Isadora Gonçalves França
Anarquismo como modo de vida e Comunalismo Africano
ANARQUISMO COMO MODO DE VIDA E COMUNALISMO AFRICANO
Isadora Gonçalves França [1]
RESUMO
A partir da reflexão trazida por Sam Mbah e I. E. Igariwey no livro Anarquismo Africano: A história de um movimento pretendemos atentar para a existência de elementos anarquistas em sociedades africanas tradicionais (pré-coloniais). Como livre associação entre as pessoas, igualitarismo, liberdade, coletividade, autogestão e horizontalidade caracterizam esses meios sociais provando aquilo que Mbah e Igariwey documentam em seu livro, a obviedade histórica de que governos nem sempre existiram, mas também de que a prática anarquista, ou o anarquismo como modo de vida pode ser encontrado em diferentes lugares, independente de suas formulações teóricas.
PALAVRAS-CHAVE: Anarquismo, Comunalismo Africano, Práxis Anarquista, Coletividade, Autogoverno.
ABSTRACT
Based on the reflection brought by Sam Mbah and I. E. Igariwey in the book African Anarchism: The History of a Movement, we intend to pay attention to the existence of anarchist elements in traditional (pre-colonial) African societies. As free association between people, egalitarianism, freedom, collectivity, self-management and horizontality characterize these social media, proving what Mbah and Igariwey document in their book, the historical obviousness that governments did not always exist but also that anarchist practice, or anarchism as a way of life can be found in different places, regardless of their theoretical formulations.
KEYWORDS: Anarchism, African Communalism, Anarchist Praxis, Collectivity, Self-government.
INTRODUÇÃO
Anarquismo como filosofia social, teoria de organização social e movimentos sociais é remoto na África – de fato, quase desconhecido. Ele é subdesenvolvido na África como um corpo de pensamento sistemático e largamente desconhecido como movimento revolucionário. Seja como for, como veremos, o anarquismo como modo de vida não é, de jeito algum, novo na África (MBAH & IGARIWEY, 2018, s/p).
Dessa forma os autores nigerianos Sam Mbah e I. E. Igariwey iniciam o primeiro capítulo do livro Anarquismo africano: A história de um movimento. Como podemos ler, iniciam trazendo algumas definições para o que chamamos Anarquismo, sendo elas: filosofia social, teoria de organização social e movimentos sociais, corpo de pensamento sistemático, movimento revolucionário, modo de vida.
Nossa intenção neste texto é chamar a atenção especialmente para a última definição apresentada por Mbah e Igariwey, a compreensão de anarquismo como modo de vida e a constatação de que este modo de vida está presente na raiz de diversas sociedades africanas tradicionais (pré-coloniais).
PRINCÍPIOS ANARQUISTAS
Entre as definições trazidas pelos autores, anarquismo é apresentado como o bem viver da humanidade sem a existência de um governo imposto por outrem, sendo este a fonte de quase todo o mal social.
Na luta e no anseio por libertação, o anarquismo é veemente em defender a destruição do Estado, de todas as instituições estatais, de suas leis, do sistema capitalista, do sistema de commodity e salário, dos sistemas de valor, dos impostos sociais, da política estatal e todas as outras instituições que servem de instrumento para dominação das pessoas, a propriedade privada, a mídia de massas, a burocracia, as polícias, a família patriarcal, a religião institucionalizada.
Anarquismo está diretamente relacionado à ação direta empreendida pelas mãos de trabalhadores de diversas áreas em reação à exploração causada pelo capitalismo e pelo sistema de Estados existente desde o colonialismo. Aproxima-se muito mais da luta prática e de experiências reais do que de ideias abstratas, e reivindica a imediata abolição do sistema de Estados por entender o Estado como agente causador e mantenedor das opressões humanas (MBAH & IGARIWEY, 2018, s/p).
A destruição dos Estados modernos implica o estabelecimento da autogestão ou autogoverno. Este princípio defendido pelos anarquistas se baseia na participação de todos nas decisões que afetam a comunidade, no direito e na garantia da liberdade e igualdade para autodeterminação e auto-instituição. Não significa ausência de ordem, mas uma ordem compreendida a partir da livre associação entre as pessoas. O autogoverno, exercido não por uma instituição, por um grupo de pessoas[2] ou através da burocracia, mas por todos os membros da sociedade oferece participação ativa e a possibilidade para que todos os indivíduos alcancem seu mais completo desenvolvimento, seja em âmbito educacional, material, político, econômico, intelectual, moral, cultural ou artístico.
O anarquismo é irreconciliavelmente oposto ao capitalismo, como é também ao Estado. A recusa às instituições estatais e capitalistas se dá na medida do entendimento de tais instituições como a fonte da burocratização e do domínio que uma classe privilegiada, com acesso ao governo e às riquezas, exerce sobre as outras, pela imposição de impostos cobrados, de leis que cerceiam a liberdade dos seres humanos e pela defesa do poder e da riqueza de um pequeno grupo privilegiado.
