Desde que o anarquismo é anarquismo, não tem pregado outra coisa senão a ação direta das massas contra os burgueses, pela associação, pela colaboração dos sindicatos, pelas greves, pela sabotagem, por todos os processos imagináveis.

José Oiticica, 1923



Gratifica-nos muito esta oportunidade de dar continuidade ao esforço que temos empreendido no sentido de retomar a história do anarquismo no Brasil, especialmente quando isso se faz desde um enfoque nos movimentos sociais. Ocorre no Brasil algo similar ao que se passa em outros países: apesar da relevância histórica do anarquismo e de seu papel fundamental nas lutas sociais e populares dos trabalhadores, ele continua – mesmo que haja valorosos esforços em sentido contrário – a ser ignorado, difamado e maltratado, tanto na historiografia, quanto em outros campos do conhecimento e da política. Inimigos, adversários e mesmo pessoas afins com o anarquismo têm contribuído para isso. (Corrêa e [Rafael] Silva, 2015, pp. 15-19)

Quando falamos em anarquismo e movimentos sociais no Brasil, entendemos, em primeiro lugar, que o anarquismo é uma ideologia, uma doutrina política, um tipo de socialismo libertário e revolucionário que surgiu na Europa na segunda metade do século XIX, e que se consolidou entre o fim dos anos 1860 e o início dos anos 1880 em distintos continentes. O cerne de seus fundamentos ideológicos e doutrinários encontra-se em três aspectos: 1.) na crítica radical do capitalismo, do Estado e de todas as formas de dominação; 2.) na defesa intransigente de um projeto autogestionário, que implica a socialização generalizada da propriedade, do poder político e do conhecimento; 3.) numa estratégia classista, em que trabalhadores e oprimidos em geral convertem sua capacidade de realização em força social e, por meio de um enfrentamento marcado pela coerência entre meios e fins, promovem uma revolução social e constroem uma sociedade de igualdade e liberdade plenas. (Corrêa, 2015, pp. 115-202)

Entendemos ainda, em segundo lugar, que termos como “movimento anarquista” (Dielo Truda, 2017; Van der Walt, 2019a, pp. 14-15) ou “movimento social anarquista” (Bookchin, 2011, p. 118) – mesmo que venham sendo utilizados por pesquisadores bastante respeitáveis, e também por militantes das fileiras anarquistas que, frequentemente, se reconhecem como parte de um movimento comum – não são os mais adequados, principalmente quando se referem a contextos amplos. Isso porque, mesmo com a grande pluralidade conceitual na literatura que aborda os movimentos populares e o sindicalismo – ou aquilo que poderíamos chamar, de modo mais generalizante, de movimentos sociais – quando se conceitua o tema, normalmente se levam em conta pessoas em relações constantes, articulações mais ou menos duráveis e sustentadas no tempo e no espaço, assim como ações coletivas mais ou menos organizadas de oprimidos contra opressores. (Cf., por exemplo: McAdam, Tarrow e Tilly, 1996; Antunes, 2003; Corrêa, 2011; Van der Walt, 2019a, 2019b)

E não é possível dizer que os anarquistas tenham atuado, globalmente, em seus 150 anos de existência, como um movimento. Isso nem mesmo pode ser afirmado quando se trata de uma realidade nacional, como no caso do Brasil, sobretudo quando se tomam em conta os longos períodos. É verdade que, em variados momentos, o anarquismo converteu-se em amplos e massivos movimentos sociais, em particular quando construiu o sindicalismo revolucionário e o anarcossindicalismo. No caso brasileiro, não parece haver dúvida que isso se deu, principalmente, durante as primeiras décadas do século XX, quando a maior parte dos anarquistas investiu na construção do sindicalismo revolucionário, forma hegemônica de movimento social de trabalhadores naquele então.

De qualquer forma, não consideramos apropriado nos referir ao anarquismo como movimento anarquista ou movimento social anarquista. Parece-nos mais acertado falar que o anarquismo – por meio dos anarquistas –, em distintos contextos, articulou-se e organizou-se de maneira a criar e fortalecer movimentos sociais, algumas vezes tendo protagonismo e constituindo a força política hegemônica, e outras vezes participando como força política minoritária ou oposição nesses movimentos. Portanto, pensamos ser mais adequado enfatizar que os anarquistas investiram historicamente na construção de diferentes movimentos sociais, os quais estiveram vinculados a distintas pautas e envolveram outras forças políticas.


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É exatamente isso que pretendemos retratar – de maneira bem breve e concisa, é verdade, graças ao restrito espaço do qual dispomos – nas próximas páginas. Nelas, discutiremos o anarquismo e os movimentos sociais no Brasil, por meio de uma abordagem ampla, que busca apreender os grandes aspectos que marcaram o longo período de 110 anos compreendido entre 1903 e 2013.

A escolha desse enfoque temporal justifica-se, por um lado, porque ele toma como marco inicial o ano de 1903 – quando, desde essa perspectiva dos movimentos sociais, o anarquismo passa a ter uma existência concreta no Brasil, por meio do sindicalismo revolucionário – e procede ao período mais comumente estudado, entre 1900 e 1930. Por outro lado, este texto também aborda o período posterior, bem menos estudado – em que o anarquismo, apesar de ter perdido bastante força, esteve longe de desaparecer do cenário político e social – e chega até bem recentemente, no ano de 2013, quando uma nova conjuntura se inaugura no Brasil.

Fazemos essa discussão dividindo o texto em cinco partes, ao mesmo tempo temporais e temáticas. As duas primeiras – uma sobre o sindicalismo revolucionário e outra sobre as iniciativas educativas e culturais – abordam o período áureo do anarquismo no país, a Primeira República, quando os anarquistas, num contexto de desenvolvimento republicano, rápida industrialização e grande imigração, foram hegemônicos no movimento sindical e no movimento educativo-cultural da classe trabalhadora. A terceira parte discute os trabalhos anarquistas na educação, na cultura e no sindicalismo durante a Era Vargas e a Redemocratização. Trata-se de um período de crise do sindicalismo revolucionário e do anarquismo que, num momento de desenvolvimento econômico e entre períodos de ditadura (1937-1945) e abertura política (1946-1964), os anarquistas continuaram a desenvolver, mesmo que sob refluxo, atividades mais ou menos vinculadas ao campo dos movimentos sociais.

