Fabrício Pinto Monteiro

A construção da “teoria” social como construção de relações sociais: o materialismo histórico de Mikhail Bakunin

2013

    A questão da Questão Social

    Bakunin, a “Fraternidade Internacional” e a Liga da Paz e da Liberdade

    A Internacional

    A expulsão de Bakunin e das propostas anarquistas da Internacional

    Considerações finais

RESUMO: O objetivo desse texto é a discussão sobre a pertinência em considerarem as construções de “teorias” sociais como práticas sociais. Através do estudo da elaboração de uma forma de materialismo histórico pelo anarquista Mikhail Bakunin, destaca-se a importância da vivência do indivíduo em suas relações na sociedade para a criação de si como subjetividade política e para a criação de suas propostas de análise social.

O questionamento central deste texto envolve a desconfiança na possibilidade da historiografia utilizar-se de teorias sociais que se pretendam de validade universal, tidas como “puras” e isentas das influências subjetivas das próprias transformações históricas e especificidades sociais que se propõem analisar. De forma alguma trata-se de um problema novo, dentre inúmeros outros. Cornelius Castoriadis, em meio a preocupações quanto a seu posicionamento político e teórico face ao marxismo na década de 1970, considerou:

Em verdade, Marx foi o primeiro a mostrar que a significação de uma teoria não pode ser compreendida independentemente da prática histórica e social à qual ela corresponde, na qual ela se prolonga ou que serve para encobrir. Quem ousaria pretender hoje em dia que o verdadeiro e único sentido do cristianismo é aquele que restitui uma leitura depurada dos Evangelhos, e que a realidade social e a prática histórica duas vezes milenar das Igrejas e da cristandade nada podem nos ensinar de essencial a seu respeito?[1]

Anos mais tarde, em 1978, após pesquisas sobre as classes trabalhadoras na Inglaterra dos séculos XVII e XVIII, o historiador Edward Thompson, egresso do Partido Comunista da Grã-Bretanha e ex-editor da New Reasoner, mais tarde New Left Review, publicaria uma crítica voltada ao próprio marxismo.[2] Suas palavras são incisivas:

O marxismo vem sofrendo há décadas de uma devastadora doença do economismo vulgar. Seus movimentos foram enfraquecidos, sua memória falha, sua visão está obscurecida. Entrou agora, rapidamente no delírio final do idealismo, e a enfermidade pode ser fatal. A prática teórica já é o rigor mortis do marxismo que se inicia. O marxismo já nada tem a nos dizer sobre o mundo, nem qualquer maneira de fazer descobertas sobre ele.[3]

Castoriadis e Thompson, no entanto, não compõem um dueto harmônico em suas críticas às teorias de Marx ou nele inspiradas. Como Thompson destaca, as ressalvas de Castoriadis foram desenvolvidas sob tais formas que, considerando a proposta marxista como um todo “irreparável, inerentemente elitista, dominadora e antidemocrática”, optou por abandoná-la definitivamente.[4] O livro Thompson em questão, A miséria da teoria, não se dirige à “tradição marxista” por completo, mas sim ao que o historiador restringiu como marxismos – representados na obra em especial por Louis Althusser – para quem haveria uma teoria autossuficiente e autoexplicativa em relação à realidade social.[5]

Assim sendo, basta-nos considerar que a crítica de Castoriadis aos problemas das teorias sociais marxistas são mais “radicais”, enquanto Thompson tece considerações mais “restritas”, dirigidas apenas a alguns “marxistas” e suas formulações teóricas particulares? Uma afirmação nesse teor deixaria de lado algo, a meu ver, fundamental para que compreendamos porque e, principalmente, como Castoriadis e Thompson constroem suas críticas às teorias: os problemas políticos específicos enfrentados por cada um deles em suas próprias realidades e a posição assumida ante esses problemas. Pergunto: como compreender as formulações “teóricas” de um autor desconsiderando-o como um indivíduo que se faz sujeito político e histórico? Ignorando-o como um ser atuante nas relações sociais específicas de sua própria vida, dentre as quais enfrenta conflitos, indeterminações e que, frente a elas, precisa fazer escolhas?

Uma consideração de Castoriadis ajuda-nos a refletir sobre essas questões:

diante dos problemas postos pela nova situação histórica, o teórico será sempre levado a “reduzir o desconhecido ao conhecido”, pois é nisto que consiste a atividade teórica corrente. Assim, ele pode ou não ver que se trata de um novo tipo de problema, ou, mesmo se vê, aplicar ao problema os tipos de solução herdadas.[6]

De nada adiantaria o desenvolvimento de sistemas teóricos sofisticados se não se levar em consideração que as problemáticas a serem discutidas são históricas e sociais, que elas transformam-se com o tempo e são específicas às relações sociais das quais fazem parte.[7]

O objetivo desse texto é apresentar uma proposta de tratamento das “teorias” sociais e historiográficas como uma alternativa possível em história social. A premissa a ser trabalhada – que pode mostrar-se pertinente ou não ao leitor – é a de que não é possível isolar-se formulações aparentemente “teóricas” das práticas e motivações políticas dos indivíduos que as constroem. Em outras palavras, que tais formulações não se separam das relações sociais vividas pelos autores; relações sociais entendidas sempre como políticas. Como uma decorrência dessa premissa, considero o fazer-se sujeito (a prática de subjetivação) dos indivíduos como seres políticos, algo inseparável das relações vividas concretamente por eles na história.

Nesse texto, utilizo-me da expressão “propostas políticas” para denominar essa possibilidade de compreender as teorias sociais e as práticas políticas dos indivíduos como indissociáveis nas relações sociais em seu fazer-se subjetivo. Cheguei a esta consideração através da reflexão sobre a construção de algumas propostas políticas do anarquista Mikhail Bakunin. Apresento-a em seguida.

A questão da Questão Social

Inicio essa discussão chamando a atenção para os diferentes sentidos construídos historicamente sobre uma noção recorrente nos discursos e penas de revolucionários e reformistas políticos na segunda metade do século XIX: a noção de “social”.

Utilizado como um adjetivo, à primeira vista o termo “social” carrega naquele momento um falso eco de consenso nos debates políticos: a “questão social” manifesta-se no interior de uma “guerra social”, para alguns somente possível de ser resolvida através de uma “revolução social” e, para outros, por meio de “reformas sociais”. A vaguidão de sentidos dessas expressões, entretanto, leva-nos a desconfiar da real concordância política nos sentidos possíveis de “social”.

Vejamos um trecho de um diálogo daquele momento que talvez nos auxilie nessa problemática:

Fribourg, ou outro parisiense, falou dessa declaração de Garibaldi: “O escravo tem sempre o direito de fazer guerra ao tirano”; ele diz que essa máxima também era a nossa, mas que a compreendíamos em seu sentido mais amplo.

- Como? – perguntou Garibaldi.

- Talvez vós falásseis somente de tirania política, mas nós também não queremos tirania religiosa.

- Estou de acordo convosco! – diz Garibaldi.

- Também não queremos tirania social.

- Ainda estou de acordo. Guerra às três tiranias: política, religiosa e social. Vossos princípios são os meus.[8]

Esta conversa, de forma mais ou menos exata – mesmo que transcrita poucos dias depois do ocorrido, continua sendo uma construção de memória –, ocorrera em setembro de 1867 durante o primeiro congresso da Liga da Paz e da Liberdade, em Genebra (7 a 12 de setembro). Trata-se de um trecho das Recordações dos Congressos de Laussane e Genebra, publicado em folhetim entre setembro e dezembro do mesmo ano no Jornal Diogène pelo, mais tarde anarquista, inglês de origem suíça James Guillaume (1844-1916). Guillaume participara poucos dias antes do segundo congresso da Associação Internacional dos Trabalhadores (em Laussane, 2 a 7 de setembro) e, junto a um grupo de delegados franceses, ingleses e italianos, dirigiu-se a Genebra para o segundo evento.

A Liga da Paz e da Liberdade surgira em meio aos grandes embates nacionalistas dos Estados europeus e, com eles, das transformações político-territoriais dos oitocentos. Após a derrota da Rússia na Guerra da Crimeia (1854-1856), que opôs o império czarista a uma aliança entre Inglaterra, França, Império Otomano (apoiados pela Áustria) pelo domínio dos Bálcãs, uma nova configuração de poder afirmou-se no continente.

Diversos conflitos marcavam a história recente dos estados e nações da Europa, como o acirramento das tentativas de libertação polonesa do domínio russo, austríaco e prussiano desde o século XVIII; a guerra de independência da Grécia frente aos otomanos na década de 20; o aumento da tensão entre a Alemanha de Bismarck e a França – que culminaria na Guerra franco-prussiana de 1870-1871; as convulsões sociais ainda em curso na década de 1860 na Itália de Garibaldi e Mazzini, recém-unificada, mas ainda em luta contra a Áustria. A função da Liga seria a organização de estratégias internacionais para a busca da paz e da autonomia dos povos ameaçados e/ou dominados pelas potências expansionistas. Sua composição era extremamente heterogênea, incluindo reformistas republicanos, socialistas, cientistas e intelectuais pacifistas, segmentos burgueses mais radicais (em um sentido dos ideais dos movimentos de 1848), liberais preocupados com os prejuízos das guerras e outros.[9]

Nesta primeira reunião da Liga, Giuseppe Garibaldi, já um revolucionário célebre e muito aclamado em Genebra, fizera um discurso onde defendera que todos os conflitos internacionais fossem julgados em congressos e não mais resolvidos por guerras; demandou a supressão do papado, a primazia da razão e ciência ante a religião, a república democrática como governo ideal e o “direito de guerra do escravo ao tirano”.[10]

Compreende-se melhor, assim, o motivo da retomada do discurso de Garibaldi pelo parisiense citado nas memórias de Guillaume, pretendendo dar um “sentido mais amplo” para esse “direito de guerra”. Esse direito não deveria reduzir-se ao escravo político ou religioso; a palavra “social” foi escolhida para acrescentar algo não tratado explicitamente por Garibaldi.

Os delegados parisienses da Internacional, encabeçados desde o primeiro congresso (Genebra, 1866) por Henri Tolain, André Murat e E. E. Fribourg, defendiam propostas fortemente influenciadas pelas obras de Pierre-Joseph Proudhon, denominadas na época como “mutualistas”.[11] Pode-se compreender que os elementos considerados faltantes em Garibaldi, acrescidos por meio do termo “social” mencionado pelo parisiense, seriam próximos dos propostos pelos mutualistas poucos dias antes, em Laussane: a “emancipação das classes operárias”, realizada fundamentalmente através do “mutualismo ou reciprocidade considerado como base das relações sociais”, quer dizer, a criação de cooperativas de crédito e produção e grupos de solidariedade operária.[12]

Seria esse mesmo sentido do “social” que Garibaldi tinha em mente ao apressar-se em afirmar que concordava com seu interlocutor? Como discutido logo a seguir, pode-se lançar a possibilidade que haveria para o italiano uma compreensão de relações entre o “social” e as desigualdades de classe, mas dificilmente os sentidos dessa relação seriam os mesmos dos mutualistas franceses.

