Título: Evolução e oscilação no pensamento de Karl Marx
Data: 2012
Notas: Titulo Original: Evolución y vaivén en el pensamiento de Karl Marx. Tradução e Revisão por André Tunes @Consciência Subversiva
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    Leituras

O significado deste título deve ser entendido aqui não apenas no aspecto puramente descritivo, mas também crítico, pois tal evolução, se considerada desde uma perspectiva inicial e vontade revolucionária, não se sustenta, primariamente, em suposições lógicas de superação de momentos anteriores do discurso, nem sobre supostos cortes epistemológicos, mas sim sobre linhas argumentativas que incorre em inconsistências para o propósito pretendido. Queremos dizer, não é que a vontade revolucionária inicial, para continuar afirmando e se mantendo, tenha como prioridade superar, por lógica, seções anteriores do discurso que representam impedimentos racionais e práticos à congruência da vontade e do pensamento, nem que isso tenha exigido, para o mesmo, de uma mudança radical na linha de pensamento (“corte epistemológico”), mas sim, como acreditamos, é a variação, hesitação ou insegurança da vontade revolucionária que faz variar, dar um passo atrás, dar um passo à frente, seu pensamento. De facto, em termos gerais e como um movimento inicial, a vontade recorre ao pensamento em demanda de clarificação de si e do modo de realização de seu objeto, em um passo de busca e pedido de interpretação que pressupõe um certo preconceito da coisa. O pensamento desenvolve, então, um método de conhecimento do objeto da vontade que envolve um procedimento de conclusividade ou forma de discurso. O todo supõe, então, um intercondicionamento entre vontade e pensamento, onde a prioridade ainda está arraigada na própria vontade, que, como expressão de um imperativo existencial primário, mesmo condicionada pelo pensamento, pode começar ou proceder também de outras motivações. E avisamos, com antecedência, que, para o esboço crítico que propomos, não apenas levamos em conta a marcha do pensamento marxiano nos livros escritos e publicados por Marx, mas também nos escritos não publicados por ele, assim como os escritos de Marx, possíveis e talvez prováveis razões por que não foram publicadas ou, posteriormente, foram e por que, em determinados momentos.

De acordo com Louis Althusser (ver Revolução Teórica de Marx ou Pour Marx, 1966), colocando o problema como um confronto entre ideologia e ciência, na marcha do pensamento de Marx há um corte radical de linha (coupure épistémologique), em favor de uma metodologia científica, do Capital (1867) ou a Contribuição para a Crítica da Economia Política (1859). Tal “corte”, entretanto, não seria provado em obras posteriores, como A Guerra Civil na França (1871) ou a Crítica do Programa de Gotha (1875), se o aspecto cronológico for útil. A consideração do dito “corte” tem, contudo, uma certa razão de ser, si, com essa expressão, se entende a diferença radical entre o Marx dos manuscritos econômico-filosóficos de 1844 (um Marx humanista e feuerbachiano), por exemplo, e o Marx do Capital, 1867, (um Marx, economicamente determinista). O caso é, no entanto, que o acompanhamento cronológico do pensamento de Marx nos mostra, ao contrário, em sua trajetória, não dois Marx, mas vários Marx, como Martin Nicolaus argumenta e prova em sua obra O Marx desconhecido. Proletariado e classe média em Marx, Coreografia hegeliana e dialética capitalista (Anagrama, 1972). Os extremos diferenciadores destes vários Marx, poderiam ser os trabalhos de Marx citados acima, e, aqui, esclarecemos que este problema da multiplicidade marxista não seria resolvido pela pura distinção entre trabalhos de batalha ou confronto político-sociológico e trabalhos mais caracterizados por uma metodologia de investigação científica, porque, em ambos os casos, a intenção de Marx é confiar no método epistemológico que ele batiza de materialismo histórico.

Pelo raciocínio acima, não vemos adequada a expressão explicativa “corte epistemológico”, por isso tem um limite separativo de corte, “antes / depois”, e porque Althusser não fornece razões genéticas ou geradoras suficientes para isso. Por outro lado, embora vejamos com mais clareza as razões explicativas dos “vários Marx” que Martin Nicolaus sustenta, acreditamos que ainda estão nele, na ausência de uma afirmação mais precisa e coerente, que, em grande parte, faz diferentes seções das obras de Marx como meras justaposições, sem qualquer explicação das transições. Pensamos, portanto, que tais deficiências na análise das obras de Marx não podem ser superadas sem uma contribuição histórica biográfica do próprio Marx e de seu ambiente, isto é, sem a devida incidência no discurso da relação vida / trabalho, que é o que pretendemos cobrir.