A quarta parte aborda os tempos de ditadura militar, período de maior crise e menor atividade (semiclandestina) dos anarquistas, que sofreram com a repressão, o autoritarismo e o nacionalismo dos militares, mas mantiveram acesa a chama de seus ideais, retomando suas atividades na medida em que a tormenta reacionária perdia força. A quinta discute a reabertura da Nova República, um período de ressurgimento e rearticulação nacional do anarquismo, que se fortalece principalmente a partir dos anos 1990 num contexto marcado pelo neoliberalismo. Desde então, alguns movimentos sociais foram criados pelos anarquistas e vários deles têm contado com sua participação, majoritária ou minoritária, a depender do momento.


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Nesses 110 anos, a contribuição do anarquismo ao campo dos movimentos sociais é significativa, tanto no campo da prática quanto da teoria. Os anarquistas buscaram construir aquilo que se pode chamar de um “contrapoder” e uma “contracultura revolucionária” (Van der Walt, 2019a, p. 15), por meio de movimentos sindicais, educativo-culturais e outros. E, com isso, desenvolveram, em consonância com outras localidades, um acúmulo teórico de como esses movimentos deveriam ser levados a cabo para promover uma revolução socialista e libertária.

Nesse campo, as realizações dos anarquistas no Brasil foram notáveis: envolveram-se diretamente na criação dos primeiros “sindicatos de resistência”; construíram, no início do século XX, um movimento sindical e educativo-cultural potente e revolucionário, alçando-se a sua força política hegemônica. Naqueles anos, chegaram a protagonizar insurreições e greves gerais revolucionárias. Ao longo dos anos, publicaram inúmeros jornais, livros e uma enorme quantidade de material de informação e propaganda; fundaram e envolveram-se decididamente com escolas e universidades populares, onde desenvolveram projetos de educação formal e política. Criaram e participaram, como força majoritária ou minoritária, a depender do contexto, não apenas de movimentos sindicais e educativo-culturais, mas também de movimentos estudantis, comunitários, sem-teto, sem-terra, desempregados, contraculturais entre outros. Construíram centros de cultura, ateneus e promoveram, entre os trabalhadores e jovens, iniciativas vinculadas ao teatro, às bibliotecas e ao lazer em geral. Envolveram-se com greves mais e menos amplas, protestos e manifestações de rua.

Em linhas muito gerais e sem grande homogeneidade, esse foi o ferramental tático utilizado para promover a estratégia anarquista nos movimentos sociais. Referindo-se aos princípios históricos anarquistas, os anarquistas buscaram reforçar a independência e a autonomia dos movimentos em relação às instituições do capital e do Estado, assim como combater sua burocratização; enfatizaram a necessidade de movimentos combativos, apoiados na ação direta e no protagonismo nas bases; defenderam processos de democracia direta, autogestão e federalismo para as tomadas de decisão; enfrentaram o reformismo e tentaram conciliar as lutas de resistência ou por conquistas imediatas com as posições revolucionárias.


1. SINDICALISMO REVOLUCIONÁRIO NA PRIMEIRA REPÚBLICA (1903-1930)

A conformação do anarquismo no Brasil deu-se entre os fins do século XIX e início do século XX, como resultado de distintas experiências de luta e resistência dos oprimidos, que incluem greves, revoltas populares, colônias agrícolas/experimentais, produções artísticas/culturais. Sua história envolve não apenas imigrantes europeus – em especial italianos, espanhois e portugueses, que tiveram presença marcante no Brasil (Godoy, 2018, p. 84) –, mas se entrelaça também com lutas de trabalhadores negros que ocorreram antes da abolição da escravidão, em meio à fundação de sociedades de resistência, associações de socorros mútuos e sociedades beneficentes (Mattos, 2007, pp. 1-5).

Tal processo deu-se em profundo vínculo com o surgimento do movimento sindicalista revolucionário brasileiro. De maneira geral, pode-se afirmar que, no Brasil, desde os fins do século XIX, os anarquistas contribuíram determinantemente para promover essa forma de sindicalismo, ainda que se deva destacar que, em sua expressão concreta durante a Primeira República, a estratégia do sindicalismo revolucionário não pode ser considerada uma obra exclusiva dos anarquistas. Em termos de experiência organizativa, e no enfoque dos movimentos sociais, a referência desse momento inicial foi a fundação, em 1903, no Rio de Janeiro, da Federação das Associações de Classe, inspirada – graças aos contatos epistolares e presenciais com o estrangeiro, assim como à imigração de trabalhadores – pelo sindicalismo da Confédération Générale du Travail (CGT) francesa.

Como sequência desse processo – e conformando aquele que seria o grande marco da emergência do anarquismo e do sindicalismo revolucionário no Brasil – ocorreu, em abril de 1906, no Centro Galego, também no Rio de Janeiro, o Primeiro Congresso Operário. Esse congresso recebeu 43 delegados de 28 associações de diversas partes do país, incluindo não só o Rio de Janeiro, mas também São Paulo, Rio Grande do Sul e Alagoas. Convocado inicialmente por setores reformistas do operariado, esse congresso teve presença massiva de anarquistas, de modo que suas teses relativas ao sindicalismo revolucionário tornaram-se hegemônicas. (Samis, 2004, pp. 134-135; Oliveira, 2018, p. 215; Antunes, 2003, p. 41)