Mikhail Bakunin também participara da Liga da Paz e da Liberdade, realizando um grande esforço para fazer prevalecer em meio à imensa heterogeneidade de ideias uma tendência socialista revolucionária.[13] Entretanto, vendo rejeitada sua proposta pela maioria dos participantes, Bakunin e seus apoiadores deixam-na em 1868, durante o segundo congresso, em Berna.[14] Quase um ano depois, entre 26 de junho e 24 de julho de 1869, o anarquista publica no Jornal L´Egalité, de Genebra, uma crítica à Liga, chamada por ele ironicamente de “Associação internacional dos burgueses democratas”.[15]

No artigo, questiona: “Qual é hoje a sincera expressão, o sentido único, o único objetivo da questão social? É, como reconhece enfim o próprio Comitê Central [da Liga]: o triunfo e a realização da igualdade.[16] A reclamação de Bakunin é que “artifícios de linguagem” e “embaralhamento de ideias” desta burguesia associada levaria a um entendimento tal da “questão social” – e por consequência da “igualdade” – de tal forma equivocada para as classes exploradas que apenas manteria inalterada esta situação.[17]

Cito mais longamente o que o revolucionário, junto a esse diálogo político específico, constrói como sentido para o “social”:

enquanto tiver, para um certo número de homens economicamente privilegiados, uma maneira e meios particulares de viver, que não são aqueles da classe operária; que enquanto tiver um número mais ou menos considerável de indivíduos que herdarão em diferentes proporções capitais ou terras que eles não tiverem produzido por seu próprio trabalho, enquanto a imensa maioria dos trabalhadores não herdará absolutamente nada; que enquanto o interesse do capital e a renda da terra permitem mais ou menos a esse indivíduos privilegiados viver sem trabalhar; e que, supondo, inclusive, o que em semelhante relação de fortunas não é admissível – supondo que na sociedade todos trabalhem, seja por obrigação, seja por gosto, mas que uma classe da sociedade, graças à sua posição econômica e, por isso mesmo, social e politicamente privilegiada possa entregar-se exclusivamente aos trabalhos do espírito, enquanto a imensa maioria dos homens não poderia alimentar-se senão do trabalho de seus braços, e que, em resumo, enquanto todos os indivíduos humanos, ao nascerem, não encontrem na sociedade os mesmos meios de sustento educação, instrução, trabalho e fruições, – a igualdade política, econômica e social será para sempre impossível.[18]

Assim como para os mutualistas parisienses dois anos antes, a igualdade social não se basta na igualdade política, como, para Bakunin, defendia a burguesia. Mas se a desigualdade econômica também deve ser levada em conta na compreensão da desigualdade e da “questão” social, esta também não se esgota naquela. O revolucionário russo fala em igualdade política, econômica e social e as particularidades nos processos de relações entre essas compreensões envolveriam, por exemplo, o dissenso entre as propostas anarquistas e marxistas no interior da Associação Internacional dos Trabalhadores.

O caráter adjetivo do termo “social” obriga a considerar seus sentidos em cada uso particular, mesmo que até agora se possa perceber que entre os diversos revolucionários e reformistas ele evoque discussões a respeito da posição relativa (de manifesta desigualdade, para os revolucionários) de classes e grupos na sociedade. As relações dos processos nos quais se constroem essas posições é que são carregadas de diferenças para cada grupo político, pensador e militante referido. Mais do que isso, mesmo um único militante constrói seus sentidos para essas relações – o que designo nesse texto apenas “propostas políticas” – juntamente às suas relações individuais subjetivas, travadas historicamente nesta mesma sociedade a que se propõe pensar e intervir. É sobre esse processo de construção histórico, tendo como sujeito privilegiado Mikhail Bakunin, que nos deteremos daqui em diante.

Bakunin, a “Fraternidade Internacional” e a Liga da Paz e da Liberdade

Nascido em Premukhino, Rússia, em 1814, filho de uma família de proprietários rurais, Mikhail Bakunin recebeu desde criança uma educação formal cara às famílias aristocrata-liberais russas da primeira metade do século XIX: línguas, literatura e filosofia oriundas da Europa Ocidental seguidas pelas escolas militares czaristas. Em 1840, em busca de formação acadêmica, muda-se para a Alemanha e em seguida para a Suíça, onde se envolve com as tentativas de Wilhelm Weitling, alfaiate de origem germânica que fora um dos fundadores da Liga dos Justos, em Paris, e cujas propostas tinham forte inspiração blanquista e proudhoniana, em organizar círculos revolucionários.

Por esse envolvimento político, Bakunin é convocado pelo governo russo para explicar suas ações; como se recusa a retornar ao país é condenado previamente ao exílio na Sibéria. Passaria ainda pela França antes de rumar à Polônia – ocupada e dividida por Áustria e Rússia. Em Praga, lutaria nas barricadas junto aos checos contra os austríacos. Preso na Alemanha é entregue à Áustria e depois à Rússia, onde, entre a prisão na Fortaleza de Pedro e Paulo e o exílio na Sibéria, passariam por volta de 10 anos. Em 1861, consegue fugir para Londres e, dali, parte para a Itália, onde viveria entre 1864 e 1867.[19]

É deste último período um dos escritos de Bakunin que se tornaria célebre: Princípios e organização da Sociedade Internacional Revolucionária. Catecismo revolucionário, escrito em 1866.[20]

Como o título indica, não se trata de uma produção de discussão “teórica”, mas de um manifesto de princípios de uma organização política, que demonstrava seus objetivos e prioridades. Destaca-se no documento o incômodo de Bakunin e seus companheiros ante a religião, ponto presente nos dois princípios iniciais: “1- Negação da existência de um Deus real, extramundano, pessoal” e “2- Substituição do culto de Deus pelo respeito e pelo amor à humanidade”.[21] Entretanto, predomina no documento a preocupação com a transformação política da sociedade – tratada especialmente pelo viés do direito: os princípios 3º ao 9º voltam-se para a afirmação da liberdade como direito de homens e mulheres e a uma detalhada proposta de reorganização das nações em comunas autônomas, federadas entre si e formando províncias independentes; estas comporiam as novas nações, politicamente descentralizadas. O limite almejado seria uma “federação internacional” dessas nações.[22]

Pouco se sabe sobre os detalhes da atuação efetiva do círculo secreto de Bakunin a que se referiam esses princípios. As formas manuscritas e muitas vezes incompletas dos escritos deixados e o sigilo necessário sobre a produção e circulação dos documentos dificultam alguma exatidão nas informações.

Em 1864, Bakunin teria criado na Itália um grupo denominado “Aliança da Democracia Social”, porém, após a apropriação do termo “democracia social” pelos marxistas alemães, seu nome muda para “Aliança dos Revolucionários Socialistas”, e sua oposição imediata fazia-se ao republicano Mazzini.[23] Além de italianos, esta sociedade secreta também conseguiu reunir poloneses e franceses, entre eles os irmãos Élie e Élisée Reclus.[24]

Sabe-se que até sua fuga da Sibéria, a preocupação com os problemas advindos do nacionalismo expansionista das grandes potências europeias era central para Bakunin. Um de seus anseios na época era a união de italianos e eslavos na luta contra a dominação austríaca.[25] Ao fim de 1863, após a fracassada tentativa de insurreição polonesa na Lituânia contra a Rússia, suas aspirações de assaltos revolucionários, movidos pelos sentimentos nacionalistas, declinam, optando, já na Itália, pelas mencionadas organizações secretas e tendo em vista a chamada “revolução social”.[26]

Como destacado através do Catecismo revolucionário, Bakunin permanece nesse momento sustentado em uma proposta de ação revolucionária eminentemente política (segundo seus próprios termos): o centro das transformações sociais gravitaria em torno das relações jurídicas de direito entre as pessoas. É assumida a influência das propostas proudhonianas no federalismo político defendido por Bakunin, que parece ter encontrado uma conveniente compatibilidade entre a situação da Itália, com a atuação em células revolucionárias que se associariam, coligando-se em confrarias internacionais, e o princípio de associação livre de comunas, províncias e nações de Pierre-Joseph Proudhon.[27]

Apesar do privilégio das relações políticas no Catecismo revolucionário, passa-se de forma breve pela defesa de uma nova “organização social” no sentido da construção de uma “igualdade social”.[28] Trata-se de um sentido de “social” como uma proposta de sociedade comunista? Em uma leitura superficial, poder-se-ia cogitar uma concordância nos princípios da organização social ideal para Bakunin e Marx, por exemplo, no que se refere ao papel do “trabalho”:

O trabalho é a base fundamental da dignidade e do direito humano. Pois é unicamente pelo trabalho livre e inteligente que o homem, tornando-se criador por sua vez, e conquistador sobre o mundo exterior e sobre sua própria bestialidade, sua humanidade e seu direito, cria o mundo civilizado.[29]

À humanização e criação do mundo social pelo trabalho seriam somadas ainda outra aparente coincidência na crítica à divisão do trabalho como fonte de alienação, como defendia Marx em suas críticas a Feuerbach.[30] Nesse tema, Bakunin argumenta:

Todavia, como o trabalho humano, considerado em sua totalidade, divide-se em duas partes, das quais uma totalmente intelectual e declarado exclusivamente nobre [...] e a outra apenas a execução manual, reduzido a uma ação puramente mecânica, sem inteligência, sem ideia, por essa lei econômica e social da divisão do trabalho, os privilegiados do capital, sem excetuar aqueles que são os menos autorizados pela medida de suas capacidades individuais, apoderam-se da primeira, e deixam a segunda ao povo.[31]

A divisão do trabalho social que traz consequências incômodas ao anarquista possui sensíveis diferenças em relação à divisão das etapas no interior do processo produtivo e da fragmentação do saber operário neste mesmo processo para Karl Marx. Bakunin condena uma divisão compreendida como mais geral e unicamente dualista do trabalho: um grande conjunto de atividades “intelectuais” e outro “braçais”. Frente a esses problemas sociais, a proposta de Bakunin nesse momento sugere apenas timidamente uma socialização da propriedade através da coletivização. Para ele, mais adequada à sua proposta de transformação da sociedade seria a associação livre de trabalhadores para a produção, que formaria uma “imensa federação econômica”.[32]

Se nos mantivermos fiéis a nossa proposta inicial de história social, na qual consideramos as problematizações das “teorias” como indissociáveis das problematizações das relações sociais dos indivíduos que as constroem, chegaremos aqui ao limite das possibilidades de discussão através do Catecismo revolucionário. A pouca disposição de informações mais seguras a respeito das relações nas quais o manuscrito é construído, sejam através de seu escritor ou de seus eventuais leitores, levar-nos-ia daqui em diante ao terreno do especulativo.

