Nota da Tradução Inglesa: O período que se seguiu à Revolução Russa foi de grandes mudanças para os anarquistas, muitos dos quais fugiram para a França para escapar de regimes opressores. Uma contribuição para os debates da época foi a Plataforma Organizacional da União Geral dos Anarquistas — Projeto, produzida por um grupo de exilados russos, incluindo Makhno. Após a publicação desta, um grupo de anarquistas italianos fundou a 1ª Seção Italiana da proposta Federação Internacional Anarcocomunista [1]. O documento abaixo, datado da segunda metade da década de 1920, é o Manifesto deste grupo italiano, um dos quais era Giuseppe Bifolchi. Bifolchi mais tarde teve que deixar a França e foi para a Bélgica, onde fundou o jornal mensal “Bandiera Nera” (Bandeira Negra). Durante os anos da Revolução Espanhola, Bifolchi lutou como comandante na Coluna Italiana.

Manifesto do Comunismo Anarquista

Comunistas anarquistas são unânimes em afirmar que o princípio da autoridade que as instituições atuais são baseadas é a causa fundamental de todos os males sociais, e é por isso que eles são hoje, amanhã e sempre, inimigos inflexíveis da autoridade política (o Estado), da autoridade econômica (o Capital) e da autoridade moral e intelectual (Religião e Moral Oficial).

Em suma: os comunistas anarquistas são contra todas as ditaduras de origem política, econômica, científica ou religiosa; por outro lado, são partidários sinceros de uma forma de organização social baseada na livre associação de produtores e consumidores com o objetivo de melhor satisfazer as diversas necessidades da nova sociedade.

Eles são comunistas porque, tendo examinado cuidadosamente a questão social em todas as suas facetas, são da opinião de que somente uma sociedade baseada no comunismo libertário será capaz de garantir a cada um de seus membros o maior bem-estar e liberdade.

Eles são revolucionários, não por fanatismo pela glória sangrenta, mas porque observaram que as reformas são ilusórias e estão à mercê dos caprichos dos poderes dominantes. Esses poderes, mesmo que sejam democratas, são ativados por forças financeiras despóticas e reacionárias, evidentes ou ocultas, e somente uma Revolução Anarquista pode pôr fim ao governo e à exploração do homem sobre o homem.

Eles são individualistas, não no sentido de um respeito exagerado pelo indivíduo que, por mais disfarçado que seja, é uma forma de autoritarismo, mas porque são apoiadores do comunismo justamente porque ele é capaz de garantir a cada indivíduo o maior desenvolvimento físico, intelectual e moral.

Eles são educacionistas, porque acreditam que a melhor chance de a Revolução chegar mais cedo e ter maior efeito está diretamente ligada ao nível de educação social revolucionária de cada indivíduo. Estão convencidos de que a Revolução será o produto lógico e natural da explosão em larga escala da revolta coletiva, tornada consciente por uma compreensão generalizada da injustiça do atual sistema social capitalista. Educação desse tipo exclui a educação contemplativa, fatalista e passiva, que é um fim em si mesma.

O Programa Social

O comunismo anarquista, indispensável para a realização de uma sociedade sem exploradores nem explorados, baseia-se na livre cooperação dos indivíduos para satisfazer as necessidades econômicas, intelectuais e morais uns dos outros, pois é justo que as organizações nascidas no seio da classe trabalhadora regulem o funcionamento social após a Revolução.

Inspirados pela formação e desenvolvimento de um número cada vez maior de associações em todos os campos da atividade humana, os comunistas anarquistas têm visto que o espírito de associação e federalismo é cada vez mais predominante devido ao fato de que o centralismo político e econômico está fornecendo respostas cada vez mais medíocres às novas necessidades de progresso técnico, científico e social.

Encorajados por uma tendência libertária semelhante, os comunistas anarquistas continuam a apoiar uma organização social que se desenvolverá na Comuna, uma aglomeração demográfica local que é grande o suficiente para ser capaz de praticar a solidariedade social de forma eficaz, organizando a produção de forma racional e, em cada ato, levando em conta a liberdade inviolável dos indivíduos e associações.

A Comuna libertária, no sentido que os comunistas anarquistas a entendem, não é uma versão dos atuais conselhos municipais, nem uma representação em miniatura de qualquer governo, mas um pacto moral e material que une os habitantes de uma determinada área em um projeto comum no campo econômico, intelectual e moral, que pode permitir a cada indivíduo de qualquer identidade sexual e idade desfrutar do direito à liberdade e ao bem-estar, na medida em que as possibilidades de produção o permitam, naturalmente.

As relações entre diferentes comunas podem ser administradas sem interferências inúteis, até mesmo perigosas, dos poderes centrais, nacionais e internacionais, sabendo que o federalismo é uma condição básica para a salvaguarda do princípio de liberdade sobre o qual a nova sociedade comunalista se baseará.

Sem querer entrar em longos e incômodos detalhes que quase sempre são anulados pela realidade do amanhã, os anarquistas comunistas, como grande parte de seu programa pré-revolucionário, consideram suficiente manter as linhas gerais da Comuna libertária baseada na cooperação federalista ou sovietista, soviet* no sentido de descentralização e como uma emanação espontânea e consciente da capacidade técnica e política da classe trabalhadora.

Organização

As coalisões proletárias de defesa e ataque contra os poderes constituídos, que têm como objetivo específico a manutenção do atual estado de exploração e opressão, não são criações recentes. São o resultado natural de uma dolorosa experiência secular, visto que a revolta individual, embora sempre apreciável pela sua coragem, nobreza e espírito de sacrifício iconoclasta, jamais poderá afetar os organismos de opressão solidamente organizados e jamais poderá chegar perto de efetuar qualquer melhoria ou transformação social.

É por esta razão que os anarquistas comunistas não se contentam em proclamar a bondade de seus princípios libertários, mas ao invés de apenas isso unem-se em grupos, em federações, em uniões nacionais e na união internacional, a fim de melhor resistir e construir uma única frente moral e material contra os poderes da repressão e da exploração. É assim que podem provocar, num futuro próximo, o vasto, trágico e doloroso epílogo desta ininterrupta guerra de classes, a Revolução libertária, para pôr fim definitivo à existência de todas as classes.

A história está repleta de exemplos de repressão a tais uniões, praticada em todos os lugares e épocas por governos de todos os tipos, mas o simples fato de constituírem um alvo único, constante e mais forte que a violência capitalista (e continuarão a sê-lo) encoraja os anarquistas comunistas a persistirem em seu caminho, o único capaz de canalizar as forças da exploração para a Revolução emancipadora.

No que diz respeito à organização, a atual geração de anarquistas comunistas é certamente unânime em reconhecer que até agora seus predecessores fizeram muito pouco para concretizá-la, dada a amarga e contínua reação da qual foram vítimas e a falta de uma unidade ideológica do anarquismo que pudesse permitir sua unidade física, sem a qual, e apesar do desgosto popular com a farsa parlamentar e a inegável decomposição do bolchevismo, o anarquismo não conseguirá encontrar seu caminho nos corações das massas trabalhadoras, os únicos que podem realizar a Revolução.

Mas após a guerra, o fascismo e, acima de tudo, das dolorosas lições da Revolução Russa de 1917–1919 (onde o anarquismo desempenhou apenas um papel secundário do ponto de vista social, apesar de seu considerável desenvolvimento intelectual e de seus inúmeros sacrifícios e devido à sua desorganização crônica, tanto em seus programas construtivos quanto, muitas vezes, em seus programas destrutivos, de acordo com os libertários mais envolvidos no movimento russo), surgiu entre os anarquistas comunistas de todos os países uma ideia concreta da necessidade e dos objetivos da organização anarquista, baseada em um único princípio ideológico e tático universal, excluindo a relutância que cheira a bizantinismo e certas reservas ideológicas e táticas que são as características mais marcantes da democracia socialista burguesa.

Que essa tendência se desenvolva e triunfe, pois, se buscamos um maior desenvolvimento do anarquismo como uma corrente de libertação e emancipação popular, é correto esperar até que os anarquistas comunistas sejam capazes de se opor às coalizões autoritárias com uma coalizão libertária forte e tenaz, com um programa homogêneo de destruição e reconstrução e táticas homogêneas.

Somente dessa forma pode haver plena participação na sociedade de todos aqueles entre as massas trabalhadoras que foram enganados pelas mentiras diárias da imprensa burguesa e por certa demagogia revolucionária e que continuam a ignorar, a interpretar mal e até a desprezar o ideal pelo qual tantos sacrificaram e continuam a sacrificar suas vidas, sua liberdade e uma vida feliz.

1a Seção Italiana da Federação Internacional Anarquista Comunista