Resumo

Este texto tem como objetivo expor as posições do clássico anarquista russo Piotr Kropotkin (1842-1921) acerca das estratégias anarquistas e suas posições frente a tal debate. Ele contesta que Kropotkin tenha sido um educacionista/culturalista e que seu “anarcocomunismo” tenha implicado uma ruptura completa com o “bakuninismo” da Internacional. Depois de uma contextualização histórica, que mapeia os grandes debates e dilemas estratégicos do campo operário-socialista e anarquista entre os anos 1880 e 1910, o texto expõe e analisa o pensamento político de Kropotkin. Argumenta que, quando situadas em relação aos grandes debates anarquistas, as posições kropotkinianas são ambíguas, de diálogo ou mesmo adesão a distintas perspectivas. E que elas podem ser associadas ao anarquismo insurrecionalista, mas, principalmente, ao anarquismo de massas – em particular ao sindicalismo revolucionário. Enfim, o texto avança para uma exposição analítica das ideias de Kropotkin sobre o sindicalismo revolucionário e sobre o papel dos anarquistas frente a essa forma revolucionária de sindicalismo.

Palavras chave: Piotr Kropotkin, anarquismo, sindicalismo revolucionário, anarcossindicalismo, syndicalism

“É apenas nas grandes massas trabalhadoras [...]

que nossas ideias atingirão seu pleno desenvolvimento”.

Piotr Kropotkin

Este texto tem como objetivo expor as posições do clássico anarquista russo Piotr Kropotkin (1842-1921) acerca das estratégias anarquistas e suas posições frente a tal debate. Ele divide-se em quatro grandes partes, que se encadeiam logicamente e permitem subsidiar algumas afirmações mais conclusivas, as quais enuncio nesta introdução e, em seguida, discuto de maneira mais pormenorizada.

Em “Kropotkin, Comunismo Anarquista e Educacionismo” contesto uma “tese” que circula atualmente no Brasil. Buscando suas raízes historiográficas e suas expressões contemporâneas, exponho suas linhas mestras para negar que Kropotkin tenha sido um educacionista/culturalista, e que o “anarcocomunismo” por ele defendido tenha constituído uma ruptura absoluta (ou mesmo um “revisionismo”) em relação ao chamado bakuninismo da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT ou “Primeira Internacional”).

Em “Movimento Operário-Socialista e Anarquismo” retomo o contexto organizativo em meio ao qual o pensamento político kropotkiniano foi produzido. Isso é feito a partir da discussão dos principais esforços organizativos internacionais que ocorreram ao longo da vida política de Kropotkin, e que se estendem da “Primeira Internacional”, fundada em 1864, até a Internacional Sindicalista, fundada entre 1922 e 1923. Nessa contextualização, mapeio os grandes debates e dilemas estratégicos ocorridos entre os anos 1880 e 1910, no campo operário-socialista em geral e anarquista em particular.

Em “Kropotkin e os Grandes Debates Anarquistas” e “Entre o Anarquismo Insurrecionalista e o Anarquismo de Massas” analiso o pensamento político de Kropotkin à luz desses debates e dilemas estratégicos e o situo frente a eles. Discutindo as características fundamentais e as ambiguidades desse pensamento, mostro que, por um lado, as posições de Kropotkin certamente se distanciam do marxismo e se aproximam do anarquismo. Por outro lado, entretanto, evidencio que, quando situadas em relação aos grandes debates anarquistas, as posições kropotkinianas são mais ambíguas, de diálogo ou mesmo adesão a distintas perspectivas.

O principal argumento dessa parte é que, ao passo que Kropotkin tem poucas contribuições que permitem aproximá-lo da “tese” (educacionista/culturalista), ele possui uma produção intelectual considerável que torna possível associá-lo ao anarquismo insurrecionalista, mas, principalmente, ao anarquismo de massas – em particular ao sindicalismo revolucionário. Não se trata aqui de afirmar Kropotkin como um teórico sindicalista revolucionário, mas que parece inegável que, entre 1881 e 1912, ele desenvolveu um conjunto de ideias que possibilitam certa aproximação com o sindicalismo revolucionário.

Em “Kropotkin e o Sindicalismo Revolucionário” exponho justamente aqueles que, a meu ver, são os aspectos mais importantes da visão kropotkiniana desta forma revolucionária de sindicalismo, assim como a perspectiva dos anarquistas em relação a ela. Para estabelecer esse vínculo entre o pensamento político de Kropotkin e o sindicalismo revolucionário foi essencial extrapolar seus livros mais conhecidos e me debruçar sobre um conjunto de artigos escritos em francês e em inglês para a imprensa anarquista entre 1881 e 1912, e que foram reunidos por Iain McKay naquela que considero a melhor antologia de Kropotkin: Direct Struggle Against Capital: A Peter Kropotkin Anthology [Luta Direta Contra o Capital: uma antologia de Piotr Kropotkin] (McKay, 2014).

Nesses artigos, Kropotkin defende uma estratégia sindicalista revolucionária (syndicalist) pautada na necessidade de construção de sindicatos massivos, que abarquem todos os setores da classe trabalhadora para a luta econômica imediata contra a exploração capitalista. Sustenta que esse sindicalismo deve funcionar a partir dos pressupostos federalistas e com base nos princípios da ação direta e da prefiguração, e que é possível e necessário, em especial com a participação anarquista, garantir sua radicalização e seu avanço para uma perspectiva revolucionária, de transformação política da sociedade.

KROPOTKIN, COMUNISMO ANARQUISTA E EDUCACIONISMO

A mencionada “tese”[1] bebe nas narrativas dos próprios anarquistas, elaboradas desde o século XIX e reproduzidas enfaticamente ao longo século XX, inclusive no Brasil. Mas se consolida apenas com a retomada de parte dos discursos e produções historiográficas anarquistas e com a elaboração, no início dos anos 2000, de uma versão mais radicalizada, que permanece sendo reproduzida por alguns setores do anarquismo brasileiro.

O fato histórico mais importante para a compreensão dessa “tese” é a passagem do coletivismo anarquista (ou “anarcocoletivismo”) defendido por Mikhail Bakunin, membros da Aliança e da AIT, para o comunismo anarquista (ou anarcocomunismo) defendido por Kropotkin, Élisée Reclus, Errico Malatesta e outros.[2] Esse processo ocorreu no contexto da chamada Internacional Antiautoritária (1872-1877), entre 1874 e 1880. E implicou, em meio a grandes e acalorados debates, uma mudança importante de projeto, naquilo que se referia à forma de distribuição dos frutos do trabalho na sociedade pós-revolucionária – socialista, sem Estado e classes sociais.

De uma parte, os coletivistas consideravam que essa distribuição deveria se dar segundo o princípio “a cada um segundo seu trabalho”; de outra, para os comunistas, ela precisava ocorrer conforme o princípio “a cada um segundo suas necessidades”. Posição esta que se consolidou entre os anarquistas europeus em 1880 e, a partir de então, tornou-se hegemônica. (Nettlau, 2008, pp. 180-188)

Tanto os anarquistas, quando a historiografia do anarquismo, consideraram essa passagem do coletivismo ao comunismo um acontecimento central. E praticamente todos, em alguma medida, posicionaram-se sobre o assunto em discussões, artigos de jornal e livros. Dois importantes exemplos podem ser mencionados.

Kropotkin (1946, pp. 419-420), o anarquista mais lido do século XX, em sua autobiografia de 1899 já ressaltava que “quando a Federação Jurassiana[3] se declarou ousadamente anarquista-comunista, no seu Congresso de 1880”, rompendo com o coletivismo da AIT, “o anarquismo ganhou numerosos partidários na França”. Em 1910, no verbete sobre anarquismo que escreveu para a Encyclopaedia Britannica, Kropotkin (1987, p. 30) também enfatizava que, nos anos 1880, “a maioria dos operários anarquistas prefere as ideias anarcocomunistas, que gradualmente evoluíram a partir do coletivismo anarquista da Associação Internacional [dos] Trabalhadores”.

Nettlau (2008, p. 188), historiador profundamente influente do anarquismo, em seu livro escrito e publicado entre os anos 1920 e 1930, narrou os principais marcos do debate entre coletivistas e comunistas e concluiu que “essa concepção [anarquista comunista] iniciada em 1876 foi retomada de início pelos italianos, depois se tornou geral na Suíça, na França e na Bélgica a partir de 1880”. Nettlau (no prelo) refere-se, o tempo todo, às categorias de “comunistas/comunismo” e “coletivistas/coletivismo” para explicar os debates e posições, e identifica, na Europa, duas grandes correntes anarquistas: a “concepção coletivista” e a “concepção comunista”.

Escritos como estes de Kropotkin e Nettlau influenciaram amplamente a militância, a historiografia e as discussões teóricas do anarquismo ao longo do século XX, e continuam a ser marcantes neste início de século XXI. No Brasil, tais posições foram incorporadas, dentre outros, num bom trabalho acadêmico, influente na consolidação da “tese” ao longo dos anos 2000. Trata-se de Presença do Anarquismo no Brasil: um estudo dos episódios literário e educacional (1900-1920), de Flávio V. Luizetto, tese de doutorado apresentada ao Departamento de História da Universidade de São Paulo em 1984. (Luizetto, 1984)

Seu primeiro capítulo, “Apontamentos sobre a história do comunismo libertário”, propõe, como sustenta o próprio Luizetto (1984, p. 18), discutir a trajetória desta “corrente” do anarquismo que se vem chamando de comunismo anarquista/ libertário, anarquismo comunista ou anarcocomunismo.[4] Nesse capítulo, ele toma como principal referência historiográfica a obra de Max Nettlau. Os clássicos anarquistas mais discutidos por ele são Piotr Kropotkin, Élisée Reclus e, em menor medida, Errico Malatesta – aqueles que, segundo Nettlau, são os maiores representantes dessa “corrente” anarquista.

Para Luizetto (1984, p. 41), o livro A Evolução, a Revolução e o Ideal Anarquista, de Reclus, “contém o essencial daquilo que se pode denominar de teoria do comunismo libertário”. Neste livro, Reclus (2002), um ex-communard, ao fazer uma autocrítica da Comuna de Paris, sustenta que as revoluções só podem se levadas a cabo depois de uma evolução social, um crescente movimento de opinião que tem de conquistar os corações e mentes de parte ampla da sociedade. De modo que a tarefa fundamental dos anarquistas deve ser contribuir com essa mudança, em especial por meio das iniciativas educativas e culturais.

Tal teoria seria complementada, ainda segundo Luizetto (1984, p. 49), pelo livro Apoio Mútuo [Ajuda Mútua, em algumas traduções]: um fator de evolução, de Kropotkin. Neste livro, Kropotkin (2009), no intuito de combater o darwinismo social, mostra, por meio de investigações de comunidades animais e humanas, que também a cooperação é responsável pela evolução. E, desde uma perspectiva evolucionista, sustenta a necessidade da ampla difusão do princípio do apoio mútuo para uma evolução ou progresso mais elevado da humanidade rumo à revolução e à anarquia.

Ainda que relativize tais posições com escritos de Malatesta e algumas posições sindicalistas anarquistas, inclusive as de Kropotkin, a tese promovida por Luizetto (1984, p. 31) é que a Federação Jurassiana, “mesmo não tendo a pretensão de polemizar com as ideias defendidas por Bakunin, significou, na prática, um afastamento da tradição bakuninista”. Ruptura que teria se dado em relação às organizações secretas, às concepções ditatoriais, destrutivas e classistas de Bakunin. (Ver também: Luizetto, 1984, pp. 67-70, 81-82)

Entretanto, foi um texto publicado em 2003 que consolidou e difundiu a “tese” nos meios libertários e, em alguma medida, acadêmicos do Brasil. Trata-se da introdução do livro Anarco-Comunismo Italiano, com textos de Malatesta e Luigi Fabbri, organizado pelo coletivo Luta Libertária. Como explicaram em nota, os autores retomaram a estrutura, o argumento e trechos do capítulo de Luizetto, ao produzir “A Corrente Anarco-Comunista: histórico, crítica e permanência”. (Luta Libertária, 2003) Ainda assim, vale ressaltar que, neste texto, para o desenvolvimento da “tese”, os argumentos de Luizetto foram bastante acentuados.

O Luta Libertária argumenta que “no anarquismo há um antes e um depois do anarcocomunismo, um divisor de águas no pensamento anarquista”. Pois o anarcocomunismo teria implicado um “rompimento com o anarquismo bakuninista”, em inúmeros aspectos. A ideia sustentada pelo grupo é que a concepção anarcocomunista de “evolução, progresso, revolução, ciência, determinismo, natureza” subsidiou uma perspectiva determinista e evolucionista de mundo, a qual terminou não apenas colocando em segundo plano os aspectos históricos e sociais, mas também promovendo a noção de que “a revolução seria uma tendência natural e inevitável da história”. Graças a tal inevitabilidade, a revolução se daria espontaneamente e, portanto, não exigiria a “necessidade de preparação da nova sociedade”, “da projeção de formas de organização social” ou de formas de organização anarquista. (Luta Libertária, 2003, pp. 12, 19)

Ainda assim, esse processo revolucionário poderia ser preparado, e mesmo acelerado pela ação humana. Algo que os anarcocomunistas pretendiam fazer “apenas cumprindo o papel de explicar às pessoas o rumo da história, de prepará-las para o que inevitavelmente virá”. De modo que “o único espaço deixado para a intervenção dos militantes” anarcocomunistas seria aquele do “campo das ideias”. Todos esses militantes teriam em comum “a valorização da propaganda conscientizadora como a estratégia fundamental”, e, por meio dela, buscariam “educar as massas de modo a prepará-las para o momento revolucionário”. Isso poderia ser confirmado pela frequente utilização que fazem de termos como “convencimento, persuasão, conscientização, ilustração e educação”. (Luta Libertária, 2003, pp. 29, 16, 22)

Dessa maneira, os anarcocomunistas teriam adotado uma estratégia que, como no Reclus de A Evolução, a Revolução..., recomendaria, primeiro, transformar as mentes, para, apenas depois, transformar o mundo. Perspectiva que demonstraria a “raiz idealista do anarcocomunismo”, segundo a qual “é a ideia que move a história, que gera os fatos”. Algo que não apenas refletiria o afastamento entre os anarquistas e os trabalhadores, reforçado pelo contexto posterior à Comuna de Paris, mas que também contribuiria para reforçar este afastamento até fins do século XIX. (Luta Libertária, 2003, pp. 30, 23)

Em alguma medida, esses argumentos do Luta Libertária foram ainda mais radicalizados por uma organização conformada no ano de publicação do livro de Malatesta e Fabbri: a Federação Anarquista Insurreição (FAI), que logo modificaria seu nome para União Popular Anarquista (UNIPA). O ponto de partida mais importante para o desenvolvimento que essa organização fez da “tese” é o texto “A Revolução Social no Brasil”, aprovado em seu segundo congresso, em 2004. (UNIPA, 2004) Argumentos desenvolvidos e aprofundados nos anos seguintes, por exemplo, na “Plataforma Internacional do Anarquismo Revolucionário”, de 2011. (OPAR/UNIPA, 2011) Com o fim do coletivo Luta Libertária e da Organização Socialista Libertária de São Paulo (OSL-SP) que o sucedeu, tais argumentos encontraram na UNIPA e em seu entorno seus maiores difusores.

Propondo discutir “o anarquismo e sua verdadeira história”, a militância da UNIPA considera que, com a derrota da Comuna de Paris, a morte de Bakunin e o fim da AIT, o bakuninismo teria sido caricaturado, desviado e enfrentado pelos anarquistas, ainda no século XIX. Isso teria dado corpo àquilo que a organização chama de “revisionismo”, “ecletismo” e “liquidacionismo”. O que interessa neste momento é a noção de “revisionismo”, a qual considera que o “anarcocomunismo” constituiu uma ruptura – nesse caso, uma revisão – dos pressupostos centrais do “bakuninismo”.