Dessa forma, o capitalismo é protegido e legalizado pelo Estado, por isso o sistema econômico está diretamente ligado ao sistema político e seria impossível destruir um sem derrubar o outro. Como instituição de coerção que através da lei regulariza e normaliza o despotismo e as opressões sociais, o Estado é a máquina através da qual uma minoria privilegiada explora todos os outros seres humanos. Nesse sentido, liberdade não significa igual acesso ao poder coercitivo (por exemplo, governo via eleições diretas), mas, ao contrário, significa liberdade em relação ao poder coercitivo – em outras palavras, alguém se torna livre somente quando, e nas mesmas proporções, todos os outros estão livres (BAKUNIN apud MBAH & IGARIWEY, 2018, s/p).
Recorrendo à história da Europa, Mbah e Igariwey lembram que o sistema de escravidão imposto durante o colonialismo tem raízes no próprio sistema feudal, no qual os barões feudais subjugavam outras pessoas. A escravidão foi aprimorada e se expandiu no período colonial. No sistema capitalista a única coisa que diferencia um escravo de um assalariado é que o assalariado tem um pouco mais de liberdade para sair do trabalho, mas a exploração dos trabalhadores permanece, e permanece cerceando sua liberdade.
Junto com o capitalismo, os socialismos de Estado também são um empecilho para a plena liberdade e igualdade humanas pois defendem a permanência do Estado na sociedade. Os exemplos da Revolução Russa e da antiga União Soviética, da China e até mesmo Cuba mostraram o alto teor de autoritarismo e tirania presentes neste tipo de governo, chegando a revelar que entre o governo da burguesia e os socialismos de Estado as diferenças são poucas, sendo estes também opressivos, exploradores e coercitivos.
A destruição do Estado passa pelo esvaziamento de suas funções e a tomada de todas as decisões e realização dos serviços pelo comum acordo entre as pessoas. Esse senso de coletividade também está presente na defesa do fim da propriedade privada e propriedade privada dos meios de produção e sua imediata transformação em propriedade coletiva. A apropriação indébita da produção de trabalhadores pelos capitalistas ou pelo Estado deve chegar ao fim e todos os bens e produtos devem estar sob posse da coletividade, para serem gerenciados em comum por todos os produtores e trabalhadores. Dessa forma, liberdade individual e coletiva, ajuda mútua e comunidades produtivas autogovernadas devem ser priorizadas.
A abolição das instituições estatais e capitalistas se dá através da ação direta. Este princípio diz respeito a ações realizadas na esfera pública diretamente pelas mãos dos indivíduos envolvidos, todos têm liberdade para participar, sem mediação do Estado ou de quaisquer representantes. Ações diretas têm por objetivo construir ou provocar mudanças sociais. Nas palavras de Wallace de Moraes, o termo deve ser entendido quando os homens através de suas próprias mãos, sem representantes, realizam as ações que resultarão na sua liberdade (MORAES, 2018, p. 95)
Como mencionado por Bakunin na citação acima, o anarquismo também visa o fim do sistema representativo que através da mentira do sufrágio engana o povo dando a impressão de participação no poder e na tomada de decisões da vida pública. Na verdade o que o sistema representativo oferece é uma minúscula brecha no sistema político para que as pessoas escolham apenas qual grupo irá governar de forma despótica nos próximos anos. Sendo assim, a destruição do sistema representativo e das eleições implica a prática da ação direta e autogestão.
Vale ressaltar também que Anarquismo é oposto ao terrorismo como é também à desordem, ao militarismo, ao desenvolvimento de tecnologias que promovam a guerra. Os anarquistas defendem a luta revolucionária, uma Revolução social na qual a violência se torna necessária a partir do momento em que a violência primeira parte do Estado. Reconhecendo isto, os anarquistas entendem que precisam recorrer a ela na luta contra a máquina estatal. Nessa perspectiva, a International Workers Association (IWA)[3] discorre sobre o sindicalismo revolucionário da seguinte forma
Enquanto o sindicalismo revolucionário é oposto a toda forma de violência organizada do Estado, é também consciente que haverá confrontos extremamente violentos durante as batalhas decisivas entre o capitalismo de hoje e o comunismo livre de amanhã. Consequentemente, ele reconhece como válida aquela violência que pode ser usada como meio de defesa contra os métodos violentos usados pelas classes dominantes durante uma revolução social (IWA apud MBAH & IGARIWEY, 2018, s/p).
O conceito de Revolução Social através do prisma anarquista está, portanto, ligado com a ação direta da classe trabalhadora, em qualquer que seja sua atividade, camponeses ou operários, escravos e assalariados. A Revolução Social deve ser praticada por todos os trabalhadores, por todos os explorados e oprimidos, a partir de sua base, através da ação espontânea e contínua das massas, dos grupos e das associações, como escreveu Bakunin em 1871 (BAKUNIN, 2008, p. 125) em suas reflexões durante a Comuna de Paris[4].
