Título: Uma história escamoteada
Fonte: COLOMBO, Eduardo et al. História do movimento operário revolucionário. Tradução: Plínio Augusto Coelho. São Paulo: Imaginário; São Caetano do Sul: IMES, Observatório de Políticas Sociais, 2004. pp. 19-31.

Após os três gloriosos (27, 28 e 29 de julho de 1830), a burguesia pusilânime e seus deputados zelosos para preservar a ordem estabelecida ofereceram ao trono a vitória sobre o povo de Paris; só restava a esses proletários insurretos retornar à sua condição de explorados. “É muito bonito ter feito todo esse povo sair”, dizia Casimir Périer, “será ainda mais belo fazê-lo voltar”[1]. No ano seguinte cabem aos canuts de Lyon revoltar-se, e inscrever em sua bandeira negra as palavras que se tornaram famosas desde então: Viver trabalhando ou morrer combatendo.

As condições de vida da classe trabalhadora eram trágicas nesses primeiros anos que viram o fortalecimento da burguesia industrial, tanto na Inglaterra quanto na França. Mas se pôde dizer que o povo também recebe sempre sua parte: “A miséria se ele se cala, a metralha se ousa se queixar”.

É nessa época, entre a monarquia de Julho e a Revolução de 1848, que nasce na Europa o movimento operário, a partir da tomada de consciência da condição comum da classe explorada para além das fronteiras e dos regimes.

As ideias desenvolveram-se sobre antigas heranças que assumiram novas formulações num novo contexto de lutas. Na Inglaterra, a semente deixada pelos Niveladores do século XVII e pelos radicais frutificava sobre um terreno duplamente sacudido pela Revolução francesa e pela revolução industrial em que quatro tendências tentam se fazer ouvir: “A tradição de Paine e Carlyle; os utilitaristas operários e o Gorgon; os sindicalistas em torno do Trades Newspaper de John Gast; e as múltiplas tendências associadas ao owenismo”. [2]

Na França, a Grande Revolução e 1793 haviam aberto um espaço plebeu ocupado nos anos 30 pelo babouvismo à la Buonarroti, pela propaganda saint-simoniana e pelas ideias fourrieuristas. Um importante número de emigrados – alemães e sobretudo poloneses – estava em contato com os republicanos franceses, e fazia parte das sociedades secretas. A lei relativa à associação, promulgada por Luís Filipe em 1834, era dirigida contra a Sociedade dos direitos do homem, republicana; todavia, também golpeava as organizações operárias. Em Lyon, os operários vão tentar a greve geral para se opor a semelhante lei. Os insurretos de Lyon combaterão durante seis dias, e, em 14 de abril, após a resistência encarniçada da barricada das Gloriettes, a Croix-Rousse cai nas mãos da tropa. Ao mesmo tempo, Thiers, já aí, afoga no sangue a insurreição em Paris[3].

As sociedades revolucionárias florescem em toda a parte, tais como a Sociedade das famílias e a Sociedade das estações na França, compostas essencialmente de operários e dirigidas por Blanqui e Barbès; outras são formadas por exilados e emigrados errando de um país a outro e reencontrando-se na Inglaterra, mais liberal que o continente. Assim, é constituída em Londres, em 1840, por diferentes grupos de refugiados alemães, uma sociedade secreta, ramo do Bund der Gerechten, cujo comitê central permanecia fixado em Paris.

Se o movimento operário organiza-se nesse momento, é porque confluem, para reforçar-se mutuamente, os diferentes aspectos que acabamos de ver:

1. A primeira causa – aquela que está na base dos movimentos de revolta e de sua expressão social e política – é a criação do proletariado urbano, na esteira da revolução industrial e de suas consequências: a mobilidade da mão-de-obra, a instabilidade do trabalho, os salários que mal permitem sobreviver, as 15 horas de trabalho cotidiano, a crise dos pequenos ofícios e os camponeses desenraizados, atraídos para a cidade, que vão criar uma massa disponível necessária à nova indústria.

