Título: A única saída ante a filosofia moderna
Autor: Graham Harman
Data: 2020
Fonte: Anãnsi: Revista de Filosofia, v. 3, n. 2. Salvador, 2022. [orig.: Open Philosophy, v. 3, p. 132-146, 2020] Disponível em: https://www.revistas.uneb.br/index.php/anansi/article/view/15619
Notas: Este artigo defende que o princípio central da filosofia moderna é obscurecido por um debate paralelo entre dois campos opostos que estão unidos na aceitação de uma premissa falha e mais profunda. Considere as poderosas críticas à filosofia kantiana oferecidas por Quentin Meillassoux e Bruno Latour, respectivamente. Esses dois pensadores criticam Kant por razões opostas: Meillassoux, porque Kant colapsa pensamento e mundo em um “correlato” permanente sem termos isolados; e Latour, porque Kant tenta purificar pensamento e mundo um do outro ao invés de perceber que eles estão sempre combinados de forma “híbrida”. O que ambas as críticas aceitam tacitamente é a noção de que “pensamento” e “mundo” são os dois principais polos do universo. Eu afirmo que isso decorre da suposição pós-cartesiana de que pensamento e mundo são os dois tipos básicos de coisas que existem. O nome “ontotaxonomia” é introduzido para esta visão. * Graham Harman * Tradução e notas: Otávio S.R.D. Maciel

1. Contra a ontotaxonomia

Dois dos filósofos mais interessantes em atividade hoje vivem a apenas um quilômetro e meio de distância na margem esquerda de Paris, embora separados em idade por vinte anos: Bruno Latour (n. 1947[1]) e Quentin Meillassoux (n. 1967). De certa forma, eles têm muito pouco em comum. Um diagrama de Venn de seus respectivos leitores mostraria uma interseção minúscula, cobrindo principalmente um pequeno círculo de autores que trabalham em Ontologia Orientada a Objetos (OOO). Latour e Meillassoux não estão nem mesmo especialmente interessados no trabalho um do outro, embora tenham trocado algumas palavras gentis depois de um encontro com Meillassoux realizado no apartamento de Latour no Quartier Latin em 2006[2]. Meillassoux é um racionalista implacável da escola de Alain Badiou, que toma René Descartes como nosso modelo para o progresso; já Latour é um antimodernista veemente que muitos racionalistas descartam por não ver nenhuma diferença de tipo entre física de partículas e feitiçaria. No entanto, os dois estão unidos em sua visão de que Immanuel Kant ainda é a influência mais perigosa na filosofia contemporânea[3]. Em Depois da Finitude, Meillassoux explicitamente acusa a chamada Revolução Copérnica de Kant de ser uma “Contrarrevolução Ptolomaica”; Latour havia dito a mesma coisa uma geração antes em Jamais Fomos Modernos[4]. Dado que Kant ainda fornece os pressupostos básicos de fundo para a maioria das filosofias atuais – seja de uma vertente analítica ou continental – este ponto por si só já é digno de interesse” O que é ainda mais interessante é que os dois filósofos rejeitam Kant por razões opostas:

  • Para Meillassoux, Kant colapsa a independência do pensamento e do mundo em uma correlação quando eles realmente deveriam ser mantidos separados um do outro. Meillassoux implementa essa separação com seus conceitos de “ancestralidade” e “diacronicidade”, que se referem à existência do mundo anterior à existência da vida consciente e após seu possível desaparecimento. Ele vai além com sua visão de que a matemática é capaz de indexar as qualidades primárias das coisas fora de sua presença para o pensamento. O problema de Kant – e já em David Hume, foi que ele nos deixou sem possibilidade de pensar a separação entre pensamento e mundo, levando-nos inexoravelmente ao “correlacionismo”, o filosofema dominante de nosso tempo[5].

  • Na visão de Latour, Kant tem precisamente o problema oposto: a saber, ele tenta purificar pensamento e mundo um do outro. Longe de ser um problema apenas em Kant, Latour vê essa purificação tentada, embora impossível, como a essência da modernidade em todas as suas formas. Sua solução, em Jamais Fomos Modernos, é argumentar o quão difícil é separar a natureza da cultura. Basta considerar exemplos como o buraco na camada de ozônio, baleias equipadas com dispositivos de rastreamento, ou um depósito de lixo que se torna uma reserva ecológica. Latour chama tais entes de “híbridos”, e são impossíveis de serem esclarecidos por meio dos conceitos modernos de natureza e cultura. Na verdade, Latour está frequentemente inclinado a tratar todo ente como um híbrido. Se é verdade que Kant tenta separar o pensamento do mundo, então o híbrido desrespeita o paradigma kantiano na medida em que é sempre constituído por ambos os polos: natureza e cultura ao mesmo tempo.

Considero a posição de Latour superior devido ao seu reconhecimento de que a ontotaxonomia moderna é um problema, enquanto Meillassoux prefere celebrá-la e até expandi-la. No entanto, a solução de Latour para a divisão natureza/cultura – a saber, afirmar que ambos os termos estão unidos em toda parte – ainda afirma a ontotaxonomia no exato momento em que ela poderia ter escapado. Também é digno de nota que Meillassoux e Latour seguem abordagens típicas do início da era moderna e típicas da modernidade tardia, respectivamente. No início da modernidade, de Descartes a Kant, todos se preocupavam com as lacunas no cosmos: lacunas entre mente e corpo, Deus e entre mente e corpo, ou fenômenos e númenos. Ao insistir em uma separação entre pensamento e mundo, que supostamente pode ser superada pela razão matemática, Meillassoux toma o lado da modernidade inicial nessa questão. Isso não surpreenderá em vista de suas inclinações que, ao fim e ao cabo, são cartesianas. Mas do Idealismo Alemão em diante o terreno mudou, e a preocupação com as lacunas no mundo passou a ser vista como um pseudoproblema ingênuo. Vemos isso não apenas no colapso da distinção fenomênico/numênico de Hegel em um espaço imanente da razão dialética, mas também nas respectivas formas de Husserl e Heidegger de afirmar que estamos “sempre já fora” no mundo; e na noção pragmática de que não devemos separar artificialmente os dois grandes polos da mente e do mundo. Esta é a posição moderna tardia, onde Latour se sente totalmente em casa.

Dito de outra forma, o problema fundamental com a taxonomia moderna foi obscurecido por um debate paralelo sobre dois tipos possíveis de respostas a ela. Ou seja, torna-se uma guerra sobre se existem lacunas no mundo ou se são meras ilusões ou “falsos problemas”. No entanto, em certo sentido, isso é exatamente o que Louis Althusser chamaria de “ideologia”, na qual um problema secundário serve para esconder o primário[6]. Por exemplo, os marxistas gostam de dar o exemplo de como os liberais americanos são obcecados por racismo e sexismo precisamente para evitar uma questão supostamente maior, na qual os próprios liberais estão fortemente implicados: a luta de classes. O que quer que se pense desse exemplo em particular, é fácil ver como o mecanismo geral pode funcionar no qual um problema secundário é usado para nos distrair de um problema mais central. No caso presente, tudo se resume a uma rejeição total da ontotaxonomia, que não pode ser alcançada evitando o correlacionismo ou adotando híbridos. A rejeição da ontotaxonomia é a única saída ante a filosofia moderna[7]. Se evitarmos essa taxonomia, escapamos; se a retermos, permaneceremos presos em um modernismo cada vez mais exausto[8]. Se continuarmos a supor que pensamento e mundo são os dois polos básicos em torno dos quais gira a realidade, não importa muito se tentamos separá-los ou combiná-los. Além disso, se alegarmos que o problema é simplesmente que o lado humano foi superenfatizado e que agora devemos “encontrar o universo no meio do caminho”[9], como no título do influente livro de Karen Barad, então ainda estamos aceitando os dois termos do acordo moderno, uma vez que é filosoficamente inútil encorajar duas coisas a se encontrarem no meio do caminho se elas não forem realmente os dois pilares básicos do cosmos[10]. Observe que ninguém está defendendo que os répteis e a poeira “se encontrem no meio do caminho”, e o mesmo vale para música e pasta de dente.