Assim sendo, ajusto nosso foco de atenção para as ações políticas de caráter mais “público” de Bakunin: sua participação na mencionada Liga Internacional da Paz e da Liberdade.

O anarquista participara do primeiro congresso da organização, ocorrido em Genebra em 1867, e, embora não compartilhasse da fama de Garibaldi, também fora recebido com respeito e atenção.[33] Mesmo com um público tão heterogêneo como o que compunha a Liga, esta foi considerada por Bakunin um espaço possível para divulgar publicamente seus ideais socialistas e federalistas. Discursando sobre seus projetos ele teve apoio suficiente para integrar o Comitê Central da organização, posição de onde escreveu um texto inicialmente denominado Proposta razoável ao Comitê Central da Liga da Paz e da Liberdade e que, mais tarde, seria preparado para publicação na forma de um discurso. Como diversos outros trabalhos de Bakunin, este ficou inacabado, sua forma discursiva foi mantida e seu título foi mudado para Federalismo, socialismo, antiteologismo.[34]

No esteio do Catecismo revolucionário, escrito no ano anterior, o discurso de Bakunin abre-se com o tema do federalismo, mas desta vez com um direcionamento específico para um debate público onde a guerra entre nações e Estados era o ponto chave; o revolucionário russo, em relação ao escrito anterior, acrescenta à discussão o problema do nacionalismo:

O dito princípio de nacionalidade, como fora posto em nossos dias pelos governos da França, Rússia e Prússia e mesmo por muitos patriotas alemães, poloneses, italianos e húngaros, nada mais é que um derivado da reação ao espírito da revolução: de fundo eminentemente aristocrata, ao ponto de desprezar os dialetos da população não letrada, nega implicitamente a liberdade das províncias e a autonomia real das comunas. Não é apoiado em todo país pelas massas populares, cujos interesses reais sacrificam sistematicamente a um dito bem público, que não vão nunca além dos interesses das classes privilegiadas – esse princípio não exprime nada além dos alegados direitos históricos e ambição dos Estados.[35]

Durante certo período de sua vida – da década de 1840 à sua prisão –, Bakunin contava com os sentimentos de pertencimento nacional como centelha para possíveis revoltas populares contra a dominação de potências imperiais, como em suas mencionadas tentativas de união eslava contra as conquistas austríacas.[36] Junto à Liga da Paz e da Liberdade, entretanto, após todos os acontecimentos político-belicistas das décadas de 1850 e 1860, passa a relacionar o nacionalismo diretamente aos interesses das classes governantes e burguesas. Dessa forma, defende

que todos os integrantes da Liga deveriam por consequência concentrar todos seus esforços em reconstituir seus respectivos países a fim de substituir a antiga organização fundada, de cima para baixo, sobre a violência e o princípio de autoridade, por uma nova organização sem outras bases que não aqueles interesses, as necessidades e tendências naturais da população, nem outro princípio senão a federação livre de indivíduos nas comunas e das comunas nas províncias; das províncias nas nações, enfim, destas nos Estados Unidos da Europa e, eventualmente, mais tarde, no mundo inteiro.[37]

Nesse discurso, Bakunin procura deixar clara sua posição diante de diversas tendências liberais de reformismo político existentes entre os membros da Liga, inclusive no interior do Conselho Geral. Junto à proposta de política federalista, cujo sentido desenvolveu-se nesse discurso em íntima relação com o problema do nacionalismo, Bakunin detém-se com maior ênfase em outro fator de impedimento para a paz e a liberdade: a “causa social”.

Comparado ao documento Catecismo Revolucionário – tendo em mente a especificidade do manuscrito como uma exposição sucinta de princípios de ação e cuja circulação era restrita – em Federalismo, socialismo e antiteologismo, Bakunin enfatiza muito mais a desigualdade de classes (motivada segundo ele pela divisão entre trabalho intelectual e braçal) como cerne do problema “social”.[38] Mais do que isso, ele explicitamente evoca para si uma herança que o posiciona como socialista.[39]

Entretanto, o anarquista faz questão de enfatizar a existência de duas compreensões para o socialismo (em seu termo, dois “sistemas” socialistas), que ele tenta diferenciar apontando uma diversidade de origens. Existiria o socialismo de ação conspiratória de Graco Babeuf, que passaria por Buonarotti e chegaria a Louis Blanc, e um “socialismo doutrinário”, de Saint Simon e Le Père Enfantin, desenvolvido paralelamente por Fourier e Victor Considerant e chegando, finalmente, ao único não autoritário: Pierre-Joseph Proudhon.[40]

Para o leitor atual que se detenha isoladamente nesse manuscrito e separe-o das relações sociais nas quais ele foi construído, esta genealogia pode parecer ter objetivos de pura informação aos eventuais leitores desse discurso, que seria publicado na época. Destaco, porém, sua função política que poderíamos pensar como dupla: esses “sistemas” socialistas encontravam-se em um momento de grande vivacidade e em intensa disputa pela hegemonia junto aos trabalhadores. Na Liga da Paz e da Liberdade – e talvez muito mais na Associação Internacional dos Trabalhadores, que Bakunin acompanhava de fora, mas com proximidade – havia uma patente indeterminação, possibilidades em aberto sobre os sentidos do “social” e, assim, do “socialismo” a nortear as lutas dos trabalhadores. Com sua exposição, ele posicionava-se claramente em suas opções e filiações revolucionárias.[41]

Uma segunda possibilidade de função política para a exposição das trajetórias de origem dos “sistemas” socialistas naquele discurso leva-nos novamente às obscuras atividades de Bakunin com os círculos secretos da Fraternidade Internacional: no discurso público direcionado à Liga, ele afirma uma relação entre as “sociedades secretas” e as práticas de Buonarotti, amigo de Babeuf, que fora guilhotinado após o fracasso em uma conspiração durante a Revolução Francesa. As sociedades secretas continuam sendo importantes para fazer “germinar as ideias comunistas na imaginação popular”[42], mas não é a Buonarotti que Bakunin reivindica qualquer herança, ele somente o faz às associações cooperativas de ajuda mútua de trabalhadores de Proudhon.[43] Trata-se de um esforço de Bakunin em encobrir suas atividades revolucionárias “paralelas” à sua militância pública? Talvez, mas não disponho de melhores indícios para avançar nesse ponto.

Destaco novamente ao final desse segmento nossa problemática central: a “teoria” social de Bakunin não se aparta das relações específicas travadas por ele em cada momento de sua vida; o mesmo se dá para as formas de construção de sua subjetividade política, ou seja, como ele, por si e face ao outro, cria-se como sujeito de ação nas relações de poder na sociedade. Buscar a posteriori uma coerência lógico-formal nas argumentações de seus escritos tendo em vista uma síntese teórica bakuniniana é uma realização duvidosa para o historiador social. Ignorar, por exemplo, as relações políticas específicas travadas por Bakunin na Liga da Paz e da Liberdade – e principalmente, deixar de lado as indeterminações existentes aos sujeitos em suas atuações no presente, pois o futuro é um campo aberto, mesmo que o historiador retrospectivamente se esqueça disso em suas análises – poderia levar o estudioso a taxar simplesmente como “incoerência teórica” para um socialista anarquista seu convite à pequena burguesia a unir-se ao “povo” na luta contra a grande burguesia.[44]

A preocupação de Mikhail Bakunin em construir um sistema teórico “científico” que procurasse ter em mãos as possibilidades de ação dos trabalhadores era muito menor que a de Marx. Essas diferenças levam-nos à próxima discussão: a atuação de Bakunin no interior da Associação Internacional dos Trabalhadores.

A Internacional

Após o primeiro congresso da Liga da Paz e da Liberdade, Bakunin deixa a Itália e passa a residir na Suíça, tornando-se membro do Conselho Geral da organização em Genebra. A partir dessa posição, ele tenta fazer prevalecer ali um projeto socialista, sustentado na busca da resolução dos “três termos do problema social: questão religiosa, questão política, questão econômica.”[45]

Essa frase encontra-se em uma “declaração de princípios” da Liga, redigida pelo Conselho Geral e que deveria ser apreciada em assembleia no próximo congresso (em Berna, 1868). A participação de Bakunin é clara nessa declaração: defesa do combate às influências políticas da religião, defesa do federalismo, afirmação da necessidade de mudanças econômicas para a “emancipação das classes operárias.”[46] Além disso, o revolucionário russo tentava uma reaproximação da Associação Internacional dos Trabalhadores com a Liga da Paz e da Liberdade, enviando, inclusive, um convite formal em nome do Conselho Geral, solicitando o envio de delegados ao Congresso de Berna.[47]

Enquanto instituição formal, a Internacional teria formado-se a partir do encontro de uma delegação operária francesa em 1862 com trabalhadores ingleses ligados às trade unions e o interesse mútuo em solidificar o contato entre trabalhadores de diferentes países. Os franceses foram a Londres por ocasião da Exposição Universal daquele ano, enviados por Napoleão III. Dois anos depois, em 28 de setembro, esse desejo se concretizaria em uma reunião – presidida por Edward Spencer – onde se formou um comitê, mais tarde Conselho Geral, e um estatuto provisório.[48] A uma primeira conferência realizada em Londres em 1865, seguiram-se até o ponto de nossa discussão dois primeiros congressos efetivos: o primeiro em Genebra (1866) e o seguinte em Laussane (1867).

O mencionado esforço de Bakunin em reaproximar a Associação Internacional dos Trabalhadores da Liga da Paz e da Liberdade deve-se a uma resolução tomada naquela primeira organização em Laussane: ao considerar a guerra, ou a paz armada, duplamente prejudicial à classe operária – por ser esta a mais prejudicada economicamente e por ser enviada aos fronts de batalha – e também considerar que a guerra só cessaria com uma transformação na organização desigual da sociedade, a Internacional somente aderiria à Liga se ela também aceitasse esses pressupostos.[49] Convencer os membros de sua organização a aceitar as propostas socialistas, dessa forma, seria fundamental para que não houvesse uma oposição da Associação Internacional dos Trabalhadores à Liga.

