertação gay e lésbicos (e talvez, mais atualmente, os movimentos queer), movimentos pelos direitos de deficientes, etc. Mas como nós nos posicionamos considerando essas lutas? Qual é a relação delas com a luta de classes que fortalece a luta pelo socialismo? Nós as dispensamos como “meras identidades políticas” que obscurecem ao invés de clarearem a tarefa histórica da classe trabalhadora? Se não, como podem anarquistas incluir seus interesses em nossa ação e teoria política?
Por que Interseccionalidade? Como chegamos aqui
Várias pessoas situam o início do movimento feminista nos EUA com a luta das mulheres para obter o voto. Esse foco no eleitoralismo foi criticado pela sua limitação por várias mulheres radicais da virada do século. Afinal de contas, o que o voto proporcionou para as mulheres da classe trabalhadora? Como poderia a votação em um novo conjunto de governantes colocar comida em suas bocas e nas de suas famílias? Na verdade, várias mulheres radicais desse período recusaram-se a se identificar como “feministas”, pois viam o feminismo como um movimento de mulheres burguesas desinteressadas com a luta de classes (para uma interessante discussão nesse contexto do anarco-sindicalismo espanhol do início dos 1900s, veja Ackelsberg 2005: 118–119 e 123–124). De fato, várias mulheres da classe trabalhadora viram suas contemporâneas feministas como estando em aliança “com todas as forças que têm sido as mais determinantes inimigas das pessoas trabalhadoras, dos/as pobres e deserdados/as” – isso é, elas viam o inicial movimento feminista como um puro movimento de mulheres burguesas que não tinham soluções para a pervasiva pobreza e exploração inerente da experiência da classe trabalhadora numa sociedade classista (Parker 2001:125).
Anarquistas desse período, em contrapartida, às vezes antecipavam alguns dos argumentos para sair do movimento feminista no tocante à interseccionalidade. Nós argumentamos contra o reducionismo de classe que frequentemente ocorria dentro do amplo milieu socialista. Anarquistas incipientes estavam escrevendo sobre questões como prostituição e tráfico sexual (Goldman 2001), esterilizações forçadas (Kropotkin 2001), e casamento (de Cleyre 2004 e 2001) para ampliar a crítica anarquista da hierarquia com o objetivo de dar interesse crítico às questões das mulheres em seus direitos, enquanto também articulavam uma visão socialista de um futuro cooperativo e uma sociedade sem classes. Vários desses trabalhos iniciais demonstraram conexões entre a opressão de mulheres e a exploração da classe trabalhadora. A recusa de várias mulheres da classe trabalhadora para unirem-se a suas contemporâneas “feministas” igualmente demonstrou alguns dos problemas de um feminismo universalizado baseado em identidade que via a opressão das mulheres como uma hierarquia que podia ser combatida sem também impugnar o capitalismo.
Isso não quer dizer que anarquistas não fossem às vezes reducionistas. Infelizmente, vários homens anarquistas desconsideraram as preocupações das mulheres. Parte do motivo que o Mujeres Libres enxergou uma necessidade de uma organização separada de mulheres durante a Guerra Civil Espanhola foi porque “vários anarquistas trataram a questão da subordinação das mulheres como, na melhor das hipóteses, secundária à emancipação de trabalhadores, um problema que seria resolvido no dia seguinte à revolução” (Ackelsberg 2005:38). Infelizmente, em alguns contextos, essa atitude não é uma excentricidade histórica, embora devesse ser. E foram esses tipos de pressupostos que se tornaram um importante pano de fundo teórico para o feminismo da “Segunda Onda”.
Visões concorrentes na “Segunda Onda”
Durante o final dos anos 60 até o início dos 80, nova formas de feminismo começaram a emergir. Diversas feministas pareciam gravitar em torno de quatro teorias concorrentes com inúmeras e diferentes explicações para a opressão das mulheres.