Dentre suas diversas deliberações, o congresso aconselhou “o proletariado a organizar-se em sociedades de resistência econômica [...], sem abandonar a defesa, pela ação direta, dos rudimentares direitos políticos de que necessitam as organizações econômicas”, e também, “pôr fora do sindicato a luta política especial de um partido e as rivalidades que resultariam da adoção, pela associação de resistência, de uma doutrina política ou religiosa, ou de um programa eleitoral”; estabeleceu como princípio organizativo o “método federativo”.[1] (COB, 1969a, pp. 117, 121)

Resolveu também articular uma Confederação Operária Brasileira (COB) – que seria fundada em 1908, e chegaria a reunir, nos anos seguintes, mais de 50 sindicatos articulados, sobretudo na “Federação Operária do Rio de Janeiro (FORJ), na Federação Operária de São Paulo (FOSP) e na Federação Operária do Rio Grande do Sul (FORGS)”, que conformavam as “principais bases de sustentação da confederação, mas também na Federação Socialista Baiana, na Federação de Santos, entre outras”. (Toledo, 2013, p. 14)

As influências dos anarquistas no movimento sindical podem ser comprovadas nas posições de A Voz do Trabalhador, jornal da COB:


O que desejamos, e havemos de conseguir, custe o que custar – é a emancipação dos trabalhadores da tirania e da exploração capitalista, transformando o atual regime econômico do salariato e do patronato num regime que permita o desenvolvimento das organizações de produtores-consumidores, cuja célula inicial está no atual sindicato de resistência ao patronato. Como meio prático, como método de luta para alcançar tal denderatum, adotará e usará o sindicalismo revolucionário. (AVT, 1908, p. 1)


Alguns dos fundamentos da concepção anarquista de sindicalismo estão resumidos nessas posições e nas resoluções do primeiro congresso que foram citadas: a oposição ao capitalismo, a defesa da luta de classes, da ação direta dos sindicatos de trabalhadores, da independência política e religiosa desses sindicatos, e das reivindicações imediatas que pudessem apontar para uma ruptura revolucionária.

Foi por meio dessa estratégia, o sindicalismo revolucionário, que ocorreu a ascensão do movimento operário no Brasil, entre 1905 e 1908, com um aumento das mobilizações e do trabalho de organização e com a irrupção de greves em Santos (1905 e 1908), dos ferroviários da Companhia Paulista (1906), dos sapateiros no Rio de Janeiro (1906) e dos trabalhadores de São Paulo pelas oito horas (1907). Entre 1909 e meados de 1912, o movimento viveu um refluxo, com pouco trabalho de organização e mobilização. De meados de 1912 a meados de 1913, houve uma retomada do movimento, com uma greve em São Paulo, em maio de 1912, e com a realização, em setembro de 1913, no Rio de Janeiro, do Segundo Congresso Operário, que confirmou novamente a hegemonia anarquista no movimento sindical e reforçou as teses do sindicalismo revolucionário. (Addor, 2002, pp. 85-86; COB, 1969b, p. 324)

Até 1916, o movimento operário brasileiro enfrentou outro refluxo, graças à conjuntura econômica e aos efeitos da Primeira Guerra, apesar de surgirem neste contexto organizações como a Federação Operária de Alagoas, em 1913, e a Federação de Resistência dos Trabalhadores Pernambucanos, em 1914. De 1917 a 1920 constitui-se a conjuntura de maior mobilização da classe trabalhadora na Primeira República, com episódios como a greve geral em São Paulo (1917) – que contou 70 mil trabalhadores paralisados –, a greve generalizada no Rio de Janeiro (1917), a greve geral de Curitiba (1917) a greve dos trabalhadores da Companhia Cantareira e Viação Fluminense (1918) e a Insurreição Anarquista (1918), que se juntam a um imenso número de greves, manifestações e protestos massivos, avanço na sindicalização, crescimento da imprensa operária e no aumento na crença de que uma transformação social radical era possível. Em 1919, merece destaque também a mobilização da União dos Operários em Construção Civil (UOCC) e a conquista das oito horas para toda a categoria; em 1920 foram relevantes o nascimento da Federação Operária Mineira e a realização do Terceiro Congresso Operário. Destacam-se, ainda, entre 1917 e 1922, numerosos protestos em Pernambuco, na Bahia e no Rio Grande do Sul. Em muitos casos, as reinvidações dos trabalhadores foram conquistadas: oito horas diárias de trabalho, equiparação de salários entre homens e mulheres, fim do trabalho infantil entre outras.[2] (Addor, 2002, pp. 91-144; Samis, 2004; Toledo e Biondi, 2014, pp. 363-393)

As décadas de 1920 e 1930 marcarão uma crise do anarquismo e do sindicalismo revolucionário; contribuíram para ela ao menos quatro fatores. Primeiro, a repressão, operada pela deportação, apoiada nas leis de expulsão de imigrantes, pelas prisões arbitrárias e até mesmo pelo envio de militantes a um campo de trabalho forçado em Clevelândia, no Oiapoque. Segundo, a crescente interferência estatal no sindicalismo, por meio de órgãos como a Confederação Sindicalista Cooperativista do Brasil, e também do atrelamento completo dos sindicatos ao Estado, sacramentado entre 1930 e 1932 pelo governo Vargas. Terceiro, pela criação do Partido Comunista Brasileiro em 1922, com marcante presença de antigos anarquistas, e que passou a disputar mais decididamente o movimento sindical com os anarquistas, defendendo bandeiras como a vinculação partidária e estatal dos sindicatos. Por fim, a dificuldade na articulação de um campo político próprio dos anarquistas, em nível mais ou menos nacional. (Santos, 2018, pp. 89-92; Oliveira, 2018, pp. 231-239; Romani, 2003)


2. EDUCAÇÃO E CULTURA POPULAR NA PRIMEIRA REPÚBLICA (1903-1930)

Juntamente com o sindicalismo revolucionário, e em grande medida como seu complemento, desenvolveu-se, no Brasil da Primeira República um verdadeiro movimento educativo-cultural, que encontrou lastro em periódicos, livros, universidades populares, escolas, centros de cultura, ateneus, grupos de teatro, bibliotecas, festas e festivais operários. Tais ferramentas foram comuns para a difusão do ideário anarquista e sindicalista revolucionário no país, e contribuíram tanto para alfabetizar e educar formalmente os trabalhadores, muitos analfabetos, quanto para instrui-los politicamente e criar uma cultura política libertária. (Castro, 2017, pp. 133-204)

Antes mesmo do sindicalismo de influência anarquista, houve um conjunto de medidas nesse campo educativo-cultural que merecem destaque. Por um lado, a resolução do Congresso Socialista de 1894 de comemorar, oficialmente, a partir de então, o Primeiro de Maio no Brasil. (Lopes, 2015, p. 219) Por outro, e de maneira bem mais determinante, a publicação de jornais. Os pioneiros foram: Gli Schiavi Bianchi (1892), L’Asino Umano (1893) e L’Avvenire (1894), publicados por imigrantes italianos. No Rio de Janeiro, os primeiros periódicos anarquistas foram O Despertar (1898) e O Protesto (1899). (Batalha, 2000, p. 23; Santos, 2018, p. 75)

De 1903 até o final dos anos 1920, um conjunto enorme de periódicos foi publicado. Dentre os mais importantes, estão: O Amigo do Povo (fundado em 1902 em São Paulo), La Battaglia (fundado em 1904 em São Paulo), A Luta (fundado em 1906 no Rio Grande do Sul), A Voz do Trabalhador (fundado em 1908 no Rio de Janeiro), A Plebe (fundado em 1917 em São Paulo), A Hora Social (fundado em 1919 em Pernambuco). Tal produção editorial envolvia uma complexa rede de editores, autores e leitores, geralmente formada por trabalhadores autodidatas, que escreviam, traduziam, produziam e distribuíam conteúdo com o intuito de internalizar e difundir ideias, assim como propagar estratégias políticas e sociais.[3] (Toledo e Biondi, 2014, pp. 375, 388, 441; Godoy, 2018, pp. 79-93)

Ainda no campo da produção editorial, outro aspecto relevante foi a publicação, no início do século XX, de obras marcadamente doutrinárias do anarquismo: livros traduzidos de Élisée Reclus, Errico Malatesta, Jean Grave, Saverio Merlino, Piotr Kropotkin, Carlo Cafiero e, em menor frequência, de Pierre-Joseph Proudhon e Mikhail Bakunin. Outro tipo de produção unia a literatura aos objetivos ideológicos. Um marco dessa experiência foi o livro O Ideólogo, de 1903, escrito pelo médico anarquista Fábio Luz, que inaugurou o gênero do romance social no país. Entre 1903 e 1925, Fábio Luz, Avelino Fóscolo, Manuel Curvello de Mendonça e Domingos Ribeiro Filho – principais referências, nesse estilo, do universo literário libertário – publicaram 25 romances, contos e novelas. (Luizetto, 1986, pp. 134-135, 142).

O Primeiro Congresso Operário, de 1906, ao mesmo tempo, contribuiu para o desenvolvimento das iniciativas educativas e culturais, encaminhando a criação de universidades populares e escolas laicas, que deveriam estar vinculadas às associações operárias. (Machado, 2017, pp. 53-56) A primeira escola operária surgida por influência anarquista foi a Escola União Operária, no Rio Grande do Sul, em 1895. Mas, a partir do congresso, o movimento de fundação de escolas espalhou-se pelo país, com: a Escola Eliseu Reclus, em Porto Alegre; a Escola Germinal, no Ceará; a Escola da União Operária, em Franca; a Escola da Liga Operária, em Sorocaba; a Escola Operária 1º de Maio, no Rio de Janeiro; a Escola Moderna, em Petrópolis; a Escola Moderna nº 1, em 1912, e a Escola Moderna nº 2, em 1913, ambas em São Paulo. Tais escolas funcionaram vinculadas ao movimento sindicalista e revolucionário até 1919, quando tiveram problemas, dentre outras coisas, com a repressão. (Castro, 2017, pp. 175-181; Moraes, 2006, pp. 17-21)

Outro aspecto a ser mencionado foi a ação pedagógica anarquista que se deu nos centros de cultura e ateneus, cujo objetivo era “complementar a educação dos trabalhadores”, “criar um vínculo com os operários” e “aumentar o número de militantes simpáticos ao pensamento libertário”. Cursos de datilografia, idiomas, contabilidade, assim como festas, conferências, corais e declamação de poesias também eram realizados nesses espaços. Algumas dessas iniciativas visavam angariar fundos para dar suporte aos sindicatos ou mesmo às iniciativas anarquistas. Houve, ainda, ações de solidariedade a militantes eventualmente enfermos ou em apoio a revistas e iniciativas internacionais. (Moraes, 2000, pp. 6-7)

Em relação ao lazer dos trabalhadores, podemos destacar duas experiências importantes: as festas operárias e os festivais. Tais atividades, que mesclavam o lúdico e os objetivos propagandísticos, eram feitas em salões operários ou ao ar livre, e contavam geralmente com a apresentação de grupos teatrais formados pelos próprios operários. O teatro operário desse período tinha como formato, em geral, o melodrama e folhetim, e eram vinculados a sindicatos ou centros operários. As peças também eram encenadas com objetivos de angariar fundos para algum periódico ou, simplesmente, entreter os trabalhadores, difundindo a perspectiva política anarquista e sindicalista. (Hipólide, 2012) O período de maior vigor desses festivais foi a década de 1920, sobressaindo-se na participação o Grupo Arte e Instrução, o Grupo de Teatro Social, o Grupo Dramático Germinal entre outros. Tais grupos contavam com orquestras (geralmente alugadas) e corpo cênico, eram constituídos por trabalhadores e sindicalistas, muito dos quais anarquistas, e não raro encenavam peças traduzidas do exterior. (Ramos, 2009)

A mencionada crise dos anos 1920 e 1930 que afetou o sindicalismo revolucionário, e por consequência o anarquismo, também incidiram nesses instrumentos educativos e culturais.


3. EDUCAÇÃO, CULTURA e SINDICALISMO NA ERA VARGAS E NA REDEMOCRATIZAÇÃO (1930-1964)

Essa crise terminou subsidiando a afirmação de alguns autores – como, por exemplo, Dulles (1977, pp. 159-193) – de que os anos 1930 teriam marcado o fim do sindicalismo revolucionário no Brasil e, mesmo, da influência anarquista no movimento sindical. No entanto, essa constatação não está correta. E mesmo o diagnóstico de que, “sem espaços para inserção [...] os libertários passam a se organizar em grupos de cultura e preservação da memória”, é bastante questionável. (Samis, 2004, p. 181)

Ainda que num contexto de crise e refluxo, os anos 1930 contaram com presença e influência dos anarquistas nos sindicatos, algo que se confirma pelos próprios agentes da repressão e pela atuação de organismos sindicais como a Federação Operária de São Paulo (FOSP), que, naqueles anos, tinha ainda centenas de filiados. Além disso, importantes periódicos como A Plebe¸ O Trabalhador e A Lanterna seguiram sendo publicados e, dentre outras coisas, demonstravam o vivo interesse dos anarquistas nos movimentos sociais. (Silva [Rodrigo], 2018) Enfim, as experiências das décadas posteriores ainda atestam que o sindicalismo, mesmo sob forte crise e refluxo, continuou a ser um espaço buscado pelos anarquistas, tendo ocorrido alguns casos modestos de presença e inserção. (Silva [Rafael], 2017)

Passado o crítico período da ditadura do Estado Novo, entre 1937 e 1945 – em que os anarquistas tiveram de operar de maneira quase clandestina, graças à enorme repressão –, as atividades militantes foram sendo retomadas. Com a redemocratização, passaram a rearticular sua imprensa; em São Paulo, destacam-se os jornais A Plebe (1947-1960, editado por Edgar Leuenroth) e O Libertário, que o substituiu nos anos 1960; no Rio de Janeiro, destacam-se Remodelações (1945-1947, editado pelo cearense Moacir Caminha), Ação Direta (1946-1959, editado por José Oiticica) e O Archote.

Dois objetivos para aquele momento eram apontados nas páginas dos periódicos anarquistas. Primeiro, empreender esforços para a formação de uma organização política anarquista de amplitude nacional – tarefa que entendiam ter deixado de lado no passado. Naquele contexto de Guerra Fria e de alinhamento do governo Dutra aos EUA, os anarquistas buscavam apresentar uma via distinta e para além da polarização entre o “socialismo” real e capitalismo. Segundo, retomar o trabalho nas entidades sindicais; para tanto, era necessário conceber estratégias adequadas para lidar com os dois adversários que hegemonizavam o movimento sindical brasileiro: os trabalhistas e os comunistas. (Silva [Rafael], 2018a, pp. 301-303)

Aproveitando uma onda de mobilizações sindicais entre 1945 e 1946, que colocavam em crescente conflito as bases de trabalhadores e as direções trabalhistas, os anarquistas passaram a concentrar-se na formação de grupos de oposição sindical, ainda em 1946. A primeira iniciativa foi formação, em São Paulo, da União Proletária Sindicalista, que teve curta duração. Na categoria dos trabalhadores da Light, no Rio de Janeiro, os anarquistas formaram, com outros trabalhadores, um Grupo de Orientação Sindical dos Trabalhadores da Light, que editou um jornal específico para as questões da categoria, o UNIR. Este jornal, segundo relato dos próprios militantes nas páginas de Ação Direta, vinha “difundindo naquela empresa de transportes, os princípios do sindicalismo revolucionário e de ação direta, em frente aos demagogos de partidos políticos e do Ministério do Trabalho”.

Ondas sindicais massivas estouraram em meados dos anos 1950; em São Paulo, chegaram a reunir, em greve, 300 mil trabalhadores em 1953, e 400 mil em 1957. Aproveitando esse fluxo de mobilização, os anarquistas conformaram, junto com os socialistas independentes, ainda em 1953 em São Paulo, o Movimento de Orientação Sindical (MOS), que propunha “lutar pela completa autonomia e liberdade dos sindicatos de Trabalhadores” e que disputou uma chapa na categoria dos gráficos, em 1957. (Silva [Rafael], 2018a, pp. 311-314)

O período pós-1945 também permitiu o desenvolvimento de iniciativas educativas e culturais. Em São Paulo, o Centro de Cultura Social (CCS) – que havia sido fundado em 1933 e fechado pela repressão em 1937 – reabriu em meados de 1945, vinculando-se às tentativas de reorganizar a ação sindical anarquista e realizando conferências, palestras e espetáculos teatrais. Promoveu saraus literários, editou livros, organizou exposições artísticas e cursos, auxiliando “a fundação de centros com igual finalidade em subúrbios de S. Paulo e em outras cidades”. (CCS, 1945, pp. 2-3) No Rio de Janeiro, um espaço similar foi fundado em 1958 e manteve-se funcionando até 1968: o Centro de Estudos Professor José Oiticica (CEPJO), que, do mesmo modo, organizou cursos, palestras e atividades de debate; ajudou, ainda, a fundar, em 1961, uma editora anarquista: Mundo Livre.

A redemocratização vinha se caracterizando por uma lenta retomada das atividades anarquistas. No campo sindical, algumas vezes em aliança com outros setores da esquerda, os anarquistas rompiam a inatividade do período ditatorial da Era Vargas, ainda que encontrassem dificuldades nas disputas com o corporativismo, o PCB e o PTB. No campo educativo e cultural, havia uma limitação grande de militantes e recursos financeiros, que se explicava, como que num círculo vicioso, pela dificuldade de garantir presença e influência mais massiva nos movimentos sociais. Contudo, essa retomada foi dificultada pelo golpe militar de 1964, que colocou a militância em estado incerteza e, um pouco adiante, sob forte repressão.


4. EDUCAÇÃO, CULTURA, MOVIMENTO ESTUDANTIL E SINDICALISMO NA DITADURA MILITAR (1964-1985)

Se, antes de 1964, o anarquismo estava enfraquecido, procurava restituir suas bases sociais e crescer num período de polarizações e dúvidas, com o golpe e o início da ditadura militar, as coisas complicaram ainda mais. Os anarquistas decidiram então operar com cautela, priorizando seus espaços de educação e cultura, mais discretos frente aos radares da repressão. “Vivia-se uma ditadura suficientemente forte para reprimir os movimentos sociais e políticos, mas taticamente moderada para permitir que a esquerda derrotada na política parecesse triunfar na cultura”. (Napolitano, 2014, pp. 97-98) Iniciativas marcantes nesse campo foram: a editora anarquista Germinal, do Rio de Janeiro, e o jornal Dealbar, de São Paulo – o qual teve 17 números publicados, entre 1965 e 1968 e, por meio de uma linguagem inovadora, abordou questões como cultura, racismo, saúde, psicologia e guerra fria.

Antes do AI-5, mantinham-se em funcionamento o CCS, em São Paulo, e o CEPJO, no Rio de Janeiro, aproximando e formando jovens interessados no anarquismo. Depois, no fim dos anos 1960, com o grande aumento da repressão e o fechamento desses centros pela ditadura, esses jovens – como Milton Lopes, do Rio de Janeiro, à época estudante – ocorriam na residência de militantes como médico Ideal Peres e sua companheira Esther Redes. Ali eram recebidos, estudavam e eram orientados pelos anarquistas mais antigos. (Silva [Rafael], 2018b)

Muitos desses jovens eram estudantes, que usufruíam da grande ampliação do ensino superior ocorrida nas décadas anteriores. (Toledo, 2014, p. 97) Algo que tinha impacto direto no fortalecimento e nas disputas do movimento estudantil. Conjugada à ação de velhos militantes anarquistas, a publicação do jornal libertário O Protesto fez com que, em dezembro de 1967, fosse fundado o Movimento Estudantil Libertário (MEL), reunindo algumas dezenas de militantes do Rio de Janeiro, de São Paulo e do Rio Grande do Sul. O movimento foi fundado com a intenção de “fixar posição e dar combate”, assim como “ter presença ativa nas lutas de classe e ideológicas marcando rumos mais de acordo com os princípios federalistas, que devem reger a vida de toda organização de classe”. (ENEL, 1967, pp. 6-7) Também pretendia interferir na União Nacional dos Estudantes e construir outra referência política, estudantil e libertária.

Mas a repressão, que se aprofundada e se refinava com o tempo, impediu que se colhessem mais frutos dessas iniciativas. Depois do assassinato do estudante Edson Luis, no Rio de Janeiro, e da promulgação do AI-5, tanto o MEL quando o CCS e o CEPJO foram duramente perseguidos. Membros do MEL e do CEPJO – o qual teve sua sede invadida, em outubro de 1969, por agentes da Aeronáutica, resultando em 18 detidos e processados – foram presos e torturados, dentre os quais Ideal Peres, que permaneceu um mês detido. Entre 1972 e 1977, graças a esse complicado contexto, os anarquistas conseguiam apenas reunir-se em pequenos grupos e sustentar uma existência quase clandestina; Foi, decerto, em termos organizativos, o pior momento do anarquismo no Brasil. (Dias, 2012; Rodrigues, 1993; Silva [Rafael], 2018c)

Essa situação modificou-se apenas em 1977, quando a ditadura perdia força, com a publicação do periódico anarquista O Inimigo do Rei, na Bahia. Participavam do grupo editor militantes estudantis e sindicais, não só da Bahia, mas também do Rio de Janeiro, de São Paulo, do Rio Grande do Sul, da Paraíba e do Pará; contribuíam, não sem conflitos internos e divergências doutrinais, com a reorganização do anarquismo, e discutiam, dentre outros assuntos e sob forte influência da contracultura, temas como sindicalismo revolucionário, anarcossindicalismo, movimento estudantil, e também relativos a gênero, sexualidade e teoria política. O jornal funcionou até 1982 e, depois de um longo intervalo, foi retomado entre 1987 e 1988.

Nesse mesmo período ocorreram as primeiras tentativas de uma retomada do trabalho anarquista nos sindicatos. Elas ocorreram depois de uma forte onda sindical no Brasil, que envolveu mais de 40 mil trabalhadores, e questionavam a estrutura sindical burocratizada, que já marcava o chamado novo sindicalismo. Em São Paulo, foi criado o Coletivo Libertário de Oposição Sindical (COLOPS) que tinha proximidade com as ideias da Oposição Operária Metalúrgica. O COLOPS organizou-se durante o I Encontro Nacional dos Trabalhadores em Oposição à Estrutura Sindical (ENTOES), que reuniu, em setembro de 1980, em Niterói, oposições sindicais de 16 estados do país. Também funcionou em São Paulo o Coletivo Libertário do Funcionalismo, que, após realizar um balanço crítico das lutas do funcionalismo nos anos 1980, ensaiou articulações nas categorias dos bancários e da educação. (Silva [Rafael], 2018b, pp. 351-372)


5. RESISTÊNCIA CONTRA O NEOLIBERALISMO, MOVIMENTOS POPULARES E SINDICALISMO NA NOVA REPÚBLICA (1985-2013)

O contexto de reabertura, de estabelecimento da Nova República e da ascensão do neoliberalismo no Brasil contou com a presença de inúmeros movimentos sociais. Nesse contexto, sobretudo a partir dos anos 1990, os anarquistas não apenas impulsionaram a criação de alguns desses movimentos, mas também integraram outros, buscando promover seus princípios e suas estratégias.[4]

Dentre os movimentos que, no Brasil, tiveram papel fundamental dos anarquistas em sua criação e desenvolvimento, está o Movimento de Resistência Global ou “Antiglobalização”, que se articulou, em grande medida, na Ação Global dos Povos (AGP), que ficou conhecida pela organização dos “dias de ação global”. Esse movimento, inicialmente articulado na Europa e nos Estados Unidos na segunda metade dos anos 1990, propunha enfrentar a ascensão do neoliberalismo no mundo, cujos efeitos negativos às pessoas e ao meio ambiente tornavam-se cada vez mais evidentes. E, para tanto, se deu por objetivo mobilizar diversos países nesses dias de ação global; foi um desses dias, conhecido por N30 – um enorme protesto contra a Organização Mundial do Comércio ocorrido em 30 de novembro de 1999, em Seattle – que tornou o movimento mundialmente conhecido. (Corrêa, 2015, pp. 289-290)

Nesse contexto, sob inspiração desse “movimento dos movimentos” global, formou-se, no Brasil, um movimento social análogo. Sua primeira iniciativa ocorreu em Santos, naquele mesmo 30 de novembro de 1999, num protesto modesto, chamado por ecologistas, libertários e anarquistas; depois, o movimento estendeu-se para São Paulo, Belo Horizonte, Fortaleza, Rio de Janeiro e outras localidades. Foi importante, nessa difusão, a formação, em São Paulo, em maio de 2000, da “coalizão de grupos e indivíduos inspirados pela AGP”. No Brasil, o movimento durou, nesses moldes, até 2003, e teve participação determinante dos anarquistas.

Ainda que estes não constituíssem a totalidade do movimento – havia localidades, como Fortaleza, por exemplo, em que correntes libertárias do marxismo tinham papel bastante significativo – não parece haver dúvida que os anarquistas, em suas expressões menos ou mais organizadas, não apenas tiveram participação decisiva no movimento, mas tiveram mesmo papel hegemônico na definição de sua trajetória. (Vinicius, 2014, p. 221-223, 233, 270; Ortellado, 2004, pp. 9-10)

Dentre as realizações mais importantes do movimento estão, primeiramente, a articulação dos próprios dias de ação global. Foram quase uma dezena de manifestações, entre 2000 e 2003, principalmente em São Paulo, com presença média de 2 mil pessoas nas ruas, e também algumas centenas de pessoas em outras localidades como Belo Horizonte, Fortaleza[5], Rio de Janeiro, Salvador e Curitiba. As pessoas mobilizaram-se contra os organismos que promoviam mundialmente o neoliberalismo (Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, Organização Mundial do Comércio, Banco Interamericano de Desenvolvimento), contra os grandes agentes do poder mundial, como o G8, e também contra as guerras imperialistas dos Estados Unidos no Afeganistão e no Iraque. Foram nessas manifestações que apareceram, pela primeira vez no Brasil, os black blocs. (Ryoki e Ortellado, 2004, pp. 140-145)

Além dessas ações, foi também muito importante a rede de comunicação independente que se articulou, como fruto desse movimento, no Centro de Mídia Independente (CMI), também com presença significativa dos anarquistas. Essa iniciativa era parte da rede global Indymedia, fundada em 1999 nos Estados Unidos e que proporcionava, por meio de um site, as condições para a publicação de textos e fotos dos próprios manifestantes. No Brasil, entre 2001 e 2005, o CMI esteve presente em 14 cidades e envolveu outras 16 em suas atividades, conformando, na internet e fora dela, um marco nacional na ruptura com a exclusividade da grande imprensa ao noticiar os fatos – algo se generalizaria anos depois com as redes sociais. (Rocha et alli, 2018, p. 420) Foi também relevante a rede de contatos e o ambiente proporcionado por este movimento, que terminou por colocar em contato seus membros entre si e com outras correntes libertárias e anarquistas, possibilitando um fortalecimento de outras iniciativas do campo anarquista depois disso.

Mas houve, ainda, outros movimentos sociais que contaram, nesse período, com a participação mais ou menos determinante dos anarquistas.

Militantes de organizações vinculadas à corrente especifista do anarquismo protagonizaram parte considerável desse trabalho.[6] Atuaram diretamente ou por meio de outros agrupamentos, como a tendência Resistência Popular, existente desde 1999, na construção de distintos movimentos sociais.

Dentre eles, encontram-se movimentos sem-teto, como aquele que ocorreu em São Paulo no início dos anos 2000, com as ocupações Anita Garibaldi (Guarulhos) e Carlos Lamarca (Osasco) que, somadas, chegaram a praticamente 7 mil famílias; e também como aquele que aconteceu no Rio de Janeiro em torno da Frente Internacionalista dos Sem-Teto, que, entre 2004 e 2008, organizava algumas centenas de famílias de 11 ocupações. (SOAG, 2013; FARJ, 2007, 2008; Rocha et alli, 2018, p. 422) Dos anos 1990 até 2013, houve participação de anarquistas dessa corrente em outros movimentos sem-teto, nesses e em outros estados, como Rio Grande do Sul, Ceará, Santa Catarina e Minas Gerais.

Encontra-se, também, o Movimento Nacional dos Catadores de Material Reciclável (MNCR), no qual os anarquistas especifistas do Rio Grande do Sul tiveram destacado papel – os impactos de sua prática política foram sentidos nacionalmente. (MNCR, 2008) Os anarquistas gaúchos contribuíram com a articulação do movimento desde meados dos anos 1990 e participaram de seu congresso de fundação, em 2001, que contou com 1700 delegados de 18 estados do Brasil; tal contribuição deu-se até 2011, encontrando seu auge em meados dos anos 2000. (FAG, 2005, p. 22; MNCR, 2011) Um ex-dirigente anarquista do movimento relata que, em 2009, ele contava com 730 cooperativas e associações, 400 grupos em processo de formalização e uma base de 39 mil catadores, sendo 70% mulheres. Anarquistas de Goiás tiveram também papel importante no movimento entre 2004 e 2009 e estados como Distrito Federal, Rio de Janeiro e São Paulo contribuíram com alguma participação.

No período pré-2013 também se destacam, por parte desses anarquistas, a participação na construção: de lutas e espaços comunitários, como os Comitês de Resistência no Rio Grande do Sul, no início dos anos 2000, e o Centro de Cultura Social do Rio de Janeiro, fundado em 2004 e ativo até o presente; de coletivos feministas como o Mulheres Resistem em Alagoas e no Mato Grosso; de movimentos estudantis universitários e secundaristas, em distintas regiões do país, incluindo norte e nordeste – que se destacaram também na construção de outros movimentos, principalmente nos estados do Pará, da Bahia, do Ceará e de Alagoas.

Ainda que como força bem minoritária na maior parte dos casos, tais anarquistas também tiveram participação em movimentos sociais mais amplos, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD), e também de distintos sindicatos e da INTERSINDICAL em São Paulo, Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Alagoas. Compuseram a articulação nacional do Encontro Latino-Americano de Organizações Populares Autônomas (ELAOPA), que se iniciou em 2003 e que em 2013 estava em sua 10ª edição. (Rocha et alli, 2018, pp. 421-424)

Outra corrente anarquista, encabeçada pela União Popular Anarquista (UNIPA), teve participação determinante, ao longo dos anos 2000, quando se separou do Fórum do Anarquismo Organizado (FAO), na fundação da Rede Estudantil Classista e Combativa (RECC) e na construção do Fórum de Oposições de Base (FOB) – hoje Federação das Organizações Sindicalistas Revolucionárias do Brasil. Em grande medida, essa alternativa estudantil e sindical construiu-se por meio das oposições do CONLUTE e da CONLUTAS, consolidando-se a partir de 2010. (UNIPA, 2013)

Além disso, anarquistas de diferentes correntes em todo o Brasil, com maior ou menor organização, participaram de várias outras iniciativas no campo dos movimentos sociais: integraram, em diversos estados, o Movimento Passe Livre (MPL), assim como movimentos negros, feministas, indígenas e LGBTs; construíram movimentos e oposições sindicais e estudantis, assim como movimentos em favelas; impulsionaram iniciativas de cooperativas, ocupações, centros culturais e educação popular. (Rocha et alli, 2018)


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[1] Em seu relato do I COB publicado em A Terra Livre, de 13 de agosto de 1906, Neno Vasco, militante anarquista e sindicalista, defenderia que, naquele momento, o objetivo dos anarquistas não era constituir outros grupos anarquistas, mas dar força às associações operárias por meio do incentivo ao sindicalismo revolucionário: “O Congresso não foi, de certo, uma vitória do anarquismo. Não o devia ser. A Internacional, desfeita por causa das lutas de partido no seu seio, deve ser memorável lição para todos. Se o Congresso tivesse tomado um caráter libertário, teria feito obra de partido, não de classe. O nosso fim não é constituir duplicatas dos nossos grupos políticos. Mas se o Congresso não foi a vitória do anarquismo, foi, porém, indiretamente útil à difusão das nossas ideias.” (apud Rodrigues, 1969, p. 131)

[2] Conforme afirmação do marxista Ricardo Antunes (2003, p. 42): “Esse período [fim dos anos 1910 e início dos anos 1920] correspondeu ao auge do movimento anarquista, que era até então a liderança mais significativa do movimento operário brasileiro”.

[3] Em um mapeamento dos jornais operários desse período, muitos deles vinculados explicitamente ao anarquismo, é possível dizer que, de meados do século XIX até 1920, foram publicados aproximadamente 343 de periódicos no território brasileiro. Desses, 149 foram publicados no estado de São Paulo, 100 no Rio de Janeiro e 94 espalhados por Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Pernambuco, Alagoas e Paraná. Desses 343, 283 eram editados em português e 60 em outros idiomas – um em alemão, quatro em espanhol e 55 em italiano. (Ferreira, 1978, p. 89-90) Cumpre enfatizar, também, a frequente utilização de imagens nos jornais, que rompiam as barreiras linguísticas, universalizavam a mensagem a ser transmitida e consolidavam um imaginário em favor dos trabalhadores, frequentemente acossados pela prática discursiva dos jornais burgueses. (Poletto, 2018, pp. 251-260)

[4] De algum modo, toda essa mobilização libertária relaciona-se com o processo de rearticulação do anarquismo no país, que passa pela fundação de periódicos (como o já mencionado Inimigo do Rei, na Bahia, em 1977), revistas (como a Utopia, no Rio de Janeiro, em 1988) e editoras (como a Achiamé, no Rio de Janeiro, em 1978, e a Novos Tempos, em Brasília, em 1985). E também pela organização de espaços como o Círculo de Estudos Libertários (CEL), no Rio de Janeiro, em 1985, e o Centro de Cultura Social (CCS), que foi reaberto, em São Paulo, neste mesmo ano. Passa, ainda, pela tentativa de reativação da Confederação Operária Brasileira (COB), também em meados dos anos 1980, que terminou por estimular núcleos em diversas partes do país, e pela politização, nos fins dos anos 1980 e início dos 1990, de um setor importante da juventude que participava de movimentos contraculturais, em especial o punk/anarcopunk e o straight edge. (OASL/FARJ, 2012; Vinicius, 2014, pp. 224-227)

[5] Destacam-se também, nesta cidade, as manifestações contra o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), entre 11 e 13 de março de 2002, que superara muito a média de público das outras manifestações e chegaram a reunir 5 mil pessoas nas ruas. (Ryoki e Ortellado, 2004, p. 143)

[6] Corrente anarquista que existe no Brasil desde meados dos anos 1990 e que se articulou, desde então, na Organização Socialista Libertária (1997-2000), no Fórum do Anarquismo Organizado (2002-2012) e depois na Coordenação Anarquista Brasileira (2012- ). Grande parte das experiências dos anarquistas nos movimentos sociais brasileiros tem relação com essa corrente, pois essa participação nas lutas populares é vista como algo central em seu projeto de construção do poder popular. (OASL/FARJ, 2012; CAB, 2012)