O livro citado por Martin Nicolaus nos parece uma excelente fonte para concluir com base naquilo que propomos como nossa primeira pergunta: por que os manuscritos que Marx escreveu nos anos de 1857–1858 feitos na época não foram publicados? Em tais manuscritos, Marx ataca a questão de como e por que a ordem social capitalista entrará em colapso, uma questão fundamental para a história do marxismo, o que resultou na publicação de A Acumulação de Capital de Rosa Luxemburgo, em 1912 em resposta a tal carência, a fim de preencher essa lacuna, que não foi apreciada por todos os marxistas. Em 1939, um grande volume contendo os manuscritos de Marx dos anos citados, o resultado de 15 anos de pesquisa econômica, que teve uma segunda publicação, em dois volumes, em Berlim (publicada a partir dos Arquivos Marx-Engels), foi publicado em Moscou (1953): Grundrisse der Kritik der politischen Oekonomie. Somente nessa obra, Marx esboça a totalidade de sua teoria sobre o capitalismo desde a origem até o colapso. Já nos Manuscritos econômico-filosóficos de 1844 de Marx aparece tão importante o fator econômico material, que, no entanto, não obscurece de modo algum o fator humanista predominante na obra, que, axial e progressivamente, inicia seu desaparecimento epistemológico na obra posterior. Este ano, 1844, começa a sua amizade com Friedich Engels, e é de máxima importância, como justificação da nova inflexão marxista, a aparição, nesse mesmo ano, da obra deste último autor, Umriss zur Kritik der Nationaloekonomie (Esboço para a Crítica da Economia Nacional), onde se desenha um discurso sobre a enorme injustiça e imoralidade da forma capitalista de produção centrada na instituição do mercado, uma descrição maximalista que conclui com a observação de que, se o sistema não fosse corrigido moral e racionalmente, logo se tornaria “uma revolução social monstruosa”. Esta última observação é de maior importância e não deve ser perdida de vista, uma vez que já mostra, muito cedo, o temor de Engels à revolução social, que, no entanto, entrou nos cálculos de Marx. No comentário sobre a obra de Engels, Marx corrige, por um lado, o aspecto moralizante da crítica de Engels e afirma que o defeito desse modo de produção capitalista é que ele representa uma fragmentação e um abandono das possibilidades de desenvolvimento inerentes à espécie humana. De nossa parte, queremos avançar com insistência, e esta será uma das linhas principais de nossa tese: se Engels foi um defensor de uma revolução social burguesa, desde o início já não era uma revolução dos trabalhadores sociais, então ele sempre procurou, para este caso, uma solução política, isto é, de caráter evolucionista-emanintista. A principal consequência que extraímos do fato é que sua relação com Marx foi muito mais prejudicial do que benéfica para o desenvolvimento do pensamento de Marx, como um pensador revolucionário. Na abordagem e afastamento de Engels dos “jovens hegelianos”, não acreditamos que seus contatos intelectuais com o trabalho de Schelling, refletidos em sua obra Schelling e Revelation (1842), onde se manifesta de forma travestida o idealismo que Engels manterá por toda vida. Assim como Schelling estende o idealismo transcendental aos estudos da ciência positiva (química e biologia), assim como Kant fez com a mecânica, Engels parece entender seguir essa forma de racionalismo que pretende explicar todos os dados da experiência, em seu caso, reencontrando com Hegel para dar forma ao materialismo dialético, no qual o próprio Marx, não querendo cruzar a linha do materialismo histórico, não queria mais entrar. Lembre-se de que, hesitantemente, Marx justifica sua reunião com Hegel como um mero “flerte” intelectual com sua linguagem, em reação contra a vulgaridade anti-hegeliana do ambiente esquerdista da Alemanha de seu tempo e por entender e subverter o idealismo hegeliano, levantando o que em Hegel, diz Marx, estava de cabeça para baixo. A colaboração de Engels com Marx é, desde 1870, tão próxima que muitos estudiosos do assunto concordam que, às vezes, é muito difícil saber qual é a parte, geralmente muito importante, de Engels nas obras de Marx.

A origem revolucionária de Marx e seu pensamento é inquestionável. Muito cedo, nele aparece a teoria de que o proletariado faria a revolução, pois, progressivamente, se reflete nas três primeiras obras que se situam entre o verão de 1843 e o começo do inverno de 1844. No verão de 1843, Marx, que tem 25 anos, escreve a Kritik des hegelschen Staatsrechts (Crítica do direito público em Hegel), onde ele argumentou que, no Estado político criado pela Revolução Francesa, as diferenças na vida privada dos cidadãos, na sociedade civil, não tinham relevância material, porque eram pobres, ricos e politicamente iguais. No outono de 1843, ele escreve Die Judenfrage (A Questão Judaica), em que ele afirma que as diferenças civis podem não importar na esfera política, mas que era essa mesma esfera política que era de pouca importância, enquanto as diferenças civis não podiam ser negligenciadas de forma alguma. Entre o outono de 1843 e o inverno inicial de 1844, Marx escreve a Kritik der hegelschen Rechtsphilosophie (Crítica da filosofia do direito em Hegel), em que as diferenças de status civil tornam-se contradições dentro da sociedade civil. É negado, agora, que o Estado hegeliano é como o Reino dos Céus aqui na terra, e afirma-se, categoricamente, que “um Estado classista não cumpre a ideia do Estado como a realização da eticidade da especificidade humana”, afirmam. Isso não deve ser perdido de vista para contrapor a certa desconsideração da moralidade do último Marx. A filosofia também é agora um funeral apropriadamente filosófico. A sociedade, diz-se, será mudada por obras, feitos, não por palavras, e diz-se que os homens entrarão no cenário histórico que brandirão a vassoura histórica para varrer todas as teias de aranha entrelaçadas da política e do pensamento alemães. A emancipação alemã deve vir, ele acrescenta, de uma classe dentro da sociedade civil que não é uma classe da sociedade civil, mas uma esfera que é universal porque seu sofrimento é universal. Prossegue para uma liquidação geral da coreografia hegeliana, com a conservação de alguns de seus restos. O hegeliano, no entanto, levará apenas pouco mais de uma década para ressurgir nele, na forma de sua metodologia de Hegel, que ele afirma ter “se levantado”. É o que muitos, e nós com eles, consideramos como o erro do método que, em Marx, deve levar a um erro fundamental.

