Felipe Corrêa
Teoria e História Anarquista em Perspectiva Global
Balanço crítico dos estudos de referência
Nova abordagem teórico-metodológica
Este artigo tem como objetivo apresentar resumidamente a pesquisa realizada durante alguns anos que culminou na publicação do livro Bandeira Negra: rediscutindo o anarquismo. (Corrêa, 2015)
Parte de um processo coletivo de pesquisa global do anarquismo, que vem sendo conduzido por pesquisadores de distintas partes do mundo no seio do Instituto de Teoria e História Anarquista (ITHA), esse livro tem um objetivo geral: responder com profundidade o que é o anarquismo.
Para isso, procede em três frentes fundamentais: 1.) Balanço crítico dos estudos de referência do anarquismo (em português, castelhano, inglês e francês); 2.) Proposta de uma nova abordagem teórico-metodológica para os estudos do anarquismo; 3.) Redefinição do anarquismo, complementada com a exposição de seus grandes debates históricos e suas correntes, tomando por base a produção escrita de mais de 80 autores/organizações anarquistas e a história global do anarquismo em seus quase 150 anos de existência.
A seguir, serão expostos os principais argumentos do livro, tomando como fundamento as três mencionadas frentes.
Balanço crítico dos estudos de referência
Foram considerados estudos de referência do anarquismo aqueles que apareciam frequentemente nas bibliografias das obras utilizadas na elaboração do livro e que foram identificados como relevantes numa análise bibliométrica feita no Google Acadêmico. Por meio desse procedimento, emergiram sete estudos, aqui citados cronologicamente, por seu nome em português e seguidos do ano original de sua publicação: As Doutrinas Anarquistas [Der Anarchismus], de Paul Eltzbacher (1900); História da Anarquia, de Max Nettlau (conteúdo dos anos 1920 e versão modificada em 1935); História das Ideias e Movimentos Anarquistas, de George Woodcock (1962); Anarquistas e Anarquismo, de James Joll (1964); Anarquismo: da doutrina à ação, de Daniel Guérin (1965); Exigindo o Impossível [Demanding the Impossible], de Peter Marshall (1992); FAQ Anarquista [Anarchist FAQ], de Iain McKay (desde 1995 na internet e primeiro volume em livro de 2007).
Parte considerável desses estudos – os quais, cumpre dizer, são simpáticos ao anarquismo – teve importância em seu tempo e lugar; destaco dentre eles sobretudo a produção de M. Nettlau. Ademais, é necessário ter em conta que tais estudos não usufruíram das possibilidades existentes hoje em dia e que, em sua quase a totalidade, ainda que uns mais que outros, eles têm aportes importantes para nosso tempo. Entretanto, também é necessário fazer uma crítica desses estudos que, mesmo generosa e sem desqualificação, deve buscar solucionar problemas que vêm subsidiando afirmações equivocadas constantemente repetidas. Uma análise crítica e mais aprofundada permite a identificação de inconvenientes e de insuficiências que têm de ser corrigidos e complementados para que se avance nas investigações e para que se eleve o nível de compreensão do anarquismo.
Em termos de metodologia historiográfica, em geral, prepondera em tais estudos o foco nos grandes homens, fundamentado naquilo que se poderia chamar de “história vista de cima”.[1] Em termos de alcance geográfico, predomina um foco quase exclusivo na Europa Ocidental ou no eixo Atlântico Norte, diminuindo ou ignorando absolutamente os autores e episódios de outras partes do mundo. É frequente que esses estudos operem com um conjunto bastante restrito de autores e episódios, fazendo, com frequência, generalizações a partir de uma base de dados restrita.
Eltzbacher (2004) aborda o anarquismo por meio de um estudo dos “sete sábios”, em sua maioria europeus: William Godwin, Max Stirner, Pierre-Joseph Proudhon, Mikhail Bakunin, Piotr Kropotkin, Liev Tolstoi e Benjamin Tucker; não apresenta episódios em que o anarquismo esteve envolvido. Nettlau (2008/no prelo) foge um pouco da regra, já que trabalha, além dos grandes pensadores, com um conjunto amplo de iniciativas e movimentos; ainda assim, aborda sobretudo a Europa Ocidental, a Rússia e os Estados Unidos – o resto do mundo ocupa menos de 10% de sua obra.
Woodcock (2002) dedica quase toda a parte teórica de seu estudo a seis pensadores, todos europeus; são os mesmos de Eltzbacher sem B. Tucker. Na parte que enfoca a prática, dedica 60% dela às análises de França, Espanha, Itália, Rússia e somente algumas páginas à América Latina e aos Estados Unidos. Joll (1970) fundamenta a parte de teoria de sua obra quase que somente em P.-J. Proudhon e M. Bakunin; na parte sobre a prática, concentra-se nos debates europeus sobre a chamada “propaganda pelo fato” e no sindicalismo, assim como no estudo das Revoluções Russa e Espanhola. Guérin (1968) dedica sua parte teórica basicamente a três autores: M. Stirner, P.-J. Proudhon e M. Bakunin; sua parte que enfoca a prática discute a Revolução Russa, os Conselhos de Fábricas italianos e a Revolução Espanhola.
Marshall (2010) emprega mais de 200 páginas de sua reflexão teórica na análise de 10 autores: os seis de Woodcock mais Élisée Reclus, Errico Malatesta, Emma Goldman e Mahatma Gandhi; em seu volume de mais de 800 páginas, menos de 10% dedicam-se à Ásia e à América Latina, ao passo que a África e a Oceania sequer são mencionadas. McKay (2008) mobiliza um conjunto maior de autores que a maioria dos outros estudos, mas ainda se destacam entre eles os clássicos europeus e norte-americanos.
A abordagem que predomina nos estudos de referência tende a resumir o anarquismo a alguns de seus “grandes clássicos” e a poucos episódios históricos, que não raro são eleitos arbitrariamente. Do mesmo modo, é comum que não se considere, na maioria dos casos, aquilo que chamamos de “vetores sociais” do anarquismo – expressões de massas nas quais as posições dos anarquistas foram determinantes ou hegemônicas em termos estratégicos.
Bandeira Negra sustenta que o anarquismo deve ser estudado, em termos de teoria e história, como um fenômeno global de praticamente 150 anos de existência. Sobre seus clássicos, preconiza que é necessário desenvolver um método adequado para delimitar quais são eles e relacioná-los com os movimentos de seu tempo e os inúmeros anônimos, que permitiram a existência real do anarquismo. Sobre seus episódios, recomenda a necessidade do estudo das iniciativas em que os anarquistas estiveram envolvidos e o estabelecimento, também por um método adequado, de quais foram os grandes episódios do anarquismo no mundo. Nesse processo, é fundamental observar com atenção os mencionados vetores sociais, sem os quais o anarquismo não pode ser entendido, especialmente o sindicalismo revolucionário e o anarcossindicalismo. Tanto para os clássicos quanto para os episódios e vetores, o livro indica que, além do eixo Atlântico Norte, é imprescindível olhar para a América Latina, a Europa Oriental, a Ásia, a África e a Oceania.