Durante os debates do segundo congresso daquela última organização (entre 21 e 25 de setembro de 1868), Bakunin tentaria realizar tal convencimento e para nossa problemática, que envolve as construções das propostas políticas do anarquista, esse é um evento importante. Nas discussões ocorridas em Berna acerca do socialismo, Bakunin é apontado por outros integrantes da Liga como um comunista, denominação que rejeita terminantemente, afirmando-se coletivista:

Que diferença, disseram-me, fazeis entre o comunismo e a coletividade [coletivismo]? Estou surpreso, realmente, que o Sr. Chaudey não compreenda essa diferença, ele que é executor testamentário de Proudhon. Eu detesto o comunismo porque ele é a negação da liberdade e porque não posso conceber nada de humano sem liberdade. Não sou absolutamente comunista porque o comunismo concentra e faz absorver todas as forças da sociedade no Estado. [...] Eu quero a organização da sociedade e da propriedade coletiva ou social de baixo para cima, pela via da livre associação, e não de cima para baixo por meio de qualquer autoridade que seja. Ao desejar a abolição do Estado, quero a abolição da propriedade individualmente hereditária que não é outra coisa senão uma instituição do Estado, uma consequência do princípio do Estado.[50]

Apesar de Mikhail Bakunin reivindicar a herança de Proudhon para seu coletivismo, percebe-se que gradativamente, à medida que novos eventos e embates políticos se sucedem e diferentes estratégias são traçadas, a exposição de suas propostas transformarem-se – neste caso, enfatizando cada vez mais o problema da propriedade em detrimento das relações jurídicas.[51]

A maioria dos membros da Liga da Paz e da Liberdade recusou essa proposta socialista. Bakunin e mais 11 seguidores (entre eles Elisée Reclus, que ajudaria posteriormente a difundir as propostas do companheiro pela Europa) deixaram a organização e fundaram a “Aliança Internacional da Democracia Socialista”, uma associação para a organização dos trabalhadores que Bakunin pretendia fazer filiar-se à Associação Internacional dos Trabalhadores.[52]

O coletivismo, defendido pelo novo grupo, não foi criação de Mikhail Bakunin. Desde o Congresso de Laussane, no ano anterior, o belga Cesar De Paepe defendia tal ideia no interior da Internacional; em Bruxelas (1868) uma comissão preparara um projeto detalhando a proposta para a apreciação dos membros da associação: a terra, minas, ferrovias, estradas, florestas deveriam ser coletivizados. As máquinas e ferramentas produtivas, por força de sugestão de Tulain, identificado entre os mutualistas, ainda deveriam ser obtidas pelos trabalhadores via crédito mutual.[53] A questão da propriedade foi indicada para discussões em congressos posteriores.

James Guillaume, encontrando-se nessa mesma época com Bakunin no Locle (Suíça), afirma ter recebido dele a seguinte descrição da antiga organização secreta, anterior à Aliança Internacional da Democracia Socialista, a Fraternidade Internacional:

Ele me falara de uma organização secreta que unia após vários anos, pelos laços de uma fraternidade revolucionária, certo número de homens em diferentes países, mais particularmente na Itália e na França [...]. O que mais me surpreendeu nas explicações que me dera era que não se agia como uma associação do tipo clássico das antigas sociedades secretas, nas quais se devia obedecer às ordens vindas do alto: a organização não era outra coisa além da aproximação de homens que se uniam pela ação coletiva, sem formalidades, sem solenidade, sem ritos misteriosos, simplesmente porque eles tinham confiança uns nos outros e que a aliança lhes parecia preferível à ação isolada.[54]

Chegamos novamente à obscuridade das relações de organizações secretas de Bakunin, cujas existências, inclusive, seriam utilizadas mais tarde, em 1872, como pretexto para sua expulsão (juntamente com James Guillaume) da Associação Internacional dos Trabalhadores. O discutido grupo da Fraternidade Internacional, mencionado acima por Guillaume, supostamente ainda existia quando da fundação pública da Aliança Internacional da Democracia Socialista e de sua tentativa de inserção oficial na Internacional. George Woodcock mantém uma relativa incerteza a respeito das efetivas intenções de Bakunin com suas organizações, mas afirma parecer “improvável que este a tenha considerado apenas uma organização temporária, de fachada”.[55]

Max Nettlau defende que de fato Bakunin planejou que a Fraternidade Internacional deveria ser substituída em suas atividades secretas por um ramo não público da Aliança através do ingresso do ramo “oficial” da organização na Internacional. Entretanto, Bakunin não teria realizado seu plano, de modo que, ainda para Nettlau, ao afirmar a traição do anarquista e expulsá-lo da Internacional em 1872, o Conselho Geral teria utilizado como prova documental apenas manuscritos de esboços de projetos irreais.[56]

Quais eram as propostas políticas públicas de Bakunin na Aliança Internacional da Democracia Socialista para a Associação Internacional dos Trabalhadores? Em outras palavras, de que forma ele pretendia travar relações com uma organização preexistente e já repleta de disputas internas, mas que mesmo assim pareceu-lhe a grande alternativa de atuação após a decepção com a Liga da Paz e da Liberdade, que rejeitara o socialismo?

O programa da Aliança, enviado para a filiação à Internacional, é sucinto e mantém ao longo de seus sete pontos a crítica feita por Bakunin à religião, a defesa da educação integral para ambos os sexos, a solidariedade internacional entre os trabalhadores através de livre-associações agrícolas e industriais, sem aparelhagem estatal.[57] Para nossa problemática, destaco apenas o segundo artigo: Ela [a Aliança] quer antes de tudo a igualização política, econômica e social de classes e de indivíduos dos dois sexos, começando pela abolição do direito de herança, afim que no futuro a fruição seja igual à produção de cada um e que, conforme a decisão tomada pelo último Congresso dos Operários em Bruxelas, a terra, os instrumentos de trabalho, como todo outro capital, tornem-se propriedade coletiva da sociedade inteira, possam ser utilizados apenas pelos trabalhadores, quer dizer, pelas associações agrícolas e industriais.[58]

De forma clara, trata-se de um programa político escrito tendo o objetivo imediato de explicitar sua compatibilidade com a organização da qual se pretendia fazer parte. Assim como em sua proposta socialista apresentada à Liga da Paz e da Liberdade, Bakunin (e seus companheiros) mantém-se atento às discussões em curso na Internacional e posiciona-se junto ao “coletivismo” como solução para a “questão social”.[59]

Apesar disso, longe de encontrar um porto seguro para suas ações revolucionárias, Bakunin inicia novas relações que, mais uma vez, seriam acompanhadas por transformações em sua “teoria”, ou melhor, em suas propostas políticas. O coletivismo estava longe de ser um consenso na Associação Internacional dos Trabalhadores e já esse primeiro documento apresentado por Bakunin – especificamente o artigo citado – fez mostrar tais divergências e conflitos no interior da organização.

O Conselho Geral enviou uma resposta dirigida à Aliança, e ao mesmo tempo a todas as seções da Internacional, a respeito do pedido de filiação daquela e também de seu programa, que destoaria da “tendência geral” da Associação:

Uma frase em seu programa leva a essa objeção. Ela ocorre no Artigo 2: ‘Ela (a Aliança) quer antes de tudo a igualização política, econômica e social de classes’. A ‘igualização de classes’, literalmente interpretada, vem ao encontro da ‘harmonia do capital e trabalho’ (‘harmonia do capital e trabalho’) tão persistentemente pregado pelos socialistas burgueses. Não é a logicamente impossível ‘igualização de classes’, mas a historicamente necessária, substituição ‘abolição de classes (‘abolição de classes’) este verdadeiro segredo do movimento proletário, que forma o grande objetivo da Associação Internacional dos Trabalhadores.[60]

A frase em questão foi, então, modificada pelos membros da aliança. “Ela quer antes de tudo a abolição definitiva e total de classes e a igualização política, econômica e social dos indivíduos dos dois sexos”. De qualquer maneira, Bakunin decide obedecer a uma exigência do Conselho Geral, encerrando oficialmente as atividades de sua organização para que seus membros fossem integrados à Internacional.[61]

Mais do que um simples mal entendido de palavras, este aparentemente pequeno desacordo estava envolto em conflitos nas diferenças de significações do que consistiria a “questão social” e, assim, as ações políticas necessárias a sua compreensão e transformação. Bakunin já havia explicado publicamente o sentido da ideia de “igualização de classes” meses antes, no Congresso de Berna, da Liga da Paz e da Liberdade:

Quero a supressão das classes tanto sob o aspecto econômico e social quanto político... Eis, portanto, o que entendemos por essas palavras: igualização das classes. Teria sido preferível dizer, talvez, supressão de classes, unificação da sociedade pela abolição da desigualdade econômica e social. Mas ainda pedimos a igualização dos indivíduos, e é, sobretudo isso, que atrai contra nós todos os raios da eloquência indigna de nossos adversários.[62]

Provavelmente tendo pensado fazer-se entender com essa explicação, e mais ainda, para manter o conjunto dos sentidos de sua proposta política de privilégio da liberdade individual frente às propostas comunistas, a expressão foi mantida no programa da Aliança. Aos olhos de Karl Marx, integrante de grande influência no Conselho Geral da Internacional, “igualização de classes” seria uma comprovação da “deficiência teórica” de Bakunin:

“Igualdade de diferentes classes”. Supõe, de um lado, a existência ulterior de classes, e de outro, a igualdade de membros que a ela pertencem, essa aberração revela de chofre a ignorância sem vergonha e a desenvoltura desse atrevido cuja “missão particular” consiste em nos ensinar a “teoria”. [...] É toda a bagagem teórica de Maomé Bakunin, um Maomé sem Corão.[63]

Trata-se de um trecho de uma carta a Paul Lafargue, socialista e genro de Marx, escrita em 1870, quando Mikhail Bakunin, já integrante da Internacional, contrapunha cada vez mais suas propostas anarquistas ao comunismo marxista na Associação. A crítica de Marx a respeito da incapacidade “teórica” ou “científica” de Bakunin seria crescente e constante a partir daí. Posteriormente discutiremos como em meio a esse novo embate político, o anarquista construiu suas próprias compreensões a respeito da ciência e da teoria social.

Como mencionado, a Aliança Internacional da Democracia Social é desfeita oficialmente e seus quadros são integrados à Associação Internacional dos Trabalhadores. No interior dessa organização, Bakunin passa a construir suas propostas a partir de um contraponto imediato ao marxismo, seja opondo-se ou inspirando-se em alguns de seus elementos. Embora sua atuação política mais imediata continue a localizar-se na Suíça e sua experiência na Itália mantenha-se fundamental na composição de seus projetos, podem-se destacar agora sua preocupação em deixar claro que o impulso transformador socialista dos “operários” (termo que não era tão frequente em seus escritos iniciais) parte de suas condições materiais de vida:

Ela [a “massa operária”] o é [socialista] por todas as condições de sua existência material, por todas as necessidades de seu ser, enquanto estes últimos [socialistas teóricos] só o são pelas necessidades e seu pensamento; e, na vida real, as necessidades do ser exercem sempre uma força bem mais forte do que aquelas do pensamento, o pensamento sendo aqui, como em toda a parte e sempre, a expressão do ser, o reflexo de seus desenvolvimentos sucessivos, mas nunca seu princípio.[64]

Publicado em agosto de 1869 no jornal L’Égalité de Genebra, o texto em questão possuía um teor de propaganda pública da Internacional (“a grande Associação Internacional dos Trabalhadores de todos os países”)[65] e de conclamação de adesão para associações locais de trabalhadores, assim sendo, não havia intenção em levantar nele qualquer divergência de projetos.

