#title Federalismo e Centralismo #author Domingos Passos #SORTtopics anarquismo, autonomia, autogestão, classes sociais, luta de classes #date 06/08/1927 #source A PLEBE, nº 257, 06/08/1927. #lang pt #pubdate 2019-09-13T22:00:00 A vida é o resultado da associação natural das forças da natureza. Quando há miríades de séculos, os habitantes do planeta já existentes observavam o espaço ao redor do nosso atual Sol, eles haviam de descobrir uma pequena névoa, girando-lhe ao redor. Com o perpassar monótono do tempo, aquela névoa foi se unindo, congregando, solidificando, até adquirir uma forma que, com os movimentos de rotação e revolução que lhe imprimiam as leis da gravidade e a atração solar, tornou-se redonda e um pouco achatada nas extremidades. A Terra é, portanto, o resultado da associação de forças e elementos diversos. A água é também o resultado da associação de diversos gases, entre eles o oxigênio e o hidrogênio. Os corpos sólidos, líquidos e gasosos são, portanto, o resultado da associação de gases e forças diversas. A vida, enfim, não existiria se a associação não fosse uma verdade. É por isso que nenhuma razão ou lógica assiste aos individualistas ou, mais acertadamente, aos egolatristas. O homem, para não sofrer as sanções da natureza, precisa estudar suas leis, para, com conhecimento de causa, delas poderem auferir o máximo resultado possível. Contra as leis da natureza, a vida tornar-se-ia em sofrimentos, torturas e morte. E a natureza não perdoa nunca. A dor é o látego com que a natureza nos chama atenção para todas as infrações de suas leis. Por ela nos lembramos das necessidades fisiológicas, por ela evitamos o fogo que abreviaria nossa vida, a água que nos asfixiaria pela falta de oxigênio livre para nossos pulmões, etc. Quantos suicídios não tem esse latejo natural evitado que se perpetrassem? Nenhum homem chegaria a velhice se a natureza não estivesse sempre alerta, com a fiscalização da dor, para impedir que o gênero humano desaparecesse. Há tantos momentos nos quais todos os homens se sentem dispostos a desertar da vida, que, apesar dessa sanção, alguns conseguem fazê-lo. É que a mãe Natura quer que a vida seja bem vivida e o mais amplamente possível. A classe trabalhadora quer viver, precisa viver e tem direito a viver. Para isto deve estudar as leis da natureza e segui-las com o máximo conhecimento possível. A lei suprema da natureza é a Harmonia. Os trabalhadores modernos querem a harmonia, para que a vida humana caminhe para a felicidade... Forças diversas formam os elementos, elementos diversos formam as nebulosas, nebulosas diversas evoluem até formar os mundos. Estudando estas forças nos elementos, veremos que elas agem autonomamente e que, apesar de unidas, não perdem a sua autonomia ou sua liberdade. O oxigênio que se uniu ao hidrogênio e hoje formou a água, nada perdeu de sua qualidade, de sua essência a amanhã, naturalmente deixará o seu companheiro e irá alimentar a combustão do organismo de algum peixe, transformado pelas guelras dele, sem que por isso tenha também perdido sua qualidades intrínsecas. É por isso que, querendo viver de acordo com as leis da natureza, os trabalhadores optaram pelo federalismo. Federalismo é uma doutrina que, ao contrário do Centralismo dos políticos e dos sotaina, congregam homens diversos em organismos ou sociedades na federação, sem perda da autonomia societária. Congregam ainda as federações nas confederações e, estas, nas internacionais, mantendo impoluta a autonomia em toda sua plenitude. Nada de escravidão: internacional, confederal, social ou individual. Tal qual as relações existentes entre as constelações solares, os planetas, satélites, cometas, os minerais, os vegetais, os animais, etc. A vida enfim. Suprema harmonia, na qual todos vivendo sua vida própria, concorrem para a vida total... O Centralismo, ao contrário, é a negação da autonomia do indivíduo, colocada nas mãos do presidente ou do presidium ou seu organismo ou partido político. Negação ainda deste partido político ou organismo colocado nas mãos dos chefes da Internacional... Internacional!!!? Não, só erradamente ou mistificadamente pode-se na linguagem centralista falar em federações, confederações e internacionais ou internações. Em centralismo, formado o partido ou seita, os chefes deste partido ou seita dão ordens e todos os seus adeptos cumprem-nas sem hesitação, sem discussão. Haja vista a Igreja Católica Apostólica Romana, a mais formidável organização centralista que o mundo possui. Na igreja, não há federação de católicos da China, França, Portugal ou Brasil. Ela é a Igreja Católica Apostólica Romana em todo o mundo porque o poder da igreja está centralizado nas mãos do Vaticano. Os partidos de atuação religiosa, sabendo o quanto repugna ao povo trabalhador e aos homens pensantes o centralismo, procuram mistificar as suas pretensões com os nomes de federações, confederações e internacionais. A federação e confederação presume-se a reunião de indivíduos livres numa mesma cidade, região ou nação. Internacional é o livre acordo estabelecido por cima das fronteiras ou divisão política dos povos, é enfim, o auxílio mútuo praticado entre nações. Não, camaradas, a única doutrina compatível com o desenvolvimento intelectual e social do século, é a negação da escravidão, o estabelecimento da sociedade livre das peias que o obscurantismo e a ignorância de um lado, e a desenfreada ambição do outro criaram. Unamo-nos, pois, ao redor do rubro pendão do federalismo anárquico, para o estabelecimento de uma sociedade de iguais, onde os chefes, presidiuns e presidentes sejam amargas recordações do passado.