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Edward Abramowski
O materialismo histórico
E o princípio do fenômeno social
§1. – O princípio do fenômeno, em sua aplicação à sociologia, pode ser expresso em duas proposições, que, embora aparentemente contraditórias, estão intimamente relacionadas umas às outras pela unidade do pensamento. A primeira é que o homem é a única realidade da vida social, o que significa que todos os processos sociais ocorrem na consciência individual e só acontecem lá, onde é ao mesmo tempo sua fonte e a razão suficiente de sua existência; o mundo social não vai além de seus limites porque é a única consciência; não pode existir fora do homem, uma vez que o homem, – como ser pensante –, é a sua própria substância. – Mas, ao mesmo tempo, a proposição oposta é colocada: a única realidade é o elemento social, o indivíduo sendo apenas uma sistematização acidental de fenômenos, uma ilusão proveniente do domínio preventivo; pois o que constitui nosso próprio “eu”, o que sentimos como a nós mesmos, é substância social; toda a nossa vida intelectual, os estados psíquicos que estão sujeitos à ação de nossa apercepção, apresentam uma natureza puramente social; quanto à individualidade a que se opõe, como sendo apenas aquilo que constitui a matéria intuitiva para a ação de nossa apercepção, dados de natureza emocional que servem as operações do pensamento, e que possuem para nós o valor de um fenômeno real apenas na medida em que são percebidos como objeto do pensamento.
A aplicação desse princípio ao método sociológico consiste em saber encontrar em cada abstração social a face humana, e compreender esse nó vital da realidade, cujas pulsações nos aparecem em formas aparentemente metafísicas, a partir de categorias sociais. Dada qualquer forma social, como a propriedade, as leis de troca, a constituição política, o código de moral, esta forma, sendo de sua própria natureza a organização social de uma determinada realidade primordial humana, nos aparece, em seu caráter de abstração, como um produto derivado da vida coletiva; é necessário, portanto, em vez de considerar esses dados formais impondo-se ao homem em uma esfera alheia a ele, como tantas cópias de modelos “metafísicos” que estiveram adormecidos por séculos em razão impessoal, trazê-los de volta à sua expressão humana, penetrar em seu lado dinâmico, reconhecer o que é organizado e consolidado nas categorias econômicas e jurídicas dadas. É deste ponto de vista filosófico que desejamos analisar algumas das principais noções da teoria do “materialismo histórico”, o que pode, ao mesmo tempo, nos dar algumas indicações do fenomenalismo em sua aplicação aos problemas da história.
I
§2. – Primeiro de tudo, vamos começar com o problema mais importante: o que determina a organização social? O “Materialismo” indica a categoria econômica dos fatos. Mas o que é essa categoria em si? Considerada no lado formal e estático, apresenta-se como a organização das relações de propriedade e troca, que encontra seu valor real apenas em sua expressão jurídica. Quanto ao lado dinâmico do organismo legal e econômico, quanto ao laboratório onde as formas são elaboradas e que está escondido sob elas, é a produção; é ao mesmo tempo que esta caldeira alquímica, onde a história e a civilização lançam todas as suas aquisições e todos os seus produtos para que sejam transformados em sementes de uma nova vida social.[1] É lá, nas fábricas e nas usinas, nos sulcos dos campos, portanto, onde os homens reais se movem com suas necessidades e capacidades produtivas, que esta fermentação social está sendo preparada sem interrupção, que esta fermentação social está sendo preparada sem interrupção, o que força as categorias históricas a todo o seu carrossel dialético,- esta questão da vida coletiva, que se cristaliza em sua superfície nas formas consolidadas de fatos econômicos, morais ou políticos. Existe aqui um idioplasma de organismos sociais que, ao dar nascimento aos vários órgãos e funções, ao mesmo tempo em que se envolve com uma teia de abstrações legais e outras emanações ininterruptas, que são a ideologia coletiva e que se formam em torno de sua fonte como uma nebulosa de vapores, um sinal visível da vida fervendo em seu interior, constantemente renovando e reincorporando os elementos das modificações produzidas na superfície a fim de remodelar em seu seio a essência de novos germes idioplásticos e recomeçar com eles o processo revolucionário de elaboração de um novo organismo. Tudo o que a política, a moral, a ciência ou a religião depositam no cérebro humano, todos os fatos da história, todas as aquisições da civilização, tende a ser transformada em alguma nova necessidade ou capacidade produtiva, e, sob um ou outro desses aspectos, desce a essa camada profunda da vida social, onde continuamente fermenta sua matéria formativa: forças técnicas na luta adaptativa com a tensão vital. Deste modo, cada época passada da história deixa seu legado revolucionário; perseguido da face da terra como um fantasma do passado, no entanto, continua a viver nos fermentos profundos da organização social, no aspecto de seus símbolos técnicos e culturais. A invenção de Arkwright, ao introduzir na manufatura uma nova força produtiva, torna-se o ponto de partida de vários processos sociais: os pequenos tecelões vão à falência e aumentam as fileiras do proletariado assalariado; os campos dos servos são transformados em pastos para as ovelhas; os expropriados carregam suas campanhas nas cidades, sua mão de obra barata; o lar doméstico é sacudido em suas fundações pelo trabalho industrial de mulheres e crianças; As regras das corporações e da servidão são reduzidas ao absurdo pela produção mecânica; o artesão arruinado, o fazendeiro transportado para a fábrica, a mulher arrancada de seu retiro doméstico, tornam-se cérebros dos quais uma nova ideologia se irradia. Mas esse mesmo ponto de partida técnico é, ao mesmo tempo, o produto de uma multiplicidade de processos sociais heterogêneos que o precederam: a separação entre o campo e a cidade, a destruição da produção natural, mercados ampliados, rotas comerciais protegidas, segurança do Estado, o desenvolvimento das ciências exatas, de modo que a invenção de Arkwright possa aparecer como um novo elemento da produção social; os séculos do Renascimento e da Reforma, as insurreições dos camponeses, as lutas do absolutismo monárquico contra os senhores feudais, o espírito de aventura dos navegantes, as obras dos Galileus e dos Newtons, milhares de esforços heroicos nos altares de várias ideias, todos os quais, embora não tendo, na consciência humana, nada em comum com a tecnica produtiva e cultura vital, mas historicamente, pelo processo inconsciente da causalidade objetiva, foi definitivamente transformado em novos fatores técnicos e culturais, dos quais veio a produção mecânica. Pode-se dizer que depois de cada um desses processos que ocorreram na cena social, envolvendo elementos políticos, morais e científicos heterogêneos, sempre permaneceram alguns resíduos – novas capacidades produtivas e novas necessidades vitais, – resíduo em fermentação, que, introduzindo-se sob este duplo aspecto nas profundezas da produção, transforma suas formas existentes e, assim, estende sua ação revolucionária a todas as áreas da vida social.
§3. – Mas de que maneira a produção transforma toda a organização social? Em virtude de que propriedades misteriosas pode possuir o privilégio de moldar todos os processos da vida coletiva que, por sua própria natureza, por seu conteúdo sociopsicológico (religioso, ideológico, político, moral) são tão estranhos a ele e sem medida comum? A resposta está no próprio método, que, considerando os fatos históricos em seu futuro, penetrando através das formas inanimadas das categorias econômicas e legais até este material da realidade vital da qual eles são formados, traz todas as abstrações sociais de volta a sua expressão humana. Apreciar o papel da produção como um fermento da vida social, que penetra de maneiras invisíveis em todas as suas ramificações, alcançando a esfera mais ideológica, é necessário distinguir o lado organizado da produção – daquilo que é organizado, a forma – de sua matéria criativa; a forma de produção está inseparavelmente unida a todo o lado formal da vida social – como propriedade, troca, o código civil que regula as relações entre produtores, proprietários e consumidores, e não pode ser separado como um processo independente. Assim, por exemplo, a produção feudal, que em seu lado formal é apresentada como a instituição da posse censiva, e cujo caráter é que o produtor, satisfazendo diretamente suas necessidades, dá ao dono a mais-valia na forma de produtos naturais, também contém como elemento essencial o direito do usufrutuário e propriedade condicionada da terra com todo seu aparato costumeiro e político, regulando as relações dos senhores e inquilinos; despojado desses elementos legais, perde todo o seu significado histórico. – Por outro lado, entretanto, a produção é apresentada como um material vital que condiciona e determina suas formas; a forma de produção não se baseia em um arcabouço abstrato da organização legal; sem código, nenhuma ideia legislativa poderia chamá-lo à vida por eles mesmos; o que está imediatamente abaixo e cuja influência o determina, é a técnica social e a cultura que entram em certa relação de correlação no indivíduo humano – na forma de seu interesse vital. A técnica, como a totalidade das capacidades produtivas que a sociedade dispõe em um dado momento, sendo a expressão real das necessidades sociais, cria ao mesmo tempo e chama à vida sua expressão ideal em cérebros humanos, novas necessidades culturais; a cultura, como a totalidade das necessidades vitais socializadas nos costumes, condicionando necessariamente a existência social de uma determinada técnica, ainda assim extrai dela sua seiva vital; ambos são criados reciprocamente, esforçando-se por entrar em um certo relacionamento definido um com o outro; e dessa adaptação mútua dos dois elementos fundamentais da vida social – capacidades e necessidades –, as formas de produção aparecem imediatamente, como sua face organizada e explícita, em leis e instituições públicas. Não é menos óbvio que a busca mútua por esses dois elementos, tão essencialmente humanos e concretos como são as necessidades e as capacidades produtivas, sua tendência natural de constituir entre eles uma relação real sendo o processo primitivo e determinante da organização social, não pode se desenvolver no campo supra-individual, coletivo e abstrato; só pode haver necessidades e capacidades onde existam cérebros e corações humanos reais, onde está o ser vivo que deseja e produz; só nele, no indivíduo, essa realidade única, que sabe sofrer e pensar, pode formar o verdadeiro nó vibrante da vida entre a técnica e a cultura social, entre esses dois elementos, – as necessidades e as capacidades –, que, sendo a última transformação de todos os processos históricos a expressão comum de toda a heterogeneidade da vida social, formam, colocando-se em certa relação no corpo vivo do homem, o germe idioplástico do organismo social.
Então, se considerarmos que o destino de cada processo histórico deve ser transformado em elementos técnicos ou culturais, porque cada um deles, embora expresso nos termos abstratos de uma “coletividade” social, ela definitivamente se realiza nos cérebros humanos concretos, despertando, necessariamente, certos desejos e esforços vitais; se, além disso, notamos que esses elementos, produtos da história incorporados no interesse da vida individual, se acumulam imediatamente na forma de produção como matéria formativa, porque o que resta no campo econômico, depois de ter descartado o seu lado jurídico, são apenas as formas técnicas e as necessidades culturais e que estas como aquelas, inseparavelmente unidas uns com as outras e buscando uma a outra, embora de origem social, podem, não obstante, formar uma relação real entre elas somente onde as abstrações sociais são decompostas em suas concreções humanas; Se levarmos tudo isso em consideração, ficará claro que essa propriedade misteriosa, que faz da produção de riqueza o substrato fundamental e o núcleo formativo das organizações sociais, consiste nisso: é aqui, no campo dos processos econômicos, que as forças sociais se encontram e cooperam umas com as outras no homem vivo, onde recuperam sua fonte primitiva e seu verdadeiro ponto de apoio.