2. Acerca do "neorracionalismo"

Agora, o que é mais incomum é que os filósofos neorracionalistas de hoje tentam alavancar duas forças separadas que fluem de fontes diferentes; Meillassoux é provavelmente o pensador mais interessante desse tipo. Num primeiro sentido, ele reivindica o rigor insuperável da filosofia pós-transcendental. Pensar uma coisa fora do pensamento já é um pensamento, o que leva a uma contradição performativa. Portanto, a reflexão filosófica deve começar, pelo menos, de dentro do círculo fechado do pensamento[12]. Em sua forma mais rigorosa, a fenomenologia de Husserl, essa visão da impensabilidade nonsense daquilo que está além do pensamento leva a ciência a ter um papel subordinado: afinal, nenhuma das descobertas das ciências exatas podem alcançar a suprema autotransparência da reflexão fenomenológica. Mas o neorracionalismo contemporâneo não terá nada disso, pois deseja muito se vincular ao sucesso cognitivo ininterrupto das ciências duras. De fato, a filosofia mais rigorosa seria aquela que se baseia na autoevidência imediata de suas verdades lógicas, mas como a análise lógica a priori não é a maneira pela qual a ciência alcança suas realizações, compromete-se com dois princípios separados que são fundamentalmente de natureza diferente: (1) a inescapabilidade do círculo de pensamento, (2) a poderosa grandeza da ciência[13].

Mas um terceiro princípio logo aparece, pois esses mesmos neorracionalistas também desejam se associar à evidente urgência da política revolucionária. Mas esse tipo de política – como qualquer outra – não pode ser deduzido nem das condições a priori do círculo do pensamento, nem da descoberta científica. Em vez disso, surge apenas do postulado moral da igualdade humana. Por mais admirável que isso possa parecer, não pode ser derivado das mesmas fontes que o rigor lógico ou o sucesso científico, o que significa que o neorracionalismo agora tropeça desajeitadamente em três pernas separadas, cada uma se movendo em seu próprio ritmo. No entanto, a situação logo se torna ainda mais complicada. Pois se um ontologista plano[14] argumenta que não há razão lógica para que a cognição humana seja radicalmente diferente em espécie da espécie animal; e que a ciência aponta, em vez disso, para uma continuidade entre mentes humanas e animais e, talvez, até vegetais, e que a moralidade sugere bondade para com animais não menos do que em relação às pessoas, o neorracionalista contraria tudo isso com um quarto princípio separado: o bom senso. Afinal, os humanos são obviamente diferentes de lagartos ou mesmo golfinhos, e se abrirmos o termo “pensamento” para incluir animais, não há como parar na ladeira escorregadia até chegarmos à ideia ridícula de que o algodão, o fogo e a poeira também podem pensar.

Desta forma, vemos que o rigor aparentemente esmagador da filosofia neorracionalista está totalmente disposto a abrir mão do rigor em favor de outras virtudes sempre que a situação o exigir. Ele coloca entre parênteses a viabilidade científica cotidiana em favor da lógica impecável de seus primeiros princípios. No entanto, ele se afasta do círculo do pensamento sempre que necessário tomar emprestado um pouco da glória da física, da neurociência ou da biologia evolutiva, nenhuma delas derivável de princípios a priori de cognição. E assim que considera esta combinação de rigor e sucesso muito limitante, reivindica superioridade moral ao postular uma qualidade humana que não pode ser justificada pela lógica transcendental ou pela descoberta científica. Finalmente, uma vez que a lógica, a ciência e a moralidade sugerem que os animais não são menos importantes que os humanos, o neorracionalismo apela à nossa sensação, que é de nosso senso comum, da nossa separação do reino animal como um todo. Foi Latour quem primeiro descobriu essa dimensão hipócrita de toda forma de modernismo, que consiste em forças fingidas que na verdade são apenas um “conjunto escalonado de fraquezas”[15]. Pois em que consistiu a vitória dos Conquistadores [espanhóis]?

Eles chegaram separadamente, cada um em seu lugar e cada um com sua pureza, tal como outra praga no Egito. Os sacerdotes falavam apenas da Bíblia, e a isso e somente isso atribuíam o sucesso de sua missão. Os administradores, com suas regras e regulamentos, atribuíam seu sucesso à missão civilizadora de seu país. Os geógrafos falavam apenas da ciência e de seu avanço. Os mercadores atribuíam todas as virtudes de sua arte ao ouro, ao comércio e à Bolsa de Valores de Londres. Os soldados simplesmente obedeciam às ordens e interpretavam tudo o que faziam em termos de sua pátria. Os engenheiros atribuíram a eficácia de suas máquinas ao progresso. (LATOUR, 1988, p. 202).

Latour acrescenta que “cada um deles acreditava ser forte por causa de sua pureza... Mesmo assim – e eles sabiam bem disso – foi apenas por causa um do outro que eles conseguiram permanecer na ilha.”[16] E assim o é com os filósofos neorracionalistas, que esperam que nunca percebamos que eles movem a concha com a bola[17] em quatro posições diferentes: certeza lógica; sucesso científico; superioridade moral; e o bom e velho bom senso.

Mas vamos nos concentrar aqui no apelo à certeza, o principal suporte filosófico para a ontotaxonomia. Como vimos, essa taxonomia divide o mundo em dois e apenas dois tipos básicos de coisas: (1) pensamento humano; e (2) todo o resto. Tomada isoladamente, essa afirmação seria absurda, dada a importância distintamente insignificante de nossa espécie em meio ao vasto universo como um todo. Mas é claro que a filosofia moderna foi construída por algumas mentes prodigiosas, nenhuma delas paroquial o suficiente para conceder aos humanos metade da filosofia simplesmente porque somos humanos; obviamente, eles terão um argumento mais forte do que este. Esse argumento pode ser encontrado inicialmente nas Meditações Metafísicas de Descartes, cujo método da dúvida radical mostra que tudo pode ser posto em dúvida, menos a própria existência do pensamento: cogito, ergo sum[18]. Em outras palavras, o argumento central para a ontotaxonomia não é que somos humanos e, portanto, os humanos devem ser importantes, mas que o pensamento humano está diretamente presente e certo de uma forma que nada mais está. É por isso que a ontotaxonomia coloca os humanos sozinhos de um lado do cosmos e todos os trilhões de outros tipos de entidades do outro: pois apenas o primeiro lado é diretamente acessível, enquanto o resto não é.

