O desconstrucionista francês Jacques Derrida famosamente afirmou que “não há nada fora do texto.” Nada fora da ordem simbólica.

Agora não há praticamente nada fora da civilização e ela está implodindo. Fracassando, de modo geral, em todos os frontes, em cada área, em todo nível. Fundamentada em tecnologia e capital, há agora somente uma civilização global e totalizante, não obstante as diferenças culturais. Dentro dela, nos tornamos cada vez mais dependentes de sistemas complexos distantes. O ethos de controle da domesticação, que avança interminavelmente, nos torna viciados na civilização.

A entropia reina também no mundo devastado. Não há notícias positivas para a civilização, que depende de energia para o seu desenvolvimento, para a sua existência. Essa é a mensagem central de The Measure of Civilization de Ian Morris. Assim como o câncer, a civilização deve crescer ou morrer. Expande-se, consome o seu hospedeiro como um parasita e então morre. The Collapse of Complex Societies de Joseph Tainter documenta esse processo de maneira convincente.

À beira da morte, a civilização se transforma em não-vida; a desolação e a doença passam a ser a norma. Mas esse não é o “novo normal”, dado que tal termo implica estase ou estabilidade, e a espiral negativa não é estável. Falhas ou anomalias repentinas e frequentemente imprevisíveis se tornam prováveis.

A novela de Michel Houellebecq sobre dois físicos publicada em 1996, Partículas Elementares, retrata o clima reinante de mal-estar. Não apenas mal-estar, como também uma condição de vitalidade zero. A sociedade, se ainda a podemos chamar assim, alcançou o fim da linha. Não há mais energia por trás de nada. Um best-seller arrepiante e profético. Hoje o anúncio de TV te oferece a oportunidade de comprar um carro sem sair do sofá, de calçar os sapatos sem precisar se curvar. E porquê procurar qualquer coisa quando o ChatGPT te dá as respostas pra tudo com o click de um botão.

Como Tainter destacou, a complexidade ascendente da civilização significa que ela precisa consumir mais energia do que produz. Suas crises clamam por “soluções” que envolvem mais complexidade, num custo superior. É a marcha da tecnologia, produzindo uma sociedade desarraigada, e mesmo sem mundo. O domínio da IA. Uma condição devastadora e desesperadora.

“Não há nada fora do texto” de Derrida abre caminho para o reconhecimento de que não há nada dentro do texto. Nada dentro da máquina de alta tecnologia que não tenha sido tomado emprestado da vida e remodelado como se aprendido fosse. A energia vital diminui ao passo que a marcha da tecnologia avança. Nos movemos no seu ritmo mentiroso. Há tempos, existe mais conexão entre os computadores do que entre os computadores e os seus usuários. Amanda Stewart oferece insights acerca da textura da comunicação da máquina: a voz da mídia é uma “voz inflexível, depressiva, sabe-tudo, uma voz sem auto-reflexão, sem ambiguidade” (2011). O movimento da tecnologia retirou um sentimento de história, substituiu-o num nível elementar, assim, não temos mais perspectiva sobre o desenrolar dos eventos.

Ed Ayres assim colocou: “Nós estamos sendo confrontados por algo tão completamente fora da nossa experiência coletiva que não lhe enxergamos de fato, nem mesmo à luz de evidências esmagadoras.” (2001). Décadas depois, a realidade é ainda mais extrema em todos os sentidos. O medo e a ansiedade aumentam à medida que a própria definição de humanidade está em jogo.

O rolo compressor da tecnologia avança, enquanto os erros de julgamento retrógrados continuam aparentemente em voga. “A tecnologia é neutra, apenas uma ferramenta, etc”. Tal inverdade constitui a defesa ideológica da tecnologia, mas a mentira tem pernas curtas. A tecnologia é a personificação da cultura dominante, sua realidade definidora, e nada menos. É o calcanhar da civilização, revelando, sem restar dúvidas, as suas consequências letais. É a arma que constitui a essência da domesticação. Ainda nos dizem que a tecnologia nos conecta, quando ela é claramente o instrumento do nosso isolamento, da nossa separação dos outros e da terra. Na ausência de vínculos sociais ou comunidade, nós precisamos urgentemente dissolver aquilo que nos destrói tanto. Nossa situação tenebrosa expõe a validade do que deve ser feito.

Colapso pode ser definido como a transição da complexidade para um plano mais simples de existência. Esse não é um horizonte distópico. A fragmentação pode servir de base para uma descentralização radical, um retorno para a conexão, para nossa maneira original de ser. Nós podemos abraçar o colapso e os seus desafios em nome da feralização (rewilding) ou desdomesticação.