O resultado seria que na base de qualquer organização social se poderia encontrar uma certa relação específica entre técnica e cultura, expressa individualmente, e que esta cooperação de capacidades e necessidades sociais produtivas no indivíduo seria a verdadeira alma vivificante da história, a vida coletiva em nuce, aproveitada em seu lado real. De fato, podemos encontrar em toda a série de organizações sociais esse fio biológico indo em suas profundezas se, procurando por instituições jurídicas e correntes de ideias, seu correlato econômico, não nos detemos na forma de produção, pois ela é apenas uma organização manifesta de algo essencial, mas que alcançamos sua substância formativa: a técnica social e a cultura entrando em um relacionamento real através do indivíduo. Deste modo, a história da humanidade se desdobrará diante de nós como uma série de ciclos revolucionários, cada um dos quais, ao sair desse núcleo vivo, onde o relatório se baseia e passa pelos diversos processos econômicos, políticos e morais, retorna, ao final do dia, trazendo novos elementos técnicos e culturais, os últimos produtos dos processos realizados no palco público. Vamos encontrar, por certos períodos, essa expressão individual adequada, que se concentra nela e determina a vida social organizada de cada época dada.
§4. – Na sociedade primitiva (gens), como um correlativo econômico de suas instituições consuetudinárias: direitos de propriedade comunal, democracia política, solidariedade tribal, culto ancestral, – encontramos a comunidade de trabalho, a produção coletiva. Se, no entanto, desejamos atribuir a essa forma de produção a base fundamental das instituições gentias, cairíamos facilmente em um círculo vicioso, pois essa mesma comunidade de trabalho pode ser considerada como resultante do direito de propriedade comum e solidariedade familiar, já que não pode haver um tempo em que os homens tenham produzido de acordo com uma certa forma organizada de costumes sem conhecer ainda nenhuma lei de propriedade e sem laços morais que os unam. O trabalho comum pode, portanto, ser considerado como causa e efeito de todo o comunismo da vida das gentes antigas, já que um fato pertencente ao lado organizado da vida social nunca pode ser separado do todo e considerado no estado isolado. Devemos, portanto, buscar a causa determinante do lado oposto, nos fatores que imediatamente encontramos na forma de produção como matéria criativa, – na técnica e nas necessidades desta sociedade, cuja relação mútua consiste no fato de que a faculdade produtiva do indivíduo é menor que a soma de sua subsistência. Segue-se que um “Robinsonade” era impossível; a unidade produtiva só poderia ser uma coletividade, e foi precisamente nessa relação do indivíduo com seu meio social que a causa determinante do comunismo primitivo foi implicada.
Mas essas formas comunistas e a atmosfera moral da solidariedade tribal que os penetrou, sendo apenas a manifestação social organizada da mesma realidade individual vital, entram no movimento dialético próprio de cada organismo. A razão social da solidariedade interna da tribo era garantir a vida dos indivíduos, remediar a incapacidade do indivíduo por meio do comunismo costumeiro da comunidade; O comunismo, alcançando seu objetivo, ampliando assim as forças econômicas da sociedade gentia, a solidariedade moral fez novas conquistas culturais e técnicas; quanto mais ele respondia ao seu problema vital, descartando a incapacidade do indivíduo em sua luta contra a natureza, e mais profundamente minava sua própria base vital, introduzindo em seu interior, novas faculdades produtivas, novas necessidades adquiridas pelo gênio coletivo. Deste modo, o comunismo primitivo, ao realizar sua tarefa econômica, leva à sua contradição; o indivíduo, graças ao desenvolvimento social de suas faculdades, torna-se a unidade produtiva; a relação entre técnica e cultura é transformada de tal forma que a faculdade produtiva do indivíduo corresponde à soma de sua subsistência, possibilitando assim sua separação da coletividade, sua emancipação individual dos impedimentos da igualdade tribal, dos antigos preconceitos comunistas que, dadas as novas necessidades culturais, o despertar da força do individualismo, restringem e oprimem por sua codificação tradicional o livre desenvolvimento dos interesses vitais do homem. Nesse novo nó, que se estabelece no indivíduo entre a técnica social e a cultura, enxerta-se uma nova organização da vida social: as comunas se desintegram em fazendas particulares; o trabalho individual isolado substitui o trabalho coletivo; a propriedade individual, com todos os seus atributos jurídicos, adquire uma expansão cada vez maior na economia social, os objetos de utilidade e o recinto doméstico que se estende à terra arável e ao gado, e a forma de a posse de vida, que o município concedeu ao indivíduo de maneira condicional durante as partições periódicas, passando à forma hereditária do jus utendi et abutendi. A partir dessas novas formas de vida social emana uma atmosfera moral que é a negação da velha solidariedade comunista; o individualismo econômico produz os antagonismos dos interesses privados, opõe o indivíduo à sociedade, introduzindo nas relações humanas o intermediário grosseiro que é o Estado.
§5. – Se agora percebemos que o individualismo econômico, a transmissão do papel de produtor da coletividade para o indivíduo, eram a condição indispensável para a primeira aparição das classes sociais e a exploração do trabalho, que foi apenas com a equalização das faculdades produtivas do indivíduo com o mínimo de suas necessidades culturais que a mais-valia poderia aparecer, uma fonte de bem-estar individual desconhecida e impossível nos tempos da cultura primitiva, – então também veremos que a fórmula técnica e cultural em que a capacidade produtiva do indivíduo é igual à soma de sua subsistência, a fórmula que é o produto do comunismo primitivo, o verdadeiro legado do espírito bárbaro de solidariedade tribal, é ao mesmo tempo o substrato vital da escravidão. – De fato, na organização da escravidão, em seu tipo de antiguidade clássica, encontraremos, desenvolvidas nas instituições sociais, todos os elementos envolvidos nessa relação de técnica com cultura. – A sociedade antiga apresenta dois tipos de produção, que constituem a espinha dorsal de sua história, a fonte das lutas de classes e das correntes de ideias que abalaram sua organização; São elas: pequenas fazendas de camponeses livres com trabalho individual, ainda ligadas por alguns elos habituais da antiga comuna, – e os grandes domínios da escravidão (ôΊχοι, latifundia), unidades econômicas autossuficientes, com a produção natural e o trabalho coletivo de massas de escravos produzindo mais-valia tendo apenas um valor de uso, que satisfaz diretamente as necessidades da casa senhorial sob a forma de vários produtos. A escravidão, que, do ponto de vista jurídico, se apresenta como a conversão do homem em um objeto de propriedade individual ilimitada, em que a força de trabalho ainda não está legalmente separada de seu possuidor, – do ponto de vista técnico e cultural, a extração de mais-valia, destinada exclusivamente ao consumo, a partir do trabalho cooperativo de um grupo humano. A razão suficiente para esses dois tipos econômicos está implícita na fórmula acima. A faculdade produtiva do indivíduo que é capaz de satisfazer as necessidades dele de vida, resulta que na cena pública aparecem pequenas fazendas privadas, a produção independente perto de uma lareira doméstica; mas o trabalho individual, mas o trabalho individual, estando na primeira fase de seu papel econômico independente, entregue pelas aquisições culturais do comunismo de sua cooperação coercitiva, ainda carrega com ele certos deveres morais para com o comunismo que o chamou para uma vida independente, ele ainda está sujeito aos costumes tradicionais que estabelecem uma certa vigilância e restrições econômicas por parte da comuna administrativa. – Por outro lado, desde a faculdade produtiva do indivíduo (sempre concebida como expressão individual da técnica social), – não pode dar mais do que a subsistência do próprio trabalhador (ou de uma unidade familiar), é necessário obter mais-valia para ter um trabalho coletivo, cooperativo, pois é somente dessa nova força que surge de uma aglomeração organizada de esforços individuais, do excedente de produtividade que a cooperação dá à simples soma de obras isoladas, que pode advir da mais-valia, que, não sendo o equivalente da subsistência do trabalhador, é por esse fato suscetível de apropriação. – Devido a essa relação específica entre técnica e cultura, que não permite que a produtividade do indivíduo exceda o mínimo de suas próprias necessidades, o objeto de exploração só pode ser um grupo organizado de trabalhadores, e, portanto, a necessidade de grandes propriedades com trabalho forçado e supervisionado, em uma palavra, o tipo de produção de escravidão. – As fazendas de escravos, essas primeiras oficinas de mais-valia, concentrando nelas o maior desenvolvimento da vida social da antiguidade, sendo a base material de toda a civilização clássica, são ao mesmo tempo a fonte de um novo processo revolucionário, que, como sempre, constitui um movimento dialético da história tendendo à negação de sua tese primitiva através da transformação de vários fenômenos sociais em elementos de técnica e cultura.