Os sentidos construídos por Bakunin para a luta social – mesmo que com a explícita concordância com um princípio de materialismo histórico – possuíam formas específicas face, por exemplo, às propostas de Marx. As “condições da existência material”, retomando a citação anterior, compõem o ser do operário e este ser, seu pensamento, assim sendo, continua Bakunin, dada à situação de miséria e desigualdade em que se encontram, tem-se construído em geral um pensamento de ignorância e preconceitos políticos e religiosos entre os trabalhadores.[66]

Como tal classe poderia constituir-se como sujeitos, conscientes de si e capazes de transformar sua própria realidade? Na resposta dada pelo anarquista talvez esteja um ponto nevrálgico das divergências entre o materialismo histórico marxista e sua própria proposta de materialismo, desenvolvida através de conflituosas relações com o primeiro: estas mesmas condições desfavoráveis de vida que geram limitações para um pensamento abstrato e amplo segundo os padrões filosóficos ou científicos permitem também o surgimento de um instinto de busca pelo bem-estar, igualdade e justiça social; haveria entre os trabalhadores um “ideal socialista sem sabê-lo.”[67]

Este ponto de partida para a ação transformadora sobre a própria existência seria fundamental, mas ainda insuficiente. O motor instintivo e em grande medida irracional da revolta não seria sozinho capaz de superar as limitações trazidas pela vida submissa e miserável dos operários se o objetivo for a luta revolucionária. Como se construiria uma consciência mais ampla, tendo em vista a união para a ação política ativa, pergunta-se Bakunin? Pela propaganda e pela instrução formal? Ou através de uma direção de socialistas mais esclarecidos? De nenhumas dessas formas, propõe. “só lhes resta uma única via: aquela de sua emancipação pela prática. Que pode e deve ser essa prática? Só há uma. É aquela luta solitária dos operários contra os patrões. São as Trade-unions, a organização e a federação das caixas de resistência”.[68]

Ao pensar a prática como meio de formação da subjetividade política entre os trabalhadores, Bakunin nesse momento está atento também à movimentação revolucionária em sua terra natal: a Rússia. A mesma premissa presente em A política da Internacional surge com uma concretude ainda maior[69] em um dos textos de Bakunin dirigido diretamente aos jovens revolucionários de seu país e que foi publicado na Rússia, em 1870: A ciência e a questão vital da revolução.[70]

O artigo citado funcionaria ao mesmo tempo com uma continuação de um texto anterior, também dirigido à juventude revolucionária russa, e uma resposta a críticas sofridas por ele.[71] Bakunin estimula a crescente movimentação socialista realizada especialmente por estudantes, que se propunham viver juntos aos segmentos camponeses e operários (o “Povo”) e ajudando-os a se organizarem em revolta contra o governo russo. Poucos anos mais tarde, em 1873, um dos mais atuantes grupos nesse movimento, “Terra e Liberdade” (“Zemlia i Volia”) comporia uma grande iniciativa naquele sentido: a campanha “Ir ao Povo”, debelada violentamente pelo Estado czarista no ano seguinte. No interior do Terra e Liberdade atuava uma corrente anarquista nomeada “Insurreição” (“Buntais”) formada inicialmente por estudantes que, em 1872, conheceram Mikhail Bakunin em Zurique, na Suíça.[72]

O foco de discussão do anarquista neste novo “Apelo” é as formas de atuação efetiva dos revolucionários daquele momento. Referindo-se aos “decembristas” (ou “dezembristas”) – movimento de revolta de parte do exército contra o czar Nicolau I ocorrido em 1825 e que reivindicava limitações dos poderes autocráticos do soberano – diz:

Se os decembristas fracassaram, foi por das razões maiores. Em primeiro lugar, eram, apesar de tudo, nobres, e não tendo qualquer contato com o povo, conheciam mal suas necessidades. Em segundo lugar, por esta mesma razão, eles não souberam aproximá-lo, suscitar nele o entusiasmo e a fé; dirigiram-se a ele com uma linguagem, a sua, que não exprimia os pensamentos do povo, mas os seus. Os verdadeiros guias da emancipação do povo não podem ser senão homens emanados de seu seio.[73]

Entretanto, assim como a situação material de vida dos trabalhadores dos países ocidentais (para onde se dirigia o artigo de Bakunin anteriormente citado, escrito em francês e publicado em Genebra) leva-os à ignorância e permitem-lhes apenas a consciência do que lhes é imediato em sua vida,[74] o “povo” russo encontra-se em uma situação correlata, acrescida da supersticiosa confiança na benevolência do czar.[75] Como poderiam, assim, os “guias da emancipação do povo emanarem do próprio povo”?

Mais uma vez o anarquista rejeita a necessidade de um “partido” diretivo, uma “vanguarda” revolucionária ou a alternativa da ação parlamentar. Referindo-se e dirigindo-se aos russos, Bakunin enfatiza ainda mais a força positiva das “forças inconscientes, instintivas, tradicionais, por assim dizer, espontâneas e pouco organizadas, ainda que cheias de vida” surgidas das mesmas condições de vida que levam à limitação da consciência racional formal. [76] Também mais uma vez, a “consciência positiva” é construída pelos trabalhadores através de suas próprias lutas: “mas muito felizmente os povos instruem-se e desenvolvem-se, como vimos, menos pelo livro do que pela ciência da experiência histórica, por séculos de existência e provações.” [77]

Aos jovens revolucionários a quem se dirigiam essas palavras, Bakunin então expõe sua sugestão de forma de ação junto ao “povo”:

Ora, dizei-lhe a mesma coisa, mas em termos menos abstratos, com palavras simples aplicando-se a sua existência cotidiana, e até mesmo com mais profundidade, de uma maneira mais viva e mais completa do que vós próprios compreendeis. Ele vos compreenderá porque tudo o que parece ser abstrações harmonizar-se-á com suas paixões, formadas historicamente por seu instinto; encontrará mil confirmações em sua experiência cotidiana e histórica; dará uma resposta às aspirações que mais torturam seu espírito e seu coração; prometerá para breve o fim de suas infelicidades, de suas humilhações, de seus sofrimentos.[78]

Dessa maneira, as propostas russas de uma prática política direta junto ao “povo”, onde o revolucionário compartilharia suas experiências para a construção de uma nova consciência através de suas lutas contra os proprietários e o Estado é incentivada por Bakunin. Se por um lado há uma aproximação das formulações materialistas da história de Marx através das relações diretamente travadas na Internacional, por outro Bakunin sustenta um viés anarquista de ação, isento de institucionalização diretiva ou parlamentar na prática política. O que o permite defender a validade da ação direta dos trabalhadores é a confiança que a própria experiência de dominação gera sentimentos e instintos (imediatos e difusos) voltados à construção da igualdade e liberdade.

O diálogo apresentado rapidamente no início desse texto entre Cornelius Castoriadis e Edward Thompson em suas críticas ao marxismo (marxismo de forma geral para aquele; as leituras de certos “marxismos” para este) pode ser evocado nesse momento como um contraponto às nossas reflexões acerca das relações entre as propostas de materialismo histórico de Bakunin e Marx na Internacional. Deve-se levar em consideração a validade de uma crítica de Castoriadis dirigida ao materialismo histórico de Marx também para as propostas do materialismo defendido pelo anarquista: a “redução do proletariado a instrumento cego de uma Razão histórica, qualquer que seja.”[79]

O povo – nas palavras de Bakunin – “compreenderá” o revolucionário e “dar-lhe-á” respostas e “prometerá para breve o fim de suas infelicidades”. O tempo verbal utilizado, um futuro claro e certo que ocorrerá caso certas condições sejam cumpridas, permitem-nos cogitar uma premissa comum às propostas de materialismo histórico em debate nas décadas de 1860 e 1870:

que na economia capitalista os homens, proletários ou capitalistas, são efetiva e integralmente transformados em coisas, reificados; que são nela submetidos à ação de leis econômicas que em nada diferem das leis naturais, exceto em que utilizam as ações “conscientes” dos homens como o instrumento inconsciente de sua realização.[80]

Esta característica das propostas materialistas marxista e anarquista, entretanto, parece conduzir a direções políticas diferentes. Mesmo após sua expulsão da Associação Internacional dos Trabalhadores, Mikhail Bakunin sustentaria uma positividade nesta forma de “lei” – caso concordemos com Castoriadis – da materialidade social manifesta em impulsos inconscientes dos sujeitos políticos. Para o russo, mantém-se uma confiança na potência histórica dos trabalhadores como transformadores da realidade, justamente devido a tal instinto:

persuadidos de que as massas proletárias detêm, ocultos em seus instintos, mais ou menos desenvolvidos pela História, em suas necessidades quotidianas e suas aspirações conscientes ou inconscientes, todos os elementos de sua futura organização harmoniosa, buscamos este ideal no próprio povo.[81]

De uma forma geral, assim, parecem pertinentes e válidas às propostas anarquistas daquela situação as mesmas críticas feitas por E. P. Thompsom e Cornelius Castoriadis dirigidas ao marxismo (em Thompson às formas tradicionais da interpretação das propostas de Marx) a respeito da existência de um sujeito universal. Mesmo que Bakunin não chegue a afirmar especificamente uma “missão histórica” dos trabalhadores, estes parecem ser portadores de um potencial de ação de tendências homogeneizantes. O “instinto” de revolta pela igualdade e liberdade, possuído por eles por partilharem condições semelhantes de miséria e exploração, seria uma indicação nessa uniformidade nas formas de subjetivação.

Formalmente, porém, Bakunin rejeitou qualquer dos determinismos filosóficos presentes até então[82], não existindo, de fato, em suas propostas políticas teorizações de etapas estruturantes da sociedade, que se sucederiam na história. Nesse mesmo sentido, apesar de certos aspectos consonantes com o materialismo de Marx com o qual dialogava naquele momento, como a consideração da consciência social dos sujeitos criando-se a partir de suas condições concretas de vida, mais especificamente a partir de suas experiências práticas na vida, a ênfase de Bakunin no papel do irracional, dos instintos e sentimentos como mola propulsora da ação e subjetivação dos trabalhadores ajudaria a compor resultados bem diferentes em termos de objetivos e formas práticas de atuação política.

As propostas anarquista e marxista mostrar-se-iam naquele momento de tal forma inconciliáveis cujo conflito culminaria na expulsão dos anarquistas da Associação Internacional dos Trabalhadores.