Ademais, os estudos de referência do anarquismo frequentemente fazem uso de abordagens ahistóricas, como o argumento de que o anarquismo sempre existiu, ou de definições amplas, como as que se referem ao anarquismo como sinônimo de luta contra a autoridade, de antiestatismo, de defesa da liberdade. Entre outras coisas, como argumenta Lucien van der Walt (2016, pp. 86-91), essas abordagens, além das inúmeras inconsistências lógicas, não têm condições de explicar por que o anarquismo surgiu e se desenvolveu em alguns contextos e não em outros, nem de diferenciar o anarquismo de outras ideologias; inclusive, alguns operam com um distanciamento excessivo entre teoria e história.[2]
Marshall (2010, pp. 3-4) sustenta, de acordo com o primeiro argumento, que “o primeiro anarquista foi a primeira pessoa que sentiu a opressão de outra e se rebelou contra ela”. Nettlau (2008/no prelo) e Woodcock (2002) caminham em direção semelhante, assim como outros estudos influentes, como o livro Anarcossindicalismo [Anarcho-Syndicalism] de Rudolf Rocker (1978) e, sobretudo, o artigo “Anarquismo” de P. Kropotkin (1987), os quais apresentam o anarquismo como um traço universal da humanidade. Numa ampla definição, Eltzbacher (2004, p. 292) constata que: “os ensinamentos anarquistas têm em comum apenas uma coisa: eles negam o Estado no futuro”. As definições amplas e imprecisas também estão presentes nos estudos de Nettlau (2008/no prelo), Woodcock (2002, vol. I, pp. 7, 16) e Marshall (2010, pp. xv, 3), assim como outros, tais como Os Anarquistas [The Anarchists] de Roderick Kedward (1971, pp. 5-6) e A Bandeira Negra da Anarquia [The Black Flag of Anarchy] de Corinne Jacker (1968, p. 3).
Dois outros procedimentos complicam esses problemas das abordagens ahistóricas e das definições amplas e imprecisas.
Primeiro, a utilização descontextualizada de análises etimológicas do termo “anarquia” e seus derivados. Ainda que Guérin (1968, pp. 19-20) e McKay (2008, pp. 19-21) recorram a elas, são Woodcock (2002, vol. I, p. 8) e Marshall (2010, p. 3) que fazem isso de modo descontextualizado, e as consideram como algo relevante em suas definições de anarquismo, sem conseguir escapar das complicações derivadas da amplitude e da imprecisão. Sem contextualização, esse procedimento aponta necessariamente para uma definição de anarquismo como contraposição à autoridade, ao governo, ao Estado que, além do grave abandono da história, não permite, entre outras coisas, conhecer seus aspectos construtivos.
Segundo, a utilização descontextualizada da autoidentificação dos anarquistas. A inclusão de P.-J. Proudhon no cânone anarquista, por exemplo, é fundamentada, em parte importante dos estudos, como argumenta Woodcock (2002, vol. I, p. 10), em função do “sentido positivo” que o francês deu ao termo “anarquia” em sua obra O que é a Propriedade?, de 1840. Outro exemplo encontra-se no estudo de McKay (2008) que, por mais que não trabalhe com este critério de modo absoluto, abarca individualistas como Susan Brown, B. Tucker, o periódico Anarchy: a journal of desire armed e primitivistas como John Zerzan e o periódico Green Anarchy que, para além do fato de considerarem a si mesmos anarquistas, não têm muito em comum com o que foi e tem sido a tradição histórica anarquista.
Bandeira Negra sustenta que é fundamental fazer uso de um método histórico e de uma mediação adequada entre teoria e história. Por isso, recomenda abandonar as abordagens ahistóricas do anarquismo, fortalecidas amplamente por anarquistas que seguiram os passos de P. Kropotkin (1987), que, quando utilizou o argumento da universalidade atemporal do anarquismo, mais do que fazer sua história, criou um “mito legitimador”, uma “meta-história”, que, consciente ou inconscientemente, buscava fortalecer sua própria ideologia e contrapor o argumento de que ela seria contrária à natureza humana. Distintamente, Bandeira Negra argumenta que o anarquismo tem uma história, relacionada a um contexto; seu surgimento e desenvolvimento, seus sucessos e fracassos, seus fluxos e refluxos só podem ser compreendidos e explicados em termos históricos. Recomenda, ademais, que é imprescindível operar com uma definição de anarquismo que seja não apenas histórica, mas precisa, permitindo, dentre outras coisas, descartar absurdos como a ideia de “anarcocapitalismo”, que deriva da compreensão do anarquismo como sinônimo de antiestatismo; e diferenciar o anarquismo de outras ideologias, dentre elas o liberalismo e o marxismo.
Das abordagens problemáticas mencionadas, derivam várias conclusões equivocadas, que podem ser encontradas nos estudos de referência e também em outros estudos. Dentre elas, algumas se destacam.
Eltzbacher (2004, p. 270), Woodcock (2002, vol. I, p. 14) e Joll (1970, pp. 29, 325) destacam que o anarquismo constitui uma ideologia incoerente; para este último, “foi o conflito entre estes dois tipos de temperamento, o religioso e o racionalista, o apocalíptico e o humanista, que tornou a doutrina anarquista tão contraditória”. Marshall (2010, p. 3), McKay (2008, p. 18) e Guérin (1968, p. 12), ainda que constatando tais contradições, creem que elas são positivas, pois derivam de um antidogmatismo anarquista e podem ser conciliadas entre si. A constatação de incoerência, inclusive, permitiu que autores como Caio T. Costa (1990, pp. 7, 12) e Ricardo Rugai (2003, p. 2) falassem da existência de “anarquismos”.
Enfatizando que o anarquismo não teve qualquer impacto popular significativo, Irving Horowitz (1982, p. 9) constatou seu “desaparecimento virtual [...] como um movimento social ‘organizado’”, ao passo que Kedward (1971, p. 120) foi mais longe, escrevendo que “o ideal da anarquia nunca foi popular”, e que “ele encontrou a oposição de todas as classes e de todas as idades”.
Sustentando que o anarquismo praticamente terminou depois da Revolução Espanhola (1936-1939), Woodcock (2002, vol. II, pp. 288, 295), mesmo que modificando levemente de posição anos depois, defendeu “o término desta história do anarquismo no ano de 1939”, pois esse ano “assinala a verdadeira morte” do “movimento anarquista” histórico. Guérin (1968, p. 155), de acordo com isso, assinalou: “a derrota da Revolução Espanhola privou o anarquismo de seu único bastião no mundo”, sendo que “desta experiência, o movimento anarquista saiu esmagado”. Em linhas gerais, esse argumento aproxima-se daquele que sustenta que tal revolução constitui uma exceção na história anarquista, por ter sido este um dos poucos casos em que o anarquismo converteu-se em um amplo movimento de massas.
