Diana Marina Neri Arriaga
Poliamor
“Amor livre? Acaso o amor pode ser outra coisa além de livre? Quando existe amor, a cabana mais pobre se enche de calor, de vida e de alegria; o amor tem o poder mágico de transformar um mendigo em um rei.” - Emma Goldman
“O problema no amor não é tirar a roupa, mas tirar o medo.” - Subcomandante Insurgente Marcos
Nas manifestações sociais em que o amor se desenvolve de forma legalizada, não há vestígios de loucura, de acordos nem de prazeres compartilhados. Sem dúvida, uma sociedade baseada na concentração de poder e no intercâmbio econômico empobrece cada área da vida, aliena e coisifica o ser humano. Mas o impossível também nos ultrapassa, mostra-nos seu rosto aberto, além dos olhos e da razão, além das instituições. O amor pode nos atingir como um espanto, um ato político, uma sucessão de infinitudes absurdas. Como uma elegia em noite de chuva, como um canto, um réquiem, como um vômito repleto de vermes de prazeres.
O amor pode ser uma prisão ou uma libertação. O amor é um tema sobre o qual não se quer falar, mesmo quando se fez dele um fetiche de consumo. Pode-se alcançar o limite do possível? Pergunta aberta onde não se buscam limites nem soluções. Apenas probabilidades, alternativas. E entre os marasmos, resistências e ações coletivas, sobrevive e se desenvolve um projeto libertário: o poliamor. Ou seja, a prática ou a possibilidade de estabelecer relações íntimas, amorosas, sexuais (não necessariamente) estáveis com mais de uma pessoa, em um plano de equidade, mútuo acordo e honestidade entre as partes.
Seus ingredientes? Os mais complexos: honestidade, coletividade, horizontalidade, acordos, consenso, equidade, questionamento de paradigmas, respeito pela liberdade e pela autonomia das outras pessoas. O poliamor é a ressignificação do amor como ação ético-coletiva em que se repensam as bases da convivência humana. Pois, enquanto não se revisarem paralelamente as relações de poder intrínsecas a toda relação intersubjetiva, continuaremos reproduzindo tais relações no campo público.
Uma aposta vital do poliamor tem a ver com a forma de viver e assumir as relações em diversos âmbitos com outras pessoas. Uma busca que transcenda os paradigmas do liberalismo e seus valores, que nos permita o sustento de uma democracia radical e promova um questionamento constante a qualquer forma de sujeição ou alienação das pessoas. Por isso, quando se fala de honestidade, não se trata daquela honestidade forçada, reduzida ao confessionário, mas da qualidade que permite sustentar relações amorosas baseadas na confiança, na entrega, não no poder.
Não foi por acaso que Émile Armand associou o amor à liberdade e à camaradagem amorosa. Para ele, o amor livre só poderia existir fora de qualquer tutela ou constrangimento estatal, religioso, familiar ou vínculo contratual. O projeto poliamoroso se interessa pela liberdade, lealdade e crescimento de cada um de seus participantes. Equidade, não igualdade. Eu sou eu, você é você, mas buscamos a forma de, sem que você deixe de ser você, nem eu deixe de ser eu, agirmos juntos, agirmos em coletivo.
Pense nisso, reconheçamos: algum/a de nós somos poliamorosos e não conseguimos desenvolver isso, comunicá-lo a nossa ou nossas parceiras? Somos realmente honestos/as com os outros e conosco mesmos? Por que não propomos e abrimos o tema com nossa parceira, em um plano de total equidade, tentando descartar aqueles preconceitos e tabus milenares? Os transgressores do amor convencional começamos a construir outro espaço de comunicação, onde interagimos como o caracol, caminhando à velocidade de um molusco, devagarinho mas com certeza, tornando-nos nômades, olhando não só os rostos, mas os desejos. Habitando novas casas do amor onde se faz música e poesia, onde se saboreia o prazer; além de resistir, ressoar e responder.
Mas nossas subversões atuais não apenas sonham e trabalham na libertação das barricadas, mas na nossa própria autoliberação. Erradicar o Estado que nos habita nas ideias e nas ações, esse voraz policial que, como estratégias de controle, já se exerce desde o micro poder, desde os papéis ativo/passivo, desde as relações de namoro e até no momento de seduzir e dar um beijo. A primeira batalha é contra a alienação. O poder não está apenas fora, temos o poder profundamente encarnado.
Como amamos? Como criamos nossas práticas de liberdade? A partir do poliamor, resistimos à expressão unívoca de um corpo heterossexual e à heteronormatividade. Resistimos a um corpo-máquina que marcha com a função reprodutora do sistema. Resistimos a uma forma exclusiva de amar, pensar, sentir, nos relacionar, viver, crescer, desfrutar, estar. Resistimos a uma lógica binária no sexo, no gênero, nas coisas e nas ideias. Resistimos na diferença, na alteridade, reconhecendo-nos como sujeitos políticos em processo de desconstrução. Resistimos no campo dos corpos deliciosamente sujos, onde o que importa é a voragem, a poesia. Resistimos não apenas em utopias, mas na construção de um mundo onde caibam muitos mundos e amores.
Pois não estamos apenas poliamorosos; somos crianças, humanos com capacidades diferentes, indígenas, transexuais, professores, adolescentes dissidentes, mulher com chapéu de anis, camponeses e bissexuais de luva e cachimbo (só para acalmar o frio), ativistas e artistas, feministas e belas loucas. Somos tantos que nossa força pode quebrar, fissurar, romper. Temos equívocos e novas noites de perguntas, temos trabalho e muito amor livre.