Enquanto a pequena propriedade rural apenas nutria seus donos, não produzindo nada de novo para a história das sociedades, as grandes fazendas trabalhadas pelos escravos, criando mais-valia pelo gênio da cooperação coercitiva, ao mesmo tempo, eles produziram uma nova espécie de homens, libertos do jugo do trabalho físico, e geraram a fonte de novos desejos e novas tendências sociais. É deles que emana o processo de concentração agrícola tendendo a aumentar a força cooperativa da qual a mais-valia veio, como também a política de conquista, que se destinava a fornecer material humano para os escravos a essa força produtiva, o militarismo, o desenvolvimento da ideia e organização do Estado que pede a cooperação das civilizações dos vários países e põe todo o seu peso na pequena propriedade rural dos camponeses livres; finalmente, a dissolução cada vez maior dos antigos laços comunais sob a influência do estatismo generalizado em toda parte, e a crescente multidão de homens sem propriedade, composta de recém-chegados não pertencentes a qualquer comunhão, filhos ilegítimos a quem as comunas não concede direitos de cidadania nem qualquer parte da herança, de camponeses que perderam suas terras por dívidas não pagas ou impostos estaduais, ou para os quais foram violentamente removidos para fechar um latifúndio, em uma palavra, toda uma plebe livre, a quem a escravidão fechou o acesso da produção. Todos esses processos que tendem a fortalecer a cooperação produtiva coercitiva, portanto, para tornar as instituições jurídicas da escravidão mais sólidas, sendo o produto histórico imediato de seu desenvolvimento, constituem ao mesmo tempo tantos agentes de sua morte; pois foram acompanhados, a partir de uma sombra inseparável, por uma lenta mas contínua transformação da técnica e da cultura social. Quanto mais a escravidão externa era fortalecida em suas instituições jurídicas e econômicas, mais fraca se tornava em seu núcleo interno; pois o que no palco histórico era o florescimento e a alavanca da organização dada, foi transformado em seu interior humano em novas necessidades e faculdades, que se infiltraram, agentes de decomposição, até nas profundezas sociais, ao nó de técnica e cultura em que se escondia toda a alma, o pulsar da vida da sociedade antiga. Sob sua influência, esse nó é transformado em uma relação na qual a faculdade produtiva do indivíduo já fornece não apenas seu sustento, mas também uma certa mais-valia; A expressão individual da técnica social oferece aqui um caráter composto, contém o equivalente da soma da subsistência do trabalhador e da mais-valia. Assim, a nova civilização, emanando da tese social da escravidão, transformando as condições dadas da produção de mais-valia, leva à sua antítese. Um trabalhador individual, graças ao desenvolvimento da técnica social, pode agora ser explorado; a pequena exploração, fertilizada com uma nova produtividade pelo gênio social, torna-se capaz de superar a reprodução estéril de si mesmo e de dar uma certa mais-valia; o resultado é que as massas escravas trabalhando sob o chicote, que essa força coercitiva de cooperação deixa de ser uma necessidade econômica. Ao mesmo tempo muda o correlativo ideal da técnica, as necessidades culturais. O gosto das classes dominantes, que se desenvolvem nos grandes centros da população, em Roma e nas cidades do Mediterrâneo, exige um trabalho cuidadoso e diligente, muitas vezes realizado com paixão artística, exige produtos de “pequena cultura”, objetos delicados, produção ansiosa, um certo prazer criativo por parte dos trabalhadores. O trabalho escravo não poderia ter essas propriedades[2] e, portanto, tornou-se um meio insuficiente para a cultura moderna, provocando, por outro lado, um protesto cada vez mais forte nas massas humanas oprimidas. Deste modo, entre a forma de vida social e os interesses de classes e civilização, uma contradição sempre maior surgiu; a escravidão, que criou toda a cultura antiga, está agora começando a impedi-la em seus quadros e dá origem a uma série de contradições sociais. No entanto, essas contradições são resolvidas em uma nova relação que se forma no indivíduo entre a técnica e a cultura social, nascida sob a influência da escravidão. Com o aparecimento da mais-valia individual, quando a faculdade produtiva do indivíduo começa a dar mais do que a sua subsistência, a força da cooperação coercitiva perde o seu valor social – a única base da civilização – e com isso também a escravidão, sua expressão legal. Os grandes latifúndios, as áreas de produção coletiva, são divididos em pequenas ocupações censórias; a pequena produção afasta a grande. O escravo que, trabalhando em grupo sob o chicote do supervisor, foi despojado de todos os atributos sociais do homem e não tinha importância como unidade produtiva, tornou-se inquilino, um colono, torna-se um trabalhador autônomo, adquire uma casa e um lar doméstico, entra em posse dos atributos morais da humanidade. As formas econômicas da escravidão não mudam sozinhas com o advento da mais-valia individual, mas também toda a sua ideologia é modificada; os escravos recebem a posse de uma alma e o título humano, certos direitos de propriedade e direitos pessoais, dos quais o cristianismo é a expressão moral. Posse censiva – esta nova forma de produção, correspondente à mais-valia individual, e ao mesmo tempo o foco de uma nova ideologia social – torna-se o centro de cristalização para um sistema completamente diferente: por um lado, suprime a classe dos plebeus, dando-lhes livre acesso à produção; por outro lado, dá aos pequenos proprietários de terras, às comunas rurais, a possibilidade de sair desta difícil situação em que o militarismo e a opressão dos senhores os colocaram e que pela troca do título de dono livre contra o de dono de escravos, pela venda de uma perigosa liberdade ao preço de um empregador e uma vida tranquila adquirida por uma realeza. Deste modo, a antiga diferenciação da sociedade é transformada num aglomerado de posses homogêneas, cada uma das quais, dada à exploração natural, constitui um todo econômico autossuficiente, uma unidade independente de produção e consumo; e como antes da cooperação coercitiva, o trabalho coletivo dos grupos de escravos era a base da civilização e do Estado, esse papel pertence agora à mais-valia individual, ao censo do pequeno poder camponês ou burguês. Estamos, portanto, em plena sociedade feudal.
§6. – Considerando agora as instituições jurídicas e costumeiras da sociedade feudal, seria fácil mostrar que seu elemento criativo é encontrado inteiramente nesta fórmula técnica e cultural, que surgiu do desenvolvimento da escravidão como seu produto dialético, – fórmula, que estabelece que a produtividade social do trabalho individual já se tornou uma fonte de mais-valia. Assim, a posse censiva é o átomo econômico real da sociedade feudal; vamos encontrá-lo em toda parte, como base real de toda organização e ideologia do feudalismo. Até o século XI reina universalmente e em sua forma pura, sem ser muito diferenciada em suas variedades rurais e urbanas; mais tarde, sob a influência da divisão social do trabalho e do gradual desaparecimento da produção natural, ela é transformada em oficina de artesãos ou parcialmente oculta nas fazendas senhoriais para a tarefa; no entanto, ainda mantém seu caráter essencial: produção individual de mais-valia destinada ao consumo, valores de uso simples. Sua expressão jurídica é encontrada, por um lado, na forma de propriedade como direito de usufruto condicional, que substitui a concepção romana de propriedade individual absoluta; é a propriedade revogável e vivificante, o feudum, sem a liberdade de herança, venda, transação e hipoteca, sobrecarregada com direitos senhoriais, o ponto central de toda legislação feudal. Por outro lado, – encontramos na legislação e nos costumes o caráter de valor de uso do ganho de capital na primazia dos interesses qualitativos da produção sobre seus interesses quantitativos, em uma regulação rigorosa da produção, na fixação legal do censo e do dia de trabalho, em uma estrita vigilância da qualidade dos produtos, dos quais as guildas são a expressão mais perfeita; isso corresponde à natureza econômica da posse censiva como produtora de mais-valia na natureza e como uma unidade produtiva e consumidora independente, de acordo com o tipo de economia natural. – Esta mesma base econômica encontra-se na organização política da sociedade feudal: a aglomeração homogênea de unidades produtivas isoladas, o censor pousa com uma produção natural, regido pela lei da propriedade condicional, correspondem à descentralização política, a rede de pequenos estados vassalos e suseranos com uma completa autonomia doméstica, legislativa e militar. – Se, além disso, observamos que o produto psíquico imediato dessa produção isolada do indivíduo, que forma a base da posse censiva, consiste na predominância do mundo da natureza sobre o mundo social, no individualismo; que este “Robinsonade” deve necessariamente dar origem à necessidade do castelo feudal, do defensor material e da Igreja, guardião moral; que o individualismo, exuberante em um ambiente vital do qual o elemento social foi largamente eliminado, constitui uma fonte inesgotável de fantasia mística, da identificação do homem com a natureza, do antropomorfismo que penetra todas as coisas e, ao mesmo tempo, de um enfraquecimento da força consciente criativa do homem; então, a partir da posse censiva desenvolverá diante de nós toda a ideologia do feudalismo com seus fantasmas lúgubres de destinos humanos pós-terrestres e sua moralidade de honra cavalheiresca, imbuída de demonismo e uma fé quase infantil na Providência, ideologia que criou e animou por tantos séculos todo este mundo meio fabuloso de ações heroicas, templos góticos, ascetismo de eremitas, mundo cheio de seres misteriosos, bruxas e demônios, que encheram todos os lugares misturado com todas as ações humanas, coexistindo com os homens, influenciando sua conduta e destino como seres reais. – Chegamos assim a uma nova tese dialética, a segunda da nossa série: a escravidão, tendendo em seu desenvolvimento histórico para reforçar sua – cooperação coercitiva – assim transforma a relação da técnica e da cultura social em uma relação que contém mais-valia individual, e assim leva à sua contradição. Para este novo nó formado no indivíduo entre técnica e cultura social, produz a ideologia e política da escravidão, tornando o trabalho individual capaz de produzir mais-valia torna-se o núcleo da organização de um novo mundo: o feudalismo.
§7. – A terceira tese pertence aos séculos do Renascimento, à Reforma e às insurreições dos camponeses; é o nascimento doloroso do capital no seio do mundo feudal, marcado pelo sangue na história humana. – Os cronistas enumeram uma longa série de anos durante aquela época em que sinais misteriosos e assustadores aparecem no céu, visíveis em países e cidades inteiras; se esta não fosse uma profecia apocalíptica que desceu à terra, estes sinais subiram da terra de qualquer maneira para projetar no céu, eram uma manifestação coletiva da decomposição, lutas e problemas ideológicos que borbulhavam pelo cérebro humano e puxavam os corações; eles eram como um presságio simbólico de que algo novo, algo até então desconhecido e indizível, monstro ou salvador, apareceria no mundo humano, – como o verdadeiro sinal desta cabala psíquica que a história, este criador de cartas, compõe no fundo da alma humana. – A desgraça do feudalismo estava em sua ideologia. O cavalheirismo e a Igreja constituíam o único elo social para a aglomeração de organismos produtivos homogêneos e isolados. Ao extrair deles sua força moral e econômica, o cavalheirismo e a Igreja foram, ao mesmo tempo, graças ao seu caráter social, os pioneiros dos modos pérfidos de troca comercial; unindo as concepções dos diferentes cantos do mundo feudal, ligaram as suas culturas. Sob sua proteção, as cidades se desenvolvem; em torno das igrejas e dos castelos, formam-se as sementes dos mercados, que se reduzem às modestas dimensões de um comércio de caravanas que transporta mercadorias raras e luxuosas. No entanto, a ação das cidades, como focos únicos de uma vida coletiva, como pontos de contato entre as aldeias feudais economicamente fechadas e individualizadas, torna-se cada vez mais revolucionária, à medida que esse contato se desenvolve, o que fortalece o elemento social e dá à luz, ao mesmo tempo, as sementes de uma nova cultura. Balançadas e cultivadas à sombra das catedrais góticas e dos castelos feudais, as cidades entram, ou melhor, por esse mesmo fato, no antagonismo político com elas. Este é o primeiro embate entre o novo espírito social e o individualismo feudal: é a luta de muitos anos pelas cartas comunais. A conquista de cartas dá um novo ímpeto ao desenvolvimento; a substituição do antigo código comunitário por uma nova legislação dos ofícios, adaptada aos interesses do mercado, contribui para o desenvolvimento do intercâmbio e o alargamento das relações comerciais; a liberdade política e a democracia dos artesãos (depois do derrube da hegemonia do patriciado urbano) atraem às cidades grande parte do povo do campo, fugindo da opressão dos senhores. Como resultado, as terras comunais das cidades (allmends), compartilhadas entre os recém-chegados, diminuem cada vez mais à medida que a cidade cresce e se desenvolve. Sem allmends (comunal) a produção agrícola torna-se impossível, e a população das cidades finalmente a renuncia, dedicando-se exclusivamente à indústria e ao comércio, à qual também é impulsionada pela ampliação do intercâmbio. O primeiro golpe é, portanto, suportado pela economia natural, a divisão social do trabalho é entre o campo e a cidade. A segunda arma que o feudalismo combateu em seu próprio seio contra si mesma é sua alma cavalheiresca e religiosa, que, continuamente alimentada por todo o ambiente vital, manifesta-se no final do século XI pelo movimento coletivo das Cruzadas. As tropas de cavaleiros que saíam de seus castelos para entregar o túmulo de Cristo não suspeitaram nem por um momento que deviam trazer de volta as sementes da morte e da ruína; que, defendendo a fé, armados do poder feudal, trariam de volta a decadência do feudalismo e da fé. Isso aconteceu, no entanto. Nos passos dos cruzados, como seus espíritos malignos, partiram – caravanas de mercadores. Esse movimento, que, do lado ideológico, era a expressão do fanatismo cavalheiresco, da imaginação supersticiosa desenvolvida pelo individualismo da vida, foi ao mesmo tempo o rompimento das barreiras que guardavam a cultura doméstica dos países feudais. Isso resultou não só em um grande desenvolvimento do comércio, graças ao conhecimento de novas estradas e novos países, e o estabelecimento de relações comerciais com as cidades do Oriente, mas também a aquisição de novos gostos e necessidades de vida, o conhecimento de uma série de novos produtos, em uma palavra, o desenvolvimento e a transformação do modo de vida. Através dos cruzados, a população aprende o uso de cana-de-açúcar, arroz, algodão, tecidos de seda de Antioquia e Tiro, veludo e musselina, tapetes da Pérsia e uma quantidade de outros objetos, cada qual, aparentemente inerte, não obstante, possui seu elemento psíquico como objeto de utilidade e, lenta e imperceptivelmente, entra na alma do homem feudal como uma revelação de um mundo desconhecido, de novas maneiras e desejos. O movimento comercial entre as cidades europeias e o Oriente adquire uma importância social, e à margem do Mediterrâneo se formam vários focos de intercâmbio universal; ao mesmo tempo, os meios de comunicação terrestre e marítima estão sendo aperfeiçoados, poderosos “Hanses” de comerciantes estão sendo organizados, e a mercadoria pode então circular nos países feudais com segurança e conveniência cada vez maiores.