Até que ponto isso é verdade? Em certo sentido, eu teria que concordar que algumas coisas são imediatamente acessíveis, enquanto outras só podem ser acessadas de forma mediada: a Ontologia Orientada a Objetos (OOO) já afirma uma distinção semelhante entre o sensual e o real, e isso se sobrepõe à distinção entre o imediatamente disponível e o que só se dá de forma mediada[19]. Sim, de fato. Mas surge um problema do passo seguinte de identificar o imediato com meu pensamento e o mediado com todo o resto. Pois o pensamento que pensa e o pensamento sobre o qual ele pensa não são uma e mesma coisa e, portanto, o pensamento humano não tem imediatismo privilegiado sobre qualquer outra coisa[20]. Tudo o que penso, inclusive a mim mesmo, é dado apenas de maneira mediada. Observe que a finitude do pensamento humano não é dada diretamente, mas apenas deduzida do fato de que meu pensamento de uma mesa fora da mente não prova realmente que ela existe lá: mesmo que a mesa realmente exista, meu pensamento ainda é finito na medida em que meu pensamento sobre a mesa não é, ele mesmo, a mesa – o que significa que há uma diferença entre os dois. Além disso, enquanto deduzo minha própria finitude dessa maneira, deduzo a finitude de todas as outras entidades exatamente da mesma maneira. Dito de outra forma, não compreendo a finitude humana simplesmente porque sou humano, mas porque posso deduzir a finitude da experiência humana e, exatamente pela mesma razão, posso deduzir a finitude de cavalos, gatos, trens, flores e átomos. O argumento, para resumir, é que a mesma forma nunca pode existir em dois lugares diferentes. Tirar a forma de um cavalo do próprio cavalo e trazê-la à minha mente não é apenas extraí-la da “matéria” – seja ela qual for – mas transformá-la. A forma de cavalo no cavalo não é a forma de cavalo em minha mente.


3. Realismo e materialismo

Vários filósofos analíticos da blogosfera ridicularizaram o recente surgimento de uma tendência realista no pensamento continental. De certa forma, isso é perfeitamente compreensível, pois o realismo sempre foi uma opção filosófica viva na tradição analítica, e dificilmente pode parecer uma grande inovação para aqueles que trabalham com ele. No entanto, esse tipo de zombaria também pode ser perigoso para quem o emprega, pois muitas vezes é reversível. Apesar de todo o Sturm und Drang sobre se Saul Kripke, Ruth Barkan Marcus, ou alguma outra figura merece ser homenageada por lançar a “nova teoria da referência”, um continental sempre poderia rir disso e falara para que eles voltassem à discussão de Husserl sobre os “atos nominais” ou às “denominações fixas” (cf. “designadores rígidos” de Kripke) nas Investigações Lógicas, de seis décadas antes[21]. O que tornou o surgimento de Kripke no início dos anos 1970 tão emocionante não foi sua descoberta inexistente de que os nomes apontam para algo além de descrições definidas, mas que ele levantou possibilidades tão estranhas às suposições de seu ambiente intelectual. O mesmo vale para a antiga atitude continental em relação ao realismo, que Husserl e Heidegger descartaram há muito tempo como um “pseudoproblema”. Lee Braver até mesmo afirmou plausivelmente que o antirrealismo tem estado no centro do pensamento continental desde o seu início. Certamente, pode-se sempre apontar Nicolai Hartmann como um realista de boa-fé na filosofia continental do início do século XX[22], mas ele é a exceção clássica que confirma a regra: até recentemente quase ninguém estava trabalhando em Hartmann, e ainda hoje sua influência é mínima em comparação com a dos fenomenólogos mais mainstream.

De qualquer forma, o verdadeiro apogeu do realismo continental está sobre nós neste exato momento. No início dos anos 1990, na Itália, Maurizio Ferraris rompeu com Gianni Vattimo e seu círculo em nome de uma forma robusta de realismo, que eventualmente serviria como um ímã para o então jovem-prodígio alemão, Markus Gabriel[23]. Em 2002, meu próprio livro Tool-Being ofereceu uma interpretação realista da filosofia de Heidegger e acabou alimentando o movimento do Realismo Especulativo lançado alguns anos depois em Londres[24]. No mesmo ano, o mexicano nova-iorquino Manuel DeLanda prestou o mesmo serviço a Gilles Deleuze e Félix Guattari, interpretando-os também como filósofos realistas[25]. DeLanda começa seu livro definindo de maneira direta os realistas como aqueles “que concedem à realidade total autonomia da mente humana”[26]. Este é um bom começo, e certamente uma condição sine qua non de qualquer realismo com uma cara séria, ao invés do tipo que simplesmente refina o significado de “realismo” para que ele não represente mais uma ameaça para empreendimentos não-realistas[27]. No entanto, formular o realismo como sustentando a existência de algo fora da mente concede demais ao ponto de vista moderno, assumindo que onde estamos é “A Mente”, com a implicação de que a mente humana é a única coisa que realmente tem um exterior. O problema é que as gotas de chuva também têm um exterior, assim como os girassóis, os buracos negros e o Moby Dick. Em vez de o realismo apontar “para fora da mente”, onde deveria apontar é para fora de qualquer relação.

A maneira mais fácil de parecer um filósofo maluco nos dias de hoje é discutir as relações objeto-objeto sem passar pelo posto de controle oficial da ciência natural, a quem há muito tempo foi concedido o monopólio acerca deste tópico. Afirmar, em contraste, que a filosofia tem seu próprio ponto de apoio no reino objeto-objeto é aparentemente recuar para alguma versão pré-contemporânea da filosofia. Por “contemporânea” quero dizer qualquer filosofia que não seja motivo de riso pelas costas nos departamentos de filosofia dominantes, o que basicamente significa filosofia começando com Hume e Kant[28]. Meillassoux descartou como uma “hiperfísica” filosófica na versão oral de sua palestra em Berlim de 2012, embora isso pareça ter sido removido do texto publicado[29]. Um sintoma dessa proibição de discutir relações objeto-objeto é que Alfred North Whitehead, um dos poucos filósofos verdadeiramente importantes do século XX, nunca foi totalmente admitido no cânone pelas tradições analíticas nem continentais, cuja união oculta talvez seja melhor resumida por sua alergia transcendental compartilhada a objetos encontrando objetos fora da vigilância pela experiência humana[30]. É por isso que o gosto por Whitehead costuma ser um bom sinal de que também se tem o gosto de escapar da camisa de força da filosofia moderna, como vemos em várias observações de Deleuze, Isabelle Stengers e Latour[31].