Como podemos ver não se trata de uma revolução feita para o povo, mas sim uma revolução que deve fazer-se pelo povo, e não poderá se considerar vitoriosa se não captar toda a massa de trabalhadores (BAKUNIN, 1980, p. 46). Não se trata de um movimento em que um grupo (seja ele qual for, proprietários capitalistas ou proletariados) comanda o restante do povo a partir de um lugar privilegiado. Dessa forma ela se faz possível apenas se os preceitos de liberdade e igualdade plenas forem adotados desde o princípio da revolução, deve haver liberdade na escolha das ações diretas que cada grupo quer adotar, na forma de protestar, deve haver igualdade de possibilidades para os grupos que estão protestando, além de solidariedade entre eles. A Revolução anarquista também defende a autogestão no momento de protesto e o autogoverno entre os grupos.
Assim as decisões, no anarquismo, são tomadas horizontalmente, de forma democrática, descentralizada, através da associação voluntária e cooperação voluntária. Os meios determinam os fins, o objetivo de uma sociedade igualitária, livre e autogovernada deve começar no instante mesmo em que se luta para alcançar essa sociedade.
No trecho abaixo, do livro Anarquismo Africano: A história de um movimento, Mbah e Igariwey, trazem alguns fundamentos que embasam o anarquismo, e mostram como tanto a teoria como a luta prática anarquista confrontam tudo aquilo que o sistema liberal econômico e socialista de Estado expressaram e realizaram até hoje. Competitividade, hierarquia e autoritarismo incentivados no sistema liberal econômico e nos socialismos de Estado são substituídos por ajuda mútua, cooperação, associação voluntária, igualitarismo e liberdade.
A força do anarquismo está pautada no fato dos humanos ao longo da história terem sido impulsionados pela busca da igualdade e da liberdade, liberdade sendo indivisível da igualdade e vice-versa. Tal desejo parece derivar do fato de que os seres humanos são mais cooperativos que competitivos.
Em lugar da sociedade organizada em classes e marcada por hierarquia e autoridade, o anarquismo advoga em nome de uma sociedade autogestionada e independente baseada na cooperação, associação voluntária de ajuda mútua, e desprovida de governo (por exemplo, coerção). Em tal sociedade, a posse dos meios de produção não é preservação exclusiva de nenhum indivíduo ou grupo, e trabalho assalariado não existe, permitindo ao indivíduo ampla liberdade e iniciativa para o total desenvolvimento (MBAH & IGARIWEY, 2018, s/p).
Uma sociedade autogestionada diz respeito à inteligência e à capacidade de todas as pessoas de se autogovernarem e auto-organizarem social e livremente, sem precisar que um Estado ou qualquer outra instituição autoritária lhes ditem as regras de como viver ou se apropriem de territórios alheios, culturas, línguas, artes, modificando-os baseado em interesses políticos e econômicos sem respeito aos grupos sociais que habitam esses lugares. Como dissemos anteriormente, Anarquismo não significa desordem ou ausência total de governo, de autoridade, mas sim um governo que seja pautado na ação de todas as pessoas que compõem a sociedade, no respeito às suas culturas, línguas, artes, no respeito aos territórios e aos seres humanos que habitam esses territórios, no apoio e cooperação mútuos entre eles. Sendo assim, em oposição aos nacionalismos exacerbados e à xenofobia, o anarquismo também se baseia no federalismo e no internacionalismo.
Sobre a importância de ter liberdade de autoinstituição social, Castoriadis explica como o apagamento do papel exercido pelos seres humanos na criação da sociedade e do fato de que a sociedade se auto-institui, por grande parte dos intelectuais, teve como objetivo esconder a relevância dos sujeitos na constituição de seu próprio mundo. Incentivando o pensamento de que a sociedade tem uma origem extra-social, fundada em leis históricas ou até mesmo divina, esse ocultamento tanto impede a crítica às instituições existentes, como impossibilita a reconstrução de uma outra sociedade ou de novas formas de convívio social, baseada na livre associação entre as pessoas (CASTORIADIS apud MORAES, 2020b, p. 58). Diante disto, Moraes defende que a história deve ser tratada como auto-instituição comunitária (MORAES, 2020b, p. 58).
Em relação à religião, Mbah e Igariwey compreendem a religião institucionalizada como uma organização hierárquica, autoritária e patriarcal que endossa a hierarquia e o autoritarismo do próprio Estado. Estas religiões estão em perfeito acordo com os pilares fundamentais do Estado, que cerceiam a liberdade e a igualdade individuais, além de justificar o poder do Estado e a teoria de sua origem divina, extra-social. Tais religiões persuadem pelo medo e roubam das pessoas a consciência na capacidade de autodeterminação e raciocínio.
Apesar disso, os autores apontam que a religião como produto da mente individual de cada um, não institucionalizada, sem as características invasivas e autoritárias, deve ser respeitada.
