Título: Mussolini no poder
Data: 25 de novembro de 1922
Fonte: MALATESTA, Errico. A anarquia e outros escritos. Tradução: Plínio Augusto Coelho. São Paulo: Intermezzo, 2018. pp. 97-100. [orig.: Umanità Nova, 25 de novembro de 1922]

Em consequência de uma longa série de delitos, o fascismo enfim se apoderou do governo.

E Mussolini, o “duce”, para mostrar a diferença, começou a tratar os deputados no parlamento como um patrão trataria empregados estúpidos e preguiçosos. O parlamento, que devia ser o “palácio da liberdade”, mostrou do que é capaz. Eis o que nos deixa perfeitamente indiferentes. Entre um fanfarrão, que insulta e ameaça porque se sente protegido, e um monte de covardes que se deleitam em sua abjeção, não temos de escolher. Apenas constatamos – não sem acanhamento – que tipo de pessoas dominam-nos e das quais não conseguiremos livrar-nos.

Excetuando as poses que se pretenderiam napoleônicas e que não são, de fato, senão opereta, quando não são atos de bandidos, cremos que, no fundo, não haverá nada de mudado, exceto, durante certo tempo, uma pressão policial maior contra a subversão e os trabalhadores. Uma nova edição de Crispi e Pelloux. E sempre a velha história do ladrão que se torna gendarme!

A burguesia, ameaçada pela maré proletária que subia, incapaz de resolver os problemas tornados urgentes pela guerra, impotente para defender-se com os métodos tradicionais da repressão legal, via-se perdida, e teria saudado com alegria todo militar que se declarasse ditador e houvesse sufocado no sangue as tentativas de insurreição. Mas, então, no pós-guerra, a coisa era demasiado perigosa e podia tanto precipitar a revolução quanto a abater. De todo modo, não se improvisa um general salvador, ou é uma paródia. Em contrapartida, chegaram aventureiros que, sem ter encontrado nos partidos subversivos bastante espaço para suas ambições e seus apetites, pensaram especular sobre o medo da burguesia oferecendo-lhe, por meio de recompensas apropriadas, o socorro das forças irregulares, que podiam entregar-se, com toda impunidade, a todos os excessos contra os trabalhadores, sem acarretar diretamente a responsabilidade dos beneficiários eventuais das violências cometidas. E a burguesia aceitou, pediu e pagou seu concurso: o governo oficial, uma parte de seus membros, ao menos, pensou fornecer-lhes armas e ajudá-los se, em um ataque, eles estivessem em desvantagem, para assegurar-lhes sua impunidade e desarmar de antemão aqueles que seriam atacados.

Os trabalhadores não souberam opor a violência à violência porque eles haviam sido educados no respeito da legalidade. Isso porque, quando toda ilusão tornava-se impossível e os incêndios e os assassinatos multiplicavam-se sob o olhar benevolente das autoridades, os homens aos quais os trabalhadores davam sua confiança pregaram-lhes a paciência, a calma, a beleza e a sabedoria de ser vencidos "heroicamente” sem resistir – e também eles foram vencidos em seus bens, suas pessoas, sua dignidade, seus sentimentos mais sagrados.

Talvez, quando as organizações operárias foram destruídas, colocadas em debandada, os homens mais detestados e considerados como os mais perigosos foram mortos, aprisionados ou reduzidos à impotência, a burguesia e o governo quiseram pôr um termo à ação dos novos pretorianos que doravante aspiravam a tornar-se os senhores daqueles que eles tinham servido. Mas era demasiado tarde. Os fascistas são doravante os mais fortes, e querem fazer-se pagar pelas solicitudes dos serviços prestados. E a burguesia pagará, buscando naturalmente recuperar seus gastos sobre o dorso do proletariado.

Em conclusão, quando a miséria aumenta, a opressão aumenta.

Quanto a nós, só nos resta continuar nosso combate, sempre plenos de fé, plenos de entusiasmo. Sabemos que nosso caminho é semeado de dores, mas as escolhemos consciente e voluntariamente, e não temos motivo para mudar. É também o que pensam todos aqueles que têm o senso da dignidade e da compaixão humanas e querem consagrar-se à luta para o bem de todos. Eles sabem que devem estar prontos a todas as desilusões, todas as dores, todos os sacrifícios.

Tendo em vista que, aqueles que se deixam ofuscar pelas aparências da força, nunca faltam e nutrem sempre uma espécie de admiração secreta pelos que vencem, há também revolucionários que dizem: “os fascistas mostraram-nos como se faz uma revolução”.

Não, os fascistas nada nos mostraram.

Eles fizeram a revolução, se quiserem nomeá-la assim, com a permissão de seus superiores e a serviço de seus superiores. Trair seus amigos, renegar todo dia as ideias professadas na véspera, se necessário para lograr êxito, pôr-se a serviço dos patrões, assegurar-se a cumplicidade das autoridades políticas e judiciárias, mandar desarmar pelos carabineiros seus adversários para, em seguida, atacá-los dez contra um, preparar-se militarmente sem ter de ocultar-se, recebendo, inclusive, armas do governo, meios de transporte e equipamento, depois ser chamado pelo rei e colocar-se sob a proteção de Deus… eis as maquinações que não poderíamos e não desejaríamos fazer. Maquinações que nós havíamos previsto no dia em que a burguesia sentisse-se seriamente ameaçada.

O advento do fascismo deveria servir de lição aos socialistas legalistas, que acreditavam, e infelizmente ainda creem, que se pode abater a burguesia pelo voto e pelo número de eleitores, e não querem crer em nós quando lhes dizemos que eles nunca terão a maioria no parlamento e não desejarão – para fazer hipóteses absurdas – aplicar o socialismo desde o parlamento, pois eles seriam de lá expulsos a pontapés no traseiro!