Outro dever importante ao discutir o realismo é distingui-lo do materialismo, que floresce hoje em dois sentidos separados, mas relacionados do termo. Todos estão familiarizados com o materialismo clássico de átomos desviando-se no vazio, que para muitos foi simplesmente atualizado com partículas subatômicas e com campos atuando no que costumava ser considerado espaço vazio. É o segundo tipo de materialismo que pode causar mais perplexidade aos leitores, como observa Levi Bryant, quando aborda o tema para todos nós: “o materialismo tornou-se um termo de arte que pouco tem a ver com qualquer coisa material. O materialismo passou a significar simplesmente que algo é histórico, socialmente construído, envolve práticas culturais e é contingente... Nós nos perguntamos onde está o materialismo no materialismo”[32]. Parte do que Bryant tem em mente é a afirmação incomum de Slavoj Žižek de que “a verdadeira fórmula do materialismo não é que exista alguma realidade numênica além de nossa percepção distorcida dela. A única posição consistente é que o mundo não existe[33]. Por mais risível que isso possa parecer para os materialistas hardcore dos átomos e do vazio, há um sentido em que as duas visões são primas próximas[34]. Por um lado, o materialismo reduz a matéria a seus fundamentos físicos, diminuindo assim a possibilidade de qualquer forma de realidade emergente não contida nos constituintes microfísicos do mundo. E, por outro, os novos materialismos culturais se reduzem na direção oposta, negando a existência de qualquer coisa submersa sob a matéria em sua atual configuração cultural. Mas esse estranho novo tipo de materialismo reduz a realidade para cima às suas manifestações ou efeitos presentes, negando assim qualquer excedente do tipo necessário para fazer as coisas mudarem. Aristóteles já viu o problema nisso ao introduzir seu conceito de “potencialidade” para combater o atualismo de seus oponentes megáricos, que afirmavam que ninguém é construtor de casas a menos que esteja construindo uma casa agora[35]. Em outras obras eu tenho chamado esta redução para baixo de “subminação”, a redução para cima “supraminação”, e sua combinação “duplaminação”[36].


4. O mundo sem nós

Vamos começar esta seção com uma anedota. Alguns anos atrás, eu estava dando uma palestra sobre filosofia da arte em uma conferência no centro da França[37]. O organizador do evento, Tom Trevatt, fez uma pergunta simples que me deixou intrigado por meses depois: “Como seria uma arte sem humanos?". O motivo por trás de sua pergunta imediatamente fez sentido. Afinal, o movimento realista especulativo na filosofia já era conhecido por seu interesse em como é o mundo sem o acesso humano a ele[38]. Como um dos membros originais desse movimento, eu era um destinatário perfeitamente legítimo da pergunta de Trevatt, mesmo embora algo na formulação de sua pergunta parecesse errado. Trevatt não estava sozinho ao ver a relação entre o realismo especulativo e a arte como a necessidade de obras de arte “sem humanos”. A artista Joanna Malinowska se aventurou nessa direção em sua mostra em Nova York, Time of Guerrilla Metaphysics, de 2009-2010. Em uma entrevista contemporânea com David Coggins, Malinowska falou sobre um trabalho divertido seu no qual ela deixou uma caixa de som com bateria solar “no meio do absoluto Ártico em lugar nenhum”, ouvida presumivelmente por ninguém e, eventualmente, afundando no mar quando o aquecimento global derrete o gelo na superfície[39]. Junto com esse exemplar estético de uma “arte sem humanos”, havia a afirmação de Tristan Garcia alguns anos depois em Forma e Objeto de que a arte pode ser arte sem humanos[40].

Passaram-se alguns meses antes que eu percebesse que a importante pergunta de Trevatt, sem saber, jogava com uma ambiguidade na frase “sem humanos”. É verdade que dentro do Realismo Especulativo, Meillassoux estava preocupado com o reino “ancestral” ou “diacrônico” de um tempo antes ou depois da espécie humana; e que Brassier em particular permanece fascinado pela eventual extinção de nossa raça[41]. Mesmo assim, este é um sentido muito limitado e literal da frase “sem humanos”, e simplesmente não se aplica à OOO, que não está interessada em obras de arte na ausência de humanos, mas apenas no que está ausente nas obras de arte mesmo quando os humanos estão bem ali. Dito de outra forma, o objetivo não é se livrar dos humanos, mas perceber que as obras de arte excedem o alcance humano mesmo quando estamos em cena. Em termos técnicos, precisamos distinguir entre humanos como ingredientes de uma situação e humanos como observadores dela, e reconhecer que o realismo está apenas comprometido em se opor ao segundo caso. É DeLanda, na página de abertura de seu A New Philosophy of Society, quem vê isso mais claramente. Depois de anunciar que seu livro buscará uma teoria realista da sociedade, ele observa que o realismo filosófico geralmente envolve um compromisso com a realidade independente da mente em relação ao que for o realismo quer discutir. No entanto, uma vez que as sociedades não podem existir sem mentes, não é impossível conceber a sociedade em um sentido independente da mente? Obviamente não. O que interessa a DeLanda não são sociedades de zumbis sem mente, mas sociedades de humanos conscientes, com a ressalva de que as sociedades humanas ainda são independentes das concepções humanas delas. Ou seja, a concepção realista da sociedade significa simplesmente que a sociedade excede tudo o que vemos ou dizemos dela, e tem características independentes que não são produzidas primeiro por nosso conhecimento delas. E a realidade independente da mente existe mesmo quando os humanos – longe de estarem extintos – estão olhando diretamente para ela. Mais do que isso: o comportamento humano em relação ao mundo, mesmo que apenas em relação às ilusões, é em si um novo tipo de realidade em seu próprio direito. Não é a questão de se aumentar a escala de realismo ao nos livrarmos dos humanos.

Uma boa parte do pensamento recente tem se ocupado com a questão de como seria a Terra se os humanos não estivessem mais aqui. Alan Weisman escreveu um best-seller chamado O Mundo Sem Nós (2007), que prevê o colapso gradual de várias instalações humanas após nosso hipotético desaparecimento. A trilogia Horror of Philosophy, de Eugene Thacker, ganhou muitos seguidores e até gerou um bordão da cultura pop (“In the Dust of This Planet”) por meio de reflexões semelhantes[42]. Os círculos racionalistas há muito se deleitam tal como no Halloween com a afirmação de Thomas Metzinger de que “não há self[43]. Há também a interpretação do Realismo Especulativo dada por Deborah Danowski e Eduardo Viveiros de Castro em The Ends of the World (2017). Ignas Šatkauskas relata que, segundo esses autores, “o materialismo especulativo de Meillassoux... estabelece as bases teóricas para um mundo-sem-nós, ao mesmo tempo em que oferece esquemas metafísicos que seriam apropriados para a cognição de tal realidade”[44]. Como já mencionado, isso é verdade para as concepções de realismo de Brassier e Meillassoux, mas certamente não é o caso para a OOO. Esta última corrente não busca o em-si em alguma região temporal desabitada pelos humanos, mas se junta a Kant ao apontar para um em-si que existe aqui e agora, mas ainda além de nossa capacidade de nos relacionarmos com ele. Isso vai contra a essência da visão de Meillassoux em particular. A seu ver, qualquer em-si que existisse simultaneamente com os humanos poderia simplesmente ser recuperado pelo velho argumento idealista alemão de que pensar uma coisa fora do pensamento é transformá-la em pensamento, sendo o numênico apenas um caso especial do fenomenal.