O primeiro impulso revolucionário de Marx se move no campo dos “jovens hegelianos”, em contato, sobretudo, com Arnold Ruge e Moses Hess, dando vida à “Liga dos Justos”, com o principal uso de seu trabalho no Rheinische Zeitung em Colônia. A plataforma de seu início teórico anti-hegeliana é o materialismo humanista de Feuerbach e seu grito de princípio “o ser precede a consciência”. O Marx da época era um foco de ideias, iniciativas e impulsos. Sua relação com Moses Hess (1812–1875), até o rompimento entre os dois nos últimos anos da Internacional foi positiva, tanto na “Liga dos Justos” quanto na “Liga dos Comunistas”, a tal ponto que Hess, em sua obra Die Folgen der Revolution des Proletariats (As consequências da revolução do proletariado), de 1847, antecipa muitas das ideias avançadas do Manifesto Comunista, em que a classe e não mais o indivíduo começa a se tornar a categoria vital histórica. Ele entrou em choque, no entanto, Hess com Marx, quando ele propôs ajudar a burguesia alemã a alcançar o poder, e rompeu com ele por imperativos éticos, contra o comportamento antiético de Marx na Internacional, embora ele entendesse que era completamente ilegítimo invocar a moral da sociedade existente contra as forças destinadas a transformá-la e a impor novas normas morais. Os “verdadeiros socialistas”, com eles Hess, entendiam que os valores éticos eram absolutos e temiam que o socialismo que se impunha em detrimento disso o transformasse em um novo autoritarismo opressivo. No início do relacionamento, Hess tinha sido um admirador extremo do jovem Marx, que ele afirma ser “O pensamento mais profundo e a ironia mais mordaz”. De uma carta de 1841 são estas palavras: “Imagine Rousseau, Voltaire, D‘Holbach, Lessing, Heine e Hegel, não digo em conjunto, mas confundido em uma pessoa e terá Doutor Marx”. Marx tem 23 anos nessa data.

Já nos anos 40, são decisivos para as novas inflexões do pensamento de Marx, que, em primeiro lugar, já em 1850, deixaram de acreditar na iminência da Revolução para derivar progressivamente, uma atitude que busca não a adaptação da realidade à ideia, mas da ideia à realidade, uma busca em que o fator vontade desaparecerá em prol da consciência das condições objetivas, e na qual, no entanto, progressivamente evolui do conceito de conhecimento real como uma prática revolucionária para um conceito obtido pela reflexão de acordo com uma suposta metodologia científica que, intencionalmente, pretende concluir em uma ciência exata ou quase exata, e que, portanto, arroga a capacidade de liderar as massas, deixando assim de ser uma reflexão sobre a ação das massas para ser uma reflexão voltada para direcioná-las. As massas, por outro lado, deixam, por esse caminho, um sujeito revolucionário para ser objeto de um pensamento que é apenas intencionalmente revolucionário, que, de fora de si e num processo de reificação progressiva, é projetado sobre elas. A influência em Marx de Wilchen Schulz sobre o caráter necessário do desenvolvimento histórico e de Rodbertus, para quem as transformações revolucionárias ainda podem precisar de 500 anos de espera, estão à vista, embora a variável definitiva, em termos de influência, naqueles anos e a seguir, foi para Marx o acompanhamento constante de Engels, não mais no que poderia ser derivado do diálogo intelectual entre ambos, porque o poder mental de Marx excedia em muito o de Engels, mas pela influência do último sobre a vida pessoal e privada do primeiro, e sobre a coerção moral subconsciente que poderia resultar dele. A marcha, formalmente dialética, mas, na verdade, evolutiva, que Marx está gradualmente assumindo é inegável, embora seja igualmente inegável que Marx nunca trairia completamente seu sentimento revolucionário primitivo, como pode ser visto nas obras menores do 18º Brumário de Luís Napoleão Bonaparte (1852), A Guerra Civil na França (1871) ou A Crítica do Programa de Gotha (1875). Aqui está o movimento de oscilação.