2. Um outro elemento a considerar é a reação da burguesia industrial ante o desenvolvimento do proletariado urbano, ração de medo diante de toda reivindicação ou tentativa de organização da classe operária, e também repressão violenta pela polícia ou pelo exército se o protesto ou a greve tornasse-se ameaçador para seus interesses. Atitude que contribuirá fortemente a tornar consciente a oposição de classes. É preciso acrescentar o tratamento policial dispensado à miséria. Frégier, chefe de escritório na préfecture[4] do Sena nos anos 40, escreve:

As classes pobres e viciosas sempre foram e sempre serão o viveiro mais produtivo de todos os tipos de malfeitores: são elas que designaremos mais particularmente sob o título de classes perigosas[5].

E Buret, em sua enquête sobre a Misère des classes labourieuses en France et en Angleterre, preocupa-se com esse nomadismo, essa vagabundagem que caracteriza “a população flutuante das cidades, essa massa de homens que a indústria atrai para suas cercanias, que não pode ocupar constantemente, que mantém sempre em reserva à sua mercê”. E seus senhores

consideram-nos como homens de uma classe diferente, oposta e, inclusive, inimiga. […] À medida que ela alcança as porções esclarecidas da classe laboriosa, a miséria torna-se mais inquieta e menos resignada: já raciocina e persegue suas causas com uma investigação apaixonada. As classes pobres já têm seus teóricos que sustentam ter encontrado nas instituições políticas a causa do sofrimento do povo: os governos que se cuidem![6]

3. Na tomada de consciência da condição operária também intervém um outro fator importante que é o fato do exílio. As insurreições e a repressão que se seguem a elas disseminam, para além das fronteiras, homens revoltados, caracteres afirmados na luta, que veem em toda a parte os mesmos sofrimentos e a mesma exploração, e que adquirem uma visão internacionalista e uma compreensão da condição econômica da classe operária concebida como uma unidade perante a classe exploradora. Segundo Coeurderoy:

O exílio centuplica a vida do homem dando-lhe a humanidade por pátria. […] Os proscritos são os homens livres da Europa acorrentada, os únicos. [7]

A expressão dessa consciência nascente manifesta-se nos primeiros jornais operários publicados em Paris após a revolução de 1830. L’Artisan, por exemplo, afirmava:

A classe mais numerosa e mais útil da sociedade é sem refutação a classe dos operários. Sem ela, os capitais não têm nenhum valor. Sem ela, não há máquinas, indústrias, comércio. Todas as classes que se apoiam sobre ela, que se aproveitam de seu trabalho, sabem-no muito bem; só ela parece ignorá-lo ou não se preocupa com isso[8].

Os operários de Nantes, em 1834, escrevem a seus camaradas ingleses: “Os operários de todos os países são irmãos…” A London Working Men’s Association, criada em 1836, envia uma série de comunicados escritos pelo secretário Lowett às organizações operárias do continente. O manifesto endereçado aos belgas é “um dos primeiros documentos importantes a exprimir o caráter internacional da luta de classes e a solidariedade supranacional do movimento operário europeu em pleno crescimento”[9], segundo Arthur Lehning.

Flora Tristan, influenciada pelo movimento operário inglês e pelos cartistas, quando de sua estada na Inglaterra, publicará em 1843 seu livro L’Union ouvrière, no qual ela esboçará suas ideias sobre a divisão de classes que cinde a sociedade e, portanto, a necessidade para os operários de organizar-se enquanto classe[10].

A revolução de 1848 completará a separação radical entre a burguesia e o proletariado. Proudhon dirá mais tarde:

Sim, as classes operárias adquiriram a consciência delas próprias e podemos assinalar a data dessa eclosão, é o ano de 1848. [11]

Violenta oposição das classes, consciência da unidade econômica que resulta da condição de explorado, internacionalismo, eis as características que darão forma ao movimento operário revolucionário.