Segundo os autores do documento, tal revisionismo, de caráter pequeno-burguês ou mesmo burguês, teria duas matrizes. Uma delas “se origina a partir da revisão dos pressupostos básicos do anarquismo com a introdução da noção de comunismo – em oposição de coletivismo – como eixo do programa anarquista”. Algo que teria sido concretizado pela “revisão proposta conjuntamente por Errico Malatesta e Carlos Cafiero no congresso da Internacional Antiautoritária de 1875 e tem em Kropotkin seu principal difusor”, mas também em Reclus. (UNIPA, 2004, pp. 15-16)

No limite, esse anarcocomunismo revisionista não seria sequer anarquista, visto que “ataca os fundamentos ideológicos, teóricos, estratégicos e programáticos do anarquismo, inverte seu significado e assim simula reivindicá-los, buscando confundir-se com o anarquismo”. Entre outras coisas porque substitui o “classismo proletário anarquista” pelo “educacionismo pequeno-burguês revisionista”, subsidiado numa perspectiva “cientifico-evolucionista”. Predominante em diversos contextos até 1900, esse revisionismo – cuja versão mais acabada seria “a proposta de ‘síntese’ elaborada por Vóline e Sebastien Faure na década de 1920” – não teria apenas afastado o anarquismo “da luta e da causa do povo”, mas influenciado seu desenvolvimento histórico até o presente, como demonstrariam as posições, autointituladas anarquistas, de “caráter individualista, educacionista e liberal”. (UNIPA, 2004, pp. 16-17)

Quando se analisa o contexto de produção dos textos em questão, é possível fazer alguns comentários. No caso de Luizetto, trata-se de uma produção acadêmica dos anos 1980, quando a discussão e a bibliografia no Brasil eram limitadíssimas. Creio que ele fez o melhor que era possível naquele momento, adotando uma perspectiva interessante, de priorizar, por meio das obras de Nettlau e de outros autores – várias delas em outros idiomas –, a visão do próprio movimento e de sua historiografia sobre si mesmo. Perspectiva que era hegemônica entre os estudos do anarquismo feitos com alguma seriedade, e muitíssimo melhor do que aquela adotada por autores marxistas ou liberais. Mas, como se sabe hoje, apesar de suas imensas qualidades, Nettlau possui também problemas consideráveis, e isso acaba se refletindo no trabalho do autor.[5]

Nos casos da produção de Luta Libertária e UNIPA, o caso é diferente. Ainda que seus autores reivindiquem certo rigor, não são textos que se pretendem acadêmicos; foram produzidos já nos anos 2000, com bem mais discussão acumulada e bibliografia disponível sobre o tema. Ainda assim, surpreende que os referenciais não sejam muito diferentes daqueles de Luizetto. Ademais, há um fator que contribui para explicar por que os argumentos de Nettlau, Luizetto e outros foram tão acentuados nesses textos. A meu ver não se trata apenas de questões historiográficas e teóricas, mas da intencionalidade político-ideológica desses textos.

Para o Luta Libertária, contou a necessidade de marcar uma ruptura com aquilo que julgavam o passado recente “educacionista/culturalista” do anarquismo brasileiro, que tinha nas palestras e eventos culturais seus principais meios de ação, para promover um anarquismo organizado e inserido nas práticas das lutas populares de massas. Para a UNIPA, foi importante a necessidade de disputar a linha desse “anarquismo organizado” brasileiro, que tomava corpo no Fórum do Anarquismo Organizado (FAO), fundado em 2002. A organização pretendia, no intuito de alinhar as posições em torno do “bakuninismo” por ela defendido, mostrar os limites e equívocos daquilo que classificou como “revisionismo”, “ecletismo” e “liquidacionismo”.

É óbvio que toda produção textual, inclusive as acadêmicas, contam com uma perspectiva ideológica norteadora, seja ela declarada ou não. Mas, quando se trata de discutir seriamente um objeto do passado – fazer ciência de maneira rigorosa, seja para subsidiar um projeto político ou não –, é importante ter a precaução de não substituir aquilo que foi por aquilo que se gostaria que tivesse sido.[6] E, na minha avaliação, apesar dos méritos que os textos de Luta Libertária e UNIPA possam ter, isso foi feito em vários momentos. Ou seja, na intenção de construir um argumento politicamente útil, ambos, em muitas ocasiões, terminaram por substituir o rigor historiográfico e teórico por afirmações sem respaldo na realidade e generalizações grosseiras.

A seguir, aponto rapidamente aqueles que considero ser os maiores problemas dos textos – e, portanto, da “tese” – em questão.

O primeiro aspecto é a própria divisão das correntes anarquistas. Como argumentei em Bandeira Negra: rediscutindo o anarquismo, foram inúmeras as maneiras que os estudos de referência do anarquismo propuseram para conceituar as correntes anarquistas. E a grande maioria delas é bastante problemática. Por exemplo, quando operam com critérios que se sobrepõem e que são insuficientes para explicar os grandes debates anarquistas.

Conforme sustentei nesse livro, considero que, ao analisar o anarquismo em toda sua história e em perspectiva global, é possível falar em duas correntes anarquistas: o anarquismo de massas e o anarquismo insurrecionalista. Ambas as correntes distinguem-se a partir das posições assumidas frente aos três grandes debates históricos entre anarquistas. Sobre a questão da organização, os anarquistas de massas sustentam uma perspectiva organizacionista (necessidade de organização em nível de massas, político-ideológico anarquista ou ambos) e os anarquistas insurrecionalistas uma perspectiva antiorganizacionista (risco ou irrelevância das organizações estruturadas, e preferência por grupos informais ou atuações individuais). Sobre a questão das reformas, os primeiros são possibilistas (defendem que as lutas por reformas, ganhos imediatos, são parte importante da luta revolucionária, a depender de como forem levadas a cabo) e os segundos são impossibilistas (contrários às lutas por reformas, ganhos imediatos, entendendo-as como ineficazes ou prejudiciais ao projeto revolucionário anarquista). Sobre a questão da violência, os primeiros sustentam sua necessidade simultânea ou concomitante à construção de movimentos de massas (violência simultânea/derivada) e os segundos consideram que ela funciona como gatilho para a criação de movimentos revolucionários (violência como gatilho). (Para aprofundamentos, ver: Van der Walt, 2016a, pp. 95-97; Corrêa, 2015, pp. 234-248)

Portanto, o comunismo anarquista (ou anarcocomunismo) não constitui uma corrente anarquista, principalmente por três razões: 1.) Porque, desde uma perspectiva global (mundo todo) e de longa duração (1868 ao presente), os debates que envolvem a defesa da autogestão (projeto de sociedade futura) não são os mais importantes. 2.) Porque, nessa mesma perspectiva, o debate entre coletivismo e comunismo como formas de distribuição dos frutos do trabalho não teve grande impacto. Foi marcante na Europa dos anos 1870 até o início do século XX, mas, depois disso, preponderaram amplamente as posições comunistas; aquelas intermediárias, que propunham modelos híbridos, também ganharam certo destaque. 3.) Porque, nessa categoria unem-se anarquistas que, naquilo que há de essencial, são completamente diferentes: por exemplo, Luigi Galleani (antiorganizacionista, impossibilista e partidário da violência como gatilho) com Luigi Fabbri e Nestor Makhno (organizacionistas, possibilistas e partidários da violência concomitante aos movimentos de massa). (Corrêa, 2015, pp. 234-251)

O segundo aspecto tem a ver com a excessiva generalização para a conformação da categoria comunismo anarquista / anarcocomunismo. Considerar que o Reclus de A Evolução, a Revolução..., ou mesmo o Kropotkin de O Apoio Mútuo... constituam os maiores fundamentos de todos aqueles considerados “anarcocomunistas” é um equívoco.

É verdade que os argumentos educacionistas e culturalistas de Reclus aparecem nesse e em outros de seus escritos políticos. Contudo, mesmo nesse escrito, ele defende a greve e a greve geral como ferramentas transformadoras. (Reclus, 2002, pp. 122-123) Num outro texto, ele sustenta que, numa greve, o que mais importa para os grevistas é “tomar, para benefício de todos, toda a propriedade feita para explorá-los”. (Reclus, 2020) Também é verdade que tais argumentos conduziram a uma crença de que, passando por uma evolução plena (em termos do convencimento acerca das ideias revolucionárias e anarquistas), os trabalhadores poderiam protagonizar revoluções quase pacíficas ou mesmo pacíficas. (Reclus, 2002, p. 131) Entretanto, Reclus também reconhece, em outros escritos, que, “sem dúvida, o movimento de transformação acarretará violências”, e que “nunca qualquer progresso, seja parcial, seja geral, realizou-se por simples evolução pacífica”. (Reclus, 2011a, p. 40; 2011b, p. 44)

Ou seja, há, mesmo em Reclus, certas ambiguidades, que permitem pôr em xeque o “tipo ideal” do anarcocomunismo construído na “tese”. Ainda assim, é necessário reconhecer certo respaldo às posições da “tese” em distintos momentos da obra reclusiana. Agora, quando se passa a outros “anarcocomunistas”, o cerne da “tese” se dissolve completamente. Mesmo que possam, em alguns momentos, dialogar com os argumentos de Reclus, anarquistas como Kropotkin, Malatesta, Fabbri, Cafiero e muitos outros definitivamente não compartilham o conjunto dessas posições educacionistas e culturalistas.

Kropotkin, como pretendo mostrar a seguir, se por um lado possui ideias que reforçam a leitura e a generalização feitas por Luizetto e outros de O Apoio Mútuo... – e, portanto, da “tese” – por outro, tem argumentos que as contrapõem. Malatesta não possui uma leitura biologizante, evolucionista e positivista da sociedade; foi defensor da organização, das lutas por reformas e, em diversos momentos, da ação do movimento operário e dos sindicatos. (Malatesta, 2014a, 2000a, 2000b, 1989, 2014b, 2014c, 2014d) Fabbri, num sentido analítico semelhante ao de Malatesta, também defendeu a organização, assim como as lutas por reformas, greves, movimentos operários, sindicatos, e também uma revolução que se realizasse a partir da ação dos trabalhadores. (Fabbri, 2003a, 2012a, 2012b, 2003b) Cafiero reforçou que os fatos são mais importantes que as ideias e, justamente por isso, uma transformação que não viria apenas das iniciativas educacionais, mas da propaganda pelo fato e, principalmente, dos fatos revolucionários. (Cafiero, 2012a, 2012b)

O que sustento aqui não é que esses e outros “anarcocomunistas” mantiveram todos os fundamentos do “bakuninismo” da AIT. Certamente, quando se realiza uma análise mais pormenorizada de suas obras, é possível notar aproximações e distanciamentos, tanto em relação a Bakunin, quanto a Kropotkin e Reclus, para não falar de outros “bakuninistas” e “anarcocomunistas”. Considero, nesse sentido, que não há generalização possível nos termos propostos pela “tese”.

O terceiro aspecto refere-se às afirmações sobre Bakunin, os “bakuninistas” e o “bakuninismo”. Algumas dessas afirmações são equivocadas e, em certos casos, há generalizações não comprováveis e mesmo certa idealização.

Das afirmações equivocadas destaca-se aquela que, tanto Luizetto (1984, p. 60) quanto Luta Libertária (2003, p. 12), colocam em relação às “organizações secretas” serem um traço central do “bakuninismo”. Cumpre notar que, em Bakunin, realmente há o projeto de uma Aliança secreta; mas também é verdade que tal organização estaria articulada com uma Aliança pública e com a Internacional (também pública). De modo que o projeto organizativo de Bakunin não se restringe e nem prioriza as formas secretas e clandestinas de organização em relação às formas públicas, mas as combina. (Corrêa, 2019, pp. 335-346)

Das generalizações e idealizações destaca-se aquela que envolve a própria noção de “bakuninismo”, conforme formulada por Luta Libertária e UNIPA. Afinal, quem foram os “bakuninistas”? Quais eram suas concepções teóricas, e em que medidas elas tiveram respaldo na prática? Como sustentei num outro momento, tais questões não possuem respostas mais definitivas até este momento. Por exemplo, não se sabe exatamente quem foram os aliancistas, em que medida eles compartilhavam as posições de Bakunin, e nem se tudo que Bakunin escreveu sobre a Aliança secreta e pública foi ou não colocado em prática. (Corrêa, 2019, p. 336)

É por isso que, desde uma perspectiva teórica e histórica, considero muito difícil, ao menos até este momento, falar na existência de um “bakuninismo” – como conjunto de teorias, práticas e/ou expressão anarquista na AIT. Parece-me que, ao reivindicar esse “bakuninismo”, o que faz o Luta Libertária e, especialmente, a UNIPA, é alçar algumas posições teóricas de Bakunin ao nível de um anarquismo supostamente homogêneo dos tempos da Internacional. Algo que entendo como uma idealização de aspectos da teoria bakuniniana que, conforme argumentei, não se sabe exatamente por quem eram defendidos, em que medida eram defendidos e menos ainda se foram ou não incorporados na prática desses militantes.[7]

Em suma, como afirmei em outros momentos, a pesquisa anarquista, tanto em termos teóricos quanto historiográficos, tem se desenvolvido de maneira mais significativa e de fato apresenta perspectivas animadoras. Mas há, ainda, aspectos fundamentais a serem desenvolvidos, e que exigirão esforços consideráveis. Não devemos investir na elaboração de teses mais gerais sem nos debruçar sobre os casos particulares. E, definitivamente, não se trata aqui de sustentar um particularismo histórico que recusa as generalizações. Mas de entender que as necessárias generalizações (conceitos, teorias, teses etc.) não podem ser feitas de modo arbitrário e/ou abstrato, sem fundamentos historiográficos; tais generalizações, inúmeras vezes importantes ou mesmo imprescindíveis, têm de ser feitas a partir desses fundamentos historiográficos e/ou ser testadas por eles.

Isso vale para teorias sobre a existência de uma corrente anarcocomunista e também de um bakuninismo na Internacional. É ainda fundamental nos debruçarmos de modo aprofundado sobre as contribuições teóricas dos anarquistas e sobre os grandes episódios da história do anarquismo. Assim como ampliar os estudos comparativos e as elaborações mais generalizantes.

MOVIMENTO OPERÁRIO-SOCIALISTA E ANARQUISMO: DA “PRIMEIRA INTERNACIONAL” À INTERNACIONAL SINDICALISTA

Em seu período anarquista, Kropotkin viveu na Rússia e, principalmente, na Europa Ocidental. Naqueles anos, a Europa era palco de grandes disputas no movimento operário e socialista internacional, e também de intensos debates entre os próprios anarquistas. (Berthier, 2015; Skirda, 2002, pp. 32-104) Nas próximas páginas, tais disputas e debates serão mapeados e discutidos à luz dos principais esforços organizativos internacionais do período.

Observando a história da AIT (e da Internacional Antiautoritária) até 1877, é possível compreender como essas disputas foram se consolidando. Como expliquei em Liberdade ou Morte: teoria e prática de Mikhail Bakunin (Corrêa, 2019, pp. 315-387), até a chamada “cisão” de 1872, no Congresso de Haia, os campos em disputa, federalista e centralista, assumem certas características. Os federalistas, preponderantes nas seções, são majoritariamente coletivistas – mudança ocorrida entre 1868 e 1869, quando sucedem os mutualistas –, e dentre os coletivistas, os anarquistas são hegemônicos. Anarquistas que se organizam politicamente (na Aliança) e atuam na Internacional, por meio de uma perspectiva socialista, antiestatista e da promoção das formas revolucionárias e massivas de sindicalismo. Os centralistas, preponderantes no Conselho Geral, são majoritariamente socialdemocratas, apesar de outras posições mais próximas do comunismo, do blanquismo e do trade-unionismo. São socialistas, estatistas e concentram seus esforços, na maior parte dos casos, na conformação de partidos nacionais com foco nas disputas eleitorais.