Um incidente biográfico, em meados da década de 1940, poderia ter sido, se não de valor etiológico, de natureza multiplicadora, na marcha das novas inflexões marxistas de que estamos falando. Referimo-nos a sua estada em Paris e suas relações com Pierre Joseph Proudhon. O relacionamento foi próximo e amigável e, no que durou, Marx elogiou o valor do francês, dizendo, expressamente, que ele era o homem chamado a tirar o socialismo de seu estágio utópico e levá-lo ao posto de teoria científica. Mas o casal Marx-Engels já havia meditado e forjado, a constituição de um grupo epistolar ou plataforma intelectual europeia, como base e plataforma de reflexão e emissão de conceitos destinados a direcionar o movimento social da Europa e, quando apropriado, do mundo. Em uma carta de abril de 1846, Marx escreve a Proudhon, informando-o da constituição daquele fórum epistolar destinado à “discussão de questões científicas e da supervisão de escritos populares e de propaganda socialista” e convida-o a fazer parte dele. Em uma carta de 17 de maio, Proudhon responde a Marx aceitando ser um membro dessa correspondência, mas avisando-o que professa um antidogmatismo econômico quase absoluto e que novos dogmatismos não deveriam ser criados pelo grupo epistolar, nem fingir ser líderes de uma nova intolerância. Essas advertências condicionantes e a defesa, puramente humana, de que, na citada carta, Proudhon de Karl Grün, inimigo político de Marx na emigração, foi o gatilho de uma explosão de raiva em Marx que turvou a clareza de seu pensamento e isso teria consequências na vida política e intelectual subsequente do nosso homem de Tréveris. O incidente é contemporâneo da publicação por Proudhon do Sistema de Contradições Econômicas ou Filosofia da Miséria, que serve a Marx, em seu estado de excitação psíquica, para escrever em Bruxelas a refutação do já mencionado trabalho proudhoniano, um uma refutação que não poderia deixar de ser carregada com “a sátira mais mordaz”, que Moses Hess já havia descoberto como uma característica das capacidades de Marx e que já é exibido em seu título, A miséria da filosofia (1847). É um trabalho apressado na busca dos efeitos políticos que se esperam dele e, portanto, incorre em contradições e conclusões não suficientemente consideradas. Faz abordagens e avaliações críticas, contundentes, que, no entanto, muitos anos depois, no Capital e em outros lugares, ele faz o seu próprio, sem mencionar Proudhon. Ele, por exemplo, disse em seu trabalho: “Se o trabalho é atribuído valor, não é como mercadoria verdadeira, mas em atenção aos valores que se acredita potencialmente contidos nelaO valor do trabalho é uma expressão metafórica”. Em seu trabalho de refutação e referindo-se a este parágrafo, Marx ataca violentamente contra Proudhon por ter declarado a expressão relativa à relação valor / trabalho como uma expressão metafórica, ou, como Marx coloca, “uma licença poética”. No entanto, no Capital I (Edição do Fundo Cultural, México, 1971, página 450), Marx diz: “O valor é uma expressão puramente imagináriaessas expressões imaginárias nascem do mesmo regime de produção. São categorias em que formas externas se cristalizam, nas quais a substância real das coisas se manifesta”. E não deve ser ignorado o que esse confronto concreto poderia significar para o próprio Marx na marcha, já decididamente economizadora, de seu pensamento, começando, é claro, com uma metodologia e um propósito evidentemente distanciados dos do autor francês. A proximidade de ambos os espíritos, naqueles anos, é, no entanto, manifestada, e Proudhon a corrobora quando, nas anotações pessoais que faz, no volume que possui da obra de Marx, diz ele “O verdadeiro significado do trabalho de Marx é que ele lamenta que eu tenha pensado em todos os lugares, e já disse isso antes dele. O leitor só tem que acreditar que é Marx quem, depois de ter lido, deplora pensar como eu”. No entanto, parece-nos importante ressaltar aqui o papel antipolítico do Marx da época, para transcrever o que ele diz na página 55 da cópia de sua obra que Proudhon administra: “Como objetivo, o propósito político é um erro, é até um erro como método”, ao qual Proudhon observa, em suas próprias mãos: “sim”.

Por volta dessa época também estão as Onze teses sobre Feuerbach. Marx precisava de algum tipo de justificativa teórica para uma forma de ruptura com quem fora seu mentor para o distanciamento de Hegel, como vimos acima. Tal justificativa não seria, portanto, o contrário, mas apenas “ir além de Feuerbach”, tentando corrigir o que a estática poderia ter seu materialismo, tentativa derivada de uma, por Marx, ainda pretendeu e fixou a concepção feuerbachiana do mundo do humano por sua crítica, Marx não pode deixar de forçar e desfigurar o próprio pensamento de Feuerbach, às vezes fazendo-o dizer o que não diz, como quando, na terceira tese, ele insinua certo fatalismo em sua crítica: “A doutrina materialista (de Feuerbach) da modificação das condições e da educação esquece que as condições são modificadas pelos homens”. Feuerbach nunca disse o contrário, embora, em seu discurso, ele não contenha os meios de prática revolucionária que estavam na mente de Marx. Que tais teses não foram consideradas por Marx como teoricamente muito acabadas, podemos deduzi-las de sua não-publicação, e elas só viram a luz, pela obra de Engels, após a morte de Marx, acompanhada de um trabalho de justificação do próprio Engels que não podem ter contraditores diretos, porque os envolvidos não vivem mais. Falamos sobre Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã (1886).

Nos anos de Bruxelas, Marx já pertence à “Liga dos Comunistas”. Seu pensamento já está se movendo na prática revolucionária real. Existe um mundo de exploradores opressivos e explorados oprimidos, uma consciência viva e crescente de exploração e opressão e uma decisão para superá-lo. São os materiais especificados no Manifesto Comunista (1847–48): O proletariado ainda é um agente da revolução, mas está previsto que ele não comece a ser uma forma interna, isto é, de si mesmo, mas como um instrumento de uma ideia originada e estabelecida fora dela. Por esta razão e de forma vaga e inconclusiva, antecipa-se, em outras palavras, o que será concretizado na fórmula “ditadura do proletariado”, o conceito de liberdade começa a ser comprometido e a ação das massas a ser condicionada. Estamos no prelúdio do domínio das “condições objetivas” e da predominância da abstração. Entretanto, no Manifesto, que é revolucionário em seu sentido primitivo em 90% do total, ainda se afirma que, na sociedade revolucionada, a divisão do trabalho desaparecerá e, nela, o homem individual e concreto se destaca das abstrações, como se concretiza na afirmação: “Depois da revolução, a sociedade será uma associação na qual o livre desenvolvimento de cada um será a condição para o livre desenvolvimento de todos.”