SOCIEDADES AFRICANAS COMUNALISTAS: ANARQUISMO COMO MODO DE VIDA
Segundo Mbah e Igariwey ainda que Estados com características imperialistas tenham surgido em algumas regiões da África pré-colonial[5], o surgimento desses Estados não foi uma regra em todo o continente. O sistema de Estados moderno foi imposto durante o colonialismo por influência estrangeira, não é algo natural aos povos africanos. Nesse sentido, modificou substancialmente o funcionamento de boa parte das sociedades nativas, que possuíam tão somente a família ou a comunidade como unidade política.
Cerca de duzentos milhões de pessoas viviam sem Estado na África pré-colonial, mais de vinte sociedades. Os referidos autores levantam a suposição da existência de “elementos anarquistas” em diversas delas e em diferentes estágios do desenvolvimento e da história dessas sociedades. Em algumas esses elementos perduram até os dias atuais.
Tais elementos estão diretamente relacionados às fortes raízes comunalistas de grupos sociais da África pré-colonial. Para os autores a apuração desses elementos, após um exame minucioso, permite dar crédito à obviedade histórica de que governos nem sempre existiram (MBAH & IGARIWEY, 2018, s/p).
Comunalismo africano significa um modo de vida africano presente nas sociedades coletivistas desse continente, tem como características a autonomia, independência e senso de coletividade. As comunidades próximas relacionavam entre si, mas possuíam sua própria independência e autonomia, eram autogestionadas e todos os assuntos e questões práticas eram gerenciados pela coletividade, todos os membros participavam direta ou indiretamente das decisões que afetavam o coletivo.
Traços comunalistas permanecem em diversas sociedades africanas até os dias atuais, geralmente em sociedades localizadas longe dos centros urbanos. Segundo os autores, Essencialmente, muito da África é comunal em ambos os sensos: cultural (produção/ formação social) e descritivo (estrutural) (MBAH & IGARIWEY, 2018, s/p). Outras características do comunalismo africano são trazidas no texto:
Dentre as mais importantes características do comunalismo africano pode ser ressaltada a ausência de classes, isto é, de estratificação social; a ausência de relações de exploração ou de antagonismo social; a existência de acesso igual à terra e outros elementos de produção; igualdade no nível de distribuição da produção social; e o fato de que parentesco e laços familiares fortes formam (e formavam) a base da vida social em sociedades comunais africanas. Dentro deste quadro, cada casa estava apta a prover suas próprias necessidades básicas. Sob o comunalismo, em virtude de ser um membro da família ou da comunidade, todo africano tinha garantida uma quantidade de terra suficiente para prover suas próprias necessidades (MBAH & IGARIWEY, 2018, s/p).
As sociedades africanas comunais possuíam uma economia essencialmente agrícola, cultivavam hortas voltadas para sua subsistência. O excedente agrícola produzido era permutado entre comunidades vizinhas. Havia troca de mercadorias, alimentos e utensílios. Enquanto uma comunidade praticava o plantio de determinado alimento, a comunidade vizinha se empenhava em pescaria ou caça, ou outra atividade, de modo que as comunidades se apoiavam mutuamente e ninguém passava fome pois não havia escassez de alimentos. Mbah e Igariwey documentam que algumas vezes a comida sobrava e os restos eram jogados fora.
A diferença na alimentação dos grupos sociais vizinhos permitia uma colaboração recíproca entre eles, na qual cada grupo poderia suprir suas próprias carências e ainda colaborar e ser colaborado por outros grupos.
A organização política era horizontal e caracterizada por grande divisão de funções. Hierarquia, nas sociedades africanas tradicionais não estava associada à autoritarismo, despotismo, medo ou violência, mas sim ao respeito aos mais velhos e à ancestralidade. As lideranças não se embasavam em nenhum tipo de autoritarismo, coerção ou centralização de poder, mas no senso de coletividade. Eram formadas no núcleo familiar e baseadas em laços de parentesco com os mais velhos. A idade era determinante na formação de lideranças, que estavam sempre ligadas à sabedoria. Os mais velhos comandavam as reuniões sem que isso estivesse vinculado à noção de superioridade.
Tal era o senso de igualdade que os líderes não tinham qualquer vantagem pela posição que ocupavam. O trabalho era focado nos interesses da coletividade e dividido igualmente entre os membros da comunidade, seus ganhos eram mais ou menos iguais ao do resto do grupo. A partilha da produção era efetuada através do mecanismo de valor tributo/redistributivo.
Como o quesito idade era relacionado à sabedoria, os idosos administravam a justiça, a resolução de litígios, organizavam atividades comunitárias entre outras funções. Cada comunidade possuía seus líderes e as funções eram ordenadas pela natureza das questões de que tratava. A relação de equidade presente nas comunidades impedia que houvesse especialização de funções por parte dos líderes.
As decisões importantes eram tomadas através de consenso e não de voto. Sobre a jurisprudência da Nigéria comunalista Nnamdi Azikiwe afirma
É baseado no conceito de resolução de litígios através de conciliação. É enfatizada a necessidade de resolução amigável de litígios através de compromisso mútuo... Nesta operação, o maquinário da justiça nigeriana refuta tecnicidade, mas dá ênfase em reparação, imparcialidade, razoabilidade e honestidade... o sistema legal positivo da Nigéria busca prevenir a perpetuação da injustiça e estimular igualdade, sob o entendimento de que ninguém pode enriquecer sem causa ou ter negados os princípios elementares da justiça natural (AZIKIWE apud MBAH & IGARIWEY, 2018, s/p).