Como se sabe, a “cisão” de 1872 – que já se operou num contexto complicado, posterior à Guerra Franco-Prussiana, à Comuna de Paris, com toda a repressão internacional que se seguiu (Musto, 2014, pp. 43-54) – significou, na prática, o fim da Internacional Centralista (ainda que este só tenha sido formalmente declarado em 1876), e o início da Internacional Antiautoritária, legítima continuadora da AIT. (Corrêa, 2015, p. 264; Berthier, 2015, pp. 81-103; Van der Walt, 2016a, p. 87)

Em seus cinco anos de existência (1872-1877), a Internacional Antiautoritária, hegemonicamente federalista-coletivista, também contou com posições que ajudam a compreender as disputas e debates anteriormente mencionados. Sua história se deu num contexto complicado para o movimento operário europeu, marcado pela dura repressão, especialmente na França, na Itália e na Espanha, onde a Internacional foi formalmente proibida; em distintas localidades, os movimentos tiveram de operar clandestinamente, e muitos de seus membros ativos foram perseguidos, presos ou tiveram de se exiliar. (Berthier, 2015, pp. 196-200; Musto, 2014, pp. 52-54)

Aspecto importante nessa trajetória foi o crescimento significativo das perspectivas contrárias à organização, e mesmo antiorganizacionistas, que passaram a ser não só aceitas, mas ativamente defendidas, como reação às práticas centralistas de Marx e do Conselho Geral; expressaram-se vigorosamente desde a “cisão” de 1872 por meio da defesa da completa autonomia das seções. (Skirda, 2002, pp. 33-36)

Além disso, se esta “cisão” já havia separado o Conselho Geral da base da Internacional (Corrêa, 2019, p. 376), e contraposto, em grande medida, autoritários e antiautoritários, a Internacional Antiautoritária terminou de separar, com as defecções e outra cisão, em 1877, os “defensores reformistas do socialismo de Estado e da conquista do poder político” que haviam restado, dos “revolucionários, determinadamente comprometidos com a luta econômica”. (Skirda, 2002, p. 38) Apenas os segundos permaneceram na Internacional; terminaram, no fim das contas, por impor seu programa anarquista à associação, “anarquizando” a Internacional, e contribuindo para transformar um organismo de massas, forjado para a luta popular e sindical, num conjunto de grupos anarquistas mal articulados sem base popular significativa. (Berthier, 2015, p. 81; Skirda, 2002, p. 39)

Outro aspecto a ser levado em conta foi o crescimento das perspectivas insurrecionalistas, que, se já estavam presentes nos tempos da AIT – como, por exemplo, no episódio da Comuna de Lyon, em 1870 (Corrêa, 2019, pp. 350-353) –, acabaram avançando bastante com as insurreições na Itália (1874, em Bolonha; 1877, em Benevento), e com as posições assumidas pela militância. (Pernicone, 2009, pp. 90-95, 118-128)

Já em 1876, os internacionalistas italianos defendiam a “propaganda pelo fato”, utilizando uma interpretação distinta daquela de Bakunin, quando falava da relevância dos fatos revolucionários. Para eles, as insurreições armadas, mesmo sem base popular, seriam a melhor maneira de difundir o anarquismo; isso não se faria por meio da palavra, mas da ação insurrecional, daquilo que entendiam como fatos revolucionários. Perspectiva que foi assumida por parte importante da militância internacionalista de outros países e que, concretamente, se em alguns poucos casos serviu para mobilizar as massas, na grande maioria deles foi central para intensificar a repressão e para aprofundar a distância entre os anarquistas e os trabalhadores. (Skirda, 2002, pp. 39, 42, 47-50)

Na Europa Ocidental, os anos 1880-1890 abarcaram desdobramentos dessas posições. No campo do movimento operário e socialista, enfrentam-se: perspectivas reformistas e revolucionárias; estratégias de construção de partidos políticos para a disputa de eleições e aquelas de construção de grupos ou sindicatos para a luta fora das instituições do Estado; perspectivas estatistas e antiestatistas; posições que enfatizam, em seus discursos e escritos, a necessidade de transformação, sem fazer muito para que ela se torne realidade, e aquelas que afirmam a necessidade de uma transformação prática, por meio de atos concretos.

No campo do anarquismo – cuja grande maioria de seus membros alinhou-se às segundas posições em detrimento das primeiras – também se enfrentaram posições distintas: perspectivas antiorganizacionistas e organizacionistas, sendo que dentre os organizacionistas se discutiu a melhor maneira de promover a organização; perspectivas insurrecionalistas, de defesa da “propaganda pelo fato” por meio de insurreições armadas sem base popular, e mesmo por atentados individuais, e perspectivas de massas ou sindicalistas, de defesa da propaganda e da organização entre os trabalhadores e a construção de lutas massivas concretas, que poderiam envolver as lutas por ganhos imediatos. De certo modo, tais enfrentamentos e divergências avançaram para as décadas seguintes. (Eckhardt, 2016; Skirda, 2002, pp. 42-70; Nettlau, 2008, no prelo; Woodcock, 2002, vol. 2, pp. 30-39, 73-107, 126-131, 188-190)

Tais posições, ao longo das décadas de 1880 e 1910, refletem, por um lado, as diferenças entre o marxismo (pré-bolchevismo) e o anarquismo; por outro, as diferenças entre os próprios anarquistas. Essas diferenças envolvem, como discutido, os grandes debates que aconteceram ao longo de toda a história do anarquismo, e que distinguiram o anarquismo de massas do anarquismo insurrecionalista.

Nesses anos, os esforços organizativos internacionais levados a cabo pelo movimento operário-socialista e pelos anarquistas passam por esses enfrentamentos e divergências. E, a depender do projeto organizativo e da correlação interna de forças, solucionam-se, temporariamente, em favor de certas posições e em detrimento de outras. Esses esforços envolvem não apenas a continuidade dos debates da Internacional, mas contribuem para que se compreenda o contexto em que Kropotkin estava inserido, e que subsidiou, como pano de fundo, sua produção intelectual.

O Congresso Socialista Revolucionário, ocorrido em Londres, em 1881, e que teve Kropotkin como delegado, deu continuidade aos mencionados enfrentamentos e divergências. Reuniu anarquistas, sindicalistas, comunistas e blanquistas para conceber formas de enfrentar o crescente reformismo socialdemocrata e seus discursos radicalizados sem qualquer respaldo na realidade. (Pateman, 2013/2017; Woodcock, 2002, vol. 2, pp. 30-32) Como contraponto, o congresso defendeu, majoritariamente, a necessidade da ação revolucionária, sendo a propaganda pelo fato ilegal uma ferramenta central. Em sua principal resolução, recomendou “fazer todos os esforços possíveis para propagar, por meio de atos, a ideia revolucionária e o espírito de revolta”, sendo para tanto necessário “levar nossa ação para o campo da ilegalidade”. Para os congressistas, “o mais simples fato, dirigido contra as instituições atuais, fala melhor às massas do que milhares de impressos e um mar de palavras faladas”. De modo que encorajaram “o estudo das ciências técnicas [conhecimento e manejo de armas] e químicas, meios para a defesa e o ataque”.[8] (Skirda, 2002, p. 47)

Tal deliberação anunciava o fortalecimento da noção de “propaganda pelo fato” em particular, e do insurrecionalismo em geral, que marcaria a posição da maioria dos anarquistas da Europa Ocidental ao longo dos anos 1880 e da primeira metade dos anos 1890.[9] Nesse período, o insurrecionalismo foi considerado a principal ferramenta tanto para disputar o movimento operário-socialista com a socialdemocracia quanto para promover a transformação revolucionária da sociedade. Individualmente ou em pequenos grupos, muitos anarquistas protagonizaram episódios de violência política, que incluíram atentados a bomba, armas de fogo e outros artefatos, buscando a eliminação física ou o ataque de seus inimigos. Inspiraram-se em ações semelhantes realizadas por militantes de outras correntes, dentre as quais o assassinato do czar Alexandre II na Rússia. (Woodcock, 2002, vol. 2, pp. 30-39, 73-107, 126-131, 188-190; Skirda, 2002, pp. 42-59; Joll, 1970, pp. 135-172)

Contudo, esses esforços anarquistas foram completamente insuficientes para conter o crescimento da socialdemocracia. A bem da verdade, o insurrecionalismo terminou contribuindo consideravelmente para o aprofundamento daquela distância entre os anarquistas e as massas, já significativa nos últimos anos da Internacional Antiautoritária. E, com isso, mesmo que num sentido contrário ao pretendido, abriu mais espaço para a socialdemocracia, cuja força potencializou-se ainda mais com a fundação da Internacional Socialista (ou “Segunda Internacional”), em 1889, depois de um conjunto conferências.

Nessa associação, que durou até a Primeira Guerra Mundial, as disputas da “Primeira Internacional” foram retomadas, juntamente com os conflitos interiores à própria socialdemocracia, como aquele entre possibilistas e marxistas.[10] (Cole, 1959, vols. III e IV) Desde o início da Internacional Socialista, como raramente se recorda, os anarquistas se fizeram presentes, disputando os rumos da associação; permaneceram até 1896, quando foram expulsos, garantindo a hegemonia socialdemocrata. Ainda assim, militantes e iniciativas sindicalistas revolucionários continuaram participar da associação, em distintos países, até sua extinção em 1916. (Turcato, 2010; Woodcock, 2002, vol. 2, pp. 34-39)

Até o Congresso de Mainnheim, em 1906, a “Segunda Internacional” desprezou os sindicatos, as greves e a ideia de greve geral; priorizou enfaticamente as disputas político-partidárias. Depois disso, passou a reconhecer neles alguma importância, mas recomendando que fossem utilizados em função do crescimento parlamentar socialdemocrata. (Kropotkin, 2014m, p. 383)

Quase concomitantemente à mencionada expulsão dos anarquistas, era fundada, em 1895, na França, a Confederação Geral do Trabalho (CGT), organização sindicalista revolucionária que contava com a ampla participação anarquista. Manteve-se, até a Primeira Guerra, como referência do sindicalismo revolucionário europeu, exercendo enorme influência, não apenas no movimento operário-socialista da França, mas de vários outros países da Europa, como Itália, Espanha, Alemanha, Suécia, Portugal. A CGT também influenciou diversos países hispano-lusófonos fora da Europa, como no caso do próprio Brasil.

Aprovada no congresso da CGT de 1906, a “Carta de Amiens” reivindicava e recomendava a luta sindical de massas com o duplo objetivo de defender as exigências imediatas dos trabalhadores, como a diminuição da jornada de trabalho e o aumento de salários, e de sustentar uma transformação revolucionária da sociedade, empreendendo uma reorganização social baseada nos próprios sindicatos. Propunha fazer isso por meio da luta de classes com independência dos partidos políticos e por meio da ação direta.

O sindicalismo revolucionário da CGT também exerceu ampla influência entre os anarquistas e foi central, tanto para tornar esta forma de sindicalismo a principal força de oposição à socialdemocracia no campo socialista, quanto para alterar a correlação de forças dentro do próprio campo anarquista. Somando-se às iniciativas revolucionárias e sindicalistas anteriores à sua fundação, e reforçando a crítica às ações de “propaganda pelo fato”, a CGT – por suas concepções e, principalmente, pelas lutas e ações práticas que levou a cabo – foi peça central para que o anarquismo insurrecionalista voltasse a ser minoritário na Europa e o anarquismo de massas, sindicalista especialmente, se tornasse majoritário, posição que se manteria nas próximas décadas. (Skirda, 2002, pp. 60-79; Nettlau, no prelo; Woodcock, 2002, vol. 2, pp. 103-111, 197-198, 132-134, 243-244; Samis, 2004, p. 134; Van der Walt, 2016b)

Essas posições pautaram os debates do Congresso Anarquista, realizado em Amsterdã, em 1907. Retornaram com força as questões da organização anarquista e das relações entre anarquismo, movimento operário e sindicalismo. E continuaram a preponderar as posições organizacionistas e aquelas que consideravam imprescindível a reaproximação entre os anarquistas e as massas trabalhadoras. (Antonioli, 2009) Junto a um considerável crescimento das organizações sindicalistas revolucionárias e anarcossindicalistas, essas posições também pautaram, foram reforçadas e desenvolvidas no Congresso Sindicalista de Londres, em 1913, cujos esforços foram interrompidos com a eclosão da Primeira Guerra. (Thorpe, 1978)

Enfim, cumpre ainda mencionar que organizações sindicalistas revolucionárias e anarcossindicalistas tiveram participação no início da Internacional Comunista (ou “Terceira Internacional”), fundada em 1919. No entanto, apesar da proximidade com os revolucionários bolcheviques no enfrentamento aos reformistas socialdemocratas, a trajetória da Revolução Russa – na qual os bolcheviques foram se tornando hegemônicos, acabando com a revolução e reprimindo os anarquistas e outros trabalhadores – e o papel assumido pelo PC Russo no COMINTERN e no PROFINTERN – subordinando progressivamente as lutas e movimentos sindicais aos seus interesses autoritários e contrarrevolucionários – implicaram a decisão, por parte dos antiautoritários, de saírem para criar uma nova Internacional Sindicalista, processo que se concretizou na passagem de 1922 para 1923, e que contou com a participação de muitos anarquistas. (Thorpe, 1989; De Jong, 2004)

KROPOTKIN E OS GRANDES DEBATES ANARQUISTAS

Kropotkin – desde sua conversão ao anarquismo, que se deu no contato com a Federação Jurassiana da AIT em 1872 (Kropotkin, 1946, p. 273), até sua morte em 1921, na Rússia (McKay, 2014, p. 93) – acompanhou tais esforços organizativos, com maior ou menor proximidade, a depender do caso. Quando se observam suas posições frente a esses acontecimentos, e a maneira que ele se posicionou frente ao conjunto de debates anteriormente elencados, é possível avançar na compreensão de suas concepções político-ideológicas e estratégicas, de certos traços de seu anarquismo.

De maneira geral, durante essas quase cinco décadas, Kropotkin contrapôs-se às perspectivas estatistas, reformistas e às propostas de construção de partidos políticos para disputas eleitorais – as quais eram então encampadas pela quase totalidade do marxismo, na crescente forma da socialdemocracia. Reivindicou, distintamente, as perspectivas antiestatistas, revolucionárias e de construção de grupos ou sindicatos para a luta fora (e contra) as instituições do Estado – as quais eram sustentadas pelo anarquismo.[11] Esse anarquismo kropotkiniano pode ser conhecido, em grandes linhas, em seus livros mais difundidos, como Palavras de um Revoltado (1885), A Conquista do Pão (1892) e A Ciência Moderna e o Anarquismo (1901-1913)[12]. (Kropotkin, 2005a, 1975, 1964; McKay, 2021, pp. 22-24)

Entretanto, quando se trata de avaliar como Kropotkin se posicionou entre 1872 e 1921 sobre os grandes debates anarquistas, suas posições são mais ambíguas, de diálogo ou mesmo adesão a distintas perspectivas. Aspecto importante a ser destacado é que, para conhecer de maneira mais precisa as posições estratégicas de Kropotkin – ou seja, como ele entendia ser mais adequado promover uma transformação revolucionária, que pudesse superar a sociedade capitalista e estabelecer a anarquia socialista – é essencial ir além de seus livros, que incluem, além daqueles já mencionados, Apoio Mútuo: um fator de evolução e Campos, Fábricas e Oficinas. (Kropotkin, 2009, 1998a)

McKay (2021, p. 22) notou acertadamente que, “para entender como Kropotkin via a anarquia sendo atingida, precisamos retornar aos artigos que ele redigiu para a imprensa anarquista e que foram mais tarde reunidos em livros”. Artigos estes que são pouco conhecidos, e dentre os quais se encontram aqueles que foram incluídos pelo próprio McKay no já livro citado Luta Direta Contra o Capital (McKay, 2014).

De modo que é possível afirmar que, de uma parte, os temas estratégicos estão muito pouco presentes nas principais obras de Kropotkin; de outra, quando analisamos esses temas, notam-se as mencionadas ambiguidades e adesões diversas. Isso parece ter algumas explicações; parece, pois, para uma resposta mais definitiva – como aquela que dei sobre Bakunin (Corrêa, 2019) –, é necessário uma analise aprofundada de toda sua obra e de seus principais comentadores, algo que não fiz e nem pretendi fazer neste escrito. Por isso, tanto essa constatação das ambiguidades e adesões diversas de Kropotkin em termos estratégicos, quando suas explicações devem ser consideradas hipóteses, que precisarão ser mais profundamente discutidas. Aparentemente, essas explicações são três.

Primeiro, os rumos assumidos pelos anarquistas europeus e norte-americanos no período em questão, certamente influenciados pela conjuntura política e pelas experiências concretas que protagonizaram e das quais participaram. E, assim, as mudanças de posição coletivas frente aos grandes debates anarquistas e às variadas preponderâncias do anarquismo insurrecionalista e do anarquismo de massas. Segundo, a posição de influente jornalista que Kropotkin assumiu naquilo que se chamou “movimento anarquista”. Em importantes periódicos como Le Révolté, La Révolte, Les Temps Nouveaux e Freedom, com os quais frequentemente contribuiu, ele possivelmente abriu espaço para distintas posições do “movimento” e manifestou-se de maneiras distintas frente aos grandes debates e correntes do anarquismo; a depender do momento, sustentou posições mais ou menos próximas daquelas do “movimento”. Terceiro, a aparente crença de que certa heterogeneidade de meios poderia, de algum modo, fazer avançar os fins pretendidos. Ou seja, mesmo que conservando certas preferências, Kropotkin parece ter concordado que, em alguma medida, tudo aquilo que fosse feito no sentido do socialismo anarquista poderia contribuir com a sua chegada.

Numa análise do pensamento político de Kropotkin constata-se que há, em suas posições filosóficas e teóricas, alguma proximidade com a caracterização dos autores da “tese”. Entretanto, quando se observam suas posições frente ao debate das estratégias anarquistas, constata-se que, a depender do momento e do texto em questão, Kropotkin tem aproximações com o anarquismo insurrecionalista e, principalmente, com o anarquismo de massas.