O ano 48 será, assim, um ano transcendental na acentuação das inflexões do pensamento marxista. Sua tensão com o “verdadeiro socialismo” se aproxima da ruptura, porque, neste, não se acredita que a prática revolucionária deve comprometer-se a ajudar a revolução burguesa, e esse é o ano em que Marx e Engels se mudam para a Alemanha para contribuir para o triunfo da revolução burguesa de março, levantada contra a Confederação da Alemanha do Norte, liderada pelos interesses dos junkers prussianos. O culminar revolucionário do Vormärz termina em fracasso, em março de 1848. Rodbertus retira-se da vida política e Marx e Engels retornam à emigração, mas sem abdicar de sua crença na necessidade de favorecer a revolução burguesa, embora naquele ano o proletariado francês tenha rompido com a burguesia, depois disso, na Segunda República, a insurreição operária do mês de junho, a pedido da criação de oficinas nacionais, teria sido respondida pelo general Cavaignac com os horríveis massacres das ruas de Paris. Enquanto este é o caso na França e Marx sempre teve os fatos sociais daquela nação como um modelo de vanguarda, Engels continua insistindo que o comunismo está acima do antagonismo burguês / proletário e confia em convencer essas ideias a uma boa parte da burguesia, seguramente, tomando a si mesmo como exemplo, e pensando, sem dúvida, que essa era a medida apropriada para impedir a “revolução social monstruosa” que ele temia, e assumindo, sem dúvida, conscientemente que isso representava uma gentrificação das próprias ideias comunistas que ele pretendia representar. Tudo isso significava, em todo caso, um desvio do fenômeno da “luta de classes” que Marx considerara fundamental na origem e cujo conceito, no entanto, é gradual e inverso, deixando de lado o trabalho de Engels. É aqui, talvez, o momento de enfatizar que, acentuando em Marx essa tendência, na medida em que quer se sentir representativa de um método científico, a luta de classes passa a ser, para ele, mais uma palavra ou uma entidade latente que um fato de que, ele é, peremptoriamente, necessário para declarar como científico seu método econômico político. Ele diz em O Capital que a economia política não pode se tornar uma ciência em sua visão burguesa, em que você pensa e tem o capitalismo absolutamente e sem uma alternativa. E não pode ser, diz ele, porque seu contraditório é ignorado, e acrescenta: “A economia política não pode, portanto, permanecer uma ciência, porque só permanece enquanto a luta de classes está latente e se manifesta apenas em fenômenos isolados”. Parece, portanto, que a luta de classes é mais necessária para aludir a ela do que reconhecê-la como um fato, muito menos para encorajá-la. Onde está a “prática revolucionária” que estava faltando em Feuberbach, e por qual razão disse partir dela?

No campo do teórico, as duas últimas obras dessa etapa que ainda visavam mais ao imediatismo da revolução são O Trabalho assalariado e o Capital de 1848 e o Discurso sobre o livre comércio de 1849. Os efeitos da diferenciação e oposição entre “valor de uso”, útil para o trabalhador e “valor de troca”, um já claro expoente da exploração, que, em torno dos conceitos mercadoria e valor do trabalho estão os eixos direcionadores da obra marxista, fazem aparecer, o conceito de “alienação” determinado, agora, pelo sentido econômico. Se, já primitivamente e a partir de Hegel, a Entäusserung (“alienação”) implicava uma perda, despossessão ou saída de si como efeito de uma lei interna, e vai, já com Feuerbach, parecer mais despossessão de uma essência anterior e real por efeitos de natureza ideológica, agora, com Marx, dentro de um escopo material-histórico explicativo, as características da negatividade são acentuadas no conceito como o efeito de uma ação externa hostil. Essa expropriação primitiva já é o efeito de um roubo, de uma rapina, de modo que o Entäusserung se torna, em Marx, claramente um Entfremdung, para conter aquelas nuances de negatividade hostil. Marx aceita, de maneira pessoal, a “lei de bronze” dos salários de Lasalle, segundo a qual eles tendiam inexoravelmente ao mínimo de sobrevivência, o trabalho é considerado como mercadoria entre mercadorias, a competição é tida como uma característica fundamental do capital e do mecanismo do mercado do mercado é considerado como o fator explicativo fundamental do fenômeno capitalista. No ano 50, Marx abandona a “Liga dos Comunistas” e declara que não acredita mais na revolução imediata. Agora, critica o voluntarismo subjetivista dos comunistas e os coloca diante das circunstâncias e condições objetivas, Os comunistas representam para ele, naquele momento, a rebelião dos desejos subjetivos contra as condições objetivas de seu próprio entendimento. O sentimento revolucionário de Marx permanece, no entanto, ainda, como provado nos materiais dos anos 57 e 58, que aparecerão nos Grundrisse acima mencionados, explicações sobre os momentos da queda do Sistema, e sobre as quais já perguntamos por que não foram publicados e levados em conta na preparação de seus capítulos de O Capital, onde, ao contrário, leva em conta aqueles que implicam ao abandono do mercado como um elemento explicativo essencial da acumulação para beneficiar, fundamentalmente, de uma explicação do modo de produção, uma forma que a libertasse das irregularidades e arbitrariedades do mercado, e que lhe permitisse ser considerada como uma variável dependente. Há duas coisas fundamentais que entendemos para explicar a transição, nesta época, de um Marx revolucionário para um Marx evolucionista, se tivermos em mente que, assim como O Capital representa uma análise anatômica magistral do capitalismo, os Grundrisse representam uma análise fisiológica ativa do mesmo. Diferenciação que significa, entre outros aspectos, que, no desenvolvimento de O Capital, Marx não reflete, nas mudanças de estratégia do capital, a influência que lhes foi determinada pela luta proletária, enquanto, nos Grundrisse, esta luta concreta aparece em primeiro plano, o que, entre outras coisas, leva-o a dizer, nelas, a Marx, como reflexo dessa luta, que “a ordem capitalista não estará madura para a revolução até que a classe trabalhadora tenha alcançado um aumento em seu nível de consumo acima do nível de sua mera subsistência física e inclua o desfrute do trabalho excedente como uma necessidade geral”, uma declaração que se opõe, diretamente, contra a lei de bronze. A teoria de que o mecanismo de mercado é a causa raiz da exploração é agora rejeitada e afirma-se que uma causa tão fundamental é a economia da produção. Antes, o trabalho era considerado outro bem; a partir dos Grundrisse, o trabalho já é considerado uma mercadoria excepcional e não será mais chamada de trabalho para ser chamada de “força de trabalho” (Arbeitskraft). É também agora que Marx começa a atribuir importância real à teoria excedente de Ricardo, e é assim que Marx começa a considerar a plusvalia como a base de sua teoria da acumulação capitalista. Mas, apenas um ano depois, quando Marx escreve seu Beitrag zur Kritik der politischen Oekonomie, Contribuição à Crítica da Economia Política (1859), ele se encontra e se mostra já distanciado de suas obras juvenis e afirma, no prólogo de o trabalho acima mencionado e como uma afirmação claramente evolucionista, de que o capitalismo só sucumbirá quando estiver exaurido por si mesmo, uma afirmação que generaliza da seguinte maneira: “Nenhuma ordem social desaparece até que todas as forças produtivas que têm espaço nela tenham sido desenvolvidas”. Há, a partir de agora, uma recuperação acelerada de conceitos e métodos hegelianos, ele começou a tratar os fatos como “fenômenos” puros de uma realidade mais básica, e ele tratou essa realidade ao extremo de considerá-la abstrata e independente das unidades particulares das quais foi composta, como claramente vê G.D.H. Cole no segundo volume de sua História do pensamento socialista, a partir deste momento, não é mais o homem quem deve mudar, mas os modos, meios e relações de produção, que são as condições do processo social, político e intelectual.

