Título: Para a próxima revolução
Data: Fevereiro de 1923, Genebra
Fonte: MALATESTA, Errico. A anarquia e outros escritos. Tradução: Plínio Augusto Coelho. São Paulo: Intermezzo, 2018. pp. 101-104. [orig.: Le Réveil, fevereiro de 1923, Genebra]

Tristes tempos para nós. O trabalho de tantos anos destruído, inúmeros camaradas jazem nas prisões e nas penitenciárias, ou erram nostálgicos no exílio: estamos todos reduzidos à total impotência. Fomos vencidos.

Mas não temos humor de vencidos: nossa fé é sempre ardente, nossa vontade forte, nossa esperança em uma revolta é segura e inelutável.

Essa derrota é uma daquelas que detêm, de tempos em tempos e provisoriamente, os combatentes, para estabelecer a humanidade na penosa via do progresso. É só um episódio de longa guerra.

Não há razões para o desencorajamento. Entretanto, há motivos para sentir-se profundamente aflito.

Não é o triunfo transitório do fascismo que mais nos aflige e surpreende-nos. Para nós, era previsto e esperado havia três anos, desde 1920, quando a revolução não pôde realizar-se e foi recusada por aqueles que tinham o meio de fazê-la. Dissemos às massas em centenas e centenas de meetings: fazei a revolução rapidamente, do contrário os burgueses far-vos-ão pagar em lágrimas de sangue o medo que vós causais-lhes hoje. E houve, e ainda há lágrimas de sangue.

A esses que faziam obstáculo, adiavam e impediam, assegurando que o tempo trabalhava para nós, e que, quanto mais esperássemos, mais a vitória seria fácil, respondíamos que era justamente o contrário. Todo atraso causava-nos mal, as massas fatigavam-se esperando, o entusiasmo desaparecia, o Estado recuperava suas forças e as armas para defender-se e atacar. Francesco Saveria Nitti, que os fascistas ingratos vituperaram sem razão, já organizava a guarda real. Não nos escutaram… e o fascismo chegou.

Cremos que o mal político e econômico que o fascismo produziu tem pouca importância, e até mesmo pode ser um bem na medida em que ele desnuda, sem maquilagem nem hipocrisia, a natureza do Estado e da dominação burguesa.

Politicamente, o fascismo no poder só faz, no fundo, ainda que sob formas selvagemente brutais e modos ridiculamente teatrais, o que os governos sempre fizeram: proteger as classes privilegiadas e criar novos privilégios para seus partidários. Ele demonstra, inclusive, aos mais cegos que gostariam de crer na harmonia social e na missão moderadora do Estado, que a verdadeira origem do poder político e seu principal meio de existência é a força brutal, “a santa matriarca”. Ele mostra igualmente aos oprimidos qual é a via da emancipação para não recair sob novas opressões: impedir que uma classe, ou um partido, ou um homem, possa impor aos outros sua vontade pela força.


Economicamente, o fascismo, salvo alguns deslocamentos limitados de riquezas que servem a satisfazer os apetites de seus partidários, nada muda na situação. Visto que o capitalismo permanece em vigor, isto é, o sistema de produção feito não para satisfazer a necessidade de todos, mas o proveito dos detentores do capital, a miséria que chegou e estendeu-se a cada dia devia forçosamente vir, com ou sem fascismo. Não é possível que um país possa continuar a viver consumindo mais do que produz. E os trabalhadores aprenderão que todas as melhorias, que, em circunstâncias excepcionalmente favoráveis, eles podem conquistar, serão sempre ilusórias e efêmeras, enquanto não tiverem tomado eles próprios a direção da produção, eliminando todos os aproveitadores do trabalho alheio.

O mal verdadeiro e vasto que o fascismo causou, ou desenvolveu, é a baixeza moral em que se caiu após a guerra e a sobre-excitação revolucionária desde os últimos anos.

É incrível o desprezo que se deu à liberdade, à vida, à dignidade dos seres humanos por parte de outros seres humanos. E é humilhante para aquele que sente que a Humanidade põe juntos todos os homens, os bons e os maus, pensar que todas as infâmias cometidas não produziram nas pessoas um sentimento elevado de rebelião, horror e desgosto. É humilhante para a natureza humana que tanta ferocidade e sujidade sejam possíveis. É humilhante que homens, sem escrúpulos morais e intelectuais, chegados ao poder porque souberam aproveitar o bom momento para fazer pressão sobre uma burguesia amedrontada, possam encontrar a aprovação, conquanto ela seja o fruto de uma aberração passageira, de um número suficiente de pessoas para impor sua tirania a todo o país.

Assim, a luta que aguardamos e invocamos deve ser antes de tudo um combate moral: a revalorização da liberdade e da dignidade humanas. Deve ser a condenação do fascismo, não só em política e em economia, mas também como fenômeno de criminalidade, como explosão de uma purulência que se formava e infectava-se no corpo social enfermo.

Entre aqueles que resistem, há quem diga que os fascistas mostraram-nos como se deve fazer e propõem-nos a imitar e avançar seus métodos.

É o grande perigo de amanhã, isto é, o perigo de que, após a queda do fascismo pela dissolução interna, sobrevenha outro período de violências insensatas, vinganças estéreis, que esgotariam em pequenos episódios sangrentos a energia que seria preciso empregar para uma transformação radical da sociedade, a fim de tornar impossível os horrores atuais.

Os métodos fascistas são, sem dúvida, bons para aprendizes de tiranos, certamente não para os libertadores, aqueles que querem fazer desenvolver-se a dignidade de homens livres e conscientes.

Continuaremos a ser o que sempre fomos: os partidários da liberdade, de toda liberdade.