Joll (1970, pp. 327-328) e Woodcock (2002, vol. II, pp. 293; 290) argumentam, como muitos marxistas (por exemplo: Hobsbawm, 1985), que o anarquismo mobilizou bases classistas limitadas, restringindo-se aos camponeses e artesãos em decadência, não conseguindo adaptar-se ao capitalismo industrial.
Outras conclusões que os estudos sustentam são que o anarquismo fundamenta-se em bases idealistas (Eltzbacher, 2004, p. 273; Woodcock, 2002, vol. I, p. 15), espontaneístas (Eltzbacher, 2004, p. 280), individualistas (Joll, 1970, pp. 32-33; Horowitz, 1982, p. 16; Woodcock, 2002, vol. I, p. 36, vol. II, p. 292) e juvenis (Joll, 1970, p. 330; Kedward, 1971, p. 120). Curiosamente, essas conclusões são próximas das críticas leninistas do anarquismo (por exemplo: Kolpinsky, 1976, p. 333), que nada têm de científicas; são apenas afirmações ideológicas, sem base histórica, com o fim de autopromoção em detrimento do adversário.
Nova abordagem teórico-metodológica
Bandeira Negra propõe novos fundamentos de método e teoria para os estudos do anarquismo, os quais são capazes não apenas de enfocar esse objeto de maneira mais adequada, mas de demonstrar o equívoco das conclusões anteriormente apresentadas.
Antes de tudo, o livro recomenta recorrer – no seu caso, elaborar – a uma definição histórica e precisa de anarquismo, que contemple os aspectos comuns de seus autores e episódios, e que seja capaz de diferenciá-lo de outras ideologias, abarcando suas continuidades e permanências em longo prazo.
Ademais, ele enfatiza o estabelecimento de uma clara distinção entre duas coisas diferentes: uma tradição histórica anarquista e um universo “libertário” mais amplo e não necessariamente histórico, sendo a primeira parte do segundo. Assim, todo anarquista é libertário, mas nem todo libertário é anarquista. A tradição histórica anarquista, segundo essa concepção, envolve um conjunto de fenômenos históricos que se desenvolvem e se difundem a partir de bases comuns e se explicam pelas relações sociais estabelecidas por distintos meios (contatos presenciais, por carta, livros, imprensa etc.), assim como pelas adaptações e modificações oriundas dos diferentes contextos em esteve inserido. O universo libertário é um todo não necessariamente relacionado em termos históricos e que inclui lutas e iniciativas antiautoritárias, contrárias à dominação e de defesa de relações igualitárias.[3]
Em termos de metodologia historiográfica e de alcance geográfico há algumas recomendações, que encontram aportes na Nova História do Trabalho e na História Global do Trabalho, assim como na produção teórico-metodológica de organizações, pesquisadores e militantes anarquistas.[4] Isso contribui com a elaboração de conceitos capazes de subsidiar os estudos do anarquismo, os quais não têm de ser necessariamente elaborados pelos anarquistas. Entre eles, podem-se mencionar os de totalidade e interdependência, que se aplicam, no caso dos estudos do anarquismo, à relação entre teoria e história, entre pensamento e ação, entre autores e episódios, entre forma e conteúdo, anarquismo e lutas sociais, críticas e proposições.
Bandeira Negra considera necessário operar com um método histórico: que faça uso dos elementos da história vista de baixo[5]; que permita relacionar os clássicos com os movimentos e lutas de seu tempo; que faça uma relação precisa do anarquismo e dos anarquistas com o contexto no qual estiveram inseridos; que considere, na medida da necessidade, reflexões globais do anarquismo, tomando em conta o período amplo que se estende desde seu surgimento no século XIX até o presente; que identifique os caminhos da difusão do anarquismo, por meio de contatos entre militantes, cartas, leituras compartilhadas etc. e que responda em que medida os traços gerais deste anarquismo em difusão se mantiveram e foram se modificando/adaptando a realidades locais, incorporando outras tradições de luta e resistência; que permita identificar as continuidades e permanências do anarquismo no tempo e no espaço, assim como suas modificações contextuais fruto de relações sociais. O livro propõe, inclusive, sempre que for possível ou desejável, extrapolar o eixo Atlântico Norte e abarcar os cinco continentes, recorrendo, também em caso de necessidade, às comparações.
Redefinição do anarquismo
Por meio dessa nova abordagem, pode-se constatar que o anarquismo é um tipo de socialismo, caracterizado por um conjunto preciso de princípios, que se manifesta historicamente no mundo moderno e contemporâneo. Ele conta em sua trajetória com a oposição ao Estado, a defesa da liberdade individual (ainda que dependente e relacionada à liberdade coletiva) e a distinção frente ao marxismo (ainda que compartilhando algumas posições similares); mas que não pode ser resumido como antiestatismo, individualismo ou antítese do marxismo. Mais precisamente,
o anarquismo é uma ideologia socialista e revolucionária que se fundamenta em princípios determinados, cujas bases se definem a partir de uma crítica da dominação e de uma defesa da autogestão; em termos estruturais, o anarquismo defende uma transformação social fundamentada em estratégias, que devem permitir a substituição de um sistema de dominação por um sistema de autogestão. (Corrêa, 2015, p. 117)
Falar de ideologia, aqui, não significa adotar o significado marxista de “falsa consciência”, mas o sentido de práxis, de um conjunto de pensamento e ação que emerge na relação entre movimentos populares e teóricos. O anarquismo é, principalmente, uma práxis historicamente conformada e que se expressa em um corpo de princípios político-ideológicos centrados na transformação social revolucionária, em relação ao qual há significativa unidade por parte dos anarquistas.
Assim, o anarquismo não é uma maneira homogênea de ler a realidade, um corpo de teoria e método. Fundamenta-se em análises racionais, métodos e teorias que têm elementos em comum e que não podem ser caracterizados como idealistas, no sentido das explicações teológicas e/ou metafísicas, nem como um corpus que prioriza de maneira geral as ideias em relação aos fatos. O anarquismo tem como traço constituinte a abertura, a pluralidade e o antidogmatismo no campo da teoria e do método para a compreensão da realidade.
O tripé crítica da dominação / defesa da autogestão / estratégia fundamental pode ajudar a detalhar a mencionada definição, visto que ele mesmo é, em Bandeira Negra, o núcleo explicativo do conceito de anarquismo.