O exílio será de novo o contexto que permitirá a amplificação da consciência revolucionária da classe operária. Confirmar-se-á que era impossível reagrupar todos os emigrados numa mesma associação. Os refugiados londrinos de 48 reconheciam melhor do que a polícia de Napoleão III a diferença que existia entre o republicano burguês e o socialista revolucionário. Assim, uma parte desses proscritos formará, fora da Sociedade da Revolução de Ledru-Rollin, a Comuna revolucionária em 1852, e é ela que desempenhará um papel decisivo na fundação da Associação Internacional.

Essa Associação Internacional (1855-1859), que foi fundada em Londres por refugiados franceses, poloneses, alemães e cartistas ingleses, pode ser considerada como a primeira organização internacional de caráter proletário e socialista. Ela exprimirá claramente, num manifesto de 1858, sua oposição ao republicanismo burguês e à colaboração de classe.

E é ela que “constitui o último e o mais importante elo na corrente de manifestações internacionais dos trinta anos que precederam a fundação da Primeira Internacional”[12].

A Associação Internacional dos Trabalhadores, a A.I.T. de 1864, essa que se convencionou chamar de Primeira Internacional, será o cadinho de onde sairá o proletariado militante, mas igualmente o terreno onde a autonomia da ação revolucionária da classe operária ver-se-á, pela primeira vez, confrontada à pretensão da elite política a dirigi-la. Perseguida por todos os governos da Europa, aniquilada na França com a sangrenta repressão da Comuna, ela pôde, durante seus quatro primeiros congressos, esboçar as bases da ação revolucionária do proletariado que permitirão a emancipação da classe operária numa humanidade liberada da opressão do capital.

O primeiro congresso da A.I.T., realizado em Genebra, em 1866, com a importante participação de Tolain, cinzelador, Varlin, encadernador, Fribourg, gravador, adota a seguinte resolução:

O Congresso declara que, no estado atual da indústria, que é a guerra, devemos nos ajudar mutuamente pela defesa dos salários. Mas é seu dever declarar que há um objetivo mais elevado a alcançar: a supressão do salariado. [13]

Contradição original e intransponível da luta operária: defender e melhorar a vida de todos os dias lutando simultaneamente para destruir o mundo estabelecido. Bakunin, um pouco mais tarde, colocava os termos do problema como uma opção que deveria ser decidida em toda a Internacional:

Queremos a completa emancipação dos trabalhadores ou apenas a melhoria de seu destino? Queremos criar um mundo novo ou rebocar o velho? [14]

Marx e Engels obstinavam-se em exercer seu controle a partir do Conselho Geral de Londres[15], mas os congressos mostravam que suas posições não eram majoritárias. O congresso de Lausanne foi sobretudo proudhoniano, o congresso de Bruxelas – realizado em 1868, ano da adesão de Bakunin à Internacional – vira ser abordada pela primeira vez a questão da propriedade coletiva e a recomendação da greve geral contra a guerra[16], e o congresso de Basileia, onde se pôde ver a influência de Bakunin, era composto por uma maioria coletivista antiautoritária e duas minorias, proudhoniana e marxista.

Chega, então, o congresso de Haia (setembro de 1872)[17]. Após a tomada de consciência que separa em duas classes antagonistas burguesia e proletariado, após a experiência da profunda incompatibilidade entre a democracia republicana e o socialismo revolucionário, eis que vai se produzir a ruptura radical entre socialistas autoritários e antiautoritários, entre marxistas e anarquistas.

Sorge parte para Nova York com os restos dessa Internacional nascida durante o meeting de Saint Martin’s Hall de Londres, enquanto aguarda sua morte oficial declarada pela Conferência de Filadélfia, em 1876.

As federações que não aceitam o diktat de Marx quanto à ação política da classe operária, reúnem-se em congresso, imediatamente após a cisão, em Saint-Imier (15 de setembro de 1872). Essa é a origem do ramo antiautoritário da Primeira Internacional.