Não há dúvida que, em geral, o pensamento político de Kropotkin foi marcado por aspectos do positivismo, do determinismo biológico e do cientificismo, como se evidencia em sua noção mesma de “anarquismo científico”. Em A Ciência Moderna e o Anarquismo, por exemplo, ele afirma que o anarquismo


é uma concepção do universo baseada na interpretação mecânica dos fenômenos da natureza, compreendendo nesta igualmente os fenômenos da vida social e seus múltiplos problemas de ordem econômica, moral e política. Seu método de análise e de investigação é o das ciências naturais. (Kropotkin, 1964, p. 80)


Para Kropotkin, esse método é o “método naturalista”, o “método indutivo-dedutivo, único [método] científico conhecido”; bem diferente daquilo que ele considera a abstração anticientífica do método dialético. Nesse quadro de referência de investigação, a humanidade é considerada parte da natureza, e, tendo em vista o sucesso do método naturalista para o estudo dos fenômenos da natureza não humana, pareceria adequado pautar-se nesses mesmos fundamentos para a investigação da sociedade.

Por meio desse método, subsidiado na “filosofia materialista (mecânica, ou melhor, cinética)”, seria possível “expor e compreender, à luz meridiana dos fatos positivos” os fenômenos da natureza em geral, e da sociedade em particular. Esse método, eficazmente comprovado nas ciências da natureza, permitiria proceder “passando da flor ao homem, de uma comunidade de castores às populosas cidades humanas”, e chegar a uma compreensão adequada dos “fenômenos da vida, da inteligência, das emoções e das paixões”, os quais “podem reduzir-se a fenômenos físicos e químicos”, e também das “leis que os regem”. (Kropotkin, 1964, pp. 81-82)

Também não há dúvida que Kropotkin sustentou uma noção em certa medida evolucionista da sociedade. Para ele, ainda em A Ciência Moderna e o Anarquismo, o próprio anarquismo contém em si um “prognóstico certo dos aspectos da marcha futura da humanidade para a liberdade, a igualdade e a fraternidade”. (Kropotkin, 1964, p. 170) Prognóstico que asseverava – em escritos como “Fatalidade da Revolução”, sem data conhecida, e “A Anarquia, sua Filosofia, seu Ideal”, de 1896 – que “a revolução é inevitável”, um “fato incontestável”, um “fato matemático”, que garantiria o progresso necessário da sociedade. (Kropotkin, 2007a, pp. 42-43; 2000, pp. 40, 67)

Curiosamente, como não raro acontece com inúmeros pensadores clássicos, tais posições não são exatamente encontradas em suas obras historiográficas. O caso mais evidente é A Grande Revolução (1789-1793), de 1893, “uma das melhores abordagens da Revolução [Francesa]”, que constitui “um clássico exemplo de história social, de uma história vista de baixo que enfatiza as ações das massas para impulsionar a revolução”. (McKay, 2014, p. 90)

Nesse estudo de Kropotkin, há aspectos teórico-metodológicos embutidos, e mesmo uma teoria da história, ambos os quais não usufruem dos pressupostos teórico-filosóficos anteriormente mencionados. (Kropotkin, 2021) Além disso, em inúmeros outros momentos, ele não deixou de reconhecer que a propaganda e a ação anarquistas poderiam contribuir para acelerar esse processo evolutivo. (Kropotkin, 2007a, p. 42; Cahm, 1989, p. 92)

Agora, quando se trata de discutir a perspectiva classista de Kropotkin, tanto na análise da sociedade quanto nas posições estratégicas, com toda certeza não é verdade que ele tenha rompido com o classismo anarquista. Certamente ele possui escritos – possivelmente o mais conhecido, inclusive citado pelos autores da “tese”, é “Aos Jovens” (Kropotkin, 2005b) – que estimulam membros das classes dominantes a abandonar suas fileiras e unirem-se aos operários e camponeses na sua luta emancipatória. Afinal, essa foi sua própria escolha de vida, como a de Bakunin e de outros anarquistas.

No entanto, essa posição se dá justamente no quadro de uma interpretação da sociedade em que as classes sociais são elementos centrais, e, também, de uma perspectiva estratégica que considera os trabalhadores em geral, e os operários e camponeses em particular, imprescindíveis para uma transformação social revolucionária. Em “Comunismo e Anarquia”, de 1901, Kropotkin enfatiza que “a sociedade burguesa atual permanece certamente dividida em classes”, a “classe de burgueses” e a “classe operária”. (Kropotkin, 2007b, p. 130). Em A Grande Revolução (1789-1793), a principal tese formulada por Kropotkin (2021) é que a Revolução Francesa não foi apenas uma revolução burguesa, um enfrentamento entre a burguesia e a nobreza; conforme demonstra de maneira brilhante, o povo francês, com especial destaque para o campesinato, foi central nas lutas e no próprio processo de mudança social.

Estrategicamente, a posição constantemente assumida por Kropotkin foi a de luta revolucionária dos trabalhadores (operários e camponeses) contra capitalistas. Em 1881, no artigo “Les Ennemis du Peuple” [Os Inimigos do Povo], ele afirmou ser indispensável “organizar as forças dos trabalhadores” para lutar contra o capital. (Kropotkin, 2014a, p. 294) Em 1906, em “A Revolução Russa e o Anarquismo”, defendeu que os anarquistas deveriam “transformar os sindicatos de operários e camponeses numa força que poderia iniciar [...] uma expropriação de massas bem planejada”. (Kropotkin, 2014u, p. 469) Em 1907, no texto “Les Anarchistes et les Syndicats” [Anarquistas e Sindicatos], sustentou que suas ideias sempre se mantiveram as mesmas: “as organizações de trabalhadores são a força real capaz de realizar a revolução social”. (Kropotkin, 2014o, p. 391). E, no ano seguinte, numa carta a Alexander Berkman, colocou: “são as classes que fazem as revoluções – não os indivíduos”. (Kropotkin, 2014q, p. 402)

Quando se investigam as posições de Kropotkin assumidas no debate organizativo, também é possível se encontrar afirmações dúbias e, em certa medida, contrastantes. Em alguns momentos, Kropotkin subsidia, ou parece subsidiar (por meio de deduções lógicas daquilo que escreve), perspectivas mais espontaneístas, que abrem mão da necessidade de uma organização estruturada (tanto de trabalhadores quanto dos próprios anarquistas) para promover a revolução e a reestruturação da nova sociedade. Perspectivas não tão comuns, mas que parecem derivar de suas concepções deterministas e fatalistas, assim como de sua visão bastante otimista do ser humano, que se mostra evidente em escritos como A Conquista do Pão, de 1906. (Kropotkin, 1975)

Nessa direção, Kropotkin colocou – no artigo “What Revolution Means” [O que Significa a Revolução], de 1886 – que uma revolução não aconteceria “se cada parte do território, não estivesse ocorrendo uma demolição espontânea das instituições econômicas e políticas decadentes”, se trabalhadores (operários e camponeses) não estivessem se insurgindo espontaneamente há certo tempo. E que a “reorganização da produção, da redistribuição de riquezas e das trocas” teria de ser levada a cabo “pelo crescimento natural resultante dos esforços combinados de todos os interessados”; ou seja, “essa remodelação será resultado das inúmeras ações espontâneas de milhões de indivíduos”.[13] (Kropotkin, 2014s, pp. 534-535) Além disso, em diversos momentos, ele demonstrou “compromisso com os atos de revolta abnegados, tanto individuais quanto coletivos”, que, sendo levados a cabo espontaneamente, seriam importantes em um movimento revolucionário mais amplo. (Cahm, 1989, p. 121)

Ao mesmo tempo, é importante notar que, para Kropotkin, realmente, as ideias possuem grande capacidade de estimular a ação humana. E, sem dúvida, esta constitui um elemento central para a transformação da sociedade. Ao que parece, ele considera que as ideias são tão importantes quanto os fatos, ou, mais especificamente, que de certo modo as ideias também são fatos. Não se trata, portanto, de assumir um idealismo em que as ideias preponderam sobre ou mesmo substituem os fatos.

Em tal direção, Kropotkin defendeu em inúmeras ocasiões a necessidade de que socialistas em geral e anarquistas em particular difundissem suas ideias entre as massas trabalhadoras, que investissem fortemente na conscientização dessas massas, algo que seria elemento chave no processo transformador. Num conjunto de artigos escritos em 1891 e publicados em 1914 sob o título “A Ação Anarquista na Revolução”, ele afirma:


É preciso que as novas ideias – aquelas que marcarão um novo ponto de partida na história da civilização – sejam esboçadas antes da revolução; que elas sejam fortemente disseminadas nas massas, a fim de que possam ser ali submetidas à crítica dos espíritos práticos e, até certo ponto, à verificação experimental. É preciso que as ideias germinadas antes da revolução sejam bastante disseminadas para que um certo número de espíritos sintam-se acostumados a elas. É preciso que estas palavras: “anarquia”, “abolição do Estado”, “livre entendimento dos grupamentos operários e das comunas”, “comuna comunista”, tornem-se familiares, bastante familiares para que as minorias inteligentes busquem aprofundá-las. (Kropotkin, 2007c, pp. 121-122)


Tal noção subsidiou parte importante dos escritos de Kropotkin. Foi bem mais constante que a noção de que os anarquistas deveriam educar, instruir ou ilustrar os trabalhadores, a qual parece ter se manifestado apenas algumas vezes, em escritos como “Local Action” [Ação Local], de 1887. Ali, Kropotkin (1998b, p. 44) ressaltou ser natural aos socialistas buscarem “despertar em toda parte [...] a consciência das massas” e “esclarecê-las [enlighten them] sobre os efeitos negativos da monopolização presente da terra e do capital”.

Graças a esse foco na difusão de ideias e conscientização dos trabalhadores, obviamente a propaganda assumiu papel importante na estratégia kropotkiniana. Algo que se manteve desde seus tempos de Círculo Tchaikovsky – quando, já anarquista, dedicou-se, entre 1872 e 1874, junto aos populistas, à propaganda revolucionária entre camponeses e operários russos – até o final de sua vida. Levando em conta que “o socialismo [...] era apenas uma expressão das aspirações das massas”, para Kropotkin, “a propaganda era necessária não para atingir os ideais do socialismo, mas para difundir a convicção de que esses ideais só poderiam ser realizados por meio da revolução popular”. (Cahm, 1989, pp. 44-46)

Ademais, quando Kropotkin fala de propaganda, deve-se ressaltar que tal propaganda, para ele, poderia ser levada a cabo de diferentes maneiras: em termos teóricos, em termos práticos, individual e coletivamente. Conforme apontado no artigo “O Espírito de Revolta”, de 1881, incluído em Palavras de um Revoltado, há, diz Kropotkin (2005c, pp. 208-209, 219) uma “propaganda teórica” (escrita, falada) – que inclui “cartazes, panfletos, canções” etc. – e também uma propaganda da ação (concretamente praticada) – que, ao mesmo tempo, difunde os ideais revolucionários, encarna e “opera esta transformação” revolucionária.

Com frequência, ele reconheceu a importância de ambas as formas de propaganda; ademais, preferiu suas formas coletivas às individuais. Enfim, se se pode dizer que ele encontrou nessas diferentes formas de propaganda o cerne de sua estratégia, também se deve colocar que ele propôs, com certa frequência, outras iniciativas estratégicas. (Cahm, 1989, pp. 95, 113-115, 119, 127)

No entanto, cumpre notar que nos textos aqui estudados, não há em Kropotkin aquela perspectiva de Reclus, de A Evolução, a Revolução..., em que os trabalhadores deveriam ser, primeiro, conscientizados, educados ou instruídos, para que somente depois pudessem levar a cabo suas ações revolucionárias. É verdade que ele utilizava os conceitos reclusianos de evolução e revolução; para ele, ao passo que a evolução era sinônimo de desenvolvimento histórico normal, em meio ao qual poderia/deveria ocorrer a preparação prévia das massas, a revolução significava a rápida aceleração desse processo, em que o desenvolvimento acelerado e a transformação das instituições econômicas e políticas seria realizada. Ainda assim, Kropotkin não entendia que os períodos de evolução eram períodos apenas de conquista dos corações e das mentes da sociedade ou mesmo dos trabalhadores. As lutas concretas e classistas também tinham lugar nesse processo evolucionário, conforme discutirei adiante. (Kropotkin, 1987, p. 21; 1964, p. 168)

Esses outros elementos estratégicos propostos por Kropotkin, e que deveriam aliar-se à propaganda, em geral vincularam-se às questões de agitação e organização em seus distintos níveis. Em vários momentos, ele defendeu a necessidade de organizar os trabalhadores e os anarquistas para a luta revolucionária. Em 1881, no já mencionado “Os Inimigos do Povo”, ele enfatizou: “Temos que organizar as forças dos trabalhadores [...] a fim de fazer delas uma formidável máquina de luta contra o capital”. (Kropotkin, 2014a, p. 294) Em 1901, sustentou, numa carta enviada a delegados sindicais franceses e ingleses, que, para combater a influência da “Segunda Internacional” era necessário investir não numa internacional de partidos políticos, mas numa “federação internacional de todos os sindicatos do mundo todo”. (Kropotkin, 2014k, p. 360)

Afirmou, num prefácio que escreveu em 1892 ao livro A Comuna de Paris e a Noção de Estado, de Bakunin: “estamos convencidos [...] que a formação de um partido anarquista [...], longe de ser algo nocivo à causa revolucionária comum, é altamente desejável e útil”.[14] (Kropotkin, 2014t, p. 130) Enfim, em certos momentos, como em 1881, ele sustentou um dualismo organizacional próximo daquele preconizado por Bakunin: “penso que precisamos de duas organizações; uma aberta, vasta, e funcionando abertamente; a outra secreta, destinada à ação”.[15] (apud Cahm, 1989, p. 145)

Em relação à questão da violência, as posições de Kropotkin também parecem não ter se modificado muito ao longo dos anos. Nos textos aqui estudados, ele nunca sustentou que a revolução social deveria ser realizada pacificamente; e, em raríssimos casos, indicou a possibilidade de isso ocorrer. (Ver, por exemplo, Kropotkin, 1998c, p. 25; 1946, p. 275)

A posição mantida ao longo de sua vida foi enunciada em sua autobiografia de 1899, Memórias de um Revolucionário:


As revoluções, isto é, os períodos de evolução acelerada e de transformações rápidas, são também conformes à natureza da sociedade humana. [...] Quando se inicia um período de evolução rápida e de reconstituição, a guerra civil pode rebentar em maior ou menos escala. O problema está então menos em saber evitar as revoluções do que encontrar os meios de obter os melhores resultados evitando o mais possível a guerra civil, diminuindo o número de vítimas e empregando o mínimo de animosidade. (Kropotkin, 1946, p. 276)


Ou seja, a violência seria quase que certamente necessária na revolução, em especial pela resistência que lhe ofereceriam os detentores do poder. A violência dos oprimidos, nesse sentido, seria imprescindível para combater a violência sistemática e sistêmica dos capitalistas e do Estado. A violência pela violência, característica das revoluções políticas burguesas, não seria, portanto, um fim em si, muito menos o terror revolucionário o meio mais adequado para alcançar a vitória revolucionária. A violência é um fato inevitável na revolução social, e deve ser minimizada, de acordo com as possibilidades. (McKay, 2014, p. 65; Baldwin, 1970, p. 4)

ENTRE O ANARQUISMO INSURRECIONALISTA E O ANARQUISMO DE MASSAS

Finalmente, quando se investigam as posições de Kropotkin assumidas nos principais debates que envolvem o anarquismo insurrecionalista (e a noção de “propaganda pelo fato”) e o anarquismo de massas (incluindo o sindicalismo, as lutas concretas e as reformas), alguns comentários podem ser feitos.

Algumas vezes, Kropotkin foi apontado como um defensor da propaganda pelo fato, ao menos durante os anos 1880. (Joll, 1970, p. 147; Guérin, 1968, p. 80) No entanto, tal afirmação mostrou-se imprecisa. Tanto pela citação frequentemente atribuída a Kropotkin para fundamentar tal afirmação, e que na verdade faz parte de um texto escrito por Cafiero[16], quanto por outros fatores, como a atribuição acrítica das posições do Congresso de Londres (1881) a Kropotkin, e as análises bastante fragmentadas de sua obra e sua correspondência.

Caroline Cahm (1989), naquele que considero o melhor estudo de Kropotkin dos anos 1872 a 1886 – Kropotkin and the Rise of Revolutionary Anarchism [Kropotkin e a Ascensão do Anarquismo Revolucionário] – realiza uma discussão pormenorizada, mostrando que, sem dúvida, Kropotkin foi influenciado pela onda insurrecionalista que se fortaleceu no fim dos anos 1870 e que marcou profundamente a Europa dos anos 1880 e 1890.