A crítica da dominação se caracteriza por uma crítica das relações hierárquicas, nas quais uns decidem sobre aquilo que diz respeito a muitos ou a todos, e que envolvem relações de mando e obediência. As relações de dominação encontram-se na base das desigualdades e injustiças sociais e podem ser de vários tipos: exploração do trabalho, coerção física, dominação político-burocrática, alienação cultural; podem ser dominações de classe, nacionais, de gênero, de etnia/raça etc. Sua generalização implica a existência de um sistema de dominação.
A defesa da autogestão caracteriza-se, como antítese da dominação, pela participação nos processos decisórios na medida em que se é por eles afetado, ou seja, as decisões são tomadas pela base e pelas delegações rotativas com controle da base. Uma sociedade autogestionária caracteriza-se pela socialização da propriedade, conciliando-se com a propriedade familiar no campo; pelo autogoverno democrático, envolvendo a socialização da política, gerida por associações de trabalhadores e delegações rotativas com controle da base; pela cultura autogestionária, apoiada em uma nova ética, em uma nova educação, uma nova comunicação e um novo lazer libertários. Sua generalização implica a existência de um sistema de autogestão.
A estratégia fundamental caracteriza-se por um conjunto de fins e meios – ou seja, objetivos, estratégias e táticas – concebidos para sair do sistema de dominação e chegar ao sistema de autogestão e no qual há subordinação dos meios aos fins. Esse conjunto inclui a mobilização das classes dominadas como um todo: trabalhadores da cidade e do campo, camponeses, precarizados e marginalizados – entendendo que as classes sociais são concebidas para além das relações de produção ou da esfera econômica. Inclui também a permanente busca de transformar, nas três esferas – econômica, política/jurídica/militar e cultural/ideológica – a capacidade de realização dessas classes em força social concreta e, com isso, lutar pela constituição de um poder autogestionário e não dominador. Recusa a mobilidade individual ou setorial no capitalismo ou no Estado e defende a transformação social por meio de processos autogestionários de luta que implicam uma revolução inevitavelmente violenta, que pode ter maior ou menor duração.[6]
Esse tripé, que é explicitado no livro, pode ser expresso num conjunto relativamente fixo de dez princípios político-ideológicos, que foram mantidos, contínua e permanentemente, entre os anarquistas. Eles constituem as bases fundamentais dessa definição de anarquismo e permitem compreender onde está sua coerência.
1.) Ética e valores. A defesa de uma concepção ética, capaz de subsidiar críticas e proposições racionais, pautada nos seguintes valores: liberdade individual e coletiva; igualdade em termos econômicos, políticos e sociais; solidariedade e apoio mútuo; estímulo permanente à felicidade, à motivação e à vontade. 2.) Crítica da dominação. A crítica das dominações da classe – constituídas por exploração, coação física e dominações político-burocrática e cultural-ideológica – e de outros tipos de dominação (gênero, raça, imperialismo, etc.). 3.) Transformação social do sistema e do modelo de poder. O reconhecimento de que as estruturas sistêmicas fundamentadas em distintas dominações constituem sistemas de dominação e a identificação, por meio de uma crítica racional, fundamentada nos valores éticos especificados, de que esse sistema tem de ser transformado em um sistema de autogestão. Para isso, torna-se fundamental a transformação do modelo de poder vigente, de um poder dominador, em um poder autogestionário. Nas sociedades contemporâneas, essa crítica da dominação implica uma oposição clara ao capitalismo, ao Estado e às outras instituições criadas e sustentadas para a manutenção da dominação. 4.) Classes e luta de classes. A identificação de que, nos diversos sistemas de dominação, com suas respectivas estruturas de classes, as dominações de classe permitem conceber a divisão fundamental da sociedade em duas grandes categorias globais e universais, constituídas por classes com interesses inconciliáveis: as classes dominantes e as classes dominadas. O conflito social entre essas classes caracteriza a luta de classes. [...] Outras dominações devem ser combatidas concomitantemente às dominações de classe, sendo que o fim das últimas não significa, obrigatoriamente, o fim das primeiras. 5.) Classismo e força social. A compreensão de que essa transformação social de base classista implica uma prática política, constituída a partir da intervenção na correlação de forças que constitui as bases das relações de poder vigentes. Busca-se, nesse sentido, transformar a capacidade de realização dos agentes sociais que são membros das classes dominadas em força social, aplicando-a na luta de classes e buscando aumentá-la permanentemente. [...] 6.) Internacionalismo. A defesa de um classismo que não se restrinja às fronteiras nacionais e que, por isso, fundamente-se no internacionalismo, o qual implica, no caso das práticas junto a agentes dominados por relações imperialistas, a rejeição do nacionalismo e, nas lutas pela transformação social, a necessidade de ampliação da mobilização das classes dominadas para além das fronteiras nacionais. [...] 7.) Estratégia. A concepção racional, para esse projeto de transformação social, de estratégias adequadas, que implicam leituras da realidade e o estabelecimento de caminhos para as lutas. [...] 8.) Elementos estratégicos. Ainda que os anarquistas defendam estratégias distintas, alguns elementos estratégicos são considerados princípios: o estímulo à criação de sujeitos revolucionários, mobilizados entre os agentes que constituem parte das classes sociais concretas de cada época e localidade, as quais dão corpo às classes dominadas, a partir de processos que envolvem a consciência de classe e do estímulo à vontade de transformação; o estímulo permanente ao aumento de força social das classes dominadas, de maneira a permitir um processo revolucionário de transformação social; a coerência entre objetivos, estratégias e táticas e, por isso, a coerência entre fins e meios e a construção, nas práticas de hoje, da sociedade que se quer amanhã; a utilização de meios autogestionários de luta que não impliquem a dominação, seja entre os próprios anarquistas ou na relação dos anarquistas com outros agentes; a defesa da independência e da autonomia de classe, que implica a recusa às relações de dominação estabelecidas com partidos políticos, Estado ou outras instituições ou agentes, garantindo o protagonismo popular das classes dominadas, o qual deve ser promovido por meio da construção da luta pela base, de baixo para cima, envolvendo a ação direta. 9.) Revolução social e violência. A busca de uma revolução social, que transforme o sistema e o modelo de poder vigentes, sendo que a violência, como expressão de um nível mais acirrado de confronto, é aceita, na maioria dos casos, por ser considerada inevitável. Essa revolução implica lutas combativas e mudanças de fundo nas três esferas estruturadas da sociedade e não se encontra dentro dos marcos do sistema de dominação presente – está além do capitalismo, do Estado, das instituições dominadoras. 10.) Defesa da autogestão. A defesa da autogestão que fundamenta a prática política e a estratégia anarquistas constitui as bases para a sociedade futura que se deseja construir e envolve socialização da propriedade em termos econômicos, o autogoverno democrático em termos políticos e uma cultura autogestionária. […] (Corrêa, 2015, pp. 186-189)
Observa-se, sem dificuldades, que assim conceituado o anarquismo nega não apenas a ideia de que poderia ser considerado sinônimo de antiestatismo, individualismo ou antítese do marxismo, mas, da mesma maneira, a ideia de que ele defenderia a negação da política e mesmo do poder. Não parece haver dúvida que, a depender de como se conceitua política e poder, os anarquistas não podem ser considerados apolíticos e contrários a todo tipo de poder.[7]
Essa maneira de conceber o anarquismo, ainda que seja acusada de restrita por estudiosos que dela discordam – como Robert Graham e Nathan Jun –, na realidade não é. Como respondeu a esses autores L. van der Walt (2013), se por um lado ela implica a exclusão de alguns pensadores e episódios que vêm sendo apresentados como anarquistas, por outro lado, ela permite de sejam incluídos, com muito mais coerência metodológica, uma quantidade inumerável de outros anarquistas no cânone de seus grandes representantes e de vários outros episódios em sua trajetória de lutas.
Por exemplo, segundo a abordagem de Bandeira Negra, W. Godwin e M. Stirner não devem ser considerados anarquistas. Não somente por sua não identificação teórico-lógica com a definição exposta, mas principalmente porque não tiveram nenhuma relevância no período de conformação do anarquismo, entre 1868 e 1886; foram, na realidade, resgatados depois, no esforço de criação do mencionado “mito legitimador”.
Mas, por outro lado, o livro propõe que muitos outros anarquistas sejam incluídos no cânone anarquista ao lado de M. Bakunin e P. Kropotkin: Ricardo Flores Magón (mexicano, 1874-1922), Ida Mett (russa, 1901-1973), Edgard Leuenroth (brasileiro, 1881-1968), Ba Jin (chinês, 1904-2005), Mikhail Gerdzhikov (búlgaro, 1877-1947), He Zhen (chinesa, 1884-1920), T.-W. Thibedi (sul-africano, 1888-1960), Kim Jwa-Jin (coreano, 1889-1930), Sam Dolgoff (russo-estadunidense, 1902-1990), Emma Goldman (lituana, 1869-1940), Enrique Roig de San Martin (cubano, 1843-1889), Constantinos Speras (grego, 1893-1943), Monty Myler (australiano, 1839-1920), Lucy Parsons (estadunidense, 1853-1942) e muitos outros, inclusive recentes, que tiveram e/ou têm importância no campo do pensamento e/ou da ação anarquista.
Outro exemplo é que, segundo a abordagem de Bandeira Negra, se aquilo que ocorreu na Europa Ocidental e nos Estados Unidos deve ser considerado significativo, também é necessário observar episódios acontecidos em outras localidades. O livro propõe que, para além de episódios como a Revolução Russa (1917-1921) e a Revolução Espanhola (1936-1939), sejam incluídos muitos outros, como parte considerável do anarquismo em ação.
Um ponto de partida para a enumeração desses episódios com as respectivas referências bibliográficas encontra-se no livro on-line Surgimento e Breve Perspectiva Histórica do Anarquismo, 1868-2012 (Corrêa, 2013), produzido como suporte para Bandeira Negra. Um balanço desses episódios nos quais houve presença e influência significativas dos anarquistas permite afirmar que a extensão e o impacto do anarquismo são amplos e vão de 1868 ao presente nos cinco continentes, entre fluxos e refluxos; autoriza, também, sustentar que o anarquismo mobilizou trabalhadores de todos os tipos: sobretudo do proletariado das cidades, mas também dos proletários do campo, camponeses e aqueles chamados de “lúmpem-proletariado” pela tradição marxista.
Os anarquistas desenvolveram e fortaleceram distintas iniciativas e ferramentas de mobilização e luta: sindicalismo de intenção revolucionária (sindicalismo revolucionário e anarcossindicalismo), organizações políticas e grupos de afinidade, insurreições urbanas e rurais, ocupações e tomadas de empresas e regiões, conselhos de trabalhadores, cooperativas de produção e consumo, escolas, livros, jornais, panfletos de propaganda, atentados contra autoridades, manifestações de rua etc.
Para complementar os mencionados episódios do anarquismo em ação é possível mencionar, numa lista não definitiva e nem exaustiva, um amplo conjunto de acontecimentos, nos quais os anarquistas tiveram participação mais ou menos determinantes.
A Associação Internacional dos Trabalhadores (especialmente entre 1868 e 1877), a Comuna de Lyon (França, 1870), a Comuna de Paris (França, 1871), as Revoltas Cantonalistas (Espanha, 1873), a Insurreição de Bolonha (Itália, 1874), a Insurreição de Benevento (Itália, 1877). A participação na Confédération Générale du Travail (França, 1895-1914) e nos Industrial Workers of the World (Estados Unidos, a partir de 1905), a Revolta da Macedônia (Macedônia, 1903), a Revolução Mexicana (México, particularmente em 1911), a Revolução Ucraniana (1919-1921), as coordenações que envolveram muitos países – tais como a East Asian Anarchist Federation (fundada em 1928), a Associação Continental Americana de Trabalhadores (fundada em 1929) e a Comissão Continental de Relações Anarquistas (fundada em 1948) –, a Revolução na Manchúria (Coréia, 1929-1932), a militância da Federação dos Anarcocomunistas da Bulgária (Bulgária, entre os anos 1920 e 1940). As articulações internacionais da Internacional Sindicalista (IWA-AIT), fortalecida nos anos 1950, e a Internacional de Federações Anarquistas (IFA), fundada em 1968; a Revolução Cubana (Cuba, 1959), a militância da Federação Anarquista Uruguaia (Uruguai, especialmente entre 1963 e 1973), o Maio de 1968 francês (França, 1968). Depois disso, houve e tem havido episódios importantes, com presença e influência anarquista. Um exemplo, que pode ser complementado com outros, é o movimento de resistência global (“antiglobalização”) em geral, e a Ação Global dos Povos, fundada em 1998, em particular.
Grandes debates entre anarquistas
No entanto, afirmar a unidade dos anarquistas em torno de determinados princípios não implica dizer que não houve (e que não há, ainda) divergências significativas entre eles em relação a várias questões. Bandeira Negra, em sua análise das diferenças mais relevantes que aparecem entre os anarquistas – e por relevantes, refere-se às diferenças que têm permanência histórica e que são realmente significativas – apresenta o seguinte.
Em função das mencionadas abertura e pluralidade para a compreensão da realidade, não se deve buscar esses debates mais importantes do anarquismo no campo do método de análise, da teoria social, da filosofia etc. – onde é certo que há grandes diferenças e muitas controvérsias importantes, mas que não é o campo que define o anarquismo – que se faz pelo referido tripé. Em relação à crítica anarquista da dominação, não há debates relevantes; as posições são, em geral, bastante similares. Há quatro debates relativos à defesa anarquista da autogestão e outros três relativos à estratégia fundamental anarquista que serão agora apresentados. É importante destacar que, apesar das polarizações, em muitos casos há posições intermediárias e conciliadoras.
Em termos do funcionamento da sociedade futura, houve um debate econômico que contrapôs a defesa de um mercado autogestionário – como no caso de Abraham Guillén (1990; 2004), que argumentou não ser o mercado necessariamente capitalista, mas um ambiente de circulação e distribuição, um espaço em que há informações sobre oferta e demanda, e que a planificação não seria possível em função da complexidade das sociedades modernas – à defesa de uma planificação democrática – como no caso de Alexandre Berkman (2003, p. 217) e Kôtoku Shûsui (2012, p. 2), que sustentaram a necessidade de um planejamento realizado por produtores e consumidores, e do consumo sem a utilização do dinheiro.
Ainda nesse eixo, houve outro debate que contrapôs, no campo da distribuição dos produtos do trabalho, a defesa do coletivismo – como no caso de M. Bakunin (2009, p. 85), que sustentou que a remuneração deveria se dar de acordo com o trabalho realizado (logicamente haveria um equivalente geral, salários e uma estrutura de poder autogestionária que controlaria esse processo) – à defesa do comunismo – como nos casos de Shifu (2005, p. 349), Carlo Cafiero (2011) e P. Kropotkin (1975, pp. 46, 51), que argumentaram em favor da remuneração de acordo com as necessidades (logicamente, não haveria dinheiro, salários etc.). Cabe dizer que anarquistas como James Guillaume (1998), E. Malatesta (2007, pp. 100-103) e Neno Vasco (1984, pp. 191-205) mantiveram posições intermediárias, afirmando que, dependendo do período ou do produto em questão, seria possível variar entre coletivismo e comunismo, ou se optar por uma coexistência.
Houve um terceiro debate que contrapôs, no campo das decisões políticas, a defesa de que a política deveria ser realizada exclusivamente no local e moradia – como no caso de Murray Bookchin (1992; 1999, pp. 33-34), que preconizou as articulações de comunidades e municipalidades, que seriam locais propícios para a democracia direta, e minimizariam as ameaças do economicismo e do corporativismo – à defesa de que a política deveria ser realizada exclusivamente no local de trabalho – como nos casos de R. Rocker (1978, pp. 96, 102) e Diego Abad de Santillán (1980, p. 87), que argumentaram que os sindicatos deveriam ser os responsáveis pela reorganização social e pelas decisões da sociedade, já que seriam os espaços privilegiados de reunião dos trabalhadores. Outros anarquistas, como L. van der Walt (2014), defendem articulações mistas, que vinculem politicamente local de moradia e de trabalho.
Um quarto debate envolveu a questão dos limites e das possibilidades da cultura em uma sociedade futura e contrapôs a defesa de que a cultura é secundária – como nos casos de Bakunin (2001a/b; Bakunin, 2003, pp. 93-94) e da Federazione dei Comunisti Anarchici, FdCA (2005, pp. 33-34), que sustentaram que a cultura e tudo aquilo que ela implica: ética, valores, propaganda, comunicação, lazer etc. está muitíssimo limitada por elementos políticos e, sobretudo, econômicos – à defesa de que a cultura é completamente central – como nos casos de Wu Zhihui (2005, pp. 347-348) e E. Reclus (2002), que argumentaram que a cultura tem um papel determinante no desenvolvimento da autogestão econômica e política. Os defensores da primeira posição comumente priorizaram a militância em sindicatos e/ou cooperativas e os da segunda a educação e a propaganda. Houve, também, inumeráveis posições intermediárias, com muitos militantes tentando conciliar ambas as posições e iniciativas.
Em um balanço geral, podem-se dizer algumas palavras. O debate mercado versus planificação não teve impacto histórico e geográfico considerável e as posições de defesa do mercado foram muito pouco expressivas. O debate coletivismo versus comunismo teve relevância na Europa dos anos 1870 até o início do século XX, mas depois o comunismo tornou-se posição completamente hegemônica, em grande medida sob a influência de P. Kropotkin, e as posições intermediárias também se fortaleceram, considerando esse um problema secundário. O debate política e decisões por local de moradia versus por local de trabalho não implicou grandes polarizações, dado que os defensores estritos da política comunitária/municipalista foram completamente marginais e houve uma posição conciliadora majoritária, ao menos na prática, de articulação entre sindicatos e bairros, locais de trabalho e moradia. O debate cultura secundária versus central tendeu a concentrar-se em posições intermediárias, que atribuíram a ela um papel relevante, mas sem radicalismo em direção ao economicismo ou ao culturalismo extremados. Em função disso, Bandeira Negra argumenta que esses quatro debates relativos à defesa da autogestão podem ser considerados relevantes, mas não para marcar as divergências permanentes em termos históricos e geográficos entre os anarquistas.
Em termos dos caminhos da mudança, houve um debate que contrapôs as posições favoráveis à organização – como nos casos de José Oiticica (2009) e L. Parsons (2004, p. 131), que preconizaram a necessidade de organização dos anarquistas no nível social, de massas, e/ou no nível político-ideológico, especificamente anarquista – às posições contrárias a ela – como nos casos de Alfredo Bonanno (2012a, pp. 9, 19; 2012b, p. 45) e Luigi Galleani (2011, pp. 2, 3-6), que sustentaram que a organização formal em movimentos de massa ou organizações estruturadas ofereciam riscos de burocratização e recomendaram a atuação individual ou em pequenos grupos ou redes informais.
Entre os defensores da organização, ou organizacionistas, também houve divergências consideráveis, dentre as quais se descaram três. Uma, que contrapôs a defesa do sindicalismo ou comunalismo exclusivos – como nos casos de Pierre Monatte (1998, pp. 206-207), que defendeu a necessidade de organização dos anarquistas somente no nível social, de massas, e que as organizações anarquistas seriam algo redundante, visto que os movimentos populares teriam condições plenas de promover a estratégia anarquista – à defesa do dualismo organizacional – como no caso de E. Malatesta (1998, p. 208; 2000, p. 56) e Amedée Dunois (2010), que argumentaram que, além das organizações sociais massivas, seriam necessárias organizações específicas anarquistas para promover suas posições de modo mais eficaz entre os trabalhadores.
Outra, entre os que refletiram sobre as organizações sociais de massas, que opôs os sindicalistas revolucionários – como os Industrial Workers of the World (IWW) e a Confédération Générale du Travail (CGT), que não tinham vinculação programática e explícita com o anarquismo – aos anarcossindicalistas – como a Federación Obrera Regional Argentina (FORA) e a Confederación Nacional del Trabajo (CNT), que se vincularam, a primeira desde 1905 e a segunda desde 1919, nesses termos, ao anarquismo (ou “comunismo libertário”) como doutrina oficial programática e explicitamente promovida entre seus membros.