A A.I.T. antiautoritária viverá um lapso de tempo breve e problemático, com uma vitalidade desigual em diferentes países, ritmada pela repressão. O movimento afirma-se na pequena Federação jurassiana. A Federação regional espanhola, a despeito do golpe de Estado contra a República em 1874, e, inclusive, na clandestinidade, mantém uma atividade importante. No que concerne à Itália, Malatesta afirma que, após 1872, e mais precisamente após a conferência de Rimini (agosto de 1872) e o Congresso Internacional de Saint-Imier – que foram uma espécie de conclusão de todo o trabalho preparatório –, a Internacional desenvolveu-se em todo o país, levou uma vida intensa e tempestuosa, e organizou vários congressos nacionais e provinciais e ações insurrecionais. No resto da Europa, a Internacional estava moribunda. Mas em seu último congresso – o IX, realizado em Verviers, em 1877 – seções do Uruguai, da Argentina e do México enviam delegações indiretas.

As seções francesas da Internacional antiautoritária conhecem também uma certa expansão nessa época e reúnem-se secretamente em La Chaux-de-Fonds alguns dias antes do congresso de Verviers. A exemplo de seu órgão de expressão, L’Avant-Garde, de Paul Brousse – impresso na Suíça e distribuído clandestinamente –, a Internacional na França afasta-se do povo trabalhador, e agora não é mais que uma associação anarquista, cujo programa é: a destruição do Estado pelo lado negativo, e pelo lado positivo a federação livre dos grupos e dos indivíduos.

Malgrado a pulverização dos grupos e dos esforços, produzida em grande parte pela crença no imediatismo da ação revolucionária (a ilusão da centelha que vai produzir a grande palingenesia proletária), a necessária ancoragem na classe operária manter-se-á como um fio condutor ao longo da história do ramo antiautoritário da Primeira Internacional.

Assim, um congresso sem futuro, como o de Londres de 1881, forneceu uma articulação inesperada, passando pelo movimento americano, mantém a continuidade dos ideais da A.I.T. antiautoritária.

Quarenta e quatro delegados[18], representando cinquenta e seis federações e quarenta e seis seções ou grupos não-federados de treze países, reúnem-se em Londres para tratar da única questão da ordem do dia: a reconstituição da A.I.T. A Federação regional espanhola protesta; como a A.I.T. nunca foi dissolvida, não tinha por que ser reconstituída. Na realidade, o congresso resultou na consagração oficial da propaganda pelo fato e do ilegalismo.

Entretanto, as flutuações são grandes de um país a outro, e se a Federação espanhola havia contestado a ideia de "reconstituição”, é porque ela via chegar em suas fileiras uma nova geração de trabalhadores

que recebiam como primeira impressão a doutrina da fraternidade igualitária; eles reforçaram as fileiras a tal ponto que essa organização anêmica que existia na Espanha em fins dos anos 1870 despertou com brio no congresso de Barcelona em 1881, e ainda mais no de Sevilha de 1882, no qual os representantes de 663 seções, 218 federações locais e 8 uniões de ofícios conexos, reunindo 57.900 trabalhadores, declararam-se francamente anarquistas. [19]

Todavia, enquanto a Internacional, apesar de tudo, perecia na Europa, é a essa reconstituição frustrada da A.I.T. pela Conferência de Londres que vai se reportar a International Working People’s Association, fundada nos Estados Unidos em 1883. A dissolução oficial da A.I.T. “marxista” teve por consequência a formação em 1877 do Socialistic Labor Party. Muito rapidamente nasce em seu seio uma facção que, exasperada pela estratégia legalista e reformista do partido, reagrupa-se em várias cidades sob a bandeira dos “clubes social-revolucionários” adeptos da ação direta e da autonomia dos grupos. É, enfim, sob a influência de Johann Most e de seu semanário nova-iorquino Freiheit – que se dirige ao forte contingente dos imigrantes alemães –, associado aos grupos socialistas revolucionários cindidos do S.L.P., que se realiza o congresso de fundação da I.W.P.A. (International Working People’s Association), considerada como o ramo americano da Internacional antiautoritária[20].

Ao final de 1885 existia uma centena de grupos da I.W.P.A. em diferentes centros industriais do nordeste e do centro-oeste. Ela dispõe de uma sólida base operária e controla a Central Labor Union e, por seu intermédio, as onze mais importantes organizações sindicais de Chicago. Seu órgão de imprensa é The Alarm, semanário, com Albert Parsons na redação.

Durante os dois anos e meio que vão da fundação da I.W.P.A. à tragédia de Haymarket, afirmou-se a orientação anarquista dos militantes de Chicago.

Serão, então, os Mártires de Chicago que darão à luta pelas 8 horas de trabalho e à jornada do 1º de Maio sua dimensão universal. A voz de Spies, saindo de um corpo algemado sob uma mortalha branca, em pé sobre o cadafalso, tornar-se-á profética: “Chegará o tempo em que o nosso silêncio será mais poderoso do que as vozes que hoje estrangulais!”

A ideia da greve geral retorna com força com a agitação em favor das 8 horas. De início, Tortelier, e, em seguida, Fernand Pelloutier, na França, tornar-se-ão os propagandistas infatigáveis. Jules Guesde compreendera que a propaganda em favor da greve geral implicava a renúncia à luta política pela conquista dos poderes públicos e encerrava em gérmen, por consequência, um artigo de fé anarquista[21]. Assim, quando do Congresso de Nantes (1894) da Federação dos sindicatos e grupos corporativos, a resolução em favor da “organização da greve geral” provoca a saída dos guesdistas; “desse modo, abandonavam, de fato, a direção sindical a seus adversários antimarxistas”[22].

Os congressos precedentes tinham conhecido uma composição mista, as câmaras sindicais e os partidos socialistas lá estavam representados, mas os marxistas queriam a qualquer preço impedir a participação dos anarquistas. O primeiro desses congressos internacionais (Paris, 1889), que dará origem à II Internacional, foi duplo:

- O congresso realizou-se à rua de Lancry, convocado pela Federação dos trabalhadores socialistas sob a influência de Brousse e dos possibilistas.

- O congresso reunido na sala Pétrelle, sob o apelo dos guesdistas, contava com importante delegação social-democrata alemã, e era, antes de tudo, político, mas, segundo Dolléans, os organizadores queriam velar um pouco sua coloração política precisa para poder integrar na Internacional as organizações corporativistas.

O segundo congresso reuniu-se em Bruxelas, em 1891, e adotou a resolução de celebrar internacional e anualmente a jornada de 1º de Maio: nascida na rua e anarquista, ela era agora batizada na Casa do povo pelos socialistas. O congresso de Zurique (1893) pede a exclusão dos anarquistas, o que será feito pelo Congresso de Londres de 1896, uma atmosfera tensa. Os militantes anarquistas mais ativos encontram-se em Londres durante esse mês de julho e organizam conferências e meetings à margem do congresso oficial[23]. A resolução, enfim adotada, diz, em seu segundo ponto, que só seriam convidadas, no futuro, as “organizações puramente corporativas que, embora sem fazer política militante, declarem reconhecer a necessidade da ação legislativa e parlamentar. Em consequência, os anarquistas serão excluídos”.

Como em 1872, essa exclusão não impedirá absolutamente o movimento operário antiautoritário de realizar uma nova expansão. Os dez anos que vão se seguir serão o período da formação e da consolidação em diferentes países das associações de trabalhadores que continuarão a trajetória da Primeira Internacional. A C.G.T. francesa torna-se uma força impregnada da ideologia anarquista e concretiza, na Carta de Amiens (1906), sua concepção do sindicalismo revolucionário. Na Argentina, a F.O.R.A. adota sua posição “finalista” e, 1905; no mesmo ano, nascem os I.W.W. (Industrial Workers of the World) nos Estados Unidos, e, na Espanha, o movimento renasce com Solidaridad Obrera em 1907. Na Alemanha, a F.V.D.G. (Associação livre dos sindicatos alemães) será a origem do sindicalismo revolucionário: ela é pequena (talvez menos de dez mil pessoas) antes da guerra de 1914, mas após 1919 ela se chamará F.A.U.D. (Freie Arbeiter Union Deutschland) e contará com mais de 100.000 membros. Na Itália, o Comitato di Azione Diretta, antecessor da U.SI., é criado em 1907. Seria preciso fazer um relato particular para cada federação antiautoritária nas diferentes regiões do globo: Peru, México, Chile, Uruguai, Japão, Rússia em 1905 e em 1917-1922, Suécia, Holanda.