A economia natural recebe seu golpe final. Os senhores feudais não estão mais satisfeitos com os produtos de seus servos; seus gostos e necessidades excedem em muito a produção bruta dos camponeses. O próprio camponês prefere adquirir no mercado os produtos das cidades, bonitos e sólidos, do que produzi-los ele mesmo, tanto mais que a comunicação facilitada e o maior movimento comercial possibilitam que todos os municípios o adquiram. A produção do campo é especializada e torna-se exclusivamente agrícola. As cidades desistiram da agricultura desde que o afluxo de pessoas as privou de terras comunais. Por isso, a independência econômica dos municípios desaparece completamente. O camponês e o burguês deixam de ser autossuficientes, tornam-se produtores parciais e são obrigados a trocar uma grande parte de seus produtos no mercado. Troca e dinheiro, portanto, caem na categoria de necessidades sociais, e, itens de luxo se estendem a todos os produtos. Este evento é uma época. Tirando a sociedade das canetas, introduzindo-a num grande mercado, ela transforma de baixo para cima relações de classe, interesses e costumes, o caráter de produção e exploração. Fecha a série de sociedades antigas baseadas na economia natural (as comunas primitivas, os οΊχοι escravos, as posses feudais), e abre a série de sociedades modernas – com a economia monetária (o feudalismo exequível, o capitalismo servil e o capitalismo liberal). Antes dele, o produtor é uma unidade independente e isolada, a produção, uma satisfação imediata de suas necessidades, o produto, um objeto não-trocável de utilidade, e a sociedade, uma aglomeração solta de unidades econômicas homogêneas, unidas por um cimento puramente ideológico. Depois dele, o produtor se torna parte integrante de um grande organismo; incapaz de subsistir isoladamente, o produto adquire a natureza traiçoeira do valor de troca, e a sociedade, diferenciando-se em seus elementos componentes, transforma-se em um todo orgânico. É aí que a nova série de transformações começa.
Assim que a comuna rural cessa toda a produção industrial, e que o senhor satisfaz no mercado da cidade a maior parte de suas necessidades, a mais-valia feudal toma a forma de dinheiro. O senhor, desprezando os produtos brutos de seus inquilinos, exige em seu lugar e coloca dinheiro, a fim de poder comprar os produtos das cidades e do estrangeiro; exige cada vez mais, à medida que suas necessidades culturais crescem em contato com as riquezas do mercado. Anteriormente, a mais-valia, que era paga em galinhas, ovos, farinha, calçados, etc., era necessariamente uma quantidade limitada e constante; agora, sob o misterioso véu do dinheiro, existe uma infinidade de mercadorias diferentes que ninguém pode prever o que ele pode desejar no rico mercado do mundo, e, consequentemente, tende a extorquir da força de trabalho que está sujeita a ela, tanto quanto possível, a mais-valia. Daí o aumento da exploração feudal: o aumento dos royalties, a conversão do censo e o tamanho do dinheiro, os direitos de passagem (pedágio em rios e estradas), os direitos de produtos e vendas, as banalidades de imprensa, forno, moinho, que cobram dos inquilinos uma multitude de contribuições pecuniárias e assim destroem sua antiga facilidade sem retorno. – Além disso, um novo tipo de fazenda senhorial está sendo criado. As transformações realizadas exigem a grande cultura agrícola. Os censos dos homens perdem a importância que tinham até então, porque, com a produção para a troca, a qualidade dos produtos rurais torna-se indiferente – tanto para os produtores como para os senhores. No entanto, em termos da quantidade de produtos, as pequenas fazendas dão lugar às maiores, e a pequena exportação de comida camponesa é menos vantajosa para o mercado do que as exportações no atacado. Sob o regime da economia natural, a grande cultura agrícola, fornecendo um excedente de produtos inúteis, teria sido sem objetivo, tanto agora, no sistema de troca, esse excedente é o principal objetivo da produção, é trazido ao mercado e dá um benefício pecuniário. Além disso, com o desenvolvimento das relações sociais também desaparece a importância política dos inquilinos. Anteriormente, sob o regime de descentralização e independência política dos feudos, o número de inquilinos decidia o poder do senhor. Agora que o aumento do absolutismo monárquico – produto do desenvolvimento dos fatores sociais da vida – tira o poder político dos senhores e reduz a influência moral da polícia do Estado, esse interesse desaparece e apenas os lucros econômicos permanecem. A entrada de produtos no movimento de troca, substituindo requisitos quantitativos para requisitos qualitativos, afirma a predominância da agricultura em larga escala sobre as pequenas e faz com que a formação de fazendas seja uma tarefa difícil. Este processo começa com a violência social, o roubo universal da terra dos camponeses, pela anexação em massa de todas as recompensas e mandatos censitários às fazendas senhoriais. Milhares de pequenas fazendas rurais estão arruinadas e transformadas em domínios senhoriais, e seus habitantes tornam-se peregrinos livres; é o primeiro proletariado. – Os domínios dos senhores, que antes constituíam a aglomeração das pequenas ocupações censórias, agora combinam neles dois tipos econômicos: o velho, o censor e o novo, a tarefa. Em uma parte dos campos os chalés dos camponeses desaparecem, eles são transformados em uma grande fazenda; a outra parte permanece no estado antigo, mas para os inquilinos que estão estabelecidos há uma nova obrigação, a tarefa na terra senhorial. As receitas do senhor agora são duplas: algumas estão fluindo na forma de impostos e contribuições pecuniárias; ele obtém os outros através da venda no mercado dos produtos de sua própria exploração. A supressão de comunas é um fato geral na Europa. Para os camponeses, foi a ruína, a destruição da parte mais importante de sua exploração, a criação de gado. Agora eles são obrigados a pagar separadamente o direito de pastar, o direito de levar madeira, feno, bolotas. A antiga facilidade dos camponeses desaparece sem retorno sob a opressão de novas acusações feudais, às quais se acrescenta um fardo mais pesado, a tarefa. Por outro lado, a forma monetária dos royalties, levando o camponês para o mercado, muda completamente a sua situação vital. O produtor anteriormente independente, que estava sujeito apenas às influências imediatas da natureza, isolado e totalmente independente da sociedade, está agora preso na grande rede de relações sociais diferentes, e sujeito ao mercado, deve sentir todas as mudanças e flutuações, cruzar com ele bons e maus momentos. Seu gabinete está sob o poder despótico de forças sociais cegas, que, ao produzir uma contínua oscilação de preços no mercado, estão impiedosamente jogando em seu bem-estar econômico. Sob a influência desses distúrbios, uma grande revolução moral é feita na alma do camponês: a bancarrota da velha moralidade serve, falência da qual se tem expressão nas guerras dos camponeses, na nova ideologia do comunismo cristão, pregada por Münzer, bem como na lenta formação de todos os elementos psíquicos que encontramos mais tarde no proletariado, como um novo tipo de espírito humano.
Mas a mais-valia feudal na forma de dinheiro ainda não constitui o capital. A mais-valia feudal conserva seu caráter de valor de uso, toda a transformação consiste apenas naquilo que, se antigamente, nos tempos felizes da economia natural, ela passou das mãos dos produtores imediatamente para o estômago do senhor, agora, para alcançar o mesmo objetivo, ela precisa passar pelo mercado duas vezes. O desenvolvimento do sistema de troca, a metamorfose universal de produtos de utilidade simples em bens bilaterais, também está revolucionando a organização interna das cidades feudais. Dentro das guildas de ofícios aparece o antagonismo das classes entre os mestres e os companheiros; a oficina patriarcal é transformada em um campo de guerra e greves; as guildas se opuseram desde que o domínio tornou-se quase um monopólio hereditário. No entanto, as corporações começam a ser dominadas por uma nova força social: a classe dos comerciantes, que é a expressão imediata do novo tipo de economia monetária. É a única classe em cujas mãos as lojas de ouro se acumulam. Quando todos os outros comem sua renda em dinheiro, os mercadores, como se sentissem a aparência próxima do capital, poupam e acumulam, enquanto aguardam a chegada deste grande momento em que as barras de ouro, até então inanimadas e descansando nas profundezas dos tesouros, se tornarão vivas sob o sopro divino do capital e começarão seu interminável processo de reprodução espontânea. Graças a essa poupança prudente, a classe comercial ocupará mais tarde uma posição de liderança na sociedade e dará origem à burguesia.
No entanto, tudo isso prepara apenas as condições sociais para o capital, produz o material suscetível a receber sua ação, mas não sua própria essência. A ruína das posses censurárias, a opressão da tarefa, a expropriação, as revoltas dos camponeses, este é apenas o prólogo da grande tragédia do capitalismo. A condição essencial para que ela apareça foi o nascimento de uma nova mais-valia na fórmula técnica e cultural da mais-valia, que, sendo libertada dos fins da utilidade individual, poderia cumprir uma função puramente social, com o único destino de um crescimento sem fim na sua qualidade de força produtiva e cultural do mundo humano. No nascimento dessa mais-valia, toda a dialética da história do feudalismo estava tendendo. A aparência do interesse quantitativo da produção, a conversão de objetos úteis em mercadorias, a formação do mercado universal, o proletariado e a acumulação de ouro comercial, esses são novos fatores e forças sociais que, mais cedo ou mais tarde, teriam de criar sua síntese – um novo tipo econômico, a produção cooperativa, e levar os cérebros do Arkwright e do Watt à invenção de uma nova técnica. A nova cooperação, que aparecia nas tarefas e nos fabricantes dos mercadores, era portanto o berço do capital. O valor que aqui foi produzido pela força coletiva dos trabalhadores, superando a soma dos valores produzidos individualmente, contidos nele, não apenas a mais-valia em valores de uso, destinados ao consumo (produto do trabalho individual), mas também uma nova mais-valia, até então desconhecido do mundo humano, de caráter puramente trocável, produto da coletividade humana, que, além da esfera das necessidades pessoais dos proprietários, nasceu apenas para engendrar, através da sua transformação em ferramentas de trabalho e força de trabalho, uma nova posteridade de valores, para realizar os sonhos humanos da civilização e para ser a força criativa e imortal da humanidade. Se, no entanto, esta espécie de mais-valia pode aparecer dentro de uma nova síntese produtiva de forças sociais, é apenas porque essa síntese, realizada em fábricas e fazendas, transformando o produtor isolado e integral em um colaborador parcial de uma cooperação baseada na divisão do trabalho, colocando-o diretamente em contato com o gênio inventivo da técnica e da cultura social, aumenta ao mesmo tempo a faculdade produtiva do indivíduo. Agora, com o aparecimento desta nova mais-valia no trabalho individual, uma nova alma vivificante penetra nas riquezas do mundo feudal e as transforma no capital. O feudalismo, portanto, leva à sua negação, e isso através de sua própria ideologia. Pois é a partir daí que todos os agentes sociais que contribuíram para a formação de uma nova síntese produtiva derivam, pois, como a expropriação dos camponeses não poderia ter sido feita sem os direitos feudais, unidos intimamente com todo o sistema de concepções religiosas e morais daquela época, assim a grande conversão de objetos de utilidade em mercadorias não teria emergido espontaneamente das posses censórias, considerada como uma categoria puramente econômica, sem a ação desse espírito de cavalheirismo e fanatismo místico, que, apesar do individualismo dos recintos feudais, sendo ao mesmo tempo seu produto imediato, apresentava problemas coletivos perante ela, ensinados para os homens a linguagem social, criando assim a história das Cruzadas e do Renascimento.