Isso nos leva a um importante paradoxo na história da filosofia. Kant é quase universalmente reconhecido como um dos maiores filósofos da história ocidental; sua influência se aproxima da de Platão e Aristóteles, os colossos gêmeos na entrada de nossa disciplina. Mesmo assim, poucas pessoas hoje estão dispostas a aceitar a ideia central de Kant: a coisa-em-si. Costuma-se dizer que a Ding-an-sich é um “resíduo dogmático” na posição de Kant, de modo que os idealistas alemães foram heroicos em dispensá-lo. O problema com essa visão é que a coisa-em-si é o que permite Kant refutar todo dogmatismo. Se a metafísica dogmática significa a pretensão de poder provar teses filosóficas sobre como as coisas realmente são, Kant rejeita o dogmatismo precisamente porque a razão nunca pode tornar a realidade diretamente acessível. Mas entre os novos realistas e seus companheiros de viagem, quem aceita essa coisa em si? Certamente não Ferraris ou Gabriel, que o rejeitam por princípio como uma barreira ao conhecimento; certamente não Meillassoux, que reduz a coisa-em-si a algo que apenas dura mais que nós no tempo. Não Latour ou Whitehead, que tratam o real em termos relacionais e não permitem excessos além da relação, mesmo que os whiteheadianos tendam a contestar vigorosamente esse ponto[45]. Não Husserl, que acha “absurdo” que possa existir qualquer coisa que não seja – pelo menos em princípio – objeto de um ato intencional. No máximo há um traço disso em Heidegger, em uma passagem negligenciada perto do final de seu Kant e o Problema da Metafísica: “Qual é o significado da luta iniciada no idealismo alemão contra a 'coisa-em-si' senão crescente esquecimento do que Kant havia conquistado?”. Mas o resto de sua frase arruína sua observação: “a saber, (...) o desenvolvimento original e o estudo de busca do problema da finitude humana?”[46]. Com essas palavras adicionais, ele acorrenta a coisa-em-si no calabouço da ontotaxonomia, onde ela se torna nada mais do que um trauma incognoscível para o pensamento humano, como acontece até nas maiores obras de Kant.

Ou seja, a maneira usual de tentar ir além de Kant é na linha do idealismo alemão. “Kant era um grande gênio, exceto por sua parte ingenuamente tradicional e autocontraditória, e vagamente platônica ou cristã sobre a coisa-em-si. Mas ele pode ser perdoado, já que fez tantas outras coisas importantes e, felizmente, seus sucessores resolveram o problema da coisa-em-si para ele”. Esses críticos admiradores de Kant não são menos taxonômicos do que o próprio mestre. Como vimos anteriormente, haja ou não uma “lacuna” entre pensamento e mundo, o problema real é que pensamento e mundo são tomados como os dois termos básicos em primeiro lugar. A única maneira de escapar a essa suposição, a única saída ante a filosofia moderna, é deixar de conceber a coisa-em-si como algo “incognoscível para os humanos”, reconcebê-la como o excesso nas coisas além de qualquer de suas relações entre elas mesmas. A razão pela qual tantos estão relutantes em dar este passo, que tem sido explicado e promovido por autores OOO por quase uma geração, é porque ele despreza abertamente a divisão do trabalho no coração do pensamento moderno. “Como a filosofia pode dizer alguma coisa sobre as relações objeto-objeto? Isso é o que a ciência já faz! A filosofia deve se ater à relação pensamento-mundo onde ela pertence.” É por isso que alguns no círculo racionalista de Brassier afirmaram erroneamente que o Realismo Especulativo está interessado na ciência em oposição às humanidades, como se a ciência tivesse toda a realidade e, as humanidades, todas as ilusões. No entanto, há muita realidade no estudo dos hititas, da psique humana, ou dos desenhos da Warner Brothers, e pelo menos desde a época de Popper sabemos que as declarações científicas estão sempre a poucos centímetros de serem rejeitadas como falsas. O real e o irreal não podem ser alinhados taxonomicamente com disciplinas individuais, pois tanto o real quanto o irreal estão presentes em todos os lugares em todos os momentos.

Em nenhum lugar a falha da ontotaxonomia é mais visível do que no infeliz destino da palavra “formalismo” no período moderno, especialmente nas artes. Como tantas outras coisas neste período, o termo é fundamentado nas ideias de Kant. Até onde sei, ele usa o termo explicitamente apenas na Segunda Crítica, onde significa tanto que as ações éticas devem ser isoladas de suas consequências, quanto que a ética tem mais a ver com a forma geral do imperativo categórico, e não tanto com regras éticas específicas[47]. Em suma, formalismo significa a autonomia da ética de todas as influências impuras, como o desejo de ir para o céu ou para o inferno, ou obter uma boa reputação na comunidade empresarial. Embora não me lembre da palavra “formalismo” ser usada na Crítica do Juízo, trata-se também de uma obra eminentemente formalista. O belo deve ser isolado tanto do agradável quanto do politicamente benéfico: ao contrário de Jean-Jacques Rousseau, Kant não considera nenhum obstáculo à beleza de um palácio que as massas sofreram para permitir sua construção[48]. Não é por acaso que Kant é considerado o padrinho do formalismo moderno na arte, representado pelos críticos de arte americanos Clement Greenberg e Michael Fried (mesmo que ambos rejeitem o rótulo de “formalistas”)[49]. Algo semelhante ocorre na Primeira Crítica, cujo princípio central é a independência mútua das coisas-em-si e das aparências. Mas, apesar da defesa pioneira de Kant dessa autonomia formalista em vários domínios da filosofia, há uma falha no diamante. A saber, Kant não está interessado no tema da autonomia em si, mas apenas em um tipo específico de autonomia: a independência do pensamento e do mundo um do outro. A autonomia de Kant é prejudicada por sua ontotaxonomia. O mesmo vale para grande parte da alta crítica de arte modernista, como na polêmica de Fried contra a mistura “teatral” de observador e obra de arte em seu “Art and Objecthood” de 1967. Logo depois, no entanto, veremos que Fried deu uma virada surpreendente nas décadas que se seguiram.

Os problemas com o formalismo kantiano não escaparam à atenção de pensadores posteriores, e argumentei em outro lugar que cada uma de suas três Críticas acabou encontrando uma crítica igual à obra[50]. Vimos que a fixação de Kant na lacuna entre pensamento e mundo foi habilmente dissecada por Latour, mesmo que não possamos aceitar o sabor “tudo é híbrido, o tempo todo” de sua solução[51]. A melhor crítica à ética de Kant – entre tantas tentativas – vem de seu admirador Max Scheler, que defende a autonomia da ética de qualquer finalidade externa, mas que vê a unidade da ética menos no agente ético humano do que no composto formado pelo agente e os objetos de seus amores, seu ordo amoris[52]. E assim como no insight ético de Scheler, a falha central da estética kantiana só poderia ser vista por um autor tão comprometido com seu espírito a ponto de rejeitá-lo apenas com considerável relutância. Falo aqui de Fried, cuja virada da crítica para a história não mudou inicialmente seus sentimentos. Em seu primeiro trabalho histórico, sobre a pintura antiteatral na época de Denis Diderot, Fried continuou a sustentar uma lacuna crucial entre o observador da pintura de um lado e as figuras absorvidas dentro dela do outro[53]. Só mais tarde, sob a pressão de seu objeto de estudo, Fried veio a ver que a história posterior da pintura francesa não era de forma alguma antiteatral. Ele primeiro encontra um “contínuo absortivo” nas pinturas de Gustave Courbet, que efetivamente pinta a si mesmo em suas próprias telas, efetivamente derrubando assim a parede entre a obra e o observador (sendo o próprio pintor apenas um caso especial do observador)[54]. Mas ainda mais importante é a “facingness[55] encontrada nas obras de Édouard Manet, essa figura central da arte moderna, na qual cada centímetro da pintura parece confrontar o espectador diretamente, em vez de recuar para uma profundidade absortiva[56]. O precursor de todos esses autores antitaxonômicos é certamente Dante, talvez a figura mais não-kantiana da história intelectual ocidental. Em vez de conceder qualquer tipo de autonomia de pensamento e mundo um do outro, Dante retrata um mundo de agentes amorosos que não apenas são totalmente desdobrados em seus amores e ódios por várias pessoas e objetos, mas são até mesmo julgados por isso. Nunca houve um autor mais “teatral” no sentido que Fried dá ao termo.