Todas essas organizações operárias, com suas flutuações, seus crescimentos ou aniquilamentos súbitos, no meio de greves gerais ou tiranicídios, revoluções ou repressões, guerras nacionais ou internacionais, serão a base que permitirá assentar novamente a A.I.T. em 1922. Efêmero e trágico período este da A.I.T. de Berlim, que irá morrer nas barricadas de 1937 em terra da Espanha, engolida pelo fascismo nazista, pelo bolchevismo e pelas democracias capitalistas cúmplices.

Após uma nova guerra internacional, a queda do comunismo estatista na U.R.S.S., e ante uma globalização conquistadora do mercado capitalista e da ideologia liberal, nós, que somos os epígonos desses revolucionários que lutaram pelo federalismo e pela autonomia, estamos preparando um outro futuro, um novo começo.

Pensa-se que, quando tudo está tranquilo, tudo está inerte. Nem por isso a propaganda deixa de continuar. É quando tudo está calmo que a semente germina…

escrevia Henry Mayhew nos anos 1820, período em que tudo parecia estranhamente tranquilo[24].

***


Alguns momentos da história do ramo antiautoritário da Primeira Internacional serão o tema deste livro. Todavia, tentar contar a história do movimento operário revolucionário, que resistiu tanto ao açambarcamento do parlamentarismo reformista da social-democracia quanto à ditadura do partido dito revolucionário, não é coisa fácil.

Na vida dos homens, algumas vezes, as coisas que incomodam são colocadas no celeiro ou no porão e logo esquecidas, ou, ainda, relegadas em um canto do inconsciente.

De modo análogo, na História, os grupos dominantes que chegam a controlar os aparelhos de Estado ou as partes da cultura e da ideologia bem-pensante – como foi o caso para o liberalismo e para o marxismo durante o século passado –, rechaçam e ocultam os movimentos antagonistas que questionam a legitimidade de seu “direito” de comandar. Fazem-no por um duplo movimento: movimento ativo de não querer saber e de combater propositadamente o que incomoda, como o mostra o trabalho cotidiano do pobre Winston Smith em 1984, e, por um outro, mais passivo e inconsciente, que se apoia na tradicional submissão ao poder estabelecido, essa teimosia em obedecer que La Boétie chamara de servidão voluntária.

Eis-nos, pois, engajados num trabalho de historiadores que não pode dispensar o apoio dos militantes para reconstituir uma história escamoteada.



[1] Citado por Laurent Louessard, La Révolution de juillet 1839. Paris, Spartacus, 1990, p. 195.

[2] Edward P. Thompson, La Formation de la classe ouvrière anglaise. Paris, Le Seuil, 1988, p. 687. [Nota: O Gorgon publicava artigos de discussão para saber se o utilitarismo pode ser de alguma utilidade à classe operária.]

[3] Conferir Édouard Dolléans, Histoire du mouvement ouvrier. Paris, Armand Colin, 1936.

[4] Préfecture de police – sede central da polícia em Paris, responsável pelos servições de direção de polícia municipal, judiciária, econômica. (N.T.)

[5] Citado por Louis Chevalier, Classes laborieuses et classes dangereuses. Paris, Plon, 1958, p. 159.

[6] Ibid., pp. 161 e 453.

[7] Ernest Coeurderoy, Hurrah!!! Ou la révolution par les cosaques [1854]. Paris, Éditions Plasma, 1977, p. 72.

[8] Conferir o importante artigo “L’Association internationale (1855-1859)” in Arthur Lehning, De Buonarroti à Bakounine. Paris, Éditions Champ Libre, 1977, p. 154.

[9] Ibid, p. 158.

[10] Ibid, p. 162.

[11] Pierre-Joseph Proudhon, De la capacité des classes ouvrières [1865]. Paris, Éditions du Monde Libertaire, 1977, tomo I, p. 55.

[12] Conferir Arthur Lehning, op. cit., cap. VI, p. 153.

[13] James Guillaume, L’internationale. Documents et souvenirs [1905]. Genebra, Éditions Grounauer, 1980, vol. I, p. 9.

[14] Carta a Albert Richard [abril de 1870], in Bakounine. Oeuvres complètes. Paris, Éditions Champ Libre, 1974, p. XXXI.

[15] Durante as discussões do Conselho Geral, anteriores à famosa “Conferência de Londres” de 1871, Marx definiu o Conselho como um “órgão diretor”, como um “corpo governante (governing body) distinto de seus mandantes e que, enquanto Conselho, tinha uma direção política coletiva”. Conferir Arthur Lehning, Bakounine. Oeuvres complètes, op. cit., Introdução, vol. II, p. XXXIX.

[16] Édouard Dolléans, op. cit., tomo I, pp. 313-314.

[17] O congresso de Haia, inteiramente manipulado por Marx para impor à Internacional a resolução da conferência de Londres, é o V congresso da A.I.T. (ver o texto de Marianne Enckell neste volume). O congresso também vota a expulsão de Bakunin e de Guillaume da Internacional. A maioria desse congresso é circunstancial. A minoria do congresso de Haia subscreve uma declaração de defesa da autonomia das federações. As federações jurassiana e espanhola, bem como delegados de outras federações, fazem parte da minoria. A federação italiana recusa-se a enviar delegados a esse congresso. Nos meses seguintes, em seus congressos respectivos nacionais, as seções inglesa, belga e holandesa da Internacional rejeitaram as conclusões de Haia e aliaram-se à declaração da minoria, a qual se tornou, assim, a maioria da Associação Internacional dos Trabalhadores (I congresso: Genebra, 1866; II congresso: Lausanne, 1867; III congresso: Bruxelas, 1968; IV congresso: Basileia, 1869).

[18] Quarenta e quatro delegados segundo Nettlau, trinta e um segundo Maitron. Entre os delegados encontram-se Errico Malatesta, Louise Michel e Piotr Kropotkin, mas também Sarreaux, o agente secreto do chefe de polícia Andrieux. Conferir Jean Maitron, Le mouvement anarchiste en France, Paris, Maspéro, 1975, vol. I, pp. 113-114, e Jean Grave, Quarante ans de propagande anarchiste, Paris, Flammarion, 1973, p. 402.

[19] Anselmo Lorenzo, El proletariado militante. México, Ediciones Vértice, sem data, p. 10.

[20] Conferir Hubert Perrier, “Chicago, 1885-1887: du mouvement pour la journée de huit heures à la tragédie de Haymarket”, in Fourmies et le Premier Mai, sob a participação e direção de Madeleine Rebérioux, Paris, Éditions de l’Atelier/Éditions ouvrières, 1994. Conferir igualmente Ronald Creagh, Histoire de l’anarchisme aux États-Unis d’Amérique (1826-1886), Paris, La Pensée sauvage, 1981, capítulo VIII.

[21] Jean Maitron, op. cit., vol. I, p. 288.

[22] Ibid., p. 290.

[23] Sobre o Congresso operário socialista internacional de Londres, ver o capítulo desse nome na monumental obra das memórias de Rudolf Rocker, vol. II, En la Barrasca (edição em castelhano, Buenos Aires, Tupac, 1949). Estiveram presentes nesse congresso: Élisée Reclus, Piotr Kropotkin, Errico Malatesta, Pietro Gori, Louise Michel, Domela Nieuwenhuis, Gustav Landauer, Joseph Tortelier, Christiaan Cornelissen, Fernand Pelloutier, Paul Delesalle etc.

[24] Edward P. Thompson, op. cit., p. 641.