Assim como suas históricas antecessoras burguesas, feministas liberais não viram necessidade de uma ruptura revolucionária com a sociedade existente. Em vez disso, seu foco foi no rompimento do “teto de vidro”, obtendo mais mulheres em posições de poder político e econômico. Feministas liberais presumiam que as disposições institucionais existentes eram fundamentalmente não-problemáticas. Sua tarefa era a de ver a igualdade das mulheres acomodadas sob o capitalismo.
Outra teoria, às vezes referida como feminismo radical, defende abandonar a “Esquerda masculina”, porque era vista como irremediavelmente reducionista. De fato, muitas mulheres saídas do movimento pelos Direitos Civis e do movimento antiguerra queixaram-se do penetrante sexismo no interior dos movimentos, sendo relegadas a tarefas secretas, flertando com líderes masculinos, e de uma generalizada alienação das políticas esquerdistas. Segundo várias feministas radicais do período, isso era devido à supremacia do sistema do Patriarcado – ou a sistemática e institucionalizada dominação das mulheres pelos homens. Para essas feministas, a luta contra o Patriarcado era a primeira luta para criar uma sociedade livre, como o gênero era nossa mais arraigada e antiga hierarquia (veja especialmente Firestone 1970).
Feministas Marxistas, em contrapartida, tendiam a localizar a opressão das mulheres no interior da esfera econômica. A luta contra o capitalismo era vista como a batalha “primária”, porque “A história de todas as sociedades existentes até agora é a história de uma luta de classes” – isso é, a história humana poderia ser reduzida à classe (Marx e Engels 1967).
Mais adiante, feministas Marxistas tendiam a acreditar que a “base” econômica da sociedade possuía um efeito determinante em suas “superestruturas” culturais. Assim, a única maneira de atingir a igualdade entre mulheres e homens seria o rompimento do capitalismo – dessa forma, novas e igualitárias disposições econômicas dariam a ascensão para superestruturas novas e igualitárias. Tal era a natureza determinante da base econômica.
Fora das conversações entre feministas Marxistas e feministas radicais, outra abordagem emergiu sob o nome “teoria dual dos sistemas” (veja, por exemplo, Hartmann 1981; Young 1981). Um produto do que viria a ser apelidado feminismo socialista, a teoria dual dos sistemas argumentou que feministas necessitavam desenvolver “uma consideração teórica que dá tanto peso ao sistema do Patriarcado como ao sistema do capitalismo” (Young 1981: 44). Enquanto essa abordagem fez muito para resolver alguns dos argumentos sobre qual luta deveria ser “primária” (ou seja, a luta contra o capitalismo ou a luta contra o patriarcado), ela ainda deixou muito a desejar. Por exemplo, feministas negras argumentaram que essa perspectiva desconsiderava a análise estrutural da raça (Joseph 1981). Além disso, onde estava nessa análise a opressão baseada em sexualidade, habilidade, idade, etc.? Eram todas essas coisas reduzíveis ao capitalismo patriarcal?
É no interior desse pano de fundo teórico que a interseccionalidade emergiu. Porém não eram somente a abstração e a teoria que levaram a esses insights. Como mencionado anteriormente, parte da razão pela qual feministas viram a necessidade de uma análise separada do Patriarcado como uma forma sistêmica da opressão era devido a suas experiências com a ampla Esquerda. Sem uma análise do Patriarcado que o coloca em pé de igualdade com o capitalismo como um sistema de organização em nossas vidas, não havia uma resposta adequada a líderes masculinos que sugeriam que nós lidássemos com a opressão das mulheres depois de lidar com a “primária” ou “mais importante” luta de classes.