5. Filosofias do futuro

Chegamos agora a um bom ponto para falar de um dos meus temas favoritos: “filosofias do futuro”. O problema óbvio em sustentar que este ou aquele autor é “o futuro da filosofia” é que se presume que se sabe para onde a filosofia irá ou deve seguir em seguida. Na maioria das vezes, a menos que alguém tenha um nariz extraordinariamente sensível para a direção de certos problemas – e isso significa um nariz para como as linhas de pensamento contemporâneas podem eventualmente ser distorcidas ou revertidas – a concepção do futuro será simplesmente uma projeção de onde eles estão. estão de pé agora. Para dar um exemplo que não é central para mim, considere o caso de Maurice Blanchot. Durante meus dias de estudante de doutorado no início da década de 1990, muitas vezes passava a impressão de que Blanchot era uma peça importante da filosofia do futuro. Não será necessário dizer que quase trinta anos se passaram, mas a filosofia continental não se tornou visivelmente blanchotiana. Ele ainda é uma figura perfeitamente respeitável para estudar, mesmo que não para o gosto de todos, e seria estranho ridicularizar qualquer um que defendesse sua importância contínua. No entanto, agora está claro que o progresso da reputação filosófica de Blanchot de 1990 a 2020 não é o que seus campeões mais firmes esperavam e previam. Paul De Man, escrevendo muito antes de 1990, ofereceu a seguinte nota de elogio:

Quando pudermos observar o período [pós-guerra] com mais distanciamento, os principais proponentes da literatura francesa contemporânea podem vir a ser figuras que agora parecem sombrias em comparação com as celebridades do momento. E ninguém tem maior probabilidade de alcançar proeminência futura do que o escritor pouco divulgado e difícil, Maurice Blanchot (DE MAN, 1983, p. 61).

Essa alta consideração por Blanchot não era rara nos círculos frequentados por De Man. De fato, a tradução inglesa de The Infinite Conversation, de Blanchot, de 1992, trazia um apoio por Jacques Derrida na contracapa que levava a tendência a extremos quase histriônicos: “Blanchot espera que cheguemos, para ser lido e relido... Eu diria que nunca tanto quanto hoje o imaginei tão à nossa frente.” Ou Blanchot está ainda mais à nossa frente do que imaginamos, ou a avaliação de Derrida acabou sendo exagerada. Digo isso não para ser cruel com Derrida em particular, mas porque exibe um ponto mais geral: a tendência humana de projetar o futuro simplesmente como uma versão mais futurista ou “distante” do presente. Derrida e seus parentes intelectuais governaram a filosofia continental do início dos anos 1990 de uma forma quase esmagadora, de uma maneira que é difícil para os jovens de hoje imaginar. Em tal ambiente, quem teria parecido um herdeiro aparente melhor por algumas décadas do que Blanchot? Pois, de certa forma, ele é simplesmente uma versão mais sombria e sinistra de Derrida, mais turbulenta e paradoxal, mas nunca lançando uma luz perigosa sobre qualquer coisa que esteja faltando no próprio Derrida. Embora a admiração expressa por Blanchot fosse sem dúvida sincera, é difícil imaginar que ele o tenha achado sequer um pouco ameaçador.

Há um país em particular, cujo nome omito por afeição ao lugar, que muitas vezes tem sido chamado de “o país do futuro”. Em resposta a isso, observadores cínicos às vezes observam que “o país X é o país do futuro, e sempre será”. Não há um sentido em que Blanchot é o futuro da filosofia continental, e sempre será? Ainda posso estar errado, mas Blanchot já “esperou que viéssemos” por quase trinta anos, e começa a parecer que nossa falha em chegar lá pode não ser inteiramente nossa culpa. Um par de observações relacionadas de autores importantes vêm à mente. A primeira vem dos diálogos pouco lidos de Whitehead com Lucien Price e data do estado de coisas imediato depois da Segunda Guerra Mundial:

Price: “Você vê algum baluarte contra [a guerra nuclear]?”

Whitehead: “Apenas a aparência de meia dúzia de homens eminentes.”

Price: “Você consegue avistar meia dúzia desses no horizonte?”

Whitehead: “Eles não aparecem no horizonte; eles aparecem em nosso meio e não podem ser identificados de uma vez.” (Whitehead e Price, 1956, p. 362, itálicos meus)

A outra passagem relevante, que atualmente não consigo localizar, vem de Marcel Proust em seu grande romance em vários volumes. Em algum lugar nessas milhares de páginas, Proust observa que tendemos a imaginar o futuro como uma espécie de variante intrincada do presente, deixando de perceber que o futuro brota de fatores ocultos no presente que não estão atualmente manifestos.

De qualquer forma, Blanchot é o filósofo do futuro, e sempre será. Mas minha preocupação não é tanto com Blanchot, cuja rosa futurista se desvaneceu desde a minha juventude. Em vez disso, gostaria de propor uma máxima relacionada que pode incomodar alguns leitores: Schelling e Merleau-Ponty são os filósofos do futuro, e sempre serão[57]. É amplamente reconhecido que F.W.J. Schelling e Maurice Merleau-Ponty são dois dos pensadores mais pitorescos de todo o período moderno[58]. Ambos têm a aura de sentir o cheiro de algo possível e paradoxal, mas ainda não atualizado. Ainda há neles um ar do século XXII; não ficaríamos surpresos ao ouvir personagens de ficção científica discutirem seus trabalhos. Schelling sempre cheira a tênue promessa de uma reviravolta da história amplamente hegeliana dos séculos XIX e XX, e a consequente emergência de um universo intelectual paralelo. Quantas tentativas de “Renascimentos de Schelling” já existiram, e quantas mais ainda estão por vir? As várias incursões de Merleau-Ponty no corpo e “na carne” parecem prometer uma explosão iminente do impasse mente/matéria de todos os outros. Quanto mais os filósofos analíticos da mente parecem se interessar por ele, mais isso parece verificar que Merleau-Ponty está no caminho do que de alguma forma sempre nos escapou até agora. O problema é que tanto Schelling quanto Merleau-Ponty são ontotaxonomistas modernos em sua essência. Por mais bizarras que as páginas de Schelling às vezes se tornem, é sempre uma questão de “natureza” e “espírito”, a mesma dupla básica que encontramos desde Descartes. E por mais extravagante que Merleau-Ponty soe em certas páginas de sua obra inacabada O Visível e o Invisível, com sua noção ostensivamente escandalosa de que o mundo me olha assim como eu o olho, na verdade são apenas dois termos de Descartes observando um ao outro reciprocamente, sem que mais nada seja adicionado à mistura. Mesmo “o corpo”, o pão com manteiga teórico de Merleau-Ponty, é pouco mais do que uma versão de “encontrar o universo no meio do caminho” no sentido de Barad. DeLanda disse isso melhor quando chamou o corpo de “uma espécie de objeto material simbólico, convidado à ontologia [não-realista] apenas para incluir um membro de uma minoria”[59]. Redizendo em termos whiteheadianos, o problema é que Schelling e Merleau-Ponty estão muito “no horizonte” e não o suficiente “em nosso meio”; não podem ser o futuro, porque aceitam com demasiada firmeza as restrições do passado e do presente. São projeções de como pensávamos que o futuro deveria ser, como filmes preto e branco de Manhattan dos anos 1980, com hovercrafts vagando pelas ruas e lasers atacando os vilões.