E, finalmente, uma última diferença sobre as organizações especificamente anarquistas, que contrapôs os defensores de uma organização programática – como no caso de Juan Carlos Mechoso e a Federação Anarquista Uruguaia (Mechoso, 2012) e Ida Mett e a “Plataforma Organizativa por uma União Geral de Anarquistas” (Dielo Truda, 2001, pp. 57-59), os quais preconizaram um modelo de organização forte, com afinidade ampla entre os membros e focados na incidência nas lutas de massas; sendo que tais organizações autogestionárias trabalhariam com organicidade bem definida, correspondência de direitos e deveres, autodisciplina, responsabilidade e unidade nos campos do pensamento e da ação, buscando o consenso mas optando pelo voto de maioria em caso de divergência – aos defensores de uma organização flexível – como Volin (2011) e Sébastien Faure (2009), que partiram da posição de pôr fim aos conflitos entre os anarquistas e sustentaram a necessidade de um modelo também federalista de organização, mas com organicidade limitada, possibilidade de participação de todos os anarquistas, alto nível de autonomia de indivíduos e grupos, sem unidade de ação (sem obrigação de se aderir às posições majoritárias em caso de divergências) e aceitando diversidade ampla em termos teóricos, ideológicos e estratégicos/práticos.
Um segundo debate relativo aos caminhos da mudança opôs a defesa das reformas como um caminho possível para chegar à revolução (“possibilismo”) – como no caso de Osugi Sakae (2011), Ba Jin (2008) y Sam Dolgoff (2005, pp. 34-38), que argumentaram que as lutas por conquistas imediatas poderiam permitir a realização de um tipo de ginástica revolucionária e que as reformas, para além do fato de que, sendo conquistadas, tornariam a vida dos trabalhadores menos dura e melhorariam as condições de mobilização, teriam ainda uma capacidade pedagógica que fortaleceria os trabalhadores para um projeto revolucionário – à defesa de que as reformas devem ser rechaçadas em geral (“impossibilismo”) – como no caso de Alessandro Cerchiai (apud Romani, 2002, p. 175), L. Galleani (2011, p. 7) e Emile Henry (1998, p. 180), que sustentaram que as reformas geralmente reforçam (e não debilitam ou destroem) o sistema e por isso as greves reivindicativas não são úteis para um projeto revolucionário; as eventuais conquistas contra os patrões são utilizadas por eles no incremento do preço dos produtos que os próprios trabalhadores consomem e as conquistas contra o Estado fariam apenas com que ele se fortalecesse e continuasse seu processo de dominação.
Ainda nesse eixo, houve outro debate que contrapôs a defesa da violência revolucionária como elemento concomitante e derivado dos movimentos de massas – como nos casos de Nestor Makhno (1996, p. 86) e Pierre Besnard (1931, pp. 212-215), que recomendaram que a violência, imprescindível para a transformação revolucionária, deveria ser utilizada para fortalecer movimentos populares na luta de classes e não como um simples gatilho para a criação desses movimentos ou como meio exclusivo de propaganda – à defesa da violência como gatilho e elemento mobilizador – como nos casos de Severino di Giovanni (apud Bayer, 2006, p. 83) e Ravachol (1981, p. 36) que, para além da questão da vingança popular, conceberam a violência como um elemento de propaganda capaz de envolver os trabalhadores em processos mais radicalizados de luta.
Em um balanço, podem-se dizer algumas palavras. Esses três grandes debates – organizacionismo versus antiorganizacionismo, possibilismo versus impossibilismo, violência simultânea/derivada versus violência como gatilho – são, em Bandeira Negra, destacados como aqueles que possuem maior relevância, ou seja, que mais dividiram e que seguem dividindo os anarquistas em todo o mundo. É justamente sobre eles que o livro propõe fazer uma redefinição das correntes anarquistas.
Correntes anarquistas
Discutir as correntes anarquistas implica, como no caso da definição do anarquismo, repensar o tema completamente. Os estudos de referência do anarquismo e outros apresentam um conjunto imenso de “correntes anarquista”; por mais que seja comum falar de anarcoindividualismo, anarcossindicalismo e anarcocomunismo, há várias outras mencionadas: anarquismo pacifista, anarquismo cultural, anarcocoletivismo, mutualismo, anarquismo terrorista, anarquismo social, anarquismo sem adjetivos, anarquismo camponês, anarquismo verde, anarcofeminismo, anarquismo reformista, utilitarista, conspiratório, de estilo de vida, etc. A lista é imensa…
Os problemas que envolvem essas definições são vários. Além das correntes que abarcam apenas um “grande sábio” (“anarcopacifismo”, para Tolstoi, por exemplo), há, como neste mesmo caso do “anarcopacifismo”, problemas de compreensão da definição do próprio anarquismo: pacifismo (contrariedade à violência em todos os casos), reformismo (reformas entendidas como fim em si mesmas) e individualismo (busca da emancipação individual sem um projeto coletivo de libertação) não são sequer parte dos princípios históricos anarquistas. A solução desse problema foi dada anteriormente, com a redefinição relativamente precisa do anarquismo.
Existem também problemas relativos aos critérios escolhidos para o estabelecimento das correntes, visto que não podem ser comparados graças à sobreposição. Há critérios relativos à distribuição dos frutos do trabalho na sociedade futura – comunismo e coletivismo; há critérios relativos às estratégias de luta e aos aspectos estratégicos da luta – intervenções individuais, coletivas; sindicais, comunitárias ou cooperativas; violentas ou pacíficas; econômicas, políticas ou culturais; posições sobre reformas, modelo de organização anarquista, classes/sujeitos capazes de impulsionar o processo de mudança; e há critérios relativos a elementos político-filosóficos – posições relativas ao espiritualismo e à religião, à concepção de liberdade individual e às lutas ecológicas e de gênero.
Na frequente distinção entre anarcocomunismo e anarcossindicalismo, por exemplo, o comunismo diz respeito à distribuição dos produtos do trabalho e o sindicalismo em geral a uma estratégia. Makhno e N. Vasco, que defendiam a organização de conselhos e sindicatos como meios e o comunismo como fim, possuem diferenças muito claras com L. Galleani e Oreste Ristori, antiorganizacionistas em termos de caminho de luta, mas também comunistas em sua perspectiva de futuro. Seriam todos anarcocomunistas? N. Vasco seria ao mesmo tempo anarcocomunista e anarcossindicalista? Esse problema envolve vários exemplos.
Como solução a esse dilema, é necessário um retorno não somente à redefinição do anarquismo, mas à discussão sobre os grandes debates entre os anarquistas e sua relevância histórica e geográfica. Conforme argumentado, são três as questões que subsidiam os debates mais importantes: organização, reformas e violência. E mais que isso. Pode-se notar, em termos globais desde os anos 1860 até o presente, que houve muitas circunstâncias em que as posições acerca dessas questões confluíram. Foi comum que organizacionistas defendessem posições possibilistas e a necessidade de violência simultânea/derivada; foi também comum que antiorganizacionistas defendessem posições antipossibilistas e a violência como gatilho.
Em função disso, Bandeira Negra argumenta que esses dois conjuntos constituídos pelas posições históricas sobre as três mencionadas questões conforma o fundamento da redefinição das correntes anarquistas. O primeiro conjunto (organizacionismo + possibilismo + violência simultânea/derivada) constitui o anarquismo de massas, corrente historicamente majoritária no anarquismo. O segundo conjunto (antiorganizacionismo + impossibilismo + violência como gatilho) constitui o anarquismo insurrecionalista, historicamente minoritário, mas ainda assim bem considerável. Anarquistas conhecidos como L. Parsons, M. Bakunin, N. Vasco, Thibedi, J. Oiticica, Ba Jin entre muitos outros seriam representantes do anarquismo de massas; di Giovanni, E. Henry, Ravachol, L. Galleani, Clément Duval, Bartolomeu Vanzetti e muitos outros seriam representantes do anarquismo insurrecionalista. P. Kropotkin y E. Malatesta, dependendo do momento de suas vidas, pertenceram a uma ou outra corrente.
Entretanto, é imprescindível destacar que essa associação, que constitui a base das correntes (organizacionismo + possibilismo + violência simultânea/derivada e antiorganizacionismo + impossibilismo + violência como gatilho) não foi constante. Analisando contextos particulares, os mencionados debates podem aparecer ou não, estar ou não relacionados entre si. Parece claro que tal redefinição não abarca todos os contextos e não deve ser utilizada como uma “camisa de força” para forçar o encaixe da história concreta e real. Mas, ao mesmo tempo, esses debates e essa redefinição das correntes podem funcionar como hipóteses e oferecer elementos para as análises de contextos particulares.
No caso do anarquismo na Primeira República brasileira (1889-1930), por exemplo, tomando esse modelo como hipótese, constata-se, com base na produção historiográfica de A. Samis (2004), que não há uma adequação completa a ele. Mas os debates expostos permitem identificar as diferenças mais consistentes entre aqueles anarquistas, as quais se deram em torno da questão da organização. Organizacionistas e antiorganizacionistas formaram as principais correntes naquele contexto; entre os organizacionistas, houve ainda outro debate relevante, que opôs sindicalistas revolucionários (inspirados pela CGT francesa) a anarcossindicalistas (inspirados pela FORA argentina).
Considerações finais
Em suma, as contribuições de Bandeira Negra permitem que se reforcem três teses que foram enunciadas ao longo deste artigo.
Primeiro, que os estudos de referência do anarquismo possuem problemas significativos de ordem teórico-metodológica, envolvendo: a base de dados (histórica e geográfica) com a qual trabalham, a maneira que situam o anarquismo na história e a maneira que leem a história; as definições de anarquismo elaboradas e adotadas; as conclusões extraídas de suas análises. Tais problemas dificultam as investigações e não permitem elaborar, adequadamente, definições do anarquismo, de seus debates, de suas correntes e de sua trajetória histórica.
Segundo, que uma abordagem fundamentada num método histórico e num conjunto amplo de dados, que interaja com as noções de totalidade e interdependência, permite os que os problemas dos estudos de referência sejam solucionados e que se realize uma investigação adequada do anarquismo.
Terceiro, que dentre os elementos fundamentais que podem ser afirmados em relação ao anarquismo, estão: sua definição como uma ideologia coerente, um tipo de socialismo revolucionário, podendo ser descrita por meio de um conjunto preciso de princípios; a elaboração racional de críticas, proposições e estratégias fundamentais, sobre as quais se estabelecem suas duas correntes: o anarquismo insurrecionalista e o anarquismo de massas; seu amplo impacto popular entre trabalhadores e camponeses, nas cidades e nos campos; sua trajetória histórica permanente e global, desde seu surgimento, na segunda metade do século XIX, até o presente.
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[1] Termo que é, claramente, uma inversão da “história vista de baixo”, promovida por E. P. Thompson e outros historiadores. Para saber mais sobre essa corrente historiográfica, cf.: Thompson, 2002.
[2] Esse distanciamento ou mesmo a cisão entre teoria e história vem tendo, nos estudos do anarquismo, um duplo resultado: de um lado, abordagens teóricas sem fundamentos históricos – nos quais chamam atenção as reflexões que estabelecem similaridades teóricas e lógicas por meio de ideias puras e, com isso, uma suposta trajetória do anarquismo; de outro lado, abordagens históricas sem referenciais teóricos – quando partem para a investigação da história do anarquismo sem saber exatamente o que é o anarquismo e, com isso, o que deve ser ou não abarcado na investigação.
[3] Nesse sentido, não seria pertinente dizer, como David Graeber (2002), que os zapatistas são “novos anarquistas”. É certo que eles são libertários (nesse sentido amplo e ahistórico), mas incluí-los no rol do anarquismo implica explicar, historicamente, como eles se relacionaram com essa tradição e incorporaram, ao menos consideravelmente, suas posições. O que faz Graeber é identificar semelhanças entre pensamentos e práticas dos zapatistas, definitivamente libertários, com o anarquismo, por meio de uma abordagem teórico-lógica, não histórica. Esse é o mesmo procedimento criticado em Bandeira Negra realizado por autores que incluíram W. Godwin e M. Stirner no cânone anarquista.
[4] Entre esses aportes, cumpre mencionar alguns. Em termos de referencial historiográfico geral, a produção de Marcel van der Linden (2009, 2013) se destaca; em termos da aplicação desse referencial aos estudos do anarquismo, a produção de Lucien van der Walt (2009, 2010, 2015, 2016) se destaca; em termos teórico-metodológicos a produção de anarquistas vinculados ao especifismo sul-americano e sul-africano e ao Instituto de Teoria e História Anarquista se destacam.
[5] Em acordo com a tradição thompsoniana anteriormente mencionada, que hoje envolve toda uma geração de pesquisadores, dentre os quais anarquistas que vêm complementando esse referencial com outras produções especificamente libertárias e anarquistas.
[6] A conceituação pormenorizada que Bandeira Negra realiza das chamadas “categorias centrais” (ideologia, estratégia, força social, poder, dominação e classes sociais) e dos conceitos acessórios a elas relacionados, apesar de não poder ser aqui reproduzida, é muito importante para a compreensão desses argumentos. (Cf. Corrêa, 2015, pp. 118-143)
[7] Recomendo aos interessados dois artigos que escrevi sobre a relação entre anarquismo e poder. “Anarquismo, Poder, Classe e Transformação Social” (Corrêa, 2014b) e “Poder e Anarquismo: aproximação ou contradição?” (Corrêa, 2014c).