Para ela, “sem dúvida, ele [Kropotkin] esteve associado ao desenvolvimento da tática revolucionária da propaganda pelo fato” (p. 97). Tal associação, mesmo que relativamente curta – indo do fim dos anos 1870 até meados dos anos 1880 –, teve relevância no conjunto do pensamento e da ação kropotkinianos. Sofreu influência não apenas do contexto internacional, mas também do próprio anarquismo europeu. Na Parte II de seu livro, Cahm discute detalhadamente o vínculo de Kropotkin com a “propaganda pelo fato” e o insurrecionalismo, apontando alguns elementos que explicitam os marcos, vínculos e adesões nessa direção. Dentre eles, três se destacam.

Primeiro, a influência que Kropotkin teve dos narodniks russos, quando, já anarquista, entre 1872 e 1874, atuou junto a eles no Círculo Tchaikovsky. (pp. 44-46, 92, 97, 136, 272-273) Reforçada por uma interpretação de Bakunin que encontrava nele certos traços insurrecionalistas, tal influência manteve-se, ao menos em certos aspectos, por toda a vida de Kropotkin. (pp. 76-78)

Segundo, a influência do anarquismo europeu que, conforme discutido, aderia progressivamente à estratégia da “propaganda pelo fato”. Cumpriram um papel importante para Kropotkin tanto os anarquistas italianos – que, desde 1876 eram grandes entusiastas do insurrecionalismo –, quanto os anarquistas espanhóis – que, especialmente em Madri, assumiram posições semelhantes e, entre 1877 e 1878, foram relevantes na formação política de Kropotkin. (pp. 78-80, 105-108, 121) Foi também destacado o papel de Paul Brousse, um dos maiores entusiastas do insurrecionalismo no período; em 1877, ele publicou seu influente artigo “La Propagande par le Fait” [A Propaganda pelo Fato], no jornal L’Avant-Garde [A Vanguarda], dirigido por ele próprio e Kropotkin. (p. 102) Enfim, o Congresso de Londres de 1881, no qual Kropotkin esteve presente; ali, como apontado, endossou-se internacionalmente a estratégia da “propaganda pelo fato” e propôs-se fundar a “Internacional Negra”. (pp. 152-177)

Terceiro, a influência da onda de atentados ocorrida em 1878 na Rússia (contra F. Trepov, governador de Petrogrado, e N. Mezentsov, chefe da polícia de Estado), na Alemanha (contra o Imperador Guilherme I) e na Itália (contra o rei Humberto I); assim como o assassinato de Alexandre II, também na Rússia, em 1881, e os atentados ocorridos na Alemanha, na Áustria e na França, em 1886. (pp. 109, 114, 119-120, 123, 278) Para Kropotkin, tais atos de revolta eram parte importante da revolução; poderiam não só inspirar as pessoas a agir, mas iniciar revoltas mais generalizadas e mesmo um processo revolucionário. (pp. 108, 133-134, 271)

Esses elementos ajudam a entender a postura adotada por Kropotkin frente à “propaganda pelo fato” e ao insurrecionalismo, entre o fim dos anos 1870 e meados dos 1880. Ele observou esse desenvolvimento com simpatia e interesse, ainda que nem sempre tenha se manifestado publicamente sobre o assunto. (pp. 111, 114-115).

No citado “O Espírito de Revolta”, de 1881, Kropotkin explica como as minorias têm condições de, por meio das ações combativas e violentas, individuais ou coletivas, produzir efeitos sobre as massas:


É pela ação que as minorias conseguem despertar este sentimento de independência e este sopro de audácia, sem os quais nenhuma revolução poderia se realizar. Homens sensíveis, que não se contentam com palavras, mas que procuram colocá-las em execução [...], sabem que é preciso ousar para vencer, são as sentinelas perdidas que engajam o combate, bem antes que as massas estejam bastante excitadas para erguer abertamente a bandeira da insurreição. [...] [Tais homens, muitas vezes considerados loucos] encontram simpatias, a massa do povo aplaude em segredo sua audácia e eles encontram imitadores. À medida que os primeiros dentre eles vão povoar os calabouços e as prisões, outros vêm continuar sua obra; os atos de protesto ilegal, de revolta, de vingança multiplicam-se. [...] Pelos fatos que se impõem à atenção geral, a nova ideia infiltra-se nos cérebros e conquista prosélitos. Tal ato faz, em alguns dias, mais propaganda do que milhares de brochuras. (Kropotkin, 2005c, pp. 209-210)


Ou seja, para Kropotkin, são esses “homens sensíveis” audaciosos, essas “sentinelas perdidas” que, por meio de sua ação, se adiantam às massas e garantem, entre elas, a simpatia necessária às suas posições. Essa simpatia surge tanto pelo apoio, mesmo que velado, às suas ações iniciadoras, quanto pela repressão, que produz a necessária solidariedade. Com isso, as massas se engajam em ações semelhantes, que se multiplicam e propagandeiam a outros, muito mais eficazmente que os discursos, jornais ou livros, os ideais revolucionários. O resultado disso é a insurreição, passo necessário para a revolução social.

Essa noção, tipicamente insurrecionalista, se reforça ainda pelas posições impossibilistas (contrárias às lutas de curto prazo pelas reformas) que Kropotkin manifestou em alguns momentos. Desde o período russo, entre 1872 e 1874, apesar de sua proximidade com os internacionalistas, ele demonstrou preocupação que as lutas por reformas pudessem comprometer as lutas revolucionárias, e mesmo a realização da revolução social. (Cahm, 1989, pp. 231-235) Em 1881, no artigo “L’Organisation Ouvrière” [A Organização Operária], ele posicionou-se contra a ideia de um “programa mínimo” para as lutas sindicais. (Kropotkin, 2014c, p. 305) Em 1890, no texto “Le Premier Mai 1891” [O Primeiro de Maio de 1891], criticou os limites demasiadamente restritos da luta pelas oito horas diárias de trabalho. (Kropotkin, 2014f, pp. 327-328) Em 1907, no já citado “Anarquistas e Sindicatos”, escreveu que “não há dúvida que, ao entrar em um sindicato, um anarquista faz uma concessão”, visto que tal atitude implicaria, em alguma medida, certa flexibilização de posições. (Kropotkin, 2014o, p. 390)

Contudo, tais posições assumidas por Kropotkin não podem ser consideradas uma defesa absoluta da “propaganda pelo fato” e do insurrecionalismo, nem mesmo no período em que elas estiveram no auge entre os anarquistas europeus. Ao longo dos anos em questão, o endosso por parte de Kropotkin dessa estratégia foi crítico e mesclou-se com a defesa do anarquismo de massas.

Se Kropotkin (2014v, pp. 206-207; 2014o, p. 392) encontrou algumas perspectivas insurrecionalistas em Bakunin, não deixou de reconhecer que os aspectos fundamentais de suas posições favoreciam o anarquismo de massas e o sindicalismo. O trabalho de Bakunin na AIT e seu vínculo com a forma revolucionária de sindicalismo que ali se constituía foram os elementos mais marcantes nesse sentido.

A própria Cahm (1989) mostra outros aspectos em seu livro que ajudam a elucidar as posições de Kropotkin.

Em distintas ocasiões, desde o fim dos anos 1870 até o início dos 1880, ele manifestou discordâncias frente aos insurrecionalistas italianos. (pp. 98, 103, 167) Se teve proximidade com os insurrecionalistas espanhóis de Madri, não deixou de manter a mesma proximidade com os sindicalistas de Barcelona. Inclusive, quando emergiu um conflito entre ambos, em 1878, no seio da Federação Espanhola, Kropotkin envolveu-se para mediar, pois tinha simpatia e apoiava as duas estratégias. (pp. 107-108)

Cahm argumenta também que, quando o mencionado artigo de Brousse sobre a “propaganda pelo fato” foi publicado, em 1877, Kropotkin não fez qualquer comentário, e alguns dias depois escreveu sobre as greves ferroviárias nos Estados Unidos. Tal artigo seria criticado por Kropotkin em 1909, que justificou que sua proximidade com Brousse não implicava completo acordo com sua estratégia da “propaganda pelo fato”. (pp. 102-104)

Ela demonstra, ainda, que no Congresso de 1881, as posições de Kropotkin foram minoritárias. Naquela ocasião, ainda que visse necessidade das ações ilegais, incluindo os atentados, e mesmo que enxergasse indispensabilidade de fatos que pudessem propagar os ideais revolucionários, ele não acreditava na exclusividade dos atos de revolta fora da legalidade e nem na sua articulação/promoção em agrupamentos públicos. Sustentava a necessidade da propaganda tanto por fatos quanto por meios orais e escritos, e entendia ser fundamental a articulação em dois níveis, um público e outro clandestino – as ações ilegais (atentados etc.) deveriam ser concebidos e praticados por este segundo nível. (pp. 154-160)

Além disso, Kropotkin enxergava limites nos atentados políticos (contra autoridades do Estado), destacando sua preferência pelos atentados econômicos (em especial contra os latifundiários, estimulando a expropriação de terras por parte dos camponeses). Enfim, seu estímulo de fatos que se convertessem em formas eficazes de propaganda não se resumia aos atentados; para ele, todos os atos de revolta, todas as ações protagonizadas coletiva ou individualmente no sentido de fazer avançar a revolução e a anarquia teriam esse papel, inclusive aquelas no movimento operário e o sindicalismo[17]. (pp. 113, 115, 123-124, 142, 159-160)

Em 1891, Kropotkin fez uma crítica em La Révolte às posições hegemônicas no Congresso de Londres, ocorrido dez anos antes, mostrando “o que os anarquistas fizeram de errado em 1881”:


Quando os revolucionários russos mataram o czar [...] os anarquistas europeus imaginaram que, dali em diante, alguns poucos revolucionários fervorosos, armados com algumas bombas, seriam suficientes para fazer a revolução social. [...] Um edifício construído sobre séculos de história não pode ser destruído com alguns quilos de explosivos. (apud Skirda, 2002, p. 55, grifos meus)


Ou seja, num momento em que ainda preponderavam na Europa os arroubos insurrecionalistas, Kropotkin já enxergava os limites dos atentados. Entretanto, não se pode dizer que ele, na esteira do que ocorreria naquele continente com os anarquistas, passaria a adotar uma visão mais favorável ao anarquismo de massas e ao sindicalismo apenas com a fundação da CGT francesa em 1895.

Desde que se assumiu anarquista, em 1872, Kropotkin sustentou posições vinculadas ao anarquismo de massas em geral, e ao sindicalismo revolucionário em particular. Relacionou-se, foi influenciado por tais posições, e também contribuiu para influenciar parte considerável dos anarquistas em tal direção, graças à destacada posição que assumiu no “movimento anarquista” depois da morte de Bakunin. Foram essas posições que subsidiaram afirmações de autores como Lucien van der Walt (2019a, p. 254) – “Kropotkin [...] defendeu o sindicalismo revolucionário [syndicalism]” –, Iain McKay (2014, pp. 40-41) – “Kropotkin foi muito favorável ao sindicalismo revolucionário [syndicalism]” – e Vadim Damier (2009, p. 30) – “Kropotkin foi um dos primeiros a encorajar anarquistas a trabalharem nos sindicatos”.

O livro de Cahm (1989), em sua Parte III, discute o vínculo de Kropotkin com a ação coletiva revolucionária no movimento operário e nos sindicatos. Ela mostra que, apesar do vínculo com a Internacional que estabelece em 1872, as posições de Kropotkin frente ao sindicalismo mantiveram-se ambíguas até 1877; nesses anos realizou várias críticas ao trade-unionismo inglês e à influência da socialdemocracia no movimento operário. (pp. 235-242)

No entanto, de 1877 em diante, foram muito importantes para a mudança de posição de Kropotkin algumas experiências práticas, organizações e luta dos trabalhadores no norte global; a partir de então, passou a ver com maior simpatia os sindicatos e o sindicalismo, e mesmo a defender posições sindicalistas revolucionárias. Destacam-se, dentre elas: em 1877, as greves de Pittsburg, nos Estados Unidos, e a retomada do movimento sindical na Inglaterra e na França (pp. 244-245); entre 1878 e 1881, o sindicalismo revolucionário espanhol, particularmente de Barcelona, e as greves radicalizadas na Inglaterra e na Bélgica (p. 246); em 1890, a greve dos trabalhadores das docas, em Liverpool, Inglaterra (p. 267); e, obviamente, a experiência da CGT entre 1895 e a Primeira Guerra Mundial (p. 268).

De modo que, em 1907, Kropotkin reconhecia, numa carta a James Guillaume, que o envolvimento dos anarquistas nos sindicatos era importante; num prefácio daquele mesmo ano, afirmou que as posições dos sindicalistas revolucionários da CGT “estão organicamente ligadas às primeiras formas da ala esquerda da Internacional”. (apud Nettlau, 1996, p. 279)

Em 1914, escreveria a Luigi Bertoni:


Minha opinião é exatamente aquela exprimida por Malatesta em Volontà em 7 de fevereiro de 1914, e com a qual você concorda. O sindicato é absolutamente necessário. Ele é a única forma de associação operária que permite a luta direta contra o capital ser levada a cabo sem submergir no parlamentarismo.[18] (apud Nettlau, 1996, p. 280)


Ou seja, para Kropotkin, nessa distinta perspectiva, são os sindicatos os únicos agrupamentos de trabalhadores capazes de reunir as massas para combater o capitalismo e o Estado sem ceder ao reformismo socialdemocrata. Os anarquistas (preferencialmente articulados em agrupamentos específicos) participam da construção dos sindicatos e promovem, por sua crescente influência, uma linha sindical que inclui: ação direta das massas, independência de classe, protagonismo democrático (federalista, autogestionário) das bases e perspectiva revolucionária. A prática anarquista e a ação sindical são, elas mesmas, formas de propaganda que, juntamente à propaganda falada e escrita, contribuem para a difusão desse ideário anarquista e sindicalista, e para o incremento desse movimento transformador.

Tal noção, tipicamente vinculada ao anarquismo de massas sindicalista, se reforça ainda pelas posições possibilistas (favoráveis às lutas de curto prazo pelas reformas) que Kropotkin manifestou em certas ocasiões. Em 1906, no artigo “Syndicalisme et Parlamentarisme” [Sindicalismo e Parlamentarismo] reconheceu a importância das lutas por melhores condições de trabalho como: “melhor pagamento, redução nas horas de trabalho, fábricas mais salubres, máquinas menos perigosas etc.” (Kropotkin, 2014m, p. 384)

Como se pode notar, a depender do enfoque (temporal, dos escritos discutidos etc.) é possível aproximar Kropotkin mais das perspectivas insurrecionalistas ou das perspectivas de massas. E Cahm nota isso muito bem na conclusão de seu livro:


Se Kropotkin enfatizou o papel das minorias heroicas na preparação da revolução e [...] vislumbrou claramente o envolvimento dos anarquistas em atos de terrorismo, ele preocupou-se igualmente com a ideia da Internacional Grevista para desenvolver a luta direta das massas contra o capital. [...] Na verdade, ele nunca se preocupou estreita ou acriticamente com as táticas terroristas ou sindicalistas, mas apreciou o valor de ambas. (Cahm, 1989, pp. 276, 280)


É verdade que tal conclusão refere-se apenas ao período que vai de 1872 a 1886; para conclusões mais precisas acerca do período posterior, seria necessário empreender uma continuidade deste estudo iniciado por ela, tomando como base os escritos de 1887 a 1921.

De qualquer forma, o cerne do argumento parece-me bem colocado. Nos praticamente 50 anos de anarquismo de Kropotkin há diferentes posições sendo por ele defendidas. Se há mais homogeneidade nas posições filosóficas e teóricas, há posições mais plurais no debate organizativo e nas relações com as históricas correntes do anarquismo insurrecionalista e do anarquismo de massas. As hipóteses explicativas para tanto foram apontadas anteriormente: talvez pela posição de Kropotkin como jornalista do “movimento”, talvez pela crença numa heterogeneidade de estratégias e táticas; talvez por ambas.

E se é verdade que não se pode desvinculá-lo completamente da “propaganda pelo fato”, também não é possível fazê-lo com o sindicalismo revolucionário, como no caso de René Berthier (2018, p. 12), que afirma ver apenas “distorções que são feitas ao pensamento de Kropotkin com o único propósito de provar que ele foi um pensador sindicalista revolucionário”.

Realmente Kropotkin não pode ser considerado apenas um pensador sindicalista revolucionário, mas, como pretendo mostrar a seguir, parece inegável que ele tenha sustentado, em diferentes momentos de sua vida, particularmente entre os anos 1881 e 1912, posições bastante vinculadas ao sindicalismo revolucionário.