Assim, a terceira tese dialética repousa sobre o mesmo princípio que as anteriores: os processos históricos que emanam da ideologia feudal, são convertidos em novos elementos técnicos e culturais, o que também traz a transformação do cerne da organização social. Na fórmula técnica e cultural do feudalismo (a faculdade produtiva do indivíduo = a subsistência do indivíduo + a mais-valia), há duas mudanças: em primeiro lugar, a mais-valia feudal, até então individual e percebida na natureza, assume a forma monetária, embora preservando sua finalidade de consumo; em segundo lugar, – o equivalente da faculdade produtiva do indivíduo é enriquecido por um novo elemento componente pelo surgimento da mais-valia capitalista, um caráter trocável, de uma natureza social e criativa. Portanto, a relação entre técnica e cultura social no indivíduo humano muda sua antiga fórmula para uma nova: a faculdade produtiva do indivíduo = a subsistência do indivíduo + a mais-valia feudal + a mais-valia capitalista, e essa nova fórmula constitui o núcleo da organização capitalista.[3]
§8. – Essa análise dos três principais momentos históricos, embora rápidos e superficiais, nos permitirá compreender o significado adquirido pela tese “materialista”: que a produção é o fator determinante da organização social, se reduzirmos essa tese ao seu próprio campo, o fenomenalismo sociológico, isto é, se considerarmos a história no próprio homem, como no único elemento concreto, que inseparavelmente reúne o lado individual e social do mundo, o pensamento e a natureza, a finalidade e o sentimento. O materialismo histórico traduz sua concepção monista da história na busca pelo correlativo econômico para todos os outros processos sociais; Ora, tal redução de toda a heterogeneidade dos fenômenos a um único termo homogêneo só é possível se considerarmos as relações sociais do ponto de vista evolutivo, portanto, em sua evolução, em sua passagem de formas passadas para novas formas, em que a forma diferenciada dos fenômenos, fixada em uma categoria constante, desaparece, dissolve-se entre sua causa e seu efeito, e revela em seu lugar a coisa íntima, oculta sob a aparente diferenciação, da qual se origina o fenômeno dado, e esta que dá origem ao fenômeno seguinte. Mas então, veremos facilmente que os fatores econômicos, como todos os outros, não podem ser desviados de toda a vida social como uma causa determinante; se toda a política e ideologia da sociedade podem ser consideradas como superestruturas das relações econômicas, como um resultado imediato de sua influência latente sobre os cérebros humanos, não é menos verdade que todos os processos econômicos também têm suas causas em vida social, e devem ser considerados como resultado da política e ideologia da época anterior. Ao afirmar que eles são uma força formativa para a organização jurídica e a ideologia social, não podemos, no entanto, esquecer que eles mesmos são apenas um componente no todo sintético da ordem dada, que sendo relações econômicas, são por isso mesmo relações jurídicas, e necessariamente supõem uma certa atmosfera ideológica adaptada a elas e já existente. Entramos, assim, em um círculo vicioso de raciocínio, no qual o mesmo fator exerce ao mesmo tempo duas funções que se excluem mutuamente na aparência: às vezes como um resultado organizado de toda a vida social, às vezes como um elemento determinante dessa vida. Mas essa duplicidade de natureza também contém a solução do monismo histórico, se levarmos em consideração que na forma de produção é imediatamente encontrada a essência de todos os processos sociais, transmutados em elementos de técnica e cultura; essa produção, que em sua parte formal pertence à síntese do organismo social e, como tal, não pode ser considerada como sua causa determinante, ao lado de seu conteúdo, que organiza suas formas, nada mais é que as forças produtivas e as necessidades da sociedade que se buscam no indivíduo, formando nele, no homem vivo, esse nó sócio-individual, cujas transformações estudamos nas teses da dialética da história. Nesse nó se realiza não apenas a unidade do indivíduo e seu meio social, mas também a gênese comum de toda a heterogeneidade dos fatos históricos. No primeiro sentido, – como um termo comum para o indivíduo e seu meio social –, expressa a totalidade da organização social reduzida ao seu concreto humano, a história refletida no indivíduo, no ponto real desses processos, e, por isso, pode ser corretamente considerado o último, o menor elemento da vida social, como o verdadeiro átomo sociológico. Assim, por exemplo, toda a história do feudalismo, reduzida ao indivíduo, é encontrada na fórmula discutida acima (a faculdade produtiva do indivíduo = sua subsistência + a mais-valia em espécie), e essa fórmula é a expressão individual da relação existente entre técnica e cultura social; pois, como vimos, desta fórmula pode ser deduzida toda a economia, política e ideologia do feudalismo. No segundo sentido, isto é, como termo comum de heterogeneidade social, essa relação de técnica e cultura, contida no indivíduo e oculta na produção, expressa a conversibilidade universal da organização social em elementos humanos, – capacidades e necessidades –, que também constituem as sementes de uma nova organização, e é por isso que pode ser considerado como o verdadeiro núcleo da vida, escondido sob o envoltório externo das formas sociais e realizando a continuidade da história. É a parcela imortal dos processos variáveis da vida social, a janela através da qual o fluxo perpétuo do presente entra no futuro. Pois, se nenhuma época histórica, nenhuma ordem social deixa o mundo sem posteridade, deixando na terra uma lousa limpa para seu sucessor, mas se, ao contrário, cada um está sempre prenhe de uma nova ordem, que sai de seu próprio ventre na forma de sua negação é porque toda a vida do mundo que vai embora não só acontece no palco público, mas também imprime seus personagens a esse nó sócio-individual, onde todas as aquisições da história são encontradas, e que ao mesmo tempo serve como um núcleo para a organização do novo mundo. Chegamos, assim, ao princípio do fenômeno sociológico: a vida social reduzida a seu concretum humano. A “objetividade” econômica, que o materialismo histórico considera o substrato da história, é transformada, sob a influência do método fenomenalista, em elementos de natureza puramente psíquica – capacidades e necessidades – que reúnem neles o lado individual e social do mundo humano em um verdadeiro nó psicológico, que se forma entre o indivíduo e seu meio social e que constitui o menor elemento da vida coletiva.
II
§9. – De acordo com isso, também muda o papel histórico da ação humana consciente, o papel do homem como um ser pensante nos problemas da evolução social. Os teóricos do materialismo histórico, não vendo o caráter fenomenalista dessas “relações materiais”, que constituem uma espécie de alma impessoal da história, tendem a considerar a consciência humana, a “ideia”, como “epifenômeno” no grande processo de transformações sociais, como uma reflexão ideológica desprovida de força criativa, dessa “materialidade” apenas real, que realiza tudo por si mesma, sem qualquer ajuda.
Para resolver esta questão, voltemo-nos para a análise da quarta tese dialética, que se apresenta na série, e que pertence ao socialismo. Para, em nenhum lugar essa rivalidade entre o fatalismo das relações materiais se manifesta tão visivelmente quanto, cobrando em seus ombros ásperos todo o futuro da humanidade, e “a ideia”, que, parecendo não prestar atenção a este colosso elementar, une legiões inteiras de almas humanas para ação finalista, chama-os a um luta consciente pelo ideal do mundo nascente.
O capital, como o funcionamento social dessa mais-valia, que já não tem como objeto o uso individual, possui, por sua própria essência, uma tendência à acumulação infinita das forças produtivas da sociedade. Essa tendência manifesta-se externamente em dois processos que dão origem, entre eles, a uma contradição econômica. Por um lado, a expropriação, a ruína da pequena indústria e a pequena propriedade, ampliando a esfera da força de trabalho submetida ao capital, diminuindo assim a demanda cultural da sociedade, sua capacidade de consumo. Por outro lado, o capital, concentrado pela competição do mercado em centros produtivos sempre mais poderosos, aperfeiçoa a técnica social, de acordo com a esfera universal de sua ação, de modo que o trabalho humano é cada vez mais substituído pelo automatismo mecânico, e a capacidade e o poder de compra do mercado mundial diminuem à medida que o exército de reserva do proletariado cresce. Como resultado, a extensão da esfera produtiva do mercado se opõe ao estreitamento de sua esfera consumidora, e o indivíduo sendo, como força de trabalho, engajado no grande organismo produtivo da sociedade, é ao mesmo tempo oprimido por ele em todas as suas necessidades culturais, e ainda mais porque a riqueza do ambiente social desenvolve ainda mais essas necessidades. Dessa contradição fundamental procede toda uma série de antagonismos sociais, ocultos ou visíveis à consciência humana, que dão às instituições capitalistas um caráter de bipolaridade, como que para mostrar que elas são colocadas entre dois mundos mutuamente exclusivos. A produção dirigida para fins de lucro privado é, não obstante, uma produção de natureza social, tanto em sua técnica quanto em sua adaptação às necessidades de um mercado universal. O capital pessoal e privado, operando com base no princípio da livre concorrência, aglutina-se no capital impessoal, formando ao mesmo tempo um novo tipo de organização produtiva, os cartéis e os sindicatos, que, unindo em seu meio todas as fases de uma determinada indústria, desde a extração da matéria-prima até a venda a varejo de objetos de utilidade, elas também cumprem o papel de reguladores do mercado. Mas diante das gigantescas forças sociais que se acumulam no capital, deixando sua marca em toda situação vital do homem, a importância do trabalho individual está desaparecendo cada vez mais, e o individualismo econômico, que serve de base para o capitalismo, está se tornando cada vez menos compatível com suas tendências. Todos esses processos, embora se oponham à consciência por seu caráter “objetivo”, contêm um elemento humano por excelência – a força de trabalho do homem que, na esfera de ação do capital, adquire atributos específicos: transformada em mercadoria torna-se o equivalente trocável da vida humana, passando ao mesmo tempo no domínio social; e, concentrando nela todos os interesses vitais de seu possuidor, preserva seu valor apenas como elemento da grande coletividade produtiva, pois, dada a técnica e a cultura capitalista, perde a faculdade de funcionar isoladamente, é despojada de seu caráter individual. Como resultado desse duplo vínculo entre a força de trabalho do indivíduo e o organismo social, todas as contradições do mercado que ocorrem no campo das relações “materiais” do capitalismo são imediatamente traduzidas para uma linguagem individual – a da miséria e da exploração. A produtividade social, subjugada pelo capital privado, operando com base na exploração do trabalho humano, não pode cumprir seus objetivos, que são encontrados na cultura social, como sua única razão de ser; e, assim, perdendo sua tarefa civilizadora, perdendo o caráter de finalidade como resultado de seu antagonismo artificial com necessidades sociais, antagonismo no qual leva o interesse privado, ela se volta contra o indivíduo humano, na forma de exploração industrial, expropriação, crises crônicas e essa chance cega do mercado, que cerca o homem por todos os lados, como um novo elemento cósmico, brutal e indomável.