Mas essas tensões não eram limitadas pela Esquerda, elas também existiam no interior do movimento feminista. Talvez um dos melhores exemplos disso fosse no movimento pró-escolha nos Estados Unidos. Antes de Roe versus Wade em 1973, a lei do aborto era considerada uma questão a ser lidada em uma base estado-por-estado. Feministas mobilizaram em torno a Roe versus Wade para permitir que o aborto legal fosse garantido em todo o país. A decisão afinal deu garantias legais ao aborto até o segundo trimestre, mas a retórica da “opção” e “legalização” foi deixada demasiadamente não-declarada para muitas feministas.
E essa experiência estabeleceu o palco para repensar a ideia de uma experiência de “feminilidade” universalizada, monolítica, como é frequentemente expressada nas tradicionais identidades políticas. Feministas negras e womanists, por exemplo, argumentaram que focar somente na legalização do aborto obscurecia as maneiras que mulheres negras nos Estados Unidos foram submetidas a esterilizações forçadas e tinham o direto de ter filhos/as frequentemente negado (veja Roberts 1997). Além disso, mulheres da classe trabalhadora argumentavam que a “escolha” legalizada é muito inexpressiva sem o socialismo; ter o aborto legal, mas inacessível, não constituía exatamente em uma “escolha”. A verdadeira liberdade reprodutiva significava algo maior que somente o aborto legal para mulheres da classe trabalhadora. Muitas quiseram ter filhos/as, mas simplesmente não conseguiam proporcionar sua criação; algumas queriam uma mudança nas normas culturais e nas maneiras da sociedade que julgava as decisões que as mulheres faziam sobre seus corpos; outras queriam proximidade a clínicas para saúde reprodutiva – em suma, uma estrutura de “liberdade reprodutiva” levaria em conta os interesses de todas as mulheres, não somente estar estruturada ao redor dos interesses de mulheres brancas, heterossexuais, de classe média (o defeito aparente do movimento “pró-escolha”).
Intersecções
Essas experiências no interior do movimento feminista e da ampla Esquerda provocaram muitas perguntas para feministas. Como nós criamos um movimento que não é focado ao redor de interesses de seus mais elementos mais privilegiados? Como nós conservamos nosso compromisso com o socialismo sem estarmos sendo subsumidos/as a uma política que vê as questões das mulheres como “secundárias”? Como deve parecer uma organização política baseada em um compromisso comum em acabar com a dominação ao invés de uma assumida experiência comum baseada em uma única identidade? Essas perguntas começaram a ser amplamente respondidas por feministas de cor, queers e sex-radicals com a teoria da interseccionalidade – uma teoria que era crítica da classe tradicional e das identidades políticas (veja especialmente, por exemplo, hooks 2000; Collins 2000).
A interseccionalidade coloca que nossas posições sociais em termos de raça, classe, gênero, sexualidade, nação de origem, habilidade, idade, etc. não são facilmente analisadas fora uma da outra. Falar sobre uma experiência universal como “mulher”, por exemplo, é problemático porque “feminilidade” é experimentada de forma consideravelmente diferente baseada em raça, classe, sexualidade – quaisquer números de fatores. Como tal, um movimento feminista não-reflexivo centrado ostensivamente nas questões de “mulheres” tende a refletir os interesses dos membros mais privilegiados de uma categoria social.
Também, nossas variadas posições sociais e hierarquias que as informam se cruzam de maneiras complexas e não são facilmente separáveis. Pessoas não existem como “mulheres”, “homens”, “brancos/as”, “da classe trabalhadora”, etc. num vácuo desprovido de outras padronizadas relações sociais. Ainda, esses sistemas de exploração e opressão funcionam de maneiras únicas. Para citar dois exemplos bastante óbvios, classe é uma relação social baseada na exploração do trabalho de alguém. Como socialistas, nós almejamos a abolição das classes, não o fim do elitismo de classe sob o capitalismo. Isso torna a classe única. Similarmente, a ideia de uma “orientação sexual” desenvolvida nos 1800s com a invenção do “homossexual” como uma espécie de pessoa. Isso efetivamente criou uma identidade fora das escolhas preferidas de gênero em parceiros/as sexuais, mais ou menos ignorando a miríade de outras maneiras que as pessoas organizam sua sexualidade (ou seja, número de parceiros/as, atos sexuais preferidos, etc.). Isso também efetivamente limitou a identidade sexual em três categorias: hetero, homo, e bi – como se não pudesse existir um grande alcance de atrações e variedade no interior da humanidade. Parte da libertação baseada na sexualidade está dificultando essas categorias para promover uma viável existência sexual/social para todos/as. Isso faz a sexualidade, igualmente, única.
Essas desigualdades estruturadas e hierarquias informam e apoiam uma à outra. Por exemplo, o trabalho de mulheres que estão tendo filhos/as e criando-os/as fornece novos corpos para a ampla fábrica social que permite que o capitalismo continue. A supremacia branca e o racismo permitem o controle de capitalistas sobre um segmento do mercado de trabalho que pode servir como estoque de mão de obra barata. Heterossexualidade compulsória permite o policiamento da forma de família patriarcal, fortalecendo o patriarcado e a dominância masculina. E todas essas formas estruturadas de desigualdade adicionam à crença niilista que a institucionalização hierárquica é inevitável e que os movimentos de libertação são baseados em sonhos utópicos.
Proponentes da interseccionalidade, então, argumentam que todas as lutas contra a dominação são componentes necessários para a criação de uma sociedade libertadora. É desnecessária a criação de um totem de importância fora das lutas e sugerir que algumas são “primárias” enquanto outras são “secundárias” ou “periféricas” por causa das maneiras completas que elas se interseccionam e informam umas às outras. Além disso, a história nos mostrou que esse método de ranquear opressões é divisivo e desnecessário – e pior, ele enfraquece a solidariedade. Também, enquanto organizando e desenvolvendo a política prática, nós podemos, auto-refletindo, mover as margens para o centro das nossas análises para evitar as propensões do privilégio que têm historicamente levado a tantas divisões no feminismo e na Esquerda.
Um bom exemplo contemporâneo da interseccionalidade nesse contexto de prática do movimento social é Incite! Women of Color Against Violence.[1] Incite! “é uma organização ativista nacional de feministas radicais de cor aconselhando um movimento para acabar com a violência contra as mulheres de cor e nossas comunidades através da ação direta, diálogo crítico e organização popular” (Incite! 2009). Uma razão pela qual Incite! Destaca-se contra outras organizações antiviolência é sua análise sistêmica. Elas veem mulheres de cor que têm vivenciado violência como vivendo em “intersecções perigosas” da supremacia branca, patriarcado, capitalismo, e outras estruturas opressivas e instituições. Ao invés de simplesmente reduzir as experiências ao individual, elas reconhecem os sistemas que oprimem e exploram pessoas e têm estruturado sua abordagem em tal modo que clamam pela “recentralização” de pessoas marginalizadas, ao contrário a um método de “inclusão” baseado em uma única identidade ou localização social. Incite! argumenta que a “inclusão” simplesmente adiciona um componente multicultural à organização individualista branco-dominante tão comum nos Estados Unidos. Ao invés disso, elas clamam pela recentralização da armação ao redor das pessoas mais marginalizadas. Esse impulso é para assegurar que sua organização consigne as necessidades para aqueles/as que historicamente o feminismo negligenciou, com a compreensão de que todas as pessoas se beneficiem com a liberação de seus/suas iguais mais marginalizados/as – enquanto focarem em seus/suas elementos mais privilegiados/as no interior de uma determinada categoria social deixará outros/as para trás (como nos exemplos que demos na luta pelo voto e a legalização do aborto). Incite! faz questão de focar nas necessidades da classe trabalhadora que tem sido geralmente negligenciada (ou seja, trabalhadoras do sexo, encarcerados/as, pessoas trans e usuários/as de drogas injetáveis). Ao centralizar essas pessoas em sua organização, elas estão focando nas pessoas fixadas em intersecções mais perigosas da opressão e exploração, portanto combatendo a completude do sistema e não somente os aspectos mais visíveis ou vantajosos. Adicionalmente, Incite! vê o Estado como o maior perpetuador da violência contra mulheres de cor e busca a construção de organizações populares independente de e contra ele. Anarquistas podem aprender muito com o Incite! sobre a importância de consignar as necessidades de TODAS as seções da classe trabalhadora e sua tentativa de verificar a tendência da Esquerda a ignorar ou dispensar as preocupações, necessidades, ideias e liderança de pessoas vivendo em perigosas intersecções do capitalismo, supremacia branca, patriarcado, etc.