KROPOTKIN E O SINDICALISMO REVOLUCIONÁRIO (1881-1912)

Entre 1881 e 1912, em diversos momentos, Kropotkin discutiu e defendeu o sindicalismo revolucionário. Cumpre, entretanto, antes de expor e analisar suas posições a este respeito, apresentar brevemente alguns elementos conceituais.

Syndicalism: Sindicalismo Revolucionário e Anarcossindicalismo

Quando se estuda globalmente a história do movimento sindical, é possível notar que, a partir dos anos 1870, no seio da AIT, emerge uma forma inovadora e revolucionária de sindicalismo.

De acordo com Van der Walt (2019a, pp. 253-254), em termos teóricos, ela se expressa na obra de Bakunin, em seu período anarquista e internacionalista, ainda no fim dos anos 1860; em termos práticos, inicia-se com a Federación Regional Española [Federação Regional Espanhola] (FRE), organização sindical fundada em 1870 na Espanha e vinculada à “Primeira Internacional”, que alguns anos depois de sua fundação chegou a 60 mil membros. Tal tradição sindical desenvolveu-se ao longo dos anos 1870 e 1880, em escritos de distintos autores e em sindicatos de diferentes países, inclusive da América Latina.[19]

Ou seja, quando a CGT foi fundada, em 1895, havia já uma tradição, em termos de pensamento e ação, dessa forma de sindicalismo que ela praticará até a Primeira Guerra. A CGT foi importante não apenas por sua práxis na França, e por tornar-se referência sindical para o mundo europeu e hispano-lusófono, mas também por difundir amplamente o termo “syndicalisme révolutionnaire” [sindicalismo revolucionário], para expressar suas concepções e práticas sindicais. A adjetivação “révolutionnaire”, no francês, era necessária, na medida em que o termo “syndicalisme”, como no português, referia-se ao sindicalismo de maneira geral, abarcando o sindicalismo revolucionário e o anarcossindicalismo, mas também as formas de sindicalismo patronais, amarelas, reformistas, corporativistas etc.

Entretanto, quando se observa o mundo anglófono, a questão é distinta. Em inglês, o termo “syndicalism”, utilizado a partir do início do século XX, derivou do “syndicalisme révolutionnaire” francês; trata-se, portanto, de um sinônimo de “revolutionary unionism” (inglês) e distingue-se dos termos mais amplos “unionism” (inglês), “syndicalisme” (francês) e “sindicalismo” (português).

Portanto, a experiência teórico-prática do sindicalismo revolucionário precedeu, em algumas décadas, não apenas a CGT francesa, mas a própria invenção dos termos “syndicalisme révolutionnaire” (francês) e “syndicalism” (inglês). Essa tradição de pensamento e ação que se iniciou entre o fim dos anos 1860, que se consolidou nos anos 1870 e 1880, e que passou a se expressar pelos mencionados termos entre os anos 1890 e 1900, possui continuidade depois disso. Grandes exemplos dessa tradição syndicalist incluem, além da CGT, a mencionada Internacional Sindicalista, fundada na passagem de 1922 para 1923, em Berlim, na Alemanha, e inúmeras outras experiências em todo o mundo, ao longo do século XX, e mesmo deste início de século XXI.[20]

Cumpre ainda notar que o termo “anarcossindicalismo” é posterior ao “syndicalism”, tendo-se difundido desde os anos 1920 e ganhado destaque com a Confederação Nacional dos Trabalhadores (CNT), protagonista da Revolução Espanhola (1936-1939). Ainda assim, dependendo de como o anarcossindicalismo for conceituado, também é possível encontrar experiências históricas anteriores às próprias invenção e difusão do termo. Desde o surgimento do termo “anarcossindicalismo”, têm havido inúmeros esforços de se conceituar o sindicalismo revolucionário e o anarcossindicalismo – em alguns casos, se enfatiza a diferença entre essas duas formas de sindicalismo; em outros, se afirma que são praticamente sinônimos –, e, no mundo anglófono, uma tendência de abarcar ambos com o conceito de “syndicalism”.[21]

Foi por não haver um sinônimo em português para “syndicalism” – visto que, no Brasil, não utilizamos com rigor a diferença entre “sindicalismo” e “unionismo”, e nos referimos a todas as formas de sindicalismo sob este termo – que propusemos, em inúmeras ocasiões, expressões como “forma revolucionária de sindicalismo” ou “sindicalismo de intenção revolucionária” para nos referir a este “syndicalism”, que abarca tanto o sindicalismo revolucionário quanto o anarcossindicalismo. (Ver, por exemplo: Santos e Silva, 2018; Corrêa, 2018; Van der Walt, 2019b)

Esse syndicalism, forma revolucionária de sindicalismo, pode ser definido da seguinte maneira:

O sindicalismo [syndicalism] concentra-se na reivindicação de que os sindicatos – construídos por meio de lutas diárias, práticas radicalmente democráticas e educação popular – constituem uma força insubstituível para defender e estender conquistas e direitos da classe trabalhadora e são alavancas cruciais para a revolução social. Ação direta, solidariedade, autoatividade e desenvolvimento de conhecimento técnico e político são meios para permitir a acumulação de forças individuais e organizativas para uma greve geral revolucionária [...], na qual trabalhadores ocupam seus locais de trabalho, tomam o controle dos meios de produção e constroem uma ordem socialista livre, baseada na autogestão, no planejamento participativo vinculado a assembleias e conselhos, e na produção voltada para a necessidade e não para o lucro ou o poder de uma minoria dominante. (Van der Walt, 2019a, p. 249)

O syndicalism – e, portanto, o sindicalismo revolucionário e o anarcossindicalismo – constitui uma forma de sindicalismo que surgiu na AIT e que depois disso espalhou-se pelo mundo. Trata-se de uma estratégia sindical para a luta de classes, que envolve a articulação de trabalhadores por local de trabalho, mas não apenas, e que opera com independência de partidos, classes dominantes, Estado etc. Sob tal estratégia, os sindicatos operam por meio da ação direta, com os trabalhadores atuando em seu próprio favor, e do exercício prático da autogestão e do federalismo, construindo lutas com protagonismo das bases, em processos amplamente democráticos (“de baixo para cima”).

Esses sindicatos têm como foco as lutas reivindicativas de base econômica (e, em certos casos, políticas, não eleitorais, no sentido de reivindicações frente ao Estado) e como objetivo uma revolução social, na qual o protagonismo das massas é imprescindível, que possa substituir a sociedade capitalista por uma sociedade livre e igualitária. A cultura revolucionária de classe – que estimula a solidariedade, a luta coletiva, os fins transformadores, o internacionalismo, o antimilitarismo etc. –, assim como a pedagogia dessas lutas, que ensina e educa os trabalhadores na prática, e se complementa com os esforços educativos de maneira geral, contribuem com a radicalização necessária dos trabalhadores para a revolução e a nova sociedade.

* * *

Quando sustento, neste texto, que Kropotkin discutiu e defendeu o “sindicalismo revolucionário”, considero que se trata deste syndicalism, que emerge na Internacional, que se difunde pelo mundo com outras experiências, incluindo a CGT francesa, e que nem sempre é chamado por esses nomes.

Os textos citados a seguir foram escritos originalmente em francês e em inglês, e neles Kropotkin utiliza distintos termos para se referir ao sindicalismo. Usufrui daqueles mais neutros como “syndicalisme” (francês) e “trade-unionism” (inglês). (Kropotkin, 1907, p. 2; 2014l, p. 373) E também dos termos adjetivados, como no caso de “revolutionary unionism” (inglês), ou quando reconhece que o “syndicat” pode tornar-se “révolutionnaire” (francês). (Kropotkin, 2014r, p. 407; 1907, p. 2) Enfim, ele recorre também ao “syndicalism”, quando escreve em inglês. (Ver, por exemplo, as inúmeras menções em: Kropotkin, 2014r[22])

Referindo-se a essa forma de sindicalismo, em 1912, no artigo “Syndicalism and Anarchism” [Sindicalismo e Anarquismo], Kropotkin a define como “luta direta do trabalho contra o capital no campo econômico”. (Kropotkin, 2014r, p. 403) Ainda em 1907, numa carta ao jornal sindicalista The Voice of Labour, ele a definiu como “a livre organização do trabalho, independente de todos os partidos parlamentares, visando à solução direta – pelos próprios trabalhadores e por meio de seus sindicatos – do imenso problema social”. (Kropotkin, 2014n, p. 387)

Para Kropotkin, esse sindicalismo possui “dois princípios mais importantes”. O primeiro deles, “ação direta”, que se vincula exatamente às mencionadas luta direta e solução direta, e que implica a auto-organização dos trabalhadores, por si e para si, no intuito de promover a luta de classes no campo econômico. O segundo, as “novas formas de vida social baseadas na federação de sindicatos”, que têm a ver com uma perspectiva prefigurativa da luta sindical, que, ao mesmo tempo, constrói e protagoniza a luta cotidiana, por meio de organismos de base e altamente democráticos, e faz destes organismos os embriões da sociedade futura pós-revolucionária. (Kropotkin, 2014r, p. 405) Mais adiante será possível compreender em maiores detalhes esses e outros aspectos do sindicalismo revolucionário defendido por Kropotkin.

Importante notar que, para ele, esse syndicalism teve origem na AIT, a qual ele caracteriza como “um grande movimento sindicalista [syndicaliste]”. (Kropotkin, 1907, p. 2) E mais, considera que ambos os citados princípios do sindicalismo revolucionário (ação direta e prefiguração) “foram, desde o início, os princípios orientadores da Associação Internacional dos Trabalhadores”. (Kropotkin, 2014r, p. 405) Associação esta que foi formada por mutualistas franceses (discípulos de Pierre-Joseph Proudhon) e trade-unionistas ingleses (seguidores de Robert Owen) e, pouco tempo depois de seu período fundacional (1864-1866), adotou estratégias sindicalistas revolucionárias, hegemônicas pelo menos até 1871. (Kropotkin, 1987, p. 27; 2014v, p. 207; 1964, p. 103)

Kropotkin reconheceu o movimento anteriormente descrito, segundo o qual uma nova forma de sindicalismo emergiu na AIT, expressando-se em ideias, práticas, pensamentos e ações. Ele também admitiu que os anarquistas tiveram papel muito importante nesse processo. (Kropotkin, 1987, pp. 27-29; 1964, p. 136) Explicou que as iniciativas syndicalists que tiveram continuidade a partir de então em distintas localidades – incluindo aquela da CGT francesa, a partir de 1895, e cuja influência para ele foi relevante – tiveram como berço e referência histórica a “Primeira Internacional”, e que, não raro, desenvolveram novos termos para se referir às concepções e práxis internacionalistas. (Kropotkin, 2014r, pp. 405, 411; 2014u, pp. 466-467; Nettlau, 1996, p. 279)

Aspectos Fundamentais do Sindicalismo Revolucionário Kropotkiniano

Em grandes linhas, a estratégia sindicalista revolucionária (syndicalist) defendida por Kropotkin reivindica a construção de sindicatos massivos e fortes, abarcando todos os setores da classe trabalhadora, para a luta econômica imediata contra a exploração capitalista. Nessa luta – que, segundo Kropotkin, precisa ser realizada desde uma concepção de federalismo, ação direta e prefiguração –, é possível não apenas radicalizar os sujeitos envolvidos, mas avançar na luta para uma perspectiva revolucionária, de transformação política radical da sociedade. Os sindicatos são capazes de encabeçar essa transformação e de assumir as funções na nova sociedade socialista, sem Estado e classes sociais. Tais posições serão discutidas mais detalhadamente a seguir.

Ao analisar a luta de classes na sociedade, Kropotkin constata, sem dificuldades, que, apesar de serem maioria, os trabalhadores (operários e camponeses) vêm sofrendo a imposição da vontade de uma minoria capitalista poderosa. De modo que, para potencializar a força desses oprimidos, é fundamental promover sua organização.

Conforme sustenta: “Temos de organizar as forças dos trabalhadores [...] para transformá-las numa formidável máquina de luta contra o capital” (Kropotkin, 2014a, p. 294); numa “organização que coloque todas as forças para esmagar o feudalismo capitalista” (Kropotkin, 2014b, p. 300). E a organização capaz de dar conta desse objetivo é o sindicato, e não o partido. “Nada pode inclinar a balança a seu favor [dos trabalhadores] senão sindicatos enormes, que abarquem milhões de proletários contra os exploradores”. (Kropotkin, 2014e, p. 318; Ver também: Kropotkin, 2014a, p. 294)

Ou seja, é a organização sindical que possui as melhores condições de potencializar a incidência dos trabalhadores na luta de classes contra a exploração. É ela que permite transformar a capacidade de realização dos trabalhadores numa força social e concreta capaz não apenas de incidir no jogo de forças da realidade social, mas de buscar e garantir a vitória dos trabalhadores.

Kropotkin (2014u, p. 469) compreende que tal esforço organizativo pode se dar tanto por meio da conformação de novos sindicatos, quanto pela participação em organizações sindicais já existentes. E que é preciso dar conta da organização não apenas de um ou outro setor da classe trabalhadora, mas de seu conjunto, abarcando, o máximo possível, o conjunto de explorados, dominados e oprimidos. Assim, tanto os operários quanto os camponeses – e mesmo os setores socialmente marginalizados – devem encontrar possibilidades de se organizar em “sindicatos operários e camponeses”.

De modo que não há em Kropotkin certas posições que foram difundidas por correntes do marxismo histórico. Destacadamente, aquelas que consideram que apenas o proletariado urbano-industrial é o sujeito destinado a fazer a revolução, graças à posição que ocupa na sociedade, ou aquelas que consideram que o campesinato e o “lúmpem” são classes essencialmente conservadoras ou reacionárias. Para ele, a capacidade revolucionária de uma classe tem a ver não apenas com a posição social de seus membros, mas também com sua trajetória; assim, a organização e a luta de classes convertem-se em fatores determinantes.

Não se trata, contudo, de virar de cabeça para baixo a centralidade do proletariado urbano-industrial e defender, como contraponto, a centralidade do campesinato ou dos marginalizados. Kropotkin (2014d, p. 315) reconhece que, para o sucesso de greves e outros movimentos reivindicativos, assim como para as transformações de maior envergadura, os setores mais importantes da economia de uma sociedade precisam estar envolvidos.

Portanto, é essencial que façam parte desses sindicatos operários e camponeses todos os trabalhadores – da cidade e do campo, assalariados ou não – que reconheçam sua condição subalternizada e que concordem em enfrentar as classes dominantes por meio do conflito econômico-social. Algo que envolve uma ênfase na economia e assume dois desdobramentos.

Primeiro, a necessidade de uma luta que se dê prioritariamente no campo econômico: “Visto que a grande luta para a qual nos preparamos é uma luta essencialmente econômica, é no campo econômico que nossa agitação deve se dar”. (Kropotkin, 2014c, p. 306) Se em última instância a luta de classes precisa apontar para uma revolução social que ponha fim ao capitalismo, a disputa (via reforma ou revolução) do aparelho de Estado, restrita ao campo político, é insuficiente.

Segundo, Kropotkin (2014k, p. 360) considera que, ao passo que o critério econômico une os trabalhadores, em torno de condições e interesses comuns de classe, para a luta unificada contra a exploração, os critérios políticos e/ou ideológicos, que incluem a partidarização da militância sindical, os distancia, os separa uns dos outros. Essa “luta entre o trabalho e o capital [...] exige que os trabalhadores apresentem ao capitalista uma massa compacta – unida, e não subdividida por suas opiniões políticas”.

Tal é o motivo da necessidade desse sindicalismo encampar uma sincera independência de classe frente aos partidos políticos.

As demandas da batalha cotidiana entre o trabalhador e o patrão, os milhares de confrontos dessa luta oculta que os trabalhadores devem travar em toda oficina, em toda fábrica, em toda mina, são tão visíveis, que não pode haver a menor dúvida quanto à necessidade de sindicatos operários completamente independentes de partidos políticos, socialistas ou não. (Kropotkin, 2014m, p. 386)

Independência que, como apontado, tem de ser afirmada, inclusive, frente aos partidos políticos de esquerda. As experiências históricas da socialdemocracia e do comunismo evidenciam marcadamente a natureza da relação desses partidos com os sindicatos e o movimento operário e camponês em geral. Subordinação de suas estruturas e suas lutas aos interesses político-partidários de conquista e/ou manutenção do poder de Estado; hierarquia e substituísmo dos partidos frente aos movimentos. E as consequências históricas dessa relação foram projetos que avançaram muito pouco nas reformas e, em distintas ocasiões, conformaram-se, de fato, em forças contrarrevolucionárias.