Cada momento tem seus “filósofos do futuro” e, para maior clareza, arriscarei listar mais alguns nomes. François Laruelle tem muitos seguidores entre os jovens, mas – com a ressalva de que sempre posso estar errado – ainda não encontrei um avanço significativo em sua posição. E embora eu ache Gilbert Simondon mais útil, sua qualidade “futurista” me parece principalmente uma miragem tentadora para os deleuzianos que sentem que suas ampulhetas acabaram rápido demais[60]. Me diga quem é o teu “filósofo do futuro”, e eu te direi quem tu és. O mais provável é que seu futuro filósofo seja uma imagem fantasmática do lugar onde você já está — como quando pais esperançosos imaginam seus filhos pequenos seguindo seus passos profissionais algum dia, mas com mais sucesso. Heidegger tinha alguma noção desse problema, como encontramos em uma de suas passagens sobre a ambiguidade em Ser e Tempo:

Todos estão familiarizados com o que está em discussão e o que ocorre, e todos discutem; mas todos também já sabem falar sobre o que deve acontecer primeiro – sobre o que ainda não está em discussão, mas “realmente” deve ser feito. Todos já pressentiram e farejaram de antemão o que os Outros também pressentiram e farejaram. Este Ser-no-cheiro é, naturalmente, baseado em boatos, pois se alguém está genuinamente “no faro” de alguma coisa, ele não fala sobre isso... (Heidegger, 1962, p. 217-218).

Qualquer futuro filosófico que envolva meramente alguma nova permutação na ontotaxonomia do pensamento e do mundo – por mais radicalmente que afirme ter acabado com o “dualismo cartesiano” – não é muito futuro, mas apenas uma extensão do presente. Precisamos parar de olhar para o horizonte e refletir sobre o maior dos preconceitos em meio a nós.


6. Considerações finais

Por que há apenas uma saída possível ante a filosofia moderna? Porque a filosofia moderna vive e respira a partir de um único princípio básico: a noção de que pensamento e mundo são os dois polos do universo; o primeiro deles imediato e radicalmente certo, o último menos certo, mas impressionantemente dominável pela ciência. Mas desta forma, a cisão entre imediaticidade e mediação – que eu aceito – é erroneamente identificada com dois tipos específicos de seres. O que é imediatamente cognoscível são entidades em suas realidades sensuais, relacionadas não apenas ao pensamento, mas a qualquer outra coisa. O que não é imediatamente cognoscível, mas apenas detectável por meios indiretos, é o excedente em qualquer realidade que não se esgota em suas relações com qualquer outra coisa. Esse excedente não é algo que apenas se esconde sob a ordem simbólica humana, como no sentido estritamente traumático de Lacan do “Real”, mas é sempre uma forma que nunca pode ser totalmente traduzida em qualquer conjunto de relações, sejam animadas ou inanimadas[61]. Além disso, podemos deduzir isso para rochas e gotas de chuva com a mesma facilidade com a qual o fazemos para o pensamento humano.

Segue-se que a filosofia não-moderna (não “pré”-moderna) deve ser não-relacional em geral. Isso significa que ele deve ser não-literal em geral, pois reduzir qualquer coisa a seus pedaços (subminar) e reduzir qualquer coisa a seus efeitos (supraminar) são manobras igualmente defeituosas. A linguagem literal tem sucesso ao atribuir propriedades a entidades que elas realmente possuem. Mas como as entidades são mais do que conjuntos de qualidades, elas nunca são literalizáveis. É por isso que a filosofia é philosophia, não sophia. Argumentar que a filosofia deve ser não-relacional não significa que as relações não ocorram. Se toda entidade é um composto (não um híbrido, como afirma Latour), então toda entidade é formada a partir de relações entre componentes, sem ser nada mais do que essas relações. E se cada entidade pode afetar outras entidades, não se segue que as entidades nada mais sejam do que a soma desses efeitos.

Entre outras coisas, é por isso que as discussões desde a década de 1960 sobre o formalismo nas artes muitas vezes parecem não chegar a lugar algum. O problema é erroneamente formulado em termos de “tudo se relaciona com tudo”, ou, “tudo se relaciona com nada”. O ponto, em vez disso, é que a maioria das relações possíveis não ocorre de fato, de modo que mesmo a obra de arte ou arquitetura mais “sítio-específico” faz contato com apenas um número limitado de aspectos de seu sítio. O trabalho com seu pequeno círculo de relações afasta ativamente qualquer sondagem de fora, de modo que outras relações exigem trabalho genuíno. A razão pela qual as coisas são inerentemente não-relacionais, mesmo quando se relacionam, é que nenhuma forma pode ser movida de um lugar para outro sem mudança. Uma filosofia como a de Meillassoux, que sustenta que obtemos acesso a entidades por meio da formalização matemática, em última análise, depende de uma “matéria” mal definida que suporta as mesmas formas extraídas e movidas sem alteração na mente. Contra essa noção, a OOO sustenta com Latour que não há transporte sem transformação[62]. Uma forma não se move – seja da coisa para a mente ou de qualquer outra maneira – sem sofrer algum tipo de tradução. Nesta era de materialismo ressurgente, precisamos de menos materialismo e mais formalismo.


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Notas

[1] NT: Latour infelizmente faleceu em novembro de 2022, cerca de dois anos depois da publicação original do presente artigo.

[2] Os comentários entusiasmados iniciais de Latour sobre Meillassoux podem ser encontrados em HARMAN, 2015, p. 2. Meillassoux também me falou palavras gentis sobre Latour pessoalmente, embora uma amostra de sua atitude mais crítica possa ser encontrada na transcrição do workshop sobre o Realismo Especulativo de 2007 em Goldsmiths (cf. BRASSIER et. al. 2007, et al., p. 423).

[3] KANT, 1996. Cf. também FERRARIS, 2013.

[4] MEILLASSOUX, 2008; LATOUR, 1993.

[5] A extensão do correlacionismo de Meillassoux de Kant de volta no tempo a Hume pode ser encontrada na versão publicada de sua palestra em Berlim de 2012 (MEILLASSOUX, 2016).

[6] ALTHUSSER, 2006.

[7] NT: Negrito nosso. A opção de traduzir “from” como “ante a” veio para solucionar a possível ambiguidade de se dizer que há “a única saída da filosofia moderna”, tal como se salvá-la fosse o intento do autor. Visto que não é o caso, e buscamos uma saída para outra coisa que não tal filosofia moderna, optamos por “ante a”.

[8] Cf. HARMAN, 2019.

[9] NT: A expressão “meet halfway” é de difícil tradução. A opção mais direta, de “encontrar no meio do caminho” parece indicar algo de contingência ou de sorte, de estarmos num caminho e nos deparar com algo. Não é este o sentido. A expressão carrega um esforço mútuo, tal como numa negociação, de ambas as partes negociantes se esforçarem para encontrar um meio-termo, um chão comum, um acordo comum. Ou seja, não tem a ver com acaso, mas com esforço mútuo entre partes.