A expulsão de Bakunin e das propostas anarquistas da Internacional

Entre 1868 e 1869, respectivamente nos Congressos de Bruxelas e da Basileia, a influência mutualista decrescia na Associação Internacional dos Trabalhadores à medida que suas propostas eram derrotadas nas assembleias, enquanto o coletivismo viu-se cada vez mais fortalecido na organização pela aprovação de várias de suas resoluções.[83] Ao mesmo tempo, acirraram-se as discordâncias entre as propostas de Marx e Bakunin após os anarquistas (coletivistas) conseguirem aprovar seu texto sobre a abolição do direito de herança em detrimento daquele proposto pelo Conselho Geral.[84]

É importante relembrar que as influências políticas de Marx e Bakunin cresciam paralelamente entre as associações de trabalhadores e as seções da Internacional, mas em regiões distintas da Europa. O anarquista, por exemplo, nunca conseguiu colaboração expressiva em terras germânicas ou na Inglaterra; seus maiores apoiadores na época estavam na Espanha, Itália e Suíça Romana. Para Marx, a razão de ser dessa peculiaridade estava no pouco saber teórico de Bakunin, cujas propostas, portanto, só poderiam ser aceitas por trabalhadores de regiões mais atrasadas. Em uma carta de 23 de novembro de 1871, endereçada à Friedrich Bolte, Marx queixa-se da luta constante do Conselho Geral da Internacional contra “sectos” e “amadores”, da “miscelânea superficial formada de fragmentos à direita e à esquerda” das propostas de Bakunin e conclui: “Esse conto de fadas encontrou eco (e também alguma consistência) na Itália e na Espanha, onde as condições materiais do movimento operário são ainda pouco desenvolvidas e entre alguns doutrinários vaidosos, ambiciosos e vazios na Suíça romana e na Bélgica.”[85]

Talvez para além do “pouco desenvolvimento das condições materiais” da organização dos trabalhadores na Espanha ou Itália, devamos considerar também que a aceitação das propostas de Bakunin nessas regiões fosse maior pelo fato do anarquista não se empenhar tanto em seus escritos, discursos e articulações políticas em construir uma teoria em si, rigidamente formalizada e de caráter totalizante. Mesmo sendo otimista frente a uma universalidade da subjetivação dos trabalhadores, Bakunin mostrava-se muito específico sobre as realidades de cada país ou segmento de trabalhadores sobre os quais tecia suas afirmações. Mais do que “encontrar eco” na Itália ou Suíça depois de formuladas e prontas, suas propostas foram construindo-se e transformando-se através das relações vividas pelo anarquista com aqueles trabalhadores, pessoalmente ou através de seus apoiadores diretos.

É no sentido de rejeitar um status de formalização teórica para suas propostas que Bakunin acusa Marx de chegar a conclusões analíticas e políticas para todos os países capitalistas através de reflexões sobre a realidade particular da Inglaterra. Em seus termos:

se fizermos abstração de certo jargão hegeliano, do qual nunca se pode livrar, verificaremos que, sob o pretexto capcioso de que todos os outros países, sendo mais atrasados do ponto de vista da grande produção capitalista, também o são necessariamente do ponto de vista da revolução social, o Sr. Marx só tem em vista principalmente os fatos ingleses. Dir-se-ia um inglês falando só para ingleses.[86]

O posicionamento explícito (e público) de Bakunin contra Marx, talvez não tão evidente em escritos anteriores, não surge aqui fortuitamente: este trecho é retirado de um artigo em resposta à sua expulsão da Associação Internacional dos Trabalhadores, ocorrida no mês anterior durante o congresso de Haia e movida pelo Conselho Geral, presidido por Marx.

Enquanto em artigos e discursos redigidos entre 1869 e 1871 o revolucionário russo se esforçava em mostrar suas afinidades com o programa geral da Internacional e certos elementos capitais das propostas de Marx e seu materialismo histórico, agora vê a necessidade de evidências as diferenças de suas ideias políticas. Ainda sobre a formulação de teorias de caráter universalizante, cito um trecho mais extenso:

O Sr. Marx desconhece igualmente por completo um elemento muito importante no desenvolvimento histórico da humanidade: é o temperamento e o caráter particulares de cada raça e de cada povo, temperamento e caráter que são naturalmente, eles próprios, produtos de um grande número de causas etnográficas, climatológicas e econômicas, tanto quanto históricas, mas que, uma vez dadas, exercem, mesmo fora e independentemente das condições econômicas de cada país, uma influência considerável sobre seus destinos, e até mesmo sobre o desenvolvimento de suas forças econômicas. Entre esses elementos e aspectos, por assim dizer naturais, há um cuja ação é completamente decisiva na história particular de cada povo: é a intensidade do instinto de revolta, e, por isso mesmo, de liberdade, do qual ele está dotado ou que conservou. [...] No homem, ao lado das necessidades econômicas que o impulsionam, ele se torna o agente mais poderoso de todas as emancipações humanas.[87]

Oficialmente, o Conselho Geral apressou-se em explicitar que não foram as diferenças de propostas políticas que justificaram a expulsão de Mikhail Bakunin (e também James Guillaume) da Associação Internacional dos Trabalhadores. O motivo teria sido mais grave: traição.

Bakunin não teria realmente desfeito sua antiga organização, a Aliança da Democracia Socialista, conforme o combinado na época de seu pedido de ingresso na Internacional. O Conselho Geral teria “documentos que provam de maneira incontestável” a existência secreta da Aliança, atuando no interior da Associação.[88]

Em carta aberta aos membros da organização, o Conselho Geral avisara de sua intenção de requisitar em assembleia a expulsão de Bakunin no congresso a se realizar no mês seguinte, em Haia. O problema foi apresentado nas seguintes palavras:

Pela primeira vez na história das lutas da classe operária nós encontramos uma conspiração secreta tramada no seio desta mesma classe e destinada a minar não o regime de exploradores existente, mas a própria Associação que o combate mais energicamente. [...] O que está em jogo nesse momento não é nem a autonomia das seções, nem a livre federação dos grupos, nem a organização “de baixo para cima”, nem qualquer outra fórmula pretensiosa e bombástica, a questão hoje se reduz a esta: vocês querem os órgãos centrais compostos por homens que não reconhecem outro mandato além do seu, ou vocês os querem compostos por homens eleitos de surpresa, homens que não aceitam o mandato de vocês com a intenção de lhes conduzir como um rebanho de ovelhas conformadas a instruções secretas vindas de um personagem misterioso na Suíça.” [89]

Não pretendo advogar a favor ou contra Bakunin nessas acusações, pois isso não traria qualquer contribuição a nossa problemática. O Conselho Geral havia nomeado uma comissão de investigação para produzir um relatório sobre a existência ou não da Aliança e, com base nele, realizar a expulsão.[90] Mais importante para compreender a construção das propostas de Bakunin através de suas relações políticas é nos atentarmos para as divergências surgidas entre os anarquistas – lembrando que por “anarquistas” me refiro nesse momento aos coletivistas apoiadores de Bakunin – e o Conselho Geral, mais especificamente Karl Marx e Friedrich Engels.

Na carta citada anteriormente (atribuída pela edição soviética que utilizo a Engels), nega-se como problema central para a expulsão da proposta anarquista da Internacional a discordância entre a autonomia das seções da Associação e a organização federativa dos grupos a ela relacionados. Atentando-se, todavia, às crescentes divergências ocorridas no ano anterior, percebe-se serem aqueles elementos a maior fonte de conflitos entre anarquistas e o Conselho Geral.

Em 1870, não foi realizado o congresso anual da Associação Internacional dos Trabalhadores, devido a Guerra franco-prussiana (julho de 1870 a maio de 1871). Em 1871, somando-se também os eventos da Comuna de Paris (março a maio), apenas uma conferência foi feita em Londres; os aliados de Bakunin protestaram depois por não terem sido convidados para essa reunião.[91] O Conselho Geral teria assim conseguido fazer avançar sua proposta de formação de partidos políticos de trabalhadores e sugestões de prevenção a “formação de organismos separatistas” entre as seções da Internacional.[92]

A resposta dos anarquistas veio através da “Circular de Sonvilliers”, uma carta redigida em uma conferência realizada logo em seguida, no Jura, Suíça, na qual eles reivindicaram exatamente os pontos que causariam tantos conflitos com o Conselho Geral:

Nós pedimos agora, na Internacional, o princípio de autonomia das Seções, que foi até o presente a base de nossa Associação; pedimos que o Conselho Geral, cujas atribuições foram deturpadas pelas resoluções administrativas do Congresso da Basiléia, retorne a seu papel normal, que é o de um simples escritório de correspondência e de estatística.[93]

Em resposta à Circular, Engels defendera a necessidade da centralização da Internacional como forma de defesa contra seus inimigos. Se todo o corpo de oficiais prussianos resolvesse filiar-se à Associação – ironiza – tal “escritório de correspondência e estatística” não teria força suficiente para se opor.[94]

Como discutido, essas divergências culminariam na expulsão de Bakunin e Guillaume da Internacional durante o congresso de Haia, em 1872, pela acusação da manutenção secreta da Aliança da Democracia Socialista em seu interior. Nesse mesmo congresso, uma segunda resolução seria ainda tomada em oposição à proposta anarquista, com a inserção do Artigo 7a no Estatuto Geral da Associação, em obediência a decisões tomadas na controversa conferência de Londres:

Art. 7ª – Em sua luta contra o poder coletivo das classes proprietárias, o proletariado não pode agir como classe a não ser que se constitua em partido político distintamente oposto a todos os antigos partidos formados pelas classes proprietárias. Essa constituição do proletariado em partido político é indispensável para assegurar o triunfo da Revolução social e seu objetivo supremo: a abolição das classes.[95]

Nos escritos posteriores, seja dirigindo-se novamente aos companheiros russos ou analisando a situação política e social recente da Europa, Bakunin manteve suas propostas principais como desenvolvidas a partir de 1869: a vida material permitiria o surgimento de um instinto de revolta entre as classes exploradas e, a partir dessa centelha inicial de consciência, a experiência prática de luta reforçaria a criação de uma subjetividade entre os trabalhadores como consciência social mais ampla.[96]

As relações com o marxismo não seriam mais deixadas de lado pelo anarquista mesmo com o fim de sua atuação na Internacional. Em suas propostas surgem uma grande ênfase na importância do materialismo e nos perigos de análises sustentadas na metafísica, esta “irmã e herdeira da teologia”, forma metodológica “contrária a liberdade e ao bem estar do povo”.[97] Às cobranças mencionadas de Marx quanto à capacidade de teorização de Bakunin, este passaria a responder posicionando-se explicitamente ante todo pensamento teórico – seja de origem filosófica ou científica:

Nós, revolucionários-anarquistas, defensores da instrução geral do povo, de sua emancipação e do mais amplo desenvolvimento da vida social e, por isto mesmo, inimigos do Estado e de toda gestão estatista, afirmamos, ao contrário dos metafísicos, positivistas, eruditos ou não, prosternados aos pés da deusa ciência, que a vida natural e social sempre precede o pensamento, que é apenas uma de suas funções, mas nunca o resultado; que esta vida se desenvolve partindo de suas profundezas insondáveis, por uma sucessão de fatos diferentes uns dos outros, e não de reflexos abstratos, e que estes fatos, sempre engendrados por ela, sem que ela jamais seja engendrada por eles, nada mas fazem que indicar, tais como balizas quilométricas, a direção e as diferentes fases de sua própria evolução natural.[98]

Apesar de alguns escritos após 1872, Bakunin se afastaria aos poucos da militância política direta, devido a sua saúde, mantendo-se atento aos acontecimentos na Rússia e Itália. Já aos 60 anos, participaria de um malsucedido plano revolucionário em Bolonha. Morreria dois anos depois, em 1876, na Suíça.

James Guillaume reuniria os demais descontentes com o Conselho Geral em torno da Federação do Jura, a partir de onde tentaria construir uma união não autoritária de federações. Seriam estes remanescentes da Associação Internacional dos Trabalhadores, como Guillaume e Réclus que, defendendo e renovando o trabalho de Bakunin, conseguiriam transformar a proposta anarquista em movimentos de alcance realmente internacional.

Considerações finais

Mikhail Bakunin é um conveniente exemplo para uma proposta historiográfica que considere a criação das subjetividades políticas como inseparáveis das relações sociais vividas pelos indivíduos. Mais do que isso, devido as suas produções escritas – sejam cartas, artigos, discursos ou manifestos – sempre serem realizados com fins explicitamente políticos e específicos, ele também se mostra um exemplo vivo para a segunda problemática deste texto: como a composição de uma “teoria” social também não se separa dos conflitos e posicionamentos políticos vividos pelos indivíduos.

Destaca-se a tensão constante existente em todas essas relações: nos embates entre Bakunin e seus opositores e companheiros nos movimentos políticos; no fazer a si mesmo, como um sujeito obrigado a construir-se permanentemente, abandonando-se e renovando-se em sua subjetividade política nas novas relações sociais vividas; na criação de propostas políticas, apropriadas em sua experiência, mesmo que a partir das propostas de seus opositores.

Nesse sentido, chamo a atenção como algo a ser considerado pela história social contemporânea uma das características do materialismo de Bakunin: o destaque fundamental dado aos sentimentos e a irracionalidade como elementos criativos na ação política. O anarquista fala em sonhos, paixões, humilhações e revolta em um grande esforço (embora que não escapasse totalmente de alguma forma de sujeito universal) de manter a indeterminação da história e, consequentemente, a liberdade dos indivíduos.

Proponho que nós, historiadores sociais, tomemos como mote reflexivo na formulação de nossas problemáticas as palavras do já experiente Bakunin, direcionadas aos jovens revolucionários russos, em 1873:

Estudando minuciosamente a vida material das pessoas simples que vos cercam, buscai penetrar o fundo de sua alma, seus hábitos coletivos no plano mental e moral, suas diversas relações na família e na sociedade, bem como a razão secreta de sua atitude em relação aos outros corpos sociais e às autoridades. O que pensam eles de seus direitos e de suas humilhações que, evidentemente, não faltam em nenhum lugar na Rússia? O que querem, a que aspiram e esperam algo? E de quem?[99]

Simples conselho “teórico”, ou mesmo “metodológico”, se considerado por um historiador? Não, pois esta “teoria” não se separa de propostas e objetivos políticos, a meu ver, necessários em nossa sociedade hoje:

Nenhum sábio está, portanto, em condições de ensinar ao povo, ou definir para ele, o que será ou deverá ser seu modo de vida, logo após a revolução social. Esse modo de vida será determinado, em primeiro lugar, pela situação de cada povo e, em segundo, pelas necessidades que nascerão em cada um deles e manifestar-se-ão com o máximo de força, portanto, de modo algum por diretrizes dou notas explicativas vindas de cima e, de maneira geral, por teorias, quaisquer que sejam elas, concebidas às vésperas da Revolução.[100]

[1] CASTORIADIS, C. A instituição imaginária da sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002 [1975], p. 20.

[2] “Anos mais tarde”, porque apesar de A instituição imaginária da sociedade datar de 1975, seu primeiro capítulo, de onde se extraiu a sentença, é uma republicação de textos da revista Socialisme ou barbarie de 1964 e 1965.

[3] THOMPSON, E. A miséria da teoria. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981 [1978], p. 186.

[4] Idem. Loc. cit.

[5] THOMPSON, E, op. cit., p. 185. 241

[6] CASTORIADIS, C. Sobre o conteúdo do socialismo I. [1955]. In: _____. Socialismo ou barbárie. São Paulo: Brasiliense, 1983, p. 59.

[7] Idem, p. 61.

[8] GUILLAUME, J. Recordações dos Congressos de Laussane e de Genebra, p. 89-131 [1867]. In: ________. A Internacional: documentos e recordações 1. São Paulo: Faísca/Imaginário, 2009 [1910], p. 130.

[9] GUILLAUME, J. 2009 [1867]. op. cit. p. 26. Para um exemplo dessa heterogeneidade: entre os patrocinadores da organização, que atraiu, como dito, socialistas e revolucionários, estavam dois grandes defensores do liberalismo econômico, John Bright e John Stuart Mill. WOODCOCK, G. Anarquismo. Porto Alegre: L&PM, 1984, p. 143.

[10] GUILLAUME, J. 2009 [1867]. op. cit, p. 119-121.

[11] GUILLAUME, J. Memória da Federação Jurassiana da Associação Internacional dos trabalhadores a todas as federações da Internacional. [1873]. In: GUILLAUME, J. 2009, op. cit, p. 49.

[12] ATA do Congresso de Laussane, p. 96-103. [1867]. IN: Idem. p. 96-102.

[13] Cabe aqui uma ressalva. René Berthier defende que não seria correto denominar nesse momento Bakunin como um partidário do “anarquismo”, pois o “movimento anarquista” de fato organizar-se-ia reivindicando para si este título apenas após a expulsão do russo da Associação Internacional dos Trabalhadores. BETHIER, R. Prefácio, p. 11-23. In: SAMIS, A. Negras tormentas: o federalismo e o internacionalismo na Comuna de Paris. São Paulo: Hedra, 2011. De fato, no momento de sua atuação na Liga da Paz e da Liberdade, Bakunin refere-se apenas ao “socialismo”, mas reivindicou para si de forma clara a subjetividade “anarquista” em escritos posteriores (BAKUNIN, M Estatismo e anarquia. São Paulo: Nu-Sol/Imaginário, 2003 p. 168.), por isso continuo a referir-me a ele como anarquista. Continua, porém, o alerta de Berthier, já que no interior da Internacional diversas propostas políticas que posteriormente, através de diferentes construções de memória, seriam “encaixadas” no título “anarquistas”, como o mutualismo proudhoniano de Tolain ou o coletivismo de Cesar De Paepe.

[14] A participação de Bakunin na Liga da Paz e da Liberdade e suas propostas políticas serão discutidas no próximo segmento deste texto.

[15] BAKUNIN, M. Os enganadores, p. 9-38. [1869]. In:_________. Os enganadores/A política da Internacional/Aonde ir e o que fazer? São Paulo: Faísca/Imaginário, 2008, p. 9.

[16] Idem. p. 12.

[17] Idem. loc. cit.

[18] Idem, p. 12-13.

[19] Os detalhes biográficos de Bakunin citados provém de GUILLAUME, J. Michael Bakunin: a biographical sketch [1907] In: DOLGOFF, S. (org.) Bakunin on anarchy. New York: A. A. Knopf, 1971. NETTLAU, M. História da anarquia. São Paulo: Hedra, 2008 e WOODCOCK, G, op. cit, Entre os autores brasileiros que se ocuparam da vida de Bakunin, cito o trabalho pioneiro de Sergio Norte: NORTE, S. Bakunin. Campinas: Papirus, 1988.

[20] BAKUNIN, M. Catecismo revolucionário, p. 15-67. [1866]. In: ________. Catecismo revolucionário/Programa da Sociedade da Revolução Internacional. São Paulo: Faísca/Imaginário, 2009. Não confundir com o Catecismo do Revolucionário de Sergei Netchaiev. NETCHAÏEV, S. Le catéchisme du révolutionnaire. Hermésia. Aout. 2003. Disponível em <webzine.hermesia.org>. Acesso em 3 jan. 2006.

[21] BAKUNIN, M. 2009, op. cit, p. 18.

[22] Idem. p. 18-41.

[23] GUILLAUME, J. 2009, op. cit, p. 174-176. O título do manuscrito citado refere-se à “Sociedade Internacional Revolucionária”, já o historiador Max Nettlau, frente às variações, prefere denominar toda a rede reunida no período em torno de Bakunin, “Fraternidade Internacional”, baseando-se na expressão “irmãos internacionais”, utilizada em outro manuscrito da época. NETTLAU, M. 2008, p. 148-149. Sigo Nettlau nesse texto, utilizando-me do último título citado.

[24] GUILLAUME, J. 2009, op. cit, p. 176.

[25] BRUPBACHER, F. Bakunin quase anarquista. p. 9-13. In: BAKUNIN, M. 2009, op. cit, p. 9.

[26] NETTLAU, M, op. cit, p. 145 e WOODCOCK, G, op. cit, p. 140-141.

[27] PROUDHON, P-J. Do princípio federativo. São Paulo: Imaginário/Nu-Sol, 2003. Com grande perspicácia, Engels destacaria mais tarde como para Bakunin a forma de organização dos trabalhadores para a luta revolucionária deveria ter correspondência na nova forma de organização social almejada. Um processo revolucionário autoritário nunca levaria a um resultado libertário. Na visão do companheiro de Marx, entretanto, isso era algo negativo, “místico” até. No caso da Internacional, sua preocupação na época, uma organização libertária colocaria em risco a força decisória do Conselho Geral e toda a organização da Associação. ENGELS, F. Le Congrès de Sonvilliers et L’Internationale, p. 64-72 [1872]. In: ENGELS, F.; LENINE, V.; MARX, K. Sur l’anarchisme et l’anarcho-syndicalisme. Editions du Progrès: Moscou, 1973, p. 67-68.

[28] BAKUNIN, M. 2009, op. cit, p. 41. Como discutido, na década de 1860, Bakunin também se utilizaria do termo “social” como um contraponto de “política”.

[29] BAKUNIN, M. 2009, op. cit, p. 45-46.

[30] ENGELS, F. MARX, K. Feuerbach e a história: rascunhos e anotações. p. 29-78. [1845-1846]. In:_____. A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 38.