Sustentar essa posição não significa, para Kropotkin, a defesa do economicismo ou o descarte da luta política. Essa luta no campo do trabalho – por meio da qual operários e camponeses enfrentam diretamente patrões e latifundiários contra a exploração – coloca-se como única alternativa às lutas pela conquista reformista ou revolucionária do Estado (socialdemocracia ou comunismo).

Esse é o único campo a partir do qual se pode iniciar e desenvolver um processo revolucionário capaz de conduzir à anarquia socialista. As lutas econômicas (que podem ser reivindicações ou greves nos locais de trabalho, sabotagem ou “terrorismo econômico”, todos os quais, em algum momento, foram defendidos por Kropotkin) são formas de ação direta e podem se tornar políticas. Isso ocorre na medida em que as lutas extrapolam a categoria ou o local de trabalho em que tiveram início, ampliam-se para outros ramos, envolvem locais de moradia, radicalizam-se e avançam em sentido revolucionário, visando ao fim do capitalismo e à destruição do Estado, ou seja, à socialização econômica (da propriedade) e política (do poder) e ao fim das classes sociais.

Tais lutas tornam-se políticas porque promovem um enfrentamento sistêmico à dominação em geral e às classes dominantes em particular, e porque, ao colocarem realmente em xeque o capitalismo, colocam também o Estado, visto que este faz parte do sistema capitalista, quando tomado em sentido ampliado. (Kropotkin, 2014c, p. 306)

Esse movimento de radicalização e ganho de força não é apenas possível, senão necessário no projeto político kropotkiniano. Lutas econômicas imediatas precisam avançar para uma transformação política revolucionária; os ganhos parciais têm de converter-se em uma vitória duradoura, na qual os trabalhadores, por meio de suas organizações sindicais e comunitárias, imponham sua vontade às classes dominantes. Kropotkin oferece mais detalhes acerca desses dois momentos da luta de classes.

Conforme mencionado, ele defende a promoção cotidiana das lutas visando às conquistas econômicas imediatas. Argumenta que os sindicatos têm de “construir uma força capaz de impor melhores condições de trabalho aos patrões”. E, com isso, garantir conquistas como “melhor pagamento, redução nas horas de trabalho, fábricas mais salubres, máquinas menos perigosas etc.” (Kropotkin, 2014m, pp. 384-385) Para a realização de tais reivindicações considera ser substancial um trabalho cotidiano e permanente, que se faça presente em “repetidos atos de guerra, empreendidos diariamente e em cada oportunidade que se possa preparar para a batalha decisiva e a vitória”. (Kropotkin, 2014c, p. 306) Reivindica ele: “Temos de agrupar trabalhadores de todos os setores sob esse único propósito: ‘Guerra à exploração capitalista!’ E temos que buscar essa guerra implacavelmente, dia a dia, pela greve, pela agitação, por todos os meios revolucionários”. É essa prática que permitirá aos trabalhadores que desenvolvam e aprofundem seu próprio programa. (Kropotkin, 2014a, p. 294)

Ferramenta importante para o exercício cotidiano da luta de classes é a greve. Escreve Kropotkin (2014c, pp. 308-310) que a greve é uma “arma que os trabalhadores empunham em diferentes contextos, onde quer que estejam”, e que “pode ser utilizada a qualquer momento, de acordo com as circunstâncias.” Essa forma de resistência coletiva pressiona os patrões a aceitarem as reivindicações dos trabalhadores, e, ao mesmo tempo, cumpre um papel pedagógico, na medida em que estimula nos sindicatos a solidariedade e a organização. “Longe de desenvolver os instintos egoístas, a greve serve para desenvolver o senso de solidariedade que emerge do próprio coração da organização”. Ademais, “a resistência e a greve são meios excelentes por meio dos quais os trabalhadores podem se organizar” e fortalecer sua capacidade auto-organizativa, pois não se pode esquecer que “a massa dos trabalhadores deve organizar-se por si mesma”.

Kropotkin reivindica ainda, também como mencionado, que haja uma radicalização e um ganho de força permanentes, permitindo ao movimento que supere as reivindicações econômicas imediatas e busque uma transformação política revolucionária.

O objetivo da revolução é a expropriação daqueles que detêm a riqueza da sociedade, e é contra esses proprietários que devemos nos organizar. Devemos reunir todos nossos esforços visando à criação de uma organização vasta de trabalhadores para buscar esse objetivo. A organização da resistência e da guerra ao capital deve ser o principal objetivo da organização dos trabalhadores, e seus métodos devem ser informados não pelas lutas sem sentido da política burguesa, mas pela luta, por todos os meios possíveis, contra aqueles que atualmente detêm a riqueza da sociedade – e a greve é um excelente meio de organização e uma das ferramentas mais poderosas na luta. (Kropotkin, 2014c, p. 311)

Se o movimento fizer dos pequenos ganhos sua finalidade, abrindo mão desta perspectiva revolucionária, terá sucumbido ao reformismo e não atingirá os referidos objetivos finalistas. O desafio é, portanto, construir “um movimento sindical não apenas interessado em aumentos de salário e redução de horas de trabalho, mas inspirado pela grande ideia de se livrar dos parasitas e tomar posse de suas obras”. (Kropotkin, 2014j, p. 356) Ou seja, promover esse finalismo revolucionário e socialista. “É importante que todos à frente do movimento tenham clareza sobre qual é o objetivo final da organização”. Os sindicatos precisam construir “uma poderosa força que, no dia da revolução, irá impor sua vontade sobre exploradores de todo tipo”. (Kropotkin, 2014c, pp. 303, 306)

Para esse avanço, é muito importante garantir um crescimento geográfico, articulado de baixo para cima, por meio do federalismo:

Seções profissionais, federações abarcando todos os trabalhadores da mesma profissão, federação de todas as profissões de uma mesma localidade, de uma região, e grupos de combate independentes das profissões, mas, antes de tudo, socialistas – é assim que eles [os sindicalistas espanhóis fiéis às tradições anarquistas da Internacional] constituem as estruturas do exército revolucionário. (Kropotkin, 2014b, p. 299)

E reforçar esse combate por meio de ferramentas como a greve geral, os combates de rua e a força das armas. Kropotkin (2014p, p. 395) enfatiza que “a greve foi uma lição maravilhosa em muitos aspectos. Demonstrou-nos a possibilidade prática de uma greve geral.” A greve geral envolve uma paralização generalizada dos trabalhadores em uma localidade, e mobiliza uma força relevante dos trabalhadores no enfrentamento aos patrões. Se é verdade que ela não é e nem substitui a revolução social, não se pode negar que constitua um passo importante para sua aproximação; a greve geral tem potencial para radicalizar o movimento sindical, estimular outras iniciativas combativas e criar condições para insurreições e lutas mais avançadas.

A força das reivindicações econômicas, das greves parciais e da greve geral para o projeto revolucionário aumenta, na medida em que podem se somar aos combates de rua, às barricadas e às ações armadas. Kropotkin acredita na necessidade de um trabalho de base prolongado e na conciliação entre lutas de massa e formas mais avançadas de combate; e, com isso, nega o espontaneísmo e o insurrecionalismo.

Argumenta que as “barricadas têm de ser preparadas por meio da atividade prolongada no seio das massas, algumas vezes durante anos”. De modo que os conflitos e as trincheiras de luta mais acirrada não são protagonizados por indivíduos heroicos, pequenos grupos de vanguarda ou militantes descolados das bases; eles devem expressar um trabalho prévio prolongado e com envolvimento significativo das massas. É preciso ter em mente que “sem um povo rebelde não há barricadas”, e que os revolucionários precisam “tornar-se o povo no seio do povo”. Vale o mesmo quando se trata de aliar os sindicatos às distintas formas de conflito armado: lutas armadas e lutas de massas são indissociáveis. “Sem as massas não há barricadas! Sem as massas não há luta armada!” (Kropotkin, 2014f, p. 324)

Essa radicalização e esse avanço precisam ser permanentemente estimulados pelos revolucionários socialistas (incluindo os anarquistas) nos sindicatos. Mas não é só isso. A maneira como isso é feito no cotidiano organizativo, os meios que são fortalecidos e estimulados estão completamente vinculados aos fins que serão ou não atingidos; são esses meios que indicarão se o objetivo final anteriormente enunciado será ou não concretizado. “Os meios de ação propostos” devem estar “em concordância com os objetivos propostos”. (Kropotkin, 2014c, p. 304)

Como indicado, Kropotkin (2014r, p. 405) compreende que são dois os princípios mais importantes na construção desses meios: a ação direta e a perspectiva prefigurativa. Ambos são centrais na construção de uma linha sindical adequada.

Para ele, é imprescindível a “ação direta das organizações operárias”, das massas, ou seja, “a ideia precisa de uma ação direta por meio de seus próprios sindicatos”. (Kropotkin, 2014n, pp. 387-388) Isso exige um sindicalismo que tenha por base a “auto-organização dos trabalhadores”, que não conceda a outros (classes dominantes, vanguardas supostamente iluminadas, partidos políticos ortodoxos, políticos eleitos etc.) seu protagonismo organizativo e de ação; um sindicalismo que proporcione condições de organização e que estimule a luta dos trabalhadores, por si e para si. (Kropotkin, 2014u, p. 467) Algo que vale tanto para o caso da busca dos ganhos econômicos imediatos quanto do caso da busca da transformação política revolucionária.

Ao mesmo tempo, é imprescindível a prefiguração, que implica “promover entre as massas as ideias que consideramos ser as bases do desenvolvimento vindouro”. (Kropotkin, 2014h, p. 344) Isso significa que aqueles elementos vinculados ao protagonismo democrático, federalista e autogestionário – associação voluntária, decisões de base, articulação de baixo para cima, combate permanente ao centralismo e à burocratização –, todos os quais são imprescindíveis numa sociedade federalista e autogestionária (socialista, sem Estado e sem classes), devem também nortear a prática sindical de organização e lutas.

Esse exercício prático do federalismo e da autogestão na organização e nas lutas sindicais constrói o futuro no presente, produz os sujeitos da mudança; trata-se, enfim, de um meio substancial para que os fins pretendidos possam ser atingidos. Note-se que, para Kropotkin, isso não implica construir uma realidade utópica para isolar da sociedade essa iniciativa e as pessoas que dela fazem parte. Implica, distintamente, produzir uma cultura de classe capaz de apontar estrategicamente para o objetivo pretendido: a transformação desta sociedade na direção da socialização da propriedade e do poder.

Também conforme mencionado, Kropotkin (2014u, pp. 467, 469) destaca que os sindicatos têm uma função importante nesse movimento de revolução e socialização. Afinal, eles são não apenas “meios poderosos de preparar a revolução social”, mas também “células para a ordem social futura”. “Os sindicatos operários são não apenas “um poder revolucionário” na sociedade presente, mas “uma força para a organização futura” da sociedade.

Eles possuem um papel importante na expropriação das classes dominantes: as “organizações sindicais poderiam tomar posse das docas, das ferrovias, das minas, das fábricas, das terras, dos comércios e geri-los não mais para o interesse de alguns capitalistas, mas para a sociedade como um todo.” (Kropotkin, 2014r, p. 407) Para tanto, é indispensável, desde o presente, “criar entre as classes trabalhadoras estruturas sindicais que possam um dia substituir os patrões e tomar em suas próprias mãos a produção e a gestão de toda indústria”. (Kropotkin, 2014m, p. 385) Por esse motivo, são os sindicatos os organismos mais adequados para assumir a autogestão da produção num momento pós-revolucionário, mas não apenas da produção. De acordo com a posição de certos anarquistas e trabalhadores europeus:

No primeiro esforço para o estabelecimento da ordem futura – seja nas aldeias, entre o campesinato, numa cidade ou província que proclame a comuna – a organização da vida e da produção, sob princípios comunistas, será responsabilidade dos sindicatos operários, e que somente eles podem levar a cabo a enorme tarefa da reconstrução da indústria para os interesses de toda a sociedade. (Kropotkin, 2014u, p. 467)

Os sindicatos não servem, portanto, apenas para a resistência e a luta na sociedade presente. Eles também possuem serventia na transformação desta sociedade e na construção da nova sociedade. De maneira que eles não desaparecem com a revolução social e tornam-se centrais no período reconstrutivo.

Os anarquistas, as massas e os sindicatos

O anarquismo só terá um papel relevante na sociedade se conseguir penetrar amplamente no universo dos trabalhadores e converter-se num enorme movimento de massas. Para Kropotkin (2014h, p. 345), “é apenas nas grandes massas trabalhadoras [...] que nossas ideias atingirão seu pleno desenvolvimento”. E para garantir essa influência sobre as massas, Kropotkin (2014f, p. 325) sustenta serem insuficientes os esforços insurrecionalistas protagonizados com certa frequência pelos anarquistas. Considera ele que o povo já “não está exigindo uma ação isolada, mas homens de ação em suas fileiras”, homens estes que têm como tarefa não substituir os trabalhadores e nem protagonizar atos heroicos ou aventureiros descolados das bases, mas ajudar as massas “a avançar e a dar os poucos passos que as separam da revolução”. Posição esta que motivou Kropotkin a fazer cinco grandes recomendações à militância anarquista.

Primeiro, os anarquistas não podem se isolar das massas trabalhadoras; é essencial que estejam permanentemente com o povo, que vivam e ajam com ele. “As massas devem saber quem somos, e os anarquistas devem ter coragem para engajar-se” em suas lutas. Sem essa relação íntima com o universo popular, o anarquismo simplesmente perde seus propósitos, sua razão de ser. (Kropotkin, 2014f, p. 323)

Segundo, esse engajamento nas lutas dos trabalhadores exige que os anarquistas participem do movimento operário e sindical, pois é nesses espaços que acontecem os esforços organizativos e combativos das massas. A partir desse engajamento, torna-se relevante “fazer com que as ideias anarquistas penetrem no grande movimento operário” e “introduzir nos sindicatos operários as ideias anarquistas”. (Kropotkin, 2014h, p. 344; 2014i, p. 347)

Terceiro, é indispensável encontrar um termo adequado para a relação entre anarquismo e movimento operário-sindical. Antes de tudo, deve-se “estar no movimento, mas, ainda assim, sempre permanecer sendo nós mesmos”. Ou seja, o movimento operário e o sindicalismo, mesmo em suas formas revolucionárias e libertárias, não podem e nem devem substituir o anarquismo; eles têm de contar com a participação e a influência dos anarquistas.

Quarto, não basta estar entre os trabalhadores, no movimento operário, nos sindicatos; é imprescindível estar ali com um propósito, um objetivo, uma linha a seguir. E essa linha é a estratégia do sindicalismo revolucionário, conforme delineada anteriormente. Os anarquistas devem “trazer [essas] nossas ideias ao movimento, difundi-las, por todos os meios, entre as massas”; eles têm de contribuir para “despertar nos operários e nos camponeses uma compreensão de seu próprio poder”, e para fazer com que se engajem nas lutas econômicas e políticas. (Kropotkin, 2014h, p. 344; 2014u, p. 468, grifos meus)

Quinto, é crucial saber como promover essa linha estratégica entre os trabalhadores. Deve-se ter em mente que essa mobilização das massas é algo que “requer muito trabalho de base, a ser feito com antecedência”, algo que exige esforço, tempo e regularidade. (Kropotkin, 2014f, p. 323) E que precisa ser feito

por aqueles meios, e somente por eles, que estejam em estrita concordância com nossos princípios – sem qualquer concessão às atuais tendências autoritárias ou estreitas do movimento [...], sem fazer nenhuma daquelas concessões que muitas vezes parecem convenientes, mas que, no longo prazo, sempre se mostram como abandono dos verdadeiros princípios em função de uma mera sombra de sucesso momentâneo. (Kropotkin, 2014h, p. 344)

Se a estratégia e, principalmente, as táticas podem ter certa flexibilidade, os princípios não. Eles não podem ser abandonados em favor de um pragmatismo que retire do movimento sua capacidade transformadora.

Finalmente, é imprescindível que a relação dos anarquistas com as massas, seus movimentos, seus sindicatos, seja antiautoritária, libertária. Por um lado, os anarquistas precisam garantir a “ascendência que nossas ideias terão no[s] movimento[s]”; eles têm de afirmar sua influência na organização, no crescimento e na radicalização desses movimentos, para que caminhem nessa linha desejada. Por outro lado, os anarquistas precisam fazer isso dentro de certos pressupostos éticos e políticos; eles não devem se “juntar a essa luta por supremacia. Não podemos, não devemos alimentar ideias tais como aquela de tomar posse do[s] movimento[s]”. Isso porque esses movimentos das massas não podem ser dominados, aparelhados, subordinados, alienados. Devem ter assegurada sua condição de verdadeiros protagonistas das conquistas populares, sejam elas reformas ou mesmo revoluções. (Kropotkin, 2014h, p. 344)

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* Este texto foi escrito sob inspiração de minha intervenção no Colóquio Internacional “Piotr Kropotkin: Ativismo e Pesquisa”, realizado em São Paulo, em julho de 2021.