Mas essa mesma produtividade social prepara sob a direção do capital a efetiva libertação objetiva do homem. Pois, transformando sua força de trabalho no equivalente das necessidades da vida e em um elemento da grande organização produtiva, servida pelo automatismo mecânico, realiza por si mesmo a separação entre o ser humano e seu trabalho utilitarista, entre o indivíduo concreto e seu papel como produtor buscando a realização de suas necessidades materiais. O elemento produtivo da vida individual, que é também o equivalente da cultura material do indivíduo, é transportado inteiramente para a organização social e, como ocorre essa socialização do trabalho individual, seu valor expresso o tempo de trabalho, isto é, como uma soma indispensável dos esforços humanos, tendendo ao “infinitamente pequeno”, enquanto seu valor expresso em produtos, como o equivalente material desses esforços, está aumentando; pois a organização social do trabalho é necessariamente acompanhada pelo aparecimento de forças técnicas colossais adormecidas no gênio da sociedade. – Dessa forma, toda a preocupação com a existência material do indivíduo tende a se referir exclusivamente à síntese social, e o próprio indivíduo, à custa da socialização de um pequeno elemento de sua vida, surge desta síntese como um ser perfeitamente livre; o trabalho utilitarista, passando para a organização inconsciente da sociedade, liberta de seu jugo opressivo a consciência do homem. – Assim, no nó sócio-individual, oculto no fundo da ordem capitalista como seu último elemento, realiza-se o processo da emancipação objetiva do indivíduo humano, processo que, na esfera pública, resulta em um drama de miséria, luta de classes e exploração. As contradições econômicas, nascidas em meio às dores humanas, se preparam no núcleo imperceptível da vida social, como que para recompensar as dores infligidas, o nascimento do novo mundo, o reino do homem libertado do jugo da coisa, a realização do maravilhoso sonho que a humanidade uma vez concebeu, no tempo de Tibério na terra da Galileia; então, era filho de um simples carpinteiro, que lhe revelava seus sonhos divinos do homem livre das cadeias do trabalho e das preocupações cotidianas, vivendo como os lírios dos campos, nas delícias do mundo procurando por “tesouros imperecíveis” de amor e beleza; agora, é a própria história que revela à humanidade que, em seu próprio ventre, o sonho das eras passadas já está começando a se realizar, que ali – nas profundezas de sua vida desorganizada pelo sofrimento humano – o novo mundo do homem libertado já está sendo formado em seu germe “material”.
§10. – Para este processo de transformação objetiva, que ocorre no nó sócio-individual contemporâneo, corresponde o processo consciente da emancipação do homem – a ideologia do socialismo. É aqui que poderemos ver a relação entre a “ideia” e a “objetividade” social.
O centro de gravidade da ideologia do socialismo, – é o comunismo. Considerado do ponto de vista de suas tendências históricas, isto é, em correlação com o processo econômico do qual é o representante ideológico, o comunismo apresenta um duplo caráter: do ponto de vista objetivo, é a organização social do trabalho com o objetivo de alcançar o máximo de produtos com o mínimo de trabalho individual; do ponto de vista subjetivo, é o desaparecimento dos antagonismos entre os homens, entre o indivíduo e a sociedade, a culminação do egoísmo e do altruísmo à sua identidade natural, pela remoção de obstáculos objetivos que trouxe conflito para a alma humana e social de sua natureza. A primeira – a organização social do trabalho – significa: libertação da mente do indivíduo de todas as preocupações relacionadas às necessidades materiais; o trabalho que satisfaz essas necessidades vai para a esfera social, assim como as outras necessidades orgânicas, por exemplo respirar, pertencem à natureza inconsciente do homem, de modo que a consciência humana não é obrigada a cuidar do seu funcionamento. Tal natureza para o indivíduo, preocupado com todas as suas necessidades, exigindo o mínimo de sua participação pessoal, será a produção socialmente organizada; assim como hoje a organização pelo Estado de postos e ferrovias entrega o indivíduo de toda a massa de esforço que ele deveria empreender para se comunicar com seus semelhantes, da mesma forma, no futuro comunista, a produção socialmente organizada livrará o indivíduo da luta pela vida e da preocupação com o pão cotidiano, e com isso espalhará as asas do gênio humano e abrirá ao homem o livre acesso de riquezas da vida espiritual. A sociedade, considerada deste ponto de vista, aparece assim como um ambiente natural que provê a vida do indivíduo. Isso corresponde à evolução psíquica do homem, que consiste no fato de que uma grande quantidade de ações vitais, de processos psíquicos, passa para o inconsciente, entregando o espírito para a conquista de esferas superiores para sua atividade. – Considerado do ponto de vista subjetivo, isto é, a partir da expressão que assume na consciência humana, o comunismo significa o acordo dos meus interesses vitais com os dos outros, a dependência do meu bem-estar e minha melhora com o bem-estar e desenvolvimento de meus concidadãos; por consequência, – o desaparecimento do egoísmo como a oposição de minhas necessidades às necessidades dos outros, e, do altruísmo – como a oposição das necessidades dos outros a minha e, em seu lugar, a formação de uma nova síntese desses dois sentimentos, em que ambos perdem seu próprio caráter pela supressão de seu antagonismo, a síntese de uma fraternidade social, um novo amor, que não exigiria nem o sacrifício de mim mesmo pelos outros, nem a restrição e a violação de meus sentimentos pessoais, nem o sacrifício do bem alheio pelo meu, estaria livre de qualquer autoridade de deveres formais, seria um ato bondade pura.[4]
Portanto, pode-se considerar que a propriedade comum ou a negação da presente ordem, a fusão do indivíduo com a sociedade em todo o campo da vida externa, sendo o objetivo econômico do socialismo, é ao mesmo tempo seu meio revolucionário para o total emancipação do homem. Para cada transformação externa da vida social, toda transformação das formas de sua organização deve ser encontrada no elemento real da sociedade, no indivíduo humano, onde tem apenas um valor moral. Considerado deste lado, o comunismo apresenta-se como a solução dessa luta secular que o ser humano entrega ao mundo exterior, o indivíduo à comunidade. Isso pode ser formulado em três postulados morais, que expressam a mesma relação do indivíduo com seu meio social sob o regime das formas comunistas de vida. Primeiro: a libertação do homem do jugo das coisas, porque toda a preocupação com as condições materiais da vida passa para a sociedade e, consequentemente a satisfação das necessidades vitais ocupa um lugar mínimo na consciência humana, embora socialmente um trabalho enorme seja dedicado a este objetivo. (Esse é o ponto crucial do coletivismo, seu valor econômico). – Segundo: a libertação do jugo dos instintos animais, do instinto de conservação, da fome, que, como o instinto da respiração, passará para o domínio inconsciente e perderá toda a supremacia na vida consciente do homem, pois o instinto de conservação, não mais impedido e violado pelas condições de vida como é hoje, mas, pelo contrário, satisfeito na organização social, desaparecerá como um componente da alma, e com ele todos os subprodutos psicológicos, que se desenvolvem em sua base, como os sentimentos de egoísmo, orgulho, o prazer de dominar os outros, de ciúme. – Terceiro: a libertação da restrição social de qualquer Estado, obrigando pela força física da polícia a observar as leis sancionadas; essa restrição desaparece no momento em que a sociedade, organizada para uma produção coletiva, se torna como um ambiente natural do homem, satisfazendo suas necessidades vitais, uma espécie de segundo ambiente nutritivo. O Estado reduzido à organização produtiva é suprimido;[5] o que resta é a unidade natural dos indivíduos que se manifesta psicologicamente em atos de solidariedade e fraternidade. – A propriedade comum é, portanto, apenas uma base vital para a emancipação do indivíduo e a transformação da humanidade no sentido do ideal moral. É este novo mundo que criará uma nova humanidade.
§11. – Mas se a emancipação do homem – como um ser pensante – emerge diante de nós em sua plena luz, como o problema essencial do comunismo, por outro lado, principal motor histórico que o socialismo nos mostra para atingir seu objetivo é, antes de tudo, o homem. E, de fato, para o comunismo, essa base real do renascimento da humanidade, para se tornar um fato, não apenas deve ser alcançado o desenvolvimento conforme da técnica social produtiva, mas também uma socialização moral dos homens, para que eles estejam no auge das novas condições, onde apenas o sentimento de justiça governará a grande organização social. “Antes da completa transformação da ordem social, que será o trabalho das gerações da história em si, as concepções dos contemporâneos sobre moralidade e justiça devem primeiro mudar completamente” – disse a “Internacional” em seu manifesto.[6] – A base técnica do comunismo existe como um fato do desenvolvimento histórico. A força moral humana é criada conscientemente pela atividade finalista aplicada ao mesmo lar onde a revolução material está se desenvolvendo. O ponto econômico da fermentação social, como vimos, é a força de trabalho que se transforma no nó sócio-individual da ordem atual; Ora, este elemento, embora legalmente separado, pela abstração, do ser vivo, constitui, na realidade, o próprio homem. O ponto da revolução econômica é, portanto, ao mesmo tempo, o ponto sensível e consciente da história, e, como tal, é provável que receba a ação finalista da ideia. A força de trabalho em sua realidade concreta – é o proletariado. Portanto, o socialismo, que não é apenas uma reflexão ideológica passiva dos processos da história, mas também a criação consciente da própria história, deve, na prática, ter um caráter de classe, e, tendendo à emancipação do homem, deve buscar sua base histórica no interesse dos povos expropriados.
O proletariado, antes de entrar em contradição moral consciente com a atual ordem social, já constitui sua negação como categoria histórica, a negação de seus princípios legais e econômicos, que, para sua realização na vida social, requerem a violação da dignidade natural do homem. É, para nos expressarmos pelas palavras de Marx: “a classe social que não pertence à ordem social; classe que decompõe todas as outras classes, que não precisa de seus direitos particulares, já que para ela não são os direitos especiais que são violados, mas a lei em geral; uma classe social que não pode mais invocar nenhum privilégio histórico, mas apenas sua natureza humana; que não é em particular antagonismo com qualquer outro resultado da ordem política, mas em antagonismo universal com todas as bases desta ordem; uma classe social, enfim, que não pode conquistar a liberdade por si mesma, sem se livrar de todas as outras classes sociais, e sem – por isso mesmo – dar liberdade a todas as classes; que representa a perda total de tudo o que é inerente ao homem, e que, portanto, pode conquistar para ela um lugar na vida apenas conquistando todos os direitos do homem … Quando o proletariado proclama a dissolução da ordem existente, só expressa o mistério de sua própria existência, pois é precisamente isso que constitui a dissolução dessa ordem. Quando ele alega a negação da propriedade individual, só eleva à altura de um princípio de organização social o que a sociedade colocou como princípio a si mesmo, ao proletariado e ao que nele se expressa – como resultado social negativo, sem colaboração alguma de sua parte”.[7] A atividade criativa do socialismo, portanto, encontra uma questão social real para alcançar seu ideal. Seu caráter de classe, longe de ser identificado com o das partes da grande ou pequena burguesia, é apenas a necessidade de contar com um fundamento histórico, onde, espontaneamente, no campo econômico, se desenvolve a questão da libertação do homem, onde não são mais as instituições de direitos políticos ou civis oprimidos, mas o próprio homem; onde não há como substituir os antigos privilégios por novos, de conquistar uma nova dominação de classe sobre os demais, pois toda dominação aqui passa a ser a dominação econômica e, consequentemente, a afirmação do jugo opressivo. – A velha burguesia revolucionária lutou contra a opressão das leis feudais pela igualdade dos direitos políticos como uma casta inteira do “terceiro Estado”; para emancipar seus interesses econômicos dos produtores e proprietários, deve, como casta, como Estado, se entregar política e legalmente; suprimiu privilégios de casta para acentuar ainda mais a economia de classe. O proletariado, por outro lado, tendo primeiro a ver com a exploração econômica, com o jugo do trabalho e a fome, portanto, com um jugo bastante concreto, oprimindo não uma coletividade abstrata de “classe” – mas a sua realidade viva – o indivíduo, e não como uma lei do código, mas como a própria vida, pode ser entregue senão entregando o homem em geral, não pode suprimir a dominação social de seus opressores suprimindo ao mesmo tempo a fonte de toda dominação e escravidão: a exploração do trabalho humano como classe econômica; é ao mesmo tempo a negação de “classes” em geral.[8] A história, ao rejeitá-la fora do reino da propriedade, infligindo-lhe um jugo menos jurídico que real, o jugo do trabalho transformado em mercadorias e imposto pela fome – coloca assim o problema da emancipação do indivíduo humano como um problema de sua própria emancipação. – O caráter revolucionário do proletariado, seu papel histórico como portador do ideal do futuro, é, portanto, socialmente determinado, antes de se tornar psicologicamente a consciência dos indivíduos. É também esta nova alma humana que, historicamente emergindo das bases do capitalismo, como sua negação econômica e jurídica, se transforma sob o sopro revigorante da ideia – na negação moral do mundo atual, tornando-se ao mesmo tempo a força criativa e o núcleo social do novo mundo ... A nova ordem encontrará, portanto, novos homens.