Os autores reiteram que tal sistema de jurisprudência não era muito diferente no restante da África. As reuniões eram guiadas por normas e regras estabelecidas anteriormente, que deveriam ser obedecidas por todos os membros. Não havia leis escritas, mas crenças tradicionais, respeito mútuo e os princípios nativos resultantes de leis naturais. As penas para qualquer tipo de infração não eram cumpridas individualmente, qualquer transgressão não acarretava vergonha apenas para o indivíduo que a cometeu, mas para toda a sua família. As funções policiais e paramilitares eram exercidas pelas sociedades secretas e sistemas de idade. Todo membro adulto tinha uma função nestas atividades.
Entre as instituições que uniam as diversas comunidades Mbah e Igariwey citam o sistema de idade e sistema de idade superior, nos quais os homens membros de diferentes comunidades trabalhavam juntos em diferentes funções e obrigações como construção de estradas, saneamento ambiental e colheita agrícola. Em algumas dessas comunidades também existiam instituições deste tipo para mulheres, porém sua importância variava de comunidade para comunidade.
No que diz respeito à religião as sociedades comunalistas africanas consideravam a existência de uma força invisível que as regiam, a vida era entendida como sustentada por essas forças espirituais. A organização social dessas comunidades era construída interagindo com essas forças invisíveis, havia uma dialética entre ideias religiosas e formações sociais que se interligavam e se fortaleciam.
Os deuses não estavam presentes apenas em ideias abstratas, mas viviam entre os seres humanos. Essas divindades eram consideradas guardiãs ou protetoras dos membros da sociedade.
A partir das noções religiosas eram praticados cultos ou sociedades secretas, estas eram responsáveis por realizar cerimônias, reuniões judiciais, cerimônias religiosas. Nas sociedades secretas eram colocadas em pauta questões que diziam respeito a toda a comunidade, suas deliberações eram mantidas em segredo do público. O fato de serem secretas tornava mais fácil para os envolvidos considerarem qualquer situação no seu mérito e evitarem tomar posições inspiradas por interesses de determinados grupos enquanto possibilitava anunciar decisões para o público como tomadas de forma coletiva e unânime (HORTON apud MABAH & IGARIWEY, 2018, s/p).
As manifestações de “elementos anarquistas” no comunalismo africano, como vimos acima, foram (e ainda são) difundidos. Isso inclui a ausência palpável de estruturas hierárquicas, aparatos governamentais e de mercantilização do trabalho. Para colocar isso em termos positivos, sociedades comunais foram (e são) amplamente autogestionadas, igualitárias e republicanas por natureza (MBAH & IGARIWEY, 2018, s/p)
Quanto ao papel da mulher nessas sociedades, os autores trazem algumas considerações. Havia comunidades em que as mulheres não possuíam um papel importante, ou baixo status. Entretanto esta não era uma característica invariável em todas as sociedades comunalistas africanas, uma vez que diferia de comunidade para comunidade. Mbah e Igariwey documentam inclusive comunidades que consultavam as mulheres antes da tomada de decisões e outras que eram comunais e matriarcais.
Dentre as sociedades que viviam sem Estado na África, os autores descrevem a organização política de três, os Igbo (oriundos do Oriente Médio), os povos do Delta do Níger, na Nigéria e os Tallensi, em Gana. Suas principais características eram a agricultura, o sedentarismo e o fato de as comunidades serem homogêneas (MBAH & IGARIWEY, 2018, s/p).
Os Igbo são oriundos do Oriente Médio de onde partiram em direção ao sul, situando-se depois na região do Delta do Níger. Não possuem grande centralização política, seguem uma organização social segmentar, com unidades pequenas, divididas em vilas. Não possuem reis ou chefes governando nem administrando suas unidades políticas, são povos que se orgulham de não possuírem reis.
A família é tida como a menor unidade política, várias famílias formam uma área e várias áreas formam uma vila. A administração da vila era feita por quatro instituições principais: assembléia geral de todos os cidadãos, conselho de idosos, sistema de níveis de idade e as sociedades secretas (MBAH & IGARIWEY, 2018, s/p).
Havia uma instituição de mulheres chamada Umuada que possuía um papel central na administração. Nenhuma decisão relativa a mulheres e crianças poderia ser tomada na vila sem o consentimento da Umuada.
O Conselho de idosos era composto por chefes de família que às vezes eram chamados para desempenhar funções sacerdotais. Haviam assembléias nas quais os idosos traziam questões que deveriam ser ouvidas por todos os membros da comunidade, estes deveriam emitir suas opiniões sobre os assuntos trazidos, até que fosse possível estabelecer um consenso em relação às questões trazidas. Ninguém, nem idosos ou sociedades secretas, poderiam declarar guerra sem que a decisão estivesse sido tomada em assembléia geral. Dessa forma todos os membros da comunidade participavam das decisões e ajudavam a decidir coisas importantes para a comunidade, demonstrando verdadeiro senso de democracia.
Ainda que fossem segmentadas, relações como casamento e comércio uniam as comunidades Igbo em um só povo. Se um Igbo estivesse longe de sua comunidade de origem, ele seria considerado Igbo por todos os outros, independente da comunidade de que fosse descendente. Tudo isso mostra o senso de unidade desse povo.
Os Igbo cultivavam seu próprio alimento, não havia escassez. O trabalho era comunal e exercido por membros idosos da comunidade e por sistema de famílias estendidas. Os autores asseveram que sua organização evidencia a possibilidade da prática de liderança sem hierarquia ou autoritarismo.
Os povos do Delta do Níger (Ibibios, Ijaws, Uhobos, etc), citados pelos autores tinham características análogas. Os elementos comunalistas são caracterizados pelas unidades administrativas, formada por sistema de lares, que eram complementadas por famílias estendidas, sistemas de níveis de idade e sociedades secretas. Estas cuidavam das questões administrativas e judiciais, enquanto que as assembléias municipais resolviam questões políticas comunais, em alguns desses povos.
Os lares eram compostos por um agricultor ou comerciante, sua família, seus escravos e a família de seus escravos. Vários lares compunham uma cidade-estado. Disputas entre lares eram resolvidas nas assembléias municipais.
Os Tallensi localizavam-se no território hoje chamado de Gana, eram camponeses, cultivavam principalmente cereais e sua tradição agrícola era mista com assentamentos temporários e permanentes. Sua organização social era baseada no sistema de clãs, o trabalho era comunal.
As decisões políticas eram tomadas sempre de forma coletiva, a autoridade vinha do grupo e não do indivíduo. Um clã era constituído por um conjunto residencial. Cada clã ou conjunto de clãs cuidavam das responsabilidades corporativas, direitos, deveres, obrigações e privilégios. A administração era feita por sistemas de idade e também por assembléias de massa, Socialmente e politicamente, portanto, os Tallensi eram uma sociedade homogênea, sedentária e igualitária (MBAH & IGARIWEY, 2018, s/p).
A organização social, política e econômica dessas sociedades impediam a concentração ou centralização de poder, uma característica comum nesses povos. As decisões e responsabilidades eram sempre tomadas a partir do coletivo, qualquer autoridade afetava sempre de forma limitada a vida dos indivíduos da comunidade. Os autores pontuam ainda a dificuldade em encontrar um equivalente à palavra classe nessas comunidades e, levando em consideração que as palavras refletem a necessidade de traduzir a realidade de onde surgiram, uma estratificação social hierárquica era realmente rara.
O comunalismo nas diversas comunidades e povos em que era praticado foi afetado pela implantação do capitalismo na África. Segundo os autores a conquista violenta, a dominação econômica, a introdução do sistema monetário e do sistema de mercado mundial, o roubo de terras dos povos tradicionais e sua escravização foram fatores fundamentais para o fim da organização social, econômica e política tradicional desses povos.
A introdução de um sistema educacional colonial unido ao papel exercido pela Igreja, agentes da socialização, serviram para justificar o violento processo colonial e o apagamento forçado da história e da memória das sociedades comunais africanas[6]. Todos estes foram fatores que modificaram estrutural e ideologicamente a forma como essas comunidades viviam e se relacionavam.
As ideias comunalistas estiveram arraigadas e determinaram a forma de organização social de povos africanos, sua cultura oral, no entanto, não permitiu que muitos desses costumes sobrevivessem à colonização. Iniciativas ou tentativas de resgatá-los foram empregados por diversos governos africanos pós-coloniais, mas fracassaram. Segundo os autores o principal problema desses governos foi a manutenção do Estado, sua completa destruição é um ponto chave para a libertação da África.
O sistema capitalista ruiu o sistema de produção pré-colonial comunalista. As comunidades se viram obrigadas a se inserirem no sistema de mercados mundial, todos os seus recursos, suas terras e seus produtos foram transformados em commodities. As consequências do capitalismo na África deixaram um rastro estrutural de pobreza, miséria e endividamento perante países capitalistas desenvolvidos. Enquanto o continente produz e vende matéria-prima de baixo valor para o exterior, precisa importar produtos finais a um valor exorbitante. A inserção forçada e violenta do capitalismo no continente africano ainda hoje submete este continente à fome, à desvalorização de suas moedas, terras, produções e recursos, além da privatização de suas indústrias e manutenção do capital nacional nas mãos dos herdeiros dos colonizadores ou de pessoas não-africanas, enquanto a mão-de-obra africana recebe baixos salários.
A desigualdade e miséria mundial produzidas pelo sistema capitalista e suas crises cada vez maiores tem auxiliado na busca por igualdade e libertação individual e coletiva. Governos marxistas, apesar das tentativas não têm tido sucesso nos países africanos em que conseguiu chegar ao poder. O apego do marxismo ao Estado tem mostrado ao mundo que seus valores (liberdade, igualdade e fim do sistema de classes) não podem ser alcançados a força, por meios coercitivos e violentos. Os exemplos onde o marxismo conseguiu se instaurar evidenciam isso.
Tudo isso tem feito com que a humanidade caminhe progressivamente para um modo de vida que valorize a igualdade social e maior liberdade individual, dando ensejo para expansão do anarquismo e suas expressões, o anarcossindicalismo e o anarco-comunismo (MBAH & IGARIWEY, 2018, s/p). Com relação ao futuro do anarquismo na África os autores asseveram estar diretamente relacionado com o futuro do Anarquismo no mundo, condição decorrente de sua característica internacionalista.
Organizações que incentivam a revolução e a libertação dos povos africanos, movimentos de viés anarquista, têm tomado força em alguns países. Segundo os autores existem atualmente movimentos anarquistas fortes na África do Sul, tais como o Anarchist Revolutionary Group (Johanesburgo) e Angry Brigade (Durban). Na Nigéria, os autores também citam o movimento denominado Axé, ocorrido em 1980, o Awareness League[7], desde 1990, com ideais anarquistas e de libertação social. Também em outras regiões da África existem correntes anarquistas, como no Egito, Gana e Zimbabuwe.
No entanto os autores pontuam que a aliança de sindicatos com partidos políticos e com a elite governante enfraqueceu a luta revolucionária e a perspectiva de melhores condições de vida em alguns países africanos, como é o caso da Nigéria e África do Sul (após o apartheid).
A questão nacional problema importante para real independência dos países africanos, gira em torno da autodeterminação das diferentes etnias existentes no continente e da quebra do moderno Estado-nação. A questão diz respeito ao desenvolvimento cultural autônomo e independente dos países. A heterogeneidade étnica populacional dos Estados, demarcados artificialmente agrava a situação. O sistema capitalista oferece liberdade individual, mas deixa de lado a igualdade entre as pessoas. Já as experiências com socialismo de Estado impõem à África aquilo que impuseram nos lugares onde o esse socialismo cumpriu-se, uma igualdade forçada e a conseqüente supressão das liberdades individuais.
A pauta da autodeterminação social é usada pelos diferentes governos como um aprofundamento no nacionalismo, gerando hostilidade entre diferentes etnias. Tanto os governos liberais (capitalistas) como os socialistas de Estado (marxistas) promoveram políticas de intensificação do patriotismo, tais políticas com o objetivo evidente de proteção ao Estado encoraja as opressões racial e nacional. Nesses governos o Estado e o capitalismo asseguram o direito de exploração dos trabalhadores assalariados pela burguesia.
A saída pelo anarquismo, por outro lado, implica a destruição dos Estados nacionais, o internacionalismo e a autogestão. Assim, a autodeterminação dos povos africanos poderá ser possível de forma a respeitar todas as etnias nativas, povos originários, sem a falsa questão de um nacionalismo que protege o Estado enquanto oprimi as minorias subordinadas. A permanência dos Estados que tiveram suas fronteiras traçadas artificialmente, limita a autodeterminação, perseguindo culturas, línguas, direitos naturais das diversas etnias. Para Mbah e Igariwey, Os anarquistas enxergam liberdade, igualdade e justiça como objetivos maiores que interesses nacionais, e a luta por estes objetivos maiores deve ser internacional. O ponto, claro, é que qualquer Estado – não importa o quão nacionalista seja – é um inimigo desses objetivos (MBAH & IGARIWEY, 2018, s/p).
CONCLUSÃO
Ainda que em suas formulações teóricas o anarquismo tenha surgido em continente europeu no contexto da luta operária, a prática de elementos anarquistas podem ser encontrados em diversas partes do mundo, sociedades inteiras viveram e de modo livre, igualitário, horizontal, sem o sistema capitalista, sem Estado e autogovernadas e, mesmo atualmente muitas delas ainda mantém essas características. Como relatado pelos autores cerca de duzentos milhões de pessoas viviam e se organizaram social e economicamente sem Estado e sem capitalismo na África.
Dessa forma, concordamos com Wallace de Moraes que do ponto de vista da sua práxis, não é possível determinar as raízes da filosofia política anarquista, isto é, suas raízes são indeterminadas e pode ser encontrada em toda luta contra as opressões e autoridades e por liberdade e igualdade no mundo inteiro (MORAES, 2020a, s/p).
As comunidades africanas tradicionais, vivendo sob regimes comunalistas, prezando organizações políticas horizontais e autogovernadas evidenciam aspirações básicas da natureza humana por liberdade, igualdade, justiça, respeito e apoio mútuos, autogoverno e auto-instituição social. Valores essenciais para uma vida digna.
Sendo assim, o anarquismo não se limita à uma visão eurocêntrica de mundo. Para além da teoria, é um movimento de luta e ação que envolve ideologia e práxis social.