[1] Insisto em colocar “tese” entre aspas pois, conforme argumentarei, se trata de uma hipótese que, por meio de análise rigorosa, não se confirma verdadeira.

[2] Quando se fala em comunismo anarquista, anarcocomunismo ou anarquismo comunista não se deve pensar – como algumas vezes se tem feito, inclusive por certos partidários desta posição – que isso se refere a algum tipo de união ou meio-termo entre o anarquismo (de Bakunin, Kropotkin, da Revolução Espanhola etc.) e o comunismo (de Marx, Lenin, Trotsky, da Revolução Russa etc.) históricos.

[3] Com uma cisão da Federação Românica da AIT na Suíça, a Federação Jurassiana passou, a partir de 1871, a agregar a militância federalista daquela localidade. Sob enorme influência anarquista, a Federação Jurassiana esteve à frente da conformação da chamada Internacional Antiautoritária, continuadora legítima da AIT até 1877, e nos anos seguintes teve papel central nas discussões do anarquismo suíço e europeu. (Enckell, 1991)

[4] Coloco o termo corrente entre aspas, pois não concordo que esta seja uma corrente anarquista. A forma de distribuição dos frutos do trabalho na sociedade futura (coletivista ou comunista) envolveu, realmente, um debate relevante entre os anarquistas, mas não para fundamentar o estabelecimento das correntes anarquistas. Sobre essa discussão, ver: Corrêa, 2015, pp. 208-210, 234-251.

[5] Ver, por exemplo, minha crítica a Nettlau e a outros autores dos estudos de referência do anarquismo em: Corrêa, 2015, pp. 55-100.

[6] Baseio-me aqui nas posições de Errico Malatesta acerca da distinção entre as categorias ciência e doutrina/ideologia, que foram por mim discutidas em: Corrêa, 2013a.

[7] Para que essa discussão seja realizada com seriedade, alguns passos são ainda necessários. Antes de tudo, solucionar como se posicionar em relação à utilização histórica desses termos (“bakuninismo”, “bakuninistas” etc.) Eles têm sido utilizados de três maneiras distintas: 1.) Para se referir ao conjunto de federalistas-coletivistas da AIT, que abarcavam anarquistas e não anarquistas, como na trajetória da Internacional Antiautoritária; 2.) Para se referir ao conjunto de anarquistas da AIT, que poderiam ou não fazer parte da Aliança pública e/ou secreta; 3.) Para se referir ao conjunto dos aliancistas. Supondo que a terceira maneira fosse considerada a mais adequada (e isso também pode ser discutido), seria necessário, então, identificar quem eram os aliancistas, ou ao menos os aliancistas mais importantes, quais foram suas posições teóricas e práticas. E, com isso, verificar em que medida havia ou não homogeneidade com as ideias e ações de Bakunin e de outros anarquistas no contexto da AIT. Do meu ponto de vista, isso ainda não foi devidamente realizado. De modo que creio não ser possível, até o presente, falar em “bakuninismo” ou “bakuninistas” na AIT. Tenho empreendido alguns esforços para contribuir com a investigação dessas questões. Apesar das pouquíssimas referências bibliográficas sobre a história da Aliança, tanto em sua forma secreta quanto pública, tentei resgatar, ao menos em linhas gerais, o que se sabe desta história, e também os aspectos da concepção organizativa de Bakunin que envolvem a Aliança. (Corrêa, 2019, pp. 315-397; 495-549) Também cheguei a um conjunto de nomes dos aliancistas que, dentre outros, incluem: James Guillaume, Adhémar Schwitzguébel, Giuseppe Fanelli, Charles Perron, Benoît Malon, Nikolai Jukovski, Valerien Mroczkowski, Louis Palix, Tomás Gonzáles Morago, Rafael Farga-Pellicer, Gaspard Sentiñon e Charles Alerini (Élisée Reclus também chegou s ser membro da Aliança). (Corrêa, 2019, pp. 334-346)

[8] Tradução ajustada a partir do livro original de Skirda, escrito em francês.

[9] Importante destacar que essa tese da hegemonia insurrecionalista entre 1880 e 1895 só é verdadeira quando se trata do anarquismo europeu. Se se expande o escopo geográfico da análise, é possível notar uma correlação de forças bem distinta, quando se leva em conta países como México, Uruguai, Argentina, Estados Unidos e Egito. Para saber mais, ver: Corrêa, 2013b, pp. 30-35 e as referências que constam em nota nesse texto.

[10] Esses possibilistas da “Segunda Internacional” faziam parte do campo socialdemocrata, no qual rivalizavam com os marxistas. Tal possibilismo era, à época, liderado por ex-anarquistas, como Paul Brousse e Benoît Malon. Entretanto, não se pode confundir esse possibilismo com as mencionadas posições dos anarquistas (socialistas, revolucionários), que chamei anteriormente de possibilistas; estes, distintamente, não eram socialdemocratas, mas socialistas revolucionários e antiautoritários, que entendiam ser as reformas um possível caminho para a revolução. Kropotkin foi favorável à participação dos anarquistas na “Segunda Internacional”, visando a disputar os rumos do movimento operário e socialista. Sua maior crítica era em relação à hegemonia socialdemocrata e dos partidos políticos; para ele, esta associação deveria contar apenas com a presença de trabalhadores, ou, como sustentou em 1901, tornar-se uma Internacional de sindicatos. Em 1896, destacou: “queremos delegados [na “Internacional Socialista”], não como socialdemocratas ou anarquistas, mas como homens que ganharam confiança em uma associação de trabalhadores, qualquer que seja sua opinião pessoal”. (apud McKay, 2014, p. 86)

[11] Possivelmente, a maior contradição de Kropotkin nesse período (1872-1921) foi o apoio que manifestou aos Aliados na Primeira Guerra Mundial, rompendo com princípios históricos do anarquismo. Ao manifestar tal posição, alinhou-se a uma pequena minoria de anarquistas com visão semelhante; a imensa maioria manifestou-se contrária à guerra, numa perspectiva antiestatista, revolucionária e internacionalista. Esse posicionamento fez com que Kropotkin fosse expulso do Grupo Freedom, o qual havia ajudado a criar em 1886, e que perdesse parte importante de sua influência entre os anarquistas. (McKay, 2014, pp. 91-93) Para uma discussão mais aprofundada do tema, ver: Berthier, 2014.

[12] Este último livro foi publicado no Brasil em 1964, pela editora Mundo Livre, do Rio de Janeiro. Visando a driblar a censura e a repressão, que se aprofundariam ao longo da ditadura militar brasileira (1964-1985), o título foi modificado para Humanismo Libertário e a Ciência Moderna.

[13] Para uma discussão acerca da presença de certo espontaneísmo na obra de Kropotkin entre 1872 e 1886, ver: Cahm, 1989, em particular as páginas 135, 151, 213, 242. Importante notar que, se por um lado essa defesa da ação natural e espontânea pode implicar contraposição, ausência ou falta de ênfase organizativa (espontaneísmo), por outro, ela também pode significar a defesa de uma forma de ação não artificial e antiautoritária.

[14] Até recentemente, esse texto não tinha tradução para outros idiomas além do original russo em que foi escrito e publicado: Письмо к издателям “Анархической библиотеки”. Бакунин М.А. Парижская Коммуна и понятие о государственности. - (Женева): Изд. группы анархистов, 1892. - С. 1 -10. Articulada por Lucien van der Walt, a tradução de Will Firth ao inglês foi pela primeira vez publicada em McKay, 2014. É esse o texto de Kropotkin que está citado na “Plataforma Organizacional da União Geral dos Anarquistas”, publicada na revista Dielo Truda em 1926. ([Dielo Truda], 2017, p. 19) Realmente contrastante com inúmeras publicações do próprio Kropotkin, esse seu texto, além de defender a formação de um “partido anarquista” na Rússia, considera: “A experiência da vida na Europa Ocidental nos ensina que grupos e associações de pessoas com convicções heterogêneas e frequentemente contraditórias não são de grande benefício para a causa comum. Diferenças de opinião ou mesmo simpatias divergentes permanecem e apenas atrapalham umas às outras, muitas vezes paralisando a energia dos indivíduos. Por outro lado, quando partidos com visões bem definidas são criados, compostos por pessoas que realmente podem ser consideradas afins – elas podem mais tarde unir-se muito mais facilmente, quando for necessário agir em conjunto contra o inimigo comum”. Ainda que no contexto do prefácio em questão Kropotkin pareça estar reivindicando que os anarquistas se articulassem como um campo próprio e distinto de outros revolucionários russos, suas reflexões também podem ser entendidas – como, ao que parece, realmente foram, por parte dos russos de Dielo Truda – como a necessidade de, dentro do próprio campo anarquista, operar com essas considerações. Algo que se vê com clareza na “Plataforma Organizacional”. ([Dielo Truda], 2017)

[15] De acordo com Cahm (1989, pp. 145-146, 317-318), no contexto do Congresso de Londres de 1881, Kropotkin desenvolveu tais ideias. Marcos para tanto são uma carta de 27 de fevereiro de 1881 enviada a um companheiro belga (State Archive of Vienna, Information Bureau 143 [1881] 51/ad1525) e uma circular enviada em junho para Malatesta, Cafiero e Schwitzguébel (Circular Letter to Malatesta, Cafiero and Schwitzguébel, no date, Kropotkin-Malatesta Correspondence). Kropotkin “sugeriu que dois níveis de organização eram necessários, um que seria aberto e baseado na AIT, e outro que seria secreto. [...] A base para a organização secreta, argumentou ele, já existia na antiga Intimité [Aliança?] da Internacional”, que continuara a exercer influência na Internacional Antiautoritária. A proposta era “aumentar esse grupo por meio do recrutamento em meio a todos os conspiradores ativos e hábeis, conforme eles aparecessem”. Para Kropotkin, a organização secreta deveria ter base nacional e se articular internacionalmente. Considerava que alguns quadros [cadre] dela já existiam: Malatesta, Cafiero, Schwitzguébel, Pindy, Viñas e Morago. “A organização internacional que ele vislumbrava era secreta, muito pequena e informal, e não pretendia tomar nem substituir o desenvolvimento da ação de massas por meio da organização aberta da AIT. A vasta maioria dos trabalhadores que apoiavam ou simpatizavam com o movimento revolucionário, argumentava Kropotkin, não poderiam se envolver numa organização secreta, mas estavam prontos para a ação militante grevista e não poderiam ser deixados a mercê dos parlamentaristas. Uma Internacional Grevista poderia reunir as forças da classe trabalhadora em ações de massa para transformar essas greves em levantes.”

[16] Trata-se de um trecho do artigo “L’Action”, publicado em 25 de dezembro de 1880, no jornal Le Révolté. Ali se lê: “Nossa ação tem de ser a revolta permanente, pela palavra falada e escrita, pelo punhal, pelo fuzil, pela dinamite. [...] Tudo aquilo que não estiver na legalidade é bom para nós”. Conforme apontam Cahm (1989, pp. 139-140) e Berthier (2007, p. 19), esse artigo foi, na realidade, escrito por Carlo Cafiero e atribuído erroneamente a Kropotkin, por Jean Maitron, em seu conhecido Histoire du Mouvement Anarchiste en France (1880-1914). Interessante que quando essa citação foi retomada e atribuída a Kropotkin retirou-se dela a defesa do voto de protesto como forma de ação que se encontrava originalmente no texto.

[17] Alguns meses antes do Congresso de Londres de 1881, Kropotkin escreveu o já citado artigo “Inimigos do Povo”, no qual sustenta, entre outras coisas, a necessidade de operários e camponeses encabecem um processo de luta contra o capital e o Estado. (Kropotkin, 2014a) Alguns meses depois do Congresso, escreveu “Le Mouvement Ouvrier en Espagne” [O Movimento Operário na Espanha], em que defende o sindicalismo da Federación de Trabajadores de la Región Española (FTRE), explicitando suas concepções gerais, sua estratégia revolucionária e reconhecendo a eficácia das greves. (Kropotkin, 2014b) Depois disso, ainda no fim de 1881, escreveu, no também já citado “A Organização Operária”, sobre a necessidade de se construir organizações de massas dos trabalhadores, explicitando seus fins, seus meios e como elas poderiam ser constituídas; enfatizou, novamente, a importância das greves. (Kropotkin, 2014c) Isso mostra que, mesmo no contexto do Congresso, quando o anarquismo europeu estava imerso nas perspectivas insurrecionalistas, Kropotkin mantinha, concomitantemente, posições distintas.

[18] Interessante que aqui, novamente, Kropotkin não apenas reivindica o sindicalismo revolucionário, mas enfatiza que para que ele funcione como essa ferramenta de luta contra o capital e o Estado, é necessária uma organização anarquista. Ou seja, mais uma vez lança mão da defesa do dualismo organizacional. A continuação da citação de Kropotkin é a seguinte: “Mas, evidentemente, ele [o sindicato] não atinge esse objetivo automaticamente, visto que na Alemanha, na França e na Inglaterra temos o exemplo de sindicatos vinculados à luta parlamentar, ao passo que na Alemanha os sindicatos católicos são muito poderosos, e assim por diante. É necessário aquele outro elemento do qual Malatesta fala e o qual Bakunin sempre defendeu.” (apud Nettlau, 1996, pp. 280-281) Nettlau explica esta última frase de Kropotkin: “No artigo ao qual Kropotkin se refere, publicado em Volontà, Malatesta declarou: ‘Bakunin esperava muito da Internacional, mas fundou, contudo, a Aliança, que foi a alma da Internacional em todos os países latinos’. O ‘outro elemento’ do qual fala Kropotkin é a Aliança, à qual ele próprio havia pertencido a partir de 1877, e que apoia em suas cartas de 1881 e 1902. A Aliança, segundo Kropotkin, era indispensável para manter as massas de trabalhadores unidas e apontando dessa maneira em direção ao ‘ateísmo, socialismo, anarquismo, revolução’, nas palavras de Malatesta, já que, de outro modo, outras forças iriam influenciar os sindicatos no sentido da socialdemocracia, do catolicismo etc.” (Nettlau, 1996, p. 281) Tanto nestas citações no corpo do texto quando nesta nota coloquei a referência à edição inglesa do livro de Nettlau, porque a edição em português (Nettlau, 2008 / no prelo), traduzida da edição francesa, é um pouco diferente e suprime certos trechos.

[19] Os principais exemplos foram: no México, o Congreso General de Obreros Mexicanos [Congresso Geral de Trabalhadores Mexicanos] (CGOM), fundado em 1876; nos Estados Unidos, a Central Labor Union [Sindicato Central] (CLU), fundada em 1884; em Cuba, o Círculo de Trabajadores de La Habana [Círculo de Trabalhadores de Havana] (CTH), fundado em 1885. (Hart, 2007; Gutiérrez Danton, 2010, p. 27; Fernández, 2000, p. 126)

[20] “A influência e o papel histórico do sindicalismo foram substanciais, em especial entre os anos 1890 e 1920. Nesse período, anarquistas e sindicalistas fundaram, conduziram ou influenciaram sindicatos em países tão distintos como: África do Sul, Alemanha, Argentina, Austrália, Bolívia, Brasil, Bulgária, Canadá, Chile, China, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Egito, El Salvador, Equador, Espanha, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Guatemala, Holanda, Irlanda, Itália, Japão, México, Nova Zelândia, Paraguai, Peru, Polônia, Portugal, Suécia, Uruguai e Venezuela.” (Van der Walt, 2019, p. 254) Depois disso, houve inúmeros outros casos, sendo o mais expressivo deles o da Confederação Nacional do Trabalho (CNT), em particular durante a Revolução Espanhola de 1936-1939. Diversas experiências foram levadas a cabo não apenas ao longo de todo o século XX, mas mesmo neste início de século XXI. (Van der Walt, 2016a, 2016b, 2019) Para conhecer os principais casos de 1990 a 2019, ver: Corrêa, 2020, no prelo.

[21] Para conhecer o debate conceitual e as distinções entre sindicalismo revolucionário e anarcossindicalismo, ver: Corrêa, 2011; Berthier, 2017; Damier, 2009, pp. 23-41.

[22] A publicação original deste texto, realizada nas edições de julho e agosto de 1912 no periódico Freedom, pode ser encontrada nestes links: https://freedomnews.org.uk/wp-content/uploads/2018/02 /Freedom-1912-07.pdf e https://freedomnews.org.uk/wp-content/uploads/2018/02/Freedom-1912-08.pdf.