Marx desconsiderou o fato de que também do modo de vida se segue uma forma de produção e o mordicus, ao contrário, um modo de vida decorre do modo de produção. Ele tinha a vontade de escapar do hegelianismo com sua forma abstrata de dialética e recusar um conhecimento material real como uma prática revolucionária, com um primeiro passo efetivo de diferenciação dialética, embora ainda retendo certos remanescentes do ar hegeliano como a “vassoura”, “Varredura histórica” e o proletariado como um novo “agente de mudança”. Em seu segundo estágio e nos anos 50 do seu século, busca abjurar esse método por subjetivo e determinar seu discurso por dados de experiência em direção a uma estrutura de resultados científicos. Mesmo assim, continua aplicando a mesma metodologia ao desenvolvimento do par dialético capital / trabalho e suas contradições. Marx é sempre, intencionalmente, revolucionário, mas alguma deficiência em suas intenções o mantém em um erro permanente de método que carrega nele um erro fundamentalmente profundo, o determinismo econômico sistemático. As categorias econômicas, que ele usa e aceita como fatos concretos, não são, no entanto, um simples fato observável, eles exigem uma interpretação e explicação complexas. Ao dar a Marx uma prioridade e um caráter absoluto, ele os torna algo como qualquer “entidade metafísica” de seu tempo pré-científico. A economia joga, assim, em Marx, do ponto de vista do método, o papel desempenhado por Hegel em O Espírito. Nesse escopo de metodologia, os discursos de O Capital, que, como o I (1867), tratam dos fundamentos gerais da obra, insistindo no alcance e nos efeitos da mais-valia e da acumulação; como II (1885), trata da circulação do capital e seus problemas; como III (1894), estende-se em explicações sobre a divisão da mais-valia, em seus aspectos de benefício, renda agrária e juros; e como IV (1905, Theorien über den Mehrwert), estende-se em críticas aos economistas precedentes.

O comunismo, sua luta, vai, para Marx através das influências ditas, deixando de ser uma ideia para se tornar um movimento real, isto é, algo impessoal, onde massas de capital, bens, máquinas e pessoas estão sendo movidos, infalivelmente, por leis que os superam e que têm seu próprio propósito. São as “condições objetivas”. É, neste, facilmente visível também a influência sobre Marx de Wilchen Schulz para quem se apresenta o ritmo da história na cobertura de necessidades que à humanidade se apresentam, o que não deixa, para Marx, favorecer sua crítica do voluntarismo, formalmente dialético e evolutivo, em segundo plano. O grito de guerra continua a não ser a adaptação da realidade à ideia, mas a ideia à realidade, uma abordagem oscilante e comovente, na qual se concretiza a polaridade abstrato / concreto, cuja compreensão literal é ilusória, e que, no final das contas refere-se à pergunta: o que é realidade?

Os passos em que esse “movimento dialético” toma forma são o processo MDM (Mercadoria-Dinheiro-Mercadoria) da etapa mercantilista, onde não há criação de valor, pois nele apenas o vendedor ganha o que o comprador perde; o processo D-M-D (Dinheiro-Mercadoria-Dinheiro), onde não há criação de valor e apenas reprodução simples, porque não há mais-valia ou para ser consumido, improdutivamente, nele toda a mais-valia; e D-M-D mais d (Dinheiro-Mercadoria-Dinheiro mais um elemento cumulativo) que é o verdadeiro processo capitalista e que inclui reprodução expandida. Esse processo compreende, no pensamento de Marx, duas seções, uma explicada com a função axial do mercado, onde, através dos fatores de concorrência, oferta, demanda e preço, se exerce a mais-valia, e outra, já definitiva em Marx, onde o mercado passa para a única categoria de variável dependente, e o eixo fundamental da explicação torna-se acumulação, onde uma parte da mais-valia progressiva e sucessivamente aumenta o capital constante. Que no processo há contradições não é, para Marx, qualquer obstáculo, então, abraçando a Lógica de Hegel, não é estranho que a essência seja expressa de formas contraditórias consigo mesma. O fenômeno, Marx entende, é a sociedade como um todo, não individual, por isso não repara violações particulares e acrescenta que, embora a propriedade dos meios de produção fora dos trabalhadores, a exploração subsistiria. Do processo produtivo, surge a “mais-valia formada” e do processo de mudança, no mercado, surge a “mais-valia realizada”. A mais-valia pode ser “absoluta”, obtida pelo alongamento da jornada do produtor, que tende a diminuir, e “relativo”, onde o trabalho necessário é diminuído com o aumento da produtividade. Esse é o tipo de valor excedente que tende a aumentar.