[31] BAKUNIN, M. 2009, op. cit, p. 48.

[32] Idem, p. 54.

[33] GUILLAUME, J. 2009. op. cit. p. 126-127 e WOODCOCK, G, op. cit, p. 143.

[34] BAKOUNINE, M. Féderalisme, socialisme et antitheologisme. p. 1-205. [1867] In: ______. Ouvres: Tome I. Paris, P.-V. Stock Editeur, 1895. Todas as citações das obras em francês e inglês foram traduzidas aqui por mim.

[35] BAKUNIN, M. 1895, op. cit, p. 19-20.

[36] Tal é o teor de sua importante carta (Apelo aos eslavos) escrita em 1848 durante a fuga das tropas austríacas após o fracasso das barricadas de Praga, erguida contra seus dominadores por estudantes e trabalhadores checos. Bakunin seria preso no ano seguinte em Dresden, na Saxônia, e entregue ao governo russo. BAKUNIN, M. Appel to the slavs. p. 63-68. In: DOLGOFF, S, op. cit.

[37] BAKOUNINE, M. 1895, op. cit,. p. 16-17.

[38] Idem, p. 32.

[39] Idem, p. 39.

[40] Idem, loc cit.

[41] Um exemplo desta indeterminação: no ano anterior, 1866, no Congresso de Genebra da Internacional, mesmo a divergência do que deveria ser considerado “trabalhador” (os “operários do pensamento” também deveriam ser aceitos na Associação?) gerou forte discordância entre os ainda destacados blanquistas, os mutualistas e unionistas ingleses. GUILLAUME, J. 2009 [1873], op. cit, p. 59.

[42] BAKOUNINE, M. 1895, op. cit, p. 37.

[43] Idem, p. 48-49.

[44] Idem, p. 51-52.

[45] DECLARAÇÃO de princípios da Liga da Paz e da Liberdade, p. 165-166 [1867]. In: GUILLAUME, J. 2009, op. cit, p. 165.

[46] DECLARAÇÃO de princípios da Liga da Paz e da Liberdade, op. cit, p. 165;

[47] CARTA do bureau da Liga ao presidente da AIT, p. 166-267 [1868]. In: GUILLAUME, J. 2009, op. cit.

[48] GUILLAUME, J. 2009, op. cit, p. 43-44.

[49] MENSAGEM ao Congresso da Paz em Genebra. p. 101-102 [1867]. In: GUILLAUME, J. 2009, op. cit, p. 101-102.

[50] Citado em GUILLAUME, J. 2009, op. cit, p. 171-172. Guillaume não especifica a origem desse documento, deixando apenas a informação de que se trata de uma resolução impressa para o Congresso de Berna.

[51] “A propriedade é a exploração do fraco pelo forte; a comunidade é a exploração do forte pelo fraco.” Desde O que é a propriedade?, Proudhon negava o comunismo, relacionando-o à opressão, servidão e a autoridade. A síntese entre a liberdade, presente no princípio de propriedade, e a autoridade igualitária, presente na comunidade, seria o que ele chamou anarquia. PROUDHON, P-J. O que é a propriedade? Lisboa: Estampa, 1997 [1840].

[52] GUILLAUME, J. 2009, op. cit, p. 173.

[53] RESOLUÇÕES do Congresso de Bruxelas. p. 153-163 [1868]. In: GUILLAUME, J. 2009, op. cit, p. 155-156. De Paepe, posteriormente divergiria das propostas dos anarquistas da Federação do Jura, defendendo um Estado que realizasse algumas funções públicas.

[54] GUILLAUME, J. L’Internationale: documents et souvenirs. Tome première. Paris: Societé Nouvelle de Librairie et d’editions, 1905, p. 130.

[55] WOODCOCK, G, op. cit, p. 146.

[56] NETTLAU, M, op. cit, p. 148.

[57] PROGRAMME de l’Alliance Internationale de La Democratie Socialiste, p. 132-133 [1868]. In: GUILLAUME, J. 1905, op. cit.

[58] Idem, p. 132.

[59] Expressão utilizada no Artigo 6° do mesmo programa. Idem, p. 132.

[60] LETTER of the General Council to the Alliance of Socialist Democracy. 1869. Disponível em <dwardmac.pitzer.edu/anarchist_archives>. Acesso 26 ago. 2010.

[61] Modificação da frase destacada em GUILLAUME, J. 1905. op. cit. p. 132.

[62] Trecho do SEGUNDO discurso de Bakunin no Congresso de Berna. p. 170171. [1868]. IN: GUILLAUME, J. 2009. op. cit. p. 170-171.

[63] MARX, K. Marx à Paul Lafargue, à Paris, p. 48-49. [19/04/1870]. In: MARX, K.; ENGELS, F.; LENINE, V, op. cit, p 48-49.

[64] BAKUNIN, M. A política da Internacional, p. 39-69 [1869]. In: BAKUNIN, M. 2008, op. cit, p. 50.

[65] Idem, p. 41.

[66] Idem, p. 51.

[67] Idem, p. 50-51.

[68] Idem, p. 52. O destaque é do autor.

[69] Recordemos que nós, pesquisador e leitores, a partir de nossos problemas presentes é que estamos considerando aqui Mikhail Bakunin como um “teórico” como uma estratégia heurística na discussão historiográfica. A própria construção de Bakunin como um produtor de teorias é histórica, envolta em diversos interesses – especialmente de militantes e acadêmicos –, uma vez que as pretensões do anarquista com seus escritos eram muito mais a intervenção política imediata e específica que a busca por uma coerência lógica universal de seu pensamento. A “maior concretude” em sua “premissa” é, assim, existente a partir de nosso ponto de vista.

[70] BAKUNIN, M. A ciência e a questão vital. São Paulo: Faísca/Imaginário, 2009b. [1870].

[71] “Há dois meses [janeiro de 1870] redigi um ‘Apelo aos jovens irmãos’, no qual eu felicitava a juventude pelo fato de o governo expulsá-la das universidades e das escolas superiores empurrando-a para o povo. Quantas censuras atraí para mim de diferentes lados por ter tido a audácia de exprimir francamente essa ideia.” Idem, p. 24.

[72] Discuti alguns aspectos da movimentação revolucionária na Rússia na segunda metade do século XIX, através da problemática do niilismo em MONTEIRO, F. O niilismo social: anarquistas e terroristas no século XIX. São Paulo: Annablume, 2010.

[73] BAKUNIN, M. 2009b, op. cit, p. 46-47.

[74] Idem, p. 53.

[75] Idem, p. 76-77.

[76] Idem, p. 36.

[77] BAKUNIN, M. 2009b, op. cit, p. 71.

[78] Idem, p. 72.

[79] CASTORIADIS, C. Introdução: a questão da história do movimento operário, p. 11-78 [1973]. In: _____. A experiência do movimento operário. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 12.

[80] CASTORIADIS, C. 2002, op. cit, p. 27.

[81] BAKUNIN, M. Estatismo e anarquia. São Paulo: Ícone/Nu-Sol/Imaginário, 2003, p. 168.

[82] “Em minha época tudo se explicava, segundo Hegel, pela razão objetiva que se determinava por si mesma; hoje, tudo se explica, segundo Comte, pelo encadeamento ou pela consequência fatal dos fatores naturais ou sociais. Manifestamente, num e noutro sistema, não há lugar para a ação individual.” BAKUNIN, M. 2009b, op. cit, p. 93-94.

[83] Na Basileia, por exemplo, foi aprovada a consideração de tratar-se de um direito e uma necessidade a coletivização da terra, apesar da oposição dos delegados parisienses Murat e Tolain. GUILLAUME, J. 1905, op. cit, p. 199.

[84] Preparado por uma Comissão que incluía Bakunin, Guillaume e De Paepe, aprovou-se a proposta de abolição radical do direito de herança, sendo esta abolição considerada “uma das condições indispensáveis para a libertação do trabalho”. Marx e o Conselho Geral defendiam limitar gradativamente esse direito durante um “estado de transição social”. Ver os textos das propostas em Idem, p. 200-201.

[85] MARX, K. Marx à Friedrich Bolte à New York, p. 58-61 [32/11/1871]. In: ENGELS, F.; MARX, K.; LENINE, V. op. cit.. p. 66.

[86] BAKUNIN, M. Carta ao jornal La liberte, de Bruxelas, p. 15-48 [05/10/1872]. In: _______. Escritos contra Marx. Rio de Janeiro/São Paulo: Soma/Imaginário/Nu-Sol, 2001, p. 26.

[87] BAKUNIN, M. 2001, op. cit, p. 40.

[88] ENGEL, F. Le Conseil Genéral à tous le membres de l’Association Internationale de Travailleus, p. 86-88. 4ª, 6/08/1872. In: ENGELS, F.; MARX, K.; LENINE, V, op. cit, p. 86.

[89] ENGELS, F. 1872, op. cit, p. 87.

[90] Historiadores como George Woodcock e Max Netllau divergem sobre a atuação efetiva da Aliança, mas concordam com a fragilidade das informações obtidas em tal relatório. Ver WOODCOCK, G. 1983, p. 159 e NETTLAU, M. op. cit. p. 148. O leitor que se interessar por essa documentação produzida pela Comissão, ver <http://www.marxists.org/history/international/iwma/documents/1872/hague-commission/index.htm>. Acesso 01 ago. 2010.

[91] CIRCULAIRE à toutes les Fédérations de l’Association internationale des travailleurs. Sonvilliers, 12/11/1871. Disponível em <http://www.panarchy.org/jura/sonvillier.html>. Acesso em 17 dez. 2010. Woodcock registra apenas um delegado espanhol e nenhum italiano ou suíço na conferência. WOODCOCK, G, op. cit, p. 157.

[92] CIRCULAIRE à toutes les Fédérations. op. cit.

[93] CIRCULAIRE à toutes les Fédérations. op. cit. Bakunin não estava presente na conferência de Sonvilliers, embora tenha apoiado suas resoluções.

[94] ENGELS, F. 1872, op. cit, p. 68.

[95] RESOLUTIONS du Congrès General tenu à La Haye du 2 au 7 septembre 1872, p. 89. In: ENGELS, F.; MARX, K.; LENINE, V, op. cit, p. 89.

[96] Ver como: BAKUNIN, M. Aonde ir e o que fazer? [1873]. In: BAKUNIN, M. 2008, op. cit, p. 88 e BAKUNIN, M. 2003. op. cit. p. 56 e 244.

[97] BAKUNIN, M. 2008, op. cit, p. 84.

[98] BAKUNIN, M. 2003, op. cit, p. 167.

[99] BAKUNIN. M, 2008, op. cit, p. 93-94.

[100] BAKUNIN, M. 2003, op. cit, p. 238.


História e Perspectivas, Uberlândia (48): 239-282, jan./jun. 2013