(I)An-ok Ta Chai
Libertação da Juventude
Você pode aprender muito sobre uma sociedade se você olhar para como ela trata suas crianças e idosos. Na nossa sociedade, ambas crianças e idosos são muitas vezes desconectados, afastados de outros grupos de idade e são forçados em instituições; escolas para as crianças e asilos para os idosos. As crianças são doutrinadas para se adaptarem ao sistema e os idosos são esquecidos e desaparecem quando a sua capacidade de produzir e gastar diminui.
É por causa disso que eu acredito na libertação radical da juventude. Algumas pessoas têm dificuldade em entender isso. “Como o etarismo se compara às brutalidades do imperialismo/capitalismo/do estado?” elas me perguntam. “Etarismo”, a mera discriminação e preconceito contra pessoas baseadas na idade, pode não ser um problema tão grande quanto o capitalismo e o estado, eu concordo. Porém olhar para a libertação da juventude apenas olhando através do “etarismo” é estranho e perde o fio da meada. A “gerontocracia”, ou, a dominação sistêmica das crianças pelas pessoas mais velhas que elas é meu foco.
Uma coisa muito importante para sempre ter em mente é que crianças são seres humanos, exatamente como o resto de nós. Pessoas não se tornam humanas quando tem uma certa idade - elas nascem desse jeito. Este sendo o caso, crianças tem dentro de si a capacidade de aprender, crescer, se desenvolver e direcionar suas vidas como quiserem, como qualquer outra pessoa. Crianças não entendem tudo, elas erram e precisam de ajuda e apoio, porém tudo isso pode ser dito de qualquer outro ser humano.
A muitas vezes não falada noção de que adultos sabem tudo, infalíveis e que não dependem da ajuda e suporte de outras pessoas enquanto crianças são o completo oposto - burras, falhas e dependentes – é uma distorção da realidade que é necessária para construir a hierarquia social dos adultos sobre as crianças. Tudo isso fica muito aparente se refletirmos sobre como uma proposição para dominar sistematicamente pessoas que estão doentes, feridas, ignorantes, mal informadas ou intoxicadas (todas as quais são também condições temporárias) seria universalmente ridicularizada e rejeitada.
Este sendo o caso, vamos admitir – crianças são escravas nesta sociedade. As crianças não podem se distanciar e desassociar de seus pais ou do estado sem sentir medo dos mesmos às caçando e às arrastando de volta. As crianças são forçadas a ir para campos de concentração (as tais chamadas "escolas"). As crianças não podem negar ou receber ajuda médica por vontade própria – um adulto sempre decide por elas. As crianças não têm a última palavra e a completa autonomia sobre seu tempo, seus corpos, suas atividades, seus comportamentos e escolhas – alguma figura parental ou outro adulto sempre é necessário para escolher por elas. Isso é escravidão, pura, sistêmica, explícita escravidão. É escravidão baseada no amplo uso de violência, a ameaça de violência, através da manipulação emocional, intimidação e doutrinação.
O espírito das crianças é continuamente agredido pela autoridade, principalmente a autoridade adulta, a fim de esmagar suas vontades, quebrar sua individualidade, espontaneidade, criatividade, curiosidade e conforto com a própria autonomia. As crianças são constantemente confrontadas com vários tipos de autoridades parentais, autoridades escolares, instituições estatais e uma cultura de massa, tudo com o objetivo de moldá-los, fazer com que saltem sob o comando, recebam ordens e façam o que lhes é mandado.
A meu ver, a dominação das crianças não é apenas um horror por causa da absoluta falta de autonomia, respeito e dignidade que todos esses jovens e únicos seres humanos vivenciam, mas também é parte integrante do sistema social maior de dominação, controle e alienação - a própria civilização. A dominação das crianças quebra a vontade das pessoas e insere uma programação autoritária para que elas possam reproduzir instituições como o Estado, o capitalismo e a gerontocracia, quando ficarem mais velhas.
A dominação das crianças contém em si a mesma dinâmica fundamental de autoridade e controle à qual devemos estar ativamente nos opondo. O próprio ato de ser subserviente, o próprio ato de obediência e submissão, o próprio ato de governar e mandar estão todos em jogo dentro da dicotomia de "figura de autoridade parental" e "filho", e é por isso que precisamos Condenar e atacar decididamente esta relação horrenda em favor de relações baseadas no respeito mútuo, na autonomia e na liberdade de associação.
A luta pela libertação das crianças não é apenas uma causa única, não é uma “política de identidade” carregada de culpa e não é um passado radical totalmente desconectado da luta maior contra o Sistema. A dominação de crianças é uma forma de escravidão na vida real que ocorre ao nosso redor, atua para reforçar e reproduzir o estado, o capitalismo e outras instituições de controle, e contém dentro de si as mesmas relações fundamentais de autoridade e dominação que são totalmente antagônico com a anarquia e a verdadeira libertação. Se quisermos seriamente derrubar este repulsivo sistema global de controle e hierarquia, então precisamos atacá-lo onde quer que ele se manifeste - e isso inclui em nossos próprios relacionamentos, vidas, comportamentos e mentalidades, bem como nas arenas mais tradicionalmente “políticas”.
A libertação da juventude não é uma ideia nova, muitas pessoas escreveram sobre ela e a articularam de diferentes maneiras. Já existem várias pessoas por aí praticando, ou pelo menos tentando praticar, a autonomia respeitando as formas de se relacionar com as crianças. Algo novo que eu gostaria de ver é uma defesa consistente, coerente e apaixonada das crianças pela comunidade anarquista. Cada pessoa passa por ser uma criança e essa é geralmente a primeira vez que o espírito é quebrado por uma autoridade. Sendo este o caso, só faz sentido para os anarquistas ter a libertação da juventude totalmente integrada com o resto da perspectiva anarquista. A gerontocracia precisa estar ao lado do capitalismo, do estado, do patriarcado e da supremacia branca como instituições de controle social que, como anarquistas, pretendemos destruir.