[10] BARAD, 2007. Para uma crítica mais complete da posição interessante de Barad, cf. HARMAN, 2016.

[12] Cf. Meillassoux, “Presentation by Quentin Meillassoux,” em BRASSIER, et.al. 2007.

[13] Traços desta fusão podem ser encontrados tanto em Meillassoux (2016) quanto em Brassier (2007).

[14] NT: A ontologia plana é uma abordagem desenvolvida pelo filósofo mexicano-americano Manuel DeLanda (2002 e ss.) a partir de suas leituras de Deleuze. Ela tem sido uma importante fonte de inspiração para insights filosóficos de vários autores da Ontologia Orientada a Objetos, não apenas Harman ele mesmo, mas especialmente Tristan Garcia (2014).

[15] LATOUR, 1988, p. 201.

[16] LATOUR, 1988, p. 202

[17] NT: A expressão “move the shell with the ball” refere a um comum truque de rua onde o artista pede para o público acompanhar em qual das conchas está uma bolinha, movendo-as rapidamente para tentar confundir o expectador e diminuir suas chances de adivinhar corretamente sob qual concha a bola está.

[18] DESCARTES, 1993.

[19] HARMAN, 2011.

[20] O predecessor mais próximo dessa crítica da filosofia moderna pode ser encontrado em Ortega y Gasset, “Prefácio para alemães” (1975).

[21] KRIPKE, 1980; BARCAN MARCUS, 1961; WILLIAMSON, 2013. Para uma discussão sobe os atos nominais, cf. HUSSERL, 2001 (volume 2) e, para as denominações fixas, cf. a página 685 deste mesmo volume.

[22] NT: Talvez a referência não apareceu na versão final do artigo por acidente, no caso, cf. Hartmann, 2019.

[23] Pode-se notar imediatamente um forte contraste entre um livro como o Manifesto do Novo Realismo de Ferraris e os artigos contidos na antologia coeditada de Vattimo, a Weak Thought. Para o trabalho de Markus Gabriel, Fields of Sense é um bom lugar para examinar a amplitude de suas preocupações.

[24] HARMAN, 2002; BRASSIER ET.AL, 2007.

[25] DELANDA, 2002.

[26] Ibid., p. xii.

[27] Um dos piores exemplos é certamente John D. Caputo (2002), cujo interesse primordial não é o realismo em si, mas a eliminação do realismo como uma ameaça ao seu herói filosófico, Jacques Derrida, que tem tanta semelhança com um realista tal como um coelho tem com um elefante. Infelizmente, outro exemplo é Bruno Latour nas páginas iniciais de seu maravilhoso Esperança de Pandora, que está menos preocupado com o realismo como uma doutrina positiva do que com a defesa dos críticos nas “Science Wars” daquela época.

[28] HUME, 1978; KANT, 1996.

[29] MEILLASSOUX, 2016. NT: No texto publicado ao qual Harman faz referência, Meillassoux mudou o nome de “hiperfísica” para “criptofísica”.

[30] WHITEHEAD, 1978.

[31] DELEUZE, 1983; STENGERS, 2014; LATOUR, 1988. Para uma discussão sobre a dívida de Latour para com Whitehead, cf. HARMAN, 2009.

[32] BRYANT, 2014, p. 2.

[33] ŽIŽEK & DALY, 2003, p. 97.

[34] Embora Žižek forneça a citação mais fotogênica para essa forma de materialismo, as versões mais emblemáticas podem ser amostradas nas seguintes obras: BARAD, 2007; BRAIDOTTI, 2013; HARAWAY, 2016. Jane Bennett em Vibrant Matter (2010) é mais uma materialista física de boa-fé do que esses três, indo na direção de um monismo deleuziano da matéria. Sobre este ponto, ver especialmente BENNETT, 2012.

[35] ARISTÓTELES, Metafísica , Livro Teta, 3. NT: Incidentalmente, indicamos para o público contrastar, também nesta edição da Anãnsi: Revista de Filosofia, o interessante artigo do mencionado Nicolai Hartmann que, por sua vez, já defende uma posição mais próxima à dos megáricos do que à aristotélica. Cf. a tradução “O conceito megárico de possibilidade”.

[36] Cf. HARMAN, 2013, 2012 e 2011. NT: Os conceitos originais, undermining, overmining e duomining, são traduzidos pelo Dr. Thiago Pinho e por nós como subminação, supraminação e duplaminação, respectivamente.

[37] Minha palestra intitulava-se “Arte e Paradoxo”, e a conferência intitulava-se “The Matter of Contradiction: Ungrounding the Object”, realizada na Île de Vassivière, França, em 9 de setembro de 2012.

[38] HARMAN, 2018.

[39] COGGINS, 2010.

[40] GARCIA, 2014, Livro 2, Capítulo 8.

[41] BRASSIER, 2007.

[42] Cf. contos como In the dust of this planet; Starry Speculative Corpse; e Tentacles Longer than Night.

[43] METZINGER, 2004.

[44] ŠATKAUSKAS, 2020.

[45] Steven Shaviro é um dos aficionados de Whitehead com quem tive uma longa e produtiva disputa. Cf. SHAVIRO, 2009 e 2011, bem como minha contra-argumentarão em HARMAN, 2011 e 2014. NT: O artigo de 2014 que Harman menciona foi traduzido na presente Anãnsi: Revista de Filosofia, no v. 3, n.1: “Whitehead e as Escolas X, Y e Z”. Também no mencionado número há a tradução de minha resposta publicada originalmente na Open Philosophy, revista editada pelo próprio Harman (cf. Otávio Maciel “Uma defesa do princípio ontológico: Whitehead e a ontologia orientada a objetos”).

[46] HEIDEGGER, 1965.

[47] KANT, 2002.

[48] KANT, 1987, p, 46.

[49] GREENBERG, 1999; FRIED, 1996.

[50] Cf. HARMAN, 2016 e 2020.

[51] LATOUR, 1993.

[52] SCHELER, 1973.

[53] FRIED, 1988.

[54] FRIED, 1990.

[55] NT: A palavra é de difícil tradução, pois combina o sufixo -ness que indica propriedade ou atributo, e “facing”, a ação de estar “de cara” para algo, encarando seja firmemente, seja com o rosto visivelmente virado em tal direção. Talvez “encaramento” seja um bom neologismo, visto que “acareamento” sugere uma oposição judicial que não necessariamente está envolvida neste “facingness”.

[56] FRIED, 1996.

[57] Acima de tudo, não quero ofender meu companheiro de batalhas, Iain Hamilton Grant, que fez um uso tão produtivo de Schelling em seu próprio trabalho. Nosso desacordo diz respeito se Schelling abre espaço suficiente para o papel de objetos individuais em oposição à “natureza”. Cf. GRANT, 2006. Para minha avaliação dos livros de Grant, cf. HARMAN, 2018, p. 60-72 e HARMAN, 2011.

[58] SCHELLING, 2003; MERLEAU-PONTY, 1968.

[59] Cf. DeLanda in. DELANDA & HARMAN, 2017.

[60] Cf. LARUELLE, 2013a e 2013b; SIMONDON, 2005.

[61] LACAN, 2007.

[62] LATOUR, 1996.