A prática de elementos em comum com o anarquismo em sociedades africanas comunais nos prova que é possível a concretização de uma sociedade sem o sistema de Estados, imposto durante o colonialismo, e sem o sistema capitalista, tal qual prega o anarquismo. Esse é o motivo pelo qual Mbah e Igariwey afirmam que como modo de vida o anarquismo não é novidade em continente africano.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAKUNIN, Mikhail. (1980), Textos escolhidos: seleção e notas de Daniel Guérin. Porto Alegre: L&PM.
BAKUNIN, Mikhail. (2008), O princípio do Estado e outros ensaios. São Paulo: Hedra. MBAH, Sam; IGARIWEI, I. E. (2018), Anarquismo Africano: A história de um Movimento. Rio de Janeiro: Rizoma Editorial.
MORAES, Wallace de. (2020a). HISTORICÍDIO E AS NECROFILIAS COLONIALISTAS OUTROCIDAS – UMA CRÍTICA DECOLONIAL LIERTÁRIA. Otal .https://otal.ifcs.ufrj.br/uma-critica-decolonial-libertaria-historicidio-e-as-necrofilias-colonialistas-outrocidas-ncos/.
MORAES, Wallace dos Santos de. (2018), 2013 Revolta dos Governados ou, para quem esteve presente, Revolta do Vinagre. Rio de Janeiro: FAPERJ.
MORAES, Wallace dos Santos de. (2020b). CRÍTICA À ESTADOLATRIA: CONTRIBUIÇÕES DA FILOSOFIA ANARQUISTA á PERSPECTIVA
ANTIRRACISTA E DECOLONIAL. Revista Teoliterária, v. 10, nº 21, p. 54–78.revistas.pucsp.br.
[1] Mestranda em História Comparada no Programa de Pós Graduação em História Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGHC-UFRJ).
[2] Ou por uma elite privilegiada que possui “inteligência” para comandar o resto das pessoas.
[3] Segundo os próprios autores a IWA é uma federação de grupos anarquistas em dezenas de países ao redor do mundo (MBAH & IGARIWEY, 2018, s/p).
[4] O episódio que ficou conhecido como Comuna de Paris foi um levante popular ocorrido na França em 1871, o evento marcou os movimentos operários de então. O levante durou pouco mais de dois meses e deu lugar a uma organização social inspirada em princípios federalistas, coletivistas e mutualistas. Uma série de práticas e idéias originais que defendiam uma nova organização social foram aplicadas pelos communards durante esse período em toda a cidade de Paris. O levante, com características revolucionárias, durou cerca de dois meses e foi abafado com uma violenta repressão e perseguição policial a todos que participaram. Mais tarde, declarando-se partidário da Comuna de Paris, Bakunin escreveria que o levante foi a primeira manifestação espetacular e prática do socialismo revolucionário (BAKUNIN, 2008, p. 118).
[5] Segundo os autores, Diversas mudanças sociopolíticas nas economias comunais foram acompanhadas por aumento de produtividade. O surgimento de trabalhadores especializados em ferro gerou aumento de especialização e divisão de trabalho, enquanto aumento na produção possibilitou oportunidades para negócio, lucro e acumulação de riqueza desproporcional em poucas mãos. Com a expansão de atividades comerciais, a permuta começou a dar lugar ao uso de objetos metálicos como padrão de dar valor para as mercadorias. Uma imediata repercussão dessas mudanças foi a degradação gradual de determinadas características do comunalismo e o surgimento da estratificação social, ainda que em um nível pequeno. Na virada do século XV, diversas sociedades africanas estavam fazendo a transição do comunalismo para a sociedade de classes. A estratificação social formou a base para o crescimento da sociedade de classes e o desenvolvimento de relacionamentos sociais antagônicos, culminando no estabelecimento de Estados imperiais em algumas partes da África, com formas governamentais centralizadas (MBAH & IGARIWEY, 2018, s/p).
[6] Wallace de Moraes chama denomina Historicídio esse apagamento forçado da história de negros, indígenas e também da luta anarquista. Segundo o cientista político, existe um fenômeno que ataca o saber popular negro, indígena e anarquista que deve ser entendido para além da recusa das epistêmes decoloniais e anarquistas nas universidades ocidentalizadas e nas escolas. Trata-se do historicídio. Essa categoria busca apontar que as histórias revolucionárias, insubmissas, insurgentes de negros, indígenas e anarquistas são apagadas, negligenciadas, invisibilizadas da História. As constantes lutas por independência, liberdade e igualdade não são tratadas pela historiografia oficial. (...) Com efeito, vigora a composição de um triplo epistemicídio/historicídio reforçando um racismo epistêmico/oficialista que ataca fundamentalmente a cultura, o saber e a práxis negras, indígenas e anarquistas. Assim, vigora um terreno fértil para a desqualificação de tudo que vem desses povos e de seus revolucionários, reforçando a colonialidade do saber e o seu consequente ocidentalismo (MORAES, 2020a, s/p).
[7] Awareness League ou “Liga da Consciência” a qual os autores são membros.