§12. – Tomando essa tese dialética do socialismo como um exemplo para esclarecer a relação entre a ideia e a coisa na vida social, o que vemos acima de tudo é uma certa identidade de processos morais e processos econômicos de transformação. Os processos morais tendem a resolver os mesmos problemas que emanam espontaneamente dos processos econômicos. Os processos econômicos são responsáveis por alcançar o que, no lado moral, se apresenta como um problema finalista da criação humana. Mas esse princípio otimista do socialismo científico, que o próprio Fatum da história conspira com os trabalhadores para a causa da ordem futura, de modo algum diminui a importância do papel da intervenção humana consciente. Somente a evolução econômica, se eliminarmos artificialmente a ação da consciência humana, não daria garantia de que cumprisse realmente sua promessa, expressa na linguagem objetiva da grande indústria, dos cartéis, da organização social do trabalho, que levaria realmente ao ideal coletivista. Considerando as coisas do lado puramente formal, levando em conta apenas este processo econômico abstrato, pode-se admitir com M. de Greef, que “o desenvolvimento histórico caracterizado, no período capitalista, pela concentração da propriedade fundiária, comércio, indústria e agentes de circulação, pode levar também à decomposição do Estado moderno, ao lucro de um novo feudalismo[9] a uma socialização mais completa”. (de Greef, Transformisme social, p. 286). Mas a evolução econômica nunca é feita sem revolucionar as mentes, e só pode avançar tanto quanto são introduzidas em seus agentes de processo de natureza psíquica, os desejos e as faculdades sociais, o grau de cultura e o gênio técnico do século, ideias que, emanando de relações “materiais”, devem tender para transformações materiais, assim como a onda de sentimento que sai das profundezas do organismo humano, a emoção sinestésica reage, não obstante, a esse organismo, e como seu correlato psíquico é, ao mesmo tempo, formado por ele e a forma, por sua vez. No terreno favorável da economia natural das posses censuradoras do feudalismo, o fanatismo religioso místico está se desenvolvendo com grande força, o que acaba sendo também essencialmente ideológico como as Cruzadas; estes, no entanto, ao abrir novos caminhos à cultura e à tecnologia social, produzem como resultado a decomposição da economia natural e a “Robinsonade” dos inquilinos, isto é, a negação de sua fonte primitiva “objetiva”. O fenômeno econômico, passando em sua expressão ideológica, se nega. – Portanto, a dialética da vida não corresponde à dialética formal. O que, formalmente, usando a abstração, discernimos em categorias distintas “econômicas e morais”, e das quais indicamos o diferente grau de valor evolutivo por esses termos do materialismo histórico: base e superestrutura, tudo isso – na realidade social – é um todo vital, que não conhece classificação de raciocínio formal, de acordo com o “monismo” objetivo da vida, que desenvolve a partir de um mesmo cérebro humano toda a sua heterogeneidade colorida de elementos produtivos, consumistas, morais, religiosos e políticos. Assim, enquanto a dialética formal busca nos fenômenos econômicos apenas a negação do dado processo econômico e se opõe à tese econômica, segundo a regra, a antítese econômica, a dialética da vida social, por outro lado, expressando o verdadeiro “monismo”, libera das relações materiais o elemento psíquico destrutivo e opõe à tese econômica a antítese moral, pela simples razão de que não há processos econômicos ou formas objetivas e jurídicas da vida social que não escondam a força psíquica das gerações passadas e presentes em seu conteúdo vivo. – O capital, arruinando as castas feudais, a economia natural, o monopólio dos ofícios, a descentralização política, revolucionou ao mesmo tempo o espírito humano; mas este mesmo capital não poderia ter aparecido se a faculdade produtiva da sociedade tivesse parado em seu estágio feudal, dando apenas a mais-valia dos valores de uso, a mais-valia consumida, se não tivesse chegado à criação dessa nova mais-valia, de caráter produtivo e social, que, aparecendo apenas para procriar sua posteridade, com o destino de uma fertilidade imortal, transformou os simples instrumentos de satisfação das necessidades humanas em capital. Agora, para que a técnica e a cultura social pudessem ser desenvolvidas mais tarde, de modo que pudessem trazer a produtividade do trabalho individual para a criação da mais-valia capitalista, para este fim, a ação comum de todos os agentes políticos e morais que, a partir do século XII, foram lentamente desenvolvendo uma nova vida dentro do mundo feudal, separando o campo da cidade, formando o mercado internacional e o Estado moderno, diferenciando o tipo homogêneo de inquilinos em novas classes sociais, em que se forma a personificação viva do capital, o capital em sua dupla face humana: a burguesia e o proletariado. Sem todos esses agentes, produtos da ação comum de todos os desejos e ideias sociais, das correntes mais “ideais” da mente, ao instinto mais simples da fome, sem eles, a técnica social do feudalismo, a técnica das guildas de artesãos e as mansões do censo, não teriam espontaneamente dado um passo à frente; e como ela é a única que pode transformar a forma de produção, essa base de relações econômicas, toda a vida “econômica” teria, portanto, parado em sua antiga fórmula de economia natural, se ela tivesse sido deixada para si mesma, se estivesse realmente isolada de toda a vida social como seu processo fundamental. É verdade que a dialética da história constrói seus ciclos de transformações com elementos heterogêneos, que lidam com o fenômeno econômico, liberta os agentes ideológicos latentes, que conduzem à negação econômica, além de lidar com um fenômeno ideológico, chega à sua negação através dos agentes econômicos: o fanatismo religioso da Idade Média traz a sociedade feudal em cooperação com os mercados do Oriente, preparando assim o terreno técnico e cultural para o capitalismo, cujo resultado moral imediato é a indiferença religiosa.
§13. – Para entender essa questão, porém, devemos olhar mais de perto a diferença entre a dialética formal e a realidade histórica. A dialética é a expressão lógica da evolução dos fenômenos. Considerar o mundo do ponto de vista evolucionista é considerá-lo como um fenômeno oposto à “coisa em si” incognoscível, como uma série de existências efêmeras em que nenhuma realidade metafísica encontra seu lugar. O evolucionismo, em oposição ao “naturalismo” puro, remove todos os valores absolutos da evidência da natureza. Mostrando a natureza como “continuamente criando para ser capaz de destruir e incapaz de produzir algo duradouro” (Schopenhauer) – o evolucionismo capta o verdadeiro significado do mundo com o qual estamos lidando, a relatividade de seu valor, seu caráter puramente fenomenal, estranho a todos os absolutos. Mas, trazendo os fatos da vida ao valor de fenômenos de caráter relativo, devemos também considerá-los em sua causalidade, em sua continuidade e semelhança essencial, e excluir de todo novum absolutum, incompatível com a causalidade. Continuar a evolução de um determinado fenômeno é reduzir uma série de fenômenos individuais heterogêneos e diferenciados ao elemento que é comum a eles, a uma certa unidade; por exemplo, só podemos estudar a evolução dos vertebrados se retornarmos os diferentes tipos de espécies a um caráter anatômico comum a todos eles, a espinha dorsal. Seres absolutamente diferentes não podem entrar em uma cadeia evolucionária, assim como não podem negar um ao outro; o som não pode ser o contraste da luz; a tese e a antítese condicionam mutuamente seu caráter. A concepção evolucionista do mundo é, portanto, ao mesmo tempo, a concepção monista. A Dialética, como fiel intérprete da evolução objetiva, deve, portanto, reproduzir esse mesmo duplo processo: desenvolver a unidade na heterogeneidade e reduzir a heterogeneidade à unidade.[10] Aplicada aos fenômenos sociais, não pode reconhecer sua classificação em econômica, moral, política, que é de natureza formal e conceitual. Porque na vida eles estão tão intimamente interconectados que a mudança em uma categoria leva a mudanças nos outros, e nenhuma categoria de fatos é isolada ou limitada de maneira distinta quando considerada em movimento, em evolução, isto é, na realidade única da vida. Assim, por exemplo, os fenômenos econômicos são reduzidos à forma de produção, e a forma de produção à fórmula técnica e cultural da razão entre produtividade e necessidades; mas o grau de produtividade social do trabalho e as necessidades da cultura vital são influenciados por uma série de fatos sociais, pelo progresso das ciências, o estado da luta de classes, as modificações da constituição política, as boas maneiras, as guerras, o sistema fiscal e o da educação, o desenvolvimento das artes plásticas, etc. Quando consideramos fenômenos no estado estático, só então eles são distinguidos em certas classes claramente definidas, só então podemos considerar os fatos econômicos, morais e políticos separadamente; mas também consideramos concepções mais do que as próprias coisas. O caráter constante e rigorosamente limitado de uma certa categoria de fenômenos é encontrado apenas em definições; quando, no entanto, nos livramos da definição, olhamos para a realidade da vida, os fenômenos em seu devir, este caráter desaparece, as categorias se sobrepõem umas às outras, e um dado fenômeno, econômico por exemplo (a manufatura capitalista, a fazenda da tarefa) assume o caráter de um “símbolo” de toda uma vida social, resume em sua natureza todas as correntes que emanam do espírito humano. Como é apenas na definição conceitual que aparecem as abstrações puras de uma determinada cor, de uma certa forma, intensidade, etc, enquanto o fenômeno em si não corresponde a ela, a realidade não conhece cor sem forma, nem intensidade sem cor, e combina nela a heterogeneidade qualitativa; Da mesma forma, por trás das definições puras de fenômenos sociais estão os momentos da própria vida, a fusão dos diferentes elementos potenciais, que conferem ao fenômeno a força do desenvolvimento e o fazem evoluir continuamente. Por outro lado, toda abstração, sendo uma homogeneidade eliminada da vida, permanece sempre morta; a forma de produção ou propriedade, se existisse na vida social real como existe no cérebro dos cientistas, seria totalmente estéril, incapaz de um processo de desenvolvimento. Agora, lembrando-nos dessa verdade indutiva de que todo fenômeno social é produto de agentes heterogêneos da vida, que os simboliza por assim dizer, sem nunca corresponder à definição pura que o representa em nosso intelecto, devemos, ao mesmo tempo, reconhecer que não há séries causais de fenômenos da mesma categoria, que não há evolução econômica, política, moral, que não podemos falar de séries maiores ou menos importantes, de primeira ordem ou de segunda ordem, uma vez que nenhuma dessas séries poderia ocorrer por si só, cada uma sendo apenas um lado, isolado em nossa concepção, da totalidade da vida. Consequentemente, seremos capazes de traduzir a série histórica de todos os tipos de fatos sociais, em qualquer um deles. Sempre podemos encontrar o correlato econômico dos processos religiosos, morais e políticos e vice-versa. As mesmas contradições inerentes à proposição dos sociólogos do século XVIII, que via na ordem política a principal causa de todos os fenômenos sociais, a saber, que as maneiras e ideias são o resultado da ordem política, enquanto esta mesma ordem política deve ser, por sua vez, o resultado de certas ideias e morais, sendo as duas proposições igualmente justificadas, essas mesmas contradições são encontradas quando atribuímos a qualquer lado da vida social um papel excepcionalmente privilegiado. A forma de produção dos mandatos censitários produziu as leis feudais e o regime descentralizado, vassalo, formando ideias e costumes correspondentes. Mas também é verdade que as condições políticas do tempo, costumes e religiosidade, imprimindo no espírito humano um caráter particular, mantendo-o em certos grilhões, influenciados por esse próprio fato as faculdades produtivas e as necessidades culturais, que em toda parte e sempre condicionam necessariamente o estado dado de técnica social e a forma de produção que corresponde a isto; pois nem a posse censitária nem a produção corporativa poderiam existir com a técnica e a cultura capitalistas. Da mesma forma, pode-se dizer que a descentralização política do feudalismo foi o resultado da economia natural; um feudo, sendo uma unidade econômica autossuficiente, não precisava de uma política nacional e de um estado centralizado. Mas esse mesmo fato de descentralização política também deve ser considerado como uma das principais causas da duração da economia natural, porque tem sido um dos obstáculos mais importantes para o desenvolvimento do comércio. O desaparecimento da economia natural, o advento do feudalismo monetário, grandes fazendas senhoriais, a separação entre cidade e campo e assim por diante, transformando de maneira radical as maneiras e ideias da Idade Média; agora, entre suas causas, no lugar principal, estão as Cruzadas, isto é, o resultado direto de toda ideologia feudal.