Marx, como Lasalle, também pensa em salários relacionados ao nível de subsistência, e o nível convencional disso pensa Marx, diferentemente de Lasalle, descendente, forçado pelas manobras do capitalismo a evitar as “contradições” da empresa capitalista. Os salários ou percepção monetária dos trabalhadores que os capitalistas contemplam são determinados pelos custos de produção, de modo que, ao aumentar a produtividade com o desenvolvimento técnico, e, ao descer também com ela os custos de produção, a percepção monetária do trabalhador, na mesma medida em que a mais-valia aumenta, passando para o capitalista a trindade clássica de Renda, Juros e Benefícios. Com a mecanização, a taxa de exploração aumenta, porque a relação entre o capital constante e a variável é desequilibrada em favor da primeira. O aumento desta supõe uma diminuição da cota de lucro ao mesmo tempo que um aumento da mais-valia como um todo, pois é evidente que um alto interesse de um pequeno capital sempre renderá muito menos do que um capital imensamente maior do que um juro muito reduzido (taxa de lucro). A taxa de exploração aumenta, entendida como mais-valia para a mais-valia como uma diferença entre o valor da força de trabalho e o valor de troca no mercado. E agora é a hora de apontar um defeito do raciocínio de Marx na contemplação de máquinas e tecnologia, em geral, como “força de trabalho”. Marx nunca os considera como pertencentes ao capital variável, onde os custos de produção são contabilizados, e onde a mais-valia é produzida, mas, de antemão, o capital considera o investimento em qualquer tecnologia dentro do capital constante que lhe pertence. No entanto, os elementos tecnológicos são instrumentos de produção, incluídos na “força de trabalho”, são mais um trabalhador, ou melhor, uma grande multidão de outros trabalhadores, e são, além disso, o resultado acumulado da “força de trabalho” de gerações e gerações de trabalhadores. É verdade que Marx, nisso, nada mais faz do que transcrever o que o capitalista realmente faz, mas, dando a si mesmo o papel de um firme crítico da exploração do capital sobre o trabalho, ele deveria ter extraído do fato múltiplas consequências críticas, que, certamente, teriam variadas partes fundamentais de sua doutrina, dando, talvez, mais importância à análise fisiológica do que à puramente anatômica, ou, pelo menos, complementando-a. Foi, talvez, o resultado de sua valorização prioritária da produção, da atenção dada aos novos valores e acumulação, com a negligência de sua tarefa mais importante, a denúncia e análise de todos os fatores concorrentes na exploração. Demoraria muito para que esses aspectos negativos da tecnologia, ou melhor, de sua concepção e uso pelo capitalismo, fossem levados em conta e valorizados de acordo com essa negatividade. O primeiro a fazê-lo, dentro de uma corrente, se não marxista, sim marxistizante, foi a primeira Escola de Frankfurt, onde Horkheimer e Adorno atacam a tecnologia, afirmando que a racionalidade da mesma nestes tempos, e não conhece outra, é uma racionalidade operativa negativa no campo da exploração e da alienação humana, uma racionalidade que, em princípio, parece destinada ao domínio e controle das coisas, quando, na realidade, se destina ao domínio, exploração e controle de pessoas.

Outro capítulo problemático, causador de contradições e vacilações, em Marx, é o da polarização das classes e a depauperação do colapso inevitável da classe trabalhadora, bem como da decadência irremediável da pequena burguesia ou das classes médias. A hesitação é encontrada na distância dos Grundrisse ao Capital, e é muito significativa, em termos de variação. Na primeira das obras citadas (página 231), Marx nega essa contínua depauperação, quando afirma que “A ordem capitalista não estará madura para a revolução até que a classe trabalhadora não tenha conseguido aumentar seu nível de consumo acima do nível de mera subsistência física e incluir o desfrute do trabalho excedente como uma necessidade geral”, ou, quando em Theorien über den Mehrwert, p. 184), ele diz, na frente de Malthus que “É uma ideia ridícula que o excedente tem que ser consumido apenas pelos empregados e não pode ser consumido pelos próprios trabalhadores produtivos”. Intermediariamente, Marx também acreditava que os sindicatos ou organizações de trabalhadores de reivindicação tinham a capacidade de se opor à “lei do bronze”, mas estava ciente de sua limitação em face dos meios de capital (maquinário, crise, desemprego, exército de reserva…). Eles podem servir como um freio ocasional e temporário, mas não um impedimento real, porque, afinal de contas, o empobrecimento geral segue e, por isso, recomenda que eles não se esforcem muito ou deem demasiada importância a essas escaramuças e confrontos, mas aderir à ideia geral de que não poderia ser outra coisa senão a do empobrecimento último absoluto na fase final da mudança qualitativa. Acreditava, assim, num progressivo declínio da pequena burguesia de produção, sem prever outra evolução do mesmo na indústria e na burocracia industrial (gerentes, empregados, técnicos e administradores). Ele confiava, simplesmente, na proletarização da pequena burguesia, sem prever o jogo que o Grande Capital faria como um todo. Ele falou do aristocrata salarial, mas não previu a gentrificação de amplas camadas da classe trabalhadora. Quando, na História Crítica da teoria da mais-valia, admite o crescimento dessa classe média, aponta, acima de tudo, a artificialidade do fenômeno, sustentado com fundos que pesam sobre a classe trabalhadora, porque, enquanto vive sobre o capital, aquela que vive de rendas. Segundo ele, elas não contribuem para a produção, apenas absorvem mais-valia.