E o Que o Anarquismo Pode Fornecer à Teoria da Interseccionalidade?
Nós firmemente acreditamos que esse processo de aprendizagem é uma via de mão dupla. Isto é, quando sintetizando nossa prática ao incluir essas questões levantadas por feministas, o feminismo poderia se beneficiar da aprendizagem de anarquistas também.
Nós vemos as contribuições de anarquistas à interseccionalidade em duas maiores áreas. Primeiro, o anarquismo pode fornecer uma base radical pela qual criticar interpretações liberais da interseccionalidade. Em segundo lugar, anarquistas podem oferecer uma análise crítica do Estado.
Muito frequentemente pessoas usando uma análise interseccional ignoram a singularidade de vários sistemas de dominação. Um modo pelo qual isso é feito é ao articular uma oposição geral ao classismo. Enquanto nós acreditamos que o elitismo de classe existe, frequentemente essa oposição ao “classismo” não reconhece as qualidades únicas do capitalismo e pode conduzir a uma posição que essencialmente argumenta pelo fim do elitismo de classe sob o capitalismo. Enquanto anarquistas, nós simplesmente não só nos opomos ao elitismo de classe, mas nos opomos também à sociedade de classe em si. Nós não queremos que a classe dominante nos trate melhor sob um sistema baseado em desigualdade e exploração (ou seja, capitalismo). Nós queremos esmagar o capitalismo em pedaços e construir uma nova sociedade na qual as classes não mais existam – isso é, nós lutamos pelo socialismo. Anarquistas, enquanto parte do movimento socialista, estão bem posicionados para criticar essa interpretação liberal da interseccionalidade (veja especialmente Schmidt e van der Walt 2009).
Igualmente, como anarquistas, nós estamos bem posicionados para apresentar nossas críticas ao Estado. O Estado, além de ser um conjunto de instituições específicas (como os tribunais, polícia, corpos políticos como senados, presidentes, etc.), é uma relação social. E o Estado tem uma influência sobre nossas vidas de inúmeras maneiras. Por exemplo, ex-prisioneiros/as são frequentemente não-empregáveis, particularmente se eles/as tiveram cometido crimes. Qualquer pessoa pode simplesmente dar uma olhada de relance na estrutura racial e de classe nas prisões dos EUA para ver como a interseccionalidade pode ser colocada em uso aqui. Ex-prisioneiros/as, trabalhadores/as que são alvo por lutar ou se engajar em ações diretas e/ou desobediência civil, etc. têm todos/as necessidades especiais como sujeitos em uma sociedade que assume governantes políticos e sujeitos passivos, governados. E o Estado tende a mirar conjuntos específicos de trabalhadores baseados em suas existências no interior das perigosas intersecções que mencionamos acima. Anarquistas podem oferecer à teoria da interseccionalidade uma análise dos caminhos pelos quais o Estado surgiu para governar nossas vidas tanto quanto qualquer outro sistema institucionalizado de dominação. E nós podemos, é claro, argumentar pelo desmantelamento de tal disposição e substituí-la por formas sociais não-hierárquicas.
Recusando-se a Esperar
Em muitos aspectos, anarquistas têm historicamente antecipado algumas das ideias da interseccionalidade. Ainda, o anarquismo como filosofia política – e como movimento contra todas as formas de dominação estruturada, coerção e controle – parece bem adaptado para uma prática interseccional. Infelizmente, nós ainda temos discussões debilitantes sobre qual hierarquia é “primária” e sobre qual deva ser priorizada em detrimento de outras. Como nos tempos passados, isso leva à fácil divisão e falta de solidariedade (imagine ser mandado/a a abandonar alguma luta que diretamente envolve VOCÊ pela luta “correta” ou “primária”!). Ainda, o esmagamento de qualquer hierarquia estruturada pode ter um efeito desestabilizador no resto, porque a simples existência de qualquer dessas divisões sociais serve para a naturalização da existência de outras hierarquias.
Nós tentamos aqui explicar a ascensão da teoria da interseccionalidade no interior do feminismo e descrever seus contornos. Talvez mais importante, nós tentamos relacioná-la neste texto com a prática política e lutas do movimento social de modo a evitar a abstração completa e a teorização separada da prática. Nós esperamos que mais anarquistas se familiarizem com a interseccionalidade e coloquem-na em uso positivo para o trabalho político. Finalmente, é de nossa esperança que mais pessoas de grupos marginalizados recusem-se a esperar, assim é que reconhecemos o valor de todas as lutas contra a injustiça e a hierarquia no aqui e agora – e que nós construamos uma prática reflexiva baseada na solidariedade e auxílio mútuo ao invés de prescrições divisivas sobre quais lutas são “primárias” e quais, por extensão, são “secundárias” ou “periféricas”. Antes, elas estão todas relacionadas e nós temos boa razão para nos recusar a esperar até depois “da revolução” para que possamos consigná-las.
Bibliografia
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Collins, Patricia Hill. 2000. Black Feminist Thought: Knowledge, Consciousness, and the Politics of Empowerment. New York: Routledge.
de Cleyre, Voltairine. 2001. “They Who Marry do Ill”. Pp. 103–113 in Anarchy!: An Anthology of Emma Goldman’s Mother Earth, edited by Peter Glassgold. Washington, D.C.: Counterpoint.
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Firestone, Shulamith. 1970. The Dialectic of Sex: The Case for Feminist Revolution. New York: Morrow.
Goldman, Emma. 2001. “The White Slave Traffic”. Pp. 113–120 in Anarchy!: An Anthology of Emma Goldman’s Mother Earth, edited by Peter Glassgold. Washington, D.C.: Counterpoint.
Hartmann, Heidi. 1981. “The Unhappy Marriage of Marxism and Feminism: Towards a More Progressive Union.” in Women and Revolution, by Lydia Sargent (ed.). Boston, MA: South End Press.
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Kropotkin, Peter. 2001. “The Sterilization of the Unfit”. Pp. 120–123 in Anarchy!: An Anthology of Emma Goldman’s Mother Earth, edited by Peter Glassgold. Washington, D.C.: Counterpoint.
Marx, Karl and Friedrich Engels. 1967. The Communist Manifesto. Harmondsworth: Penguin.
Parker, Robert Allerton. 2001. “Feminism in America”. Pp. 124–126 in Anarchy!: An Anthology of Emma Goldman’s Mother Earth, edited by Peter Glassgold. Washington, D.C.: Counterpoint.
Roberts, Dorothy. 1997. Killing the Black Body: Race, Reproduction, and the Meaning of Liberty. New York: Vintage.
Schmidt, M. & van der Walt, L. 2009. Black Flame: The revolutionary class politics of anarchism and syndicalism. Oakland: AK Press.
Young, Iris. 1981. “Beyond the Unhappy Marriage: A Critique of the Dual Systems Theory.” in Women and Revolution, by Lydia Sargent (ed.). Boston, MA: South End Press.
[1] Incite! Mulheres de Cor Contra a Violência. (N. da T.)