De acordo com a natureza dos fenômenos sociais, que unem os elementos heterogêneos da vida humana, a dialética da história não buscará a negação de um fenômeno econômico dado exclusivamente em seu conteúdo econômico, a negação de um fenômeno moral em seu conteúdo moral, mas, rasgando o véu de sua aparente homogeneidade formal, concebendo-o em sua única realidade de devir contínuo, ele mostrará em seu interior a riqueza da heterogeneidade vital. O complexo elemento da destruição esconde na forma unitária o caráter moral revolucionário dos fatos econômicos e o caráter econômico-revolucionário dos fatos morais. A dialética formal, fiel ao intelectualismo, reconhece um valor real para abstrações conceituais, olha a vida através do prisma da definição, e não sendo capaz de perceber na forma homogênea dos fenômenos sociais, seu conteúdo heterogêneo vital, é forçado a buscar a negação do fenômeno dado em sua mudança quantitativa. Tendo, portanto, a ver com a ordem econômica atual, o intelectualista perceberá a causa única do nascimento de sua antítese no processo de concentração do capital, na aglomeração das unidades produtivas, na organização dos cartéis, etc, segundo a fórmula: a variação quantitativa do fenômeno leva à sua negação qualitativa. Por outro lado, a verdadeira dialética, que considera não apenas os processos da vida, as séries de fenômenos, mas também cada um de seus elos, cada um dos próprios fenômenos, do ponto de vista dialético, isto é, em seu devir – essa realidade objetiva única – a dialética, que é a expressão precisa da evolução da vida, deve romper completamente com todo intelectualismo e, em vez de operar com o definições de fenômenos, abstrações conceituais isoladas da vida, e conceber fenômenos como manifestados em seu devir, portanto, não substituir uma homogeneidade formal por fatos reais, mas considerar a heterogeneidade vital que a evolução nos revela em cada fato aparentemente simples, como os fatos únicos da realidade. E então, fiel à história, ela verá a negação dos fatos existentes, não apenas em sua mudança quantitativa, mas também nessa riqueza qualitativa que, sendo o elemento latente da própria vida, constitui o verdadeiro elemento de sua destruição, o germe interno de sua morte.
§14. – Se, então, encaramos dialeticamente a questão do comunismo futuro, então devemos reconhecer imediatamente que as relações “materiais” por si só não podem determiná-lo completamente; que nem a concentração de capital, nem os cartéis de produção e consumo, nem a aglomeração espontânea dos trabalhadores sob a direção da grande indústria, podem constituir a razão suficiente para o seu advento. Porque o capitalismo, assim como nasce da cooperação da ideia e da coisa, da mesma forma, ele deve morrer por uma nova cooperação da ideia e da coisa. No berço, o ouro dos mercadores, acumulado por troca, as oficinas artesanais e as fazendas senhoriais haviam sido fertilizadas pelo novo gênio da produtividade e das necessidades culturais; a ideia de “liberdade” e “direitos humanos” conquistou para ele os braços libertos dos empregados; o estado “nacional”, erigido na bancarrota moral dos senhores feudais, abriu novos mercados para ele; a burguesia – aquele verdadeiro cérebro do capitalismo – vigiava seus interesses históricos, conscientemente revolucionando a moral, a ciência e a religião, as leis políticas e civis, e pode-se dizer que o “fatum” da história foi definitivamente conquistado pelo capitalismo pela criação finalista da burguesia. Um drama semelhante da vida deve ser repetido em torno de seu caixão, que é ao mesmo tempo o berço do comunismo. Todos os poderes sociais, econômicos e morais, devem lutar uma feroz batalha pelo nascimento do novo mundo. A concentração do capital deve se opor à democracia “ideológica”, às altas exigências culturais dos expropriados; os direitos políticos do povo, confrontados com o monopólio econômico, devem chegar à negação política do Estado que sustenta esse monopólio; a ideia de “emancipação do homem”, removendo os preconceitos morais de propriedade e trabalho, ao mesmo tempo, liberará as forças gigantescas da técnica social, que estão adormecidas hoje e serão realizadas por elas. O fatum cego da história, nessa conjuntura crítica, busca um novo cérebro para se contemplar. Emaranhada na consciência humana, retirando das almas humanas toda a sua seiva vital, sua força de evolução, ela deve obedecer às vontades dessa consciência que ela mesma elevou em seu ventre por um longo processo espontâneo, como um produto da decomposição universal, como a “ideologia” do proletariado. E, tendo chegado a se contemplar, a se conhecer, o fatum da história humildemente inclina a cabeça diante dessa nova consciência da qual ele se coroou, hesita, nega sua existência, esperando pelo “decreto” decisivo da vontade humana consciente. Como a natureza inconsciente, chegada em sua evolução à consciência do homem, submete-se ao homem, assim a história, chegando ao autoconhecimento na ideologia da classe social que é a expressão humana de seus processos objetivos de desenvolvimento, submete-se à direção consciente desta classe. Agora, onde a consciência humana aparece, o homem como um ser pensante, também abre um campo livre para a criação finalista. O fatum histórico do capitalismo, tendo produzido a consciência do proletariado, nega-se a si mesmo; Chegou ao ponto de virada onde o novo mundo do comunismo nasce, revela-se impotente e estéril. O proletariado consciente deve tomar o seu lugar. A história, “conspirando com os trabalhadores, é, no entanto, incapaz de introduzir o” comunismo na cadeia de sua necessidade cega; permanece um ideal para conquistar, um objetivo para a atividade consciente.
O otimismo do socialismo científico de modo algum exclui a intervenção humana, a política fazendo história, mas, ao contrário, indicando uma dada força criativa – o proletariado, o caráter dialético da história –, uma cooperação contínua entre os agentes ideológicos e materiais, acentua toda a importância. É por isso que, apesar da associação espontânea dos trabalhadores sob o comando dos grandes capitais, o socialismo os chama para a união ideológica; apesar da existência de modelos “objetivos” do futuro dentro da técnica capitalista, ele se empenha em inculcar os modelos “ideais” dos cérebros humanos; é também por isso que – em vez de acelerar o desenvolvimento material, colaborando com o capital em sua ação destrutiva das antigas formas de produção e pequena propriedade em pequena escala, em vez de se tornar o aliado da grande burguesia moderna, que produz cartéis, sociedades anônimas e colapsos do mercado de ações, – acelera apenas o desenvolvimento ideológico da sociedade, ela assume a tarefa de revolucionar moralmente a humanidade, de formar essa nova alma coletiva que conscientemente negará a atual ordem social.
É assim que a ideia e a coisa são apresentadas na transformação social, o papel da criação humana consciente vis-à-vis do determinismo evolutivo, se considerarmos os problemas da dialética histórica no sentido do princípio fenomenalista, que busca no cérebro humano a razão suficiente para a vida social.
[1] “As relações sociais estão intimamente ligadas às forças produtivas. Ao adquirir novas forças produtivas, os homens mudam seu modo de produção e, mudando o modo de produção, o modo de ganhar a vida, mudam todas as suas relações sociais. O moinho de mão nos dará a sociedade com o suserano, o moinho a vapor, a sociedade com o capitalismo industrial”. (K. Marx, Miséria da filosofia)
[2] Veja a pesquisa de Rodbertus sobre a “Antiguidade clássica”
[3] O benefício do capital não tem, portanto, uma natureza homogênea; Nós sempre encontramos essas duas partes componentes, que são categorias históricas. A primeira (a mais-valia individual e feudal), quando chega ao luxo, geralmente atrai a indignação moralizadora dos economistas em países cuja indústria não é bem desenvolvida.
[4] Eu acho em P. Kropotkin a mesma ideia, expressa em uma bela imagem psicológica, no homem que salva uma criança se afogando. V. “Anarquia na Evolução Social”, p. 23–5.
[5] “A classe trabalhadora, em seu desenvolvimento histórico, substituirá a velha sociedade burguesa – por associação, que suprimirá classes e seus antagonismos, o que também removerá o poder político, já que todo poder político é apenas uma expressão de antagonismo na sociedade burguesa”. (K. Marx, Miséria da Filosofia).
[6] Veja: Becker, Manifesto ao povo agrícola, publicado pela seção de Genebra da Associação Internacional dos Trabalhadores, em 1870.
[7] K. Marx, Crítica da filosofia do direito de Hegel. (Devenir social, 1896)
[8] É por isso que o termo “Ditadura do Proletariado”, usado às vezes, contém dois conceitos mutuamente exclusivos. – K. Marx diz: “A condição da libertação da classe trabalhadora é a supressão de todas as classes, assim como a condição da libertação do terceiro Estado, do Estado burguês, foi a supressão de todos os Estados”. (Miséria da Filosofia).
[9] Tomando a palavra “feudalismo” no sentido de monopólio dos grandes industriais.
[10] Observarei de passagem que a dialética assim formulada é um reflexo fiel do processo psicológico do desenvolvimento de uma proposição (julgamento), isto é, de uma unidade de pensamento, a partir de uma unidade psíquica; processo que, de um momento homogêneo de consciência, de uma natureza emocional (ponto de partida para o pensamento) – para uma heterogeneidade organizada (a síntese dos conceitos que compõem o curso mais simples do pensamento). A dialética é, portanto, uma cópia perfeita da vida em geral transportada no domínio do raciocínio.