O pensamento de Marx move-se, portanto, não em contínuas, mas em frequentes hesitações, e não é que existam “cortes epistemológicos” contínuos e reais em Marx. O que é dado de fato é que, para garantir a fatalidade do resultado como consequência do desenvolvimento de condições objetivas e descartar qualquer forma de voluntarismo ou subjetivismo, porque não especifica quando a consciência revolucionária pode agir por si mesma, Marx é forçado a enfatizar a mecanicidade e regularidade dos “passos produtivos”, onde, por desrespeito ao indivíduo, entra num processo de abstração permanente e progressiva dos fatores do processo e do próprio processo que não se justificam diante da realidade, mantendo, porém, um princípio de verdade permanente, a exploração do homem pelo homem. Isso produz, no pensamento de Marx, um movimento de retroalimentação da reatualização de seus estágios de “superação”. Parece ser uma hesitação básica, que, no entanto, deve ser mascarada com efeitos de linguagem, porque um pensamento político que é considerado vanguardista não pode reconhecer erros e vacilações.

Tais erros e vacilações, que consideramos efeitos engelsianos no pensamento de Marx, alternam entre sua vida política e teórica. O caso de sua atuação na International Workers Association (AIT) ou na International Workers Association (IWA) oferece um exemplo claro. Na criação desta Associação, em setembro de 1864, em Londres, Marx desempenhou um papel importante, escreveu o discurso de posse, dirigido aos trabalhadores do mundo, e fora nomeado Secretário-Geral de seu Conselho. No segundo congresso de Lausanne, em 1867, tudo se desenrolou através dos canais de expansão ativa dos trabalhadores, e nele se fez uma chamada séria para a divulgação do primeiro volume de O Capital recém-publicado. No Congresso do ano seguinte, em Bruxelas, a Associação Internacional Socialista, liderada por Bakunin, começa a manifestar-se dentro da AIT, e já, decididamente, no Congresso de Basileia de 1869, as posições coletivistas e mais radicais desse movimento que não são do agrado de Marx, que pede, como reforço de suas posições, a presença de Engels na Organização, cujo Conselho ele acede como representante da seção italiana (!). No ano 70, não há Congresso, porque eclodiu a guerra franco-prussiana que tinha visões conflitantes na Organização e, no ano seguinte, também não há Congresso, porque Marx a utiliza para realizar, em Londres, uma Conferência restrita, com a presença dos adeptos socialistas alemães, em que a estratégia está preparada para expulsar Bakunin e seu grupo da AIT, algo que ocorre no quinto congresso, em Haia, em 1872, na qual as ditas expulsões são acompanhadas, foi o desejo de Engels e Marx, da modificação do artigo 8 dos Estatutos da Organização, pelo qual a busca por participação nos parlamentos foi prescrita para a IWA e o movimento trabalhista em geral a busca de participação nos parlamentos do regime democrático-burguês, com o argumento de que “de dentro” destruiriam melhor o Estado capitalista, medida estratégica contra a qual Bakunin já previra que, assim, não apenas enfraqueceriam o Estado e o capitalismo, muito menos os destruiriam, mas, ao contrário. seu resultado seria apenas o fortalecimento deles. A ação fora precedida pela publicação por Marx da Guerra Civil na França, em defesa da Comuna, em Paris, uma obra realizada por Bakunin como valiosa mas hipócrita, porque, nela, Marx defendia posições contrárias à sua própria abordagem e, com ela, ele só procurou acessos do proletariado francês para sua linha. Foi assim que a Primeira Internacional foi quebrada, e assim começou o processo social-democrata que daria tanta força ao capitalismo.

Outro aspecto é aquele em que essa distância do primitivo revolucionário marxista é concretizada em sua abordagem final e, velis nolis, a compreensão com o “socialismo alemão”, que já vimos o casal Marx-Engels ter a maioria necessária para a expulsão do setor bakuninista da IWA e, finalmente, para destruí-lo. O já citado G. D. H. Cole (II pp. 23–24) define o “socialismo alemão”, do começo ao fim, como um movimento revolucionário burguês, num estado mental de reflexão filosófica. Daí a crítica de Marx e Engels em A Ideologia Alemã. A ideia de que, em sociedade, existia, separada, uma ordem política e econômica, guiada por princípios essencialmente diferentes, não apenas se opunha à tendência geral da filosofia e pensamento jurídicos alemães, mas, além disso, colidiu com o desejo profundamente arraigado de unidade nacional, que, por sua vez, exigia a unificação social e política. Devemos ter em mente que Fichte e Hegel eram incompatíveis com o liberalismo que o capitalismo estava desenvolvendo na Europa, e que eles eram as bases a partir das quais o pensamento social alemão começava. No clima de oposição a tal liberalismo, havia certa proteção operária contra o desejo pelo benefício dos capitalistas. Bismark deu poder de voto a todos os homens da Confederação do Norte da Alemanha e depois até ao Reichstag, como forma de impedir a cristalização de uma aliança de trabalhadores e burgueses contra a autocracia e os privilégios aristocráticos. Daí o nome “socialismo feudal”, que, com esse nome, já é mencionado por Marx no Manifesto Comunista. Tal socialismo era anti-capitalista e favorável aos Junquers ou aos grandes proprietários de terras da Prússia. Nessa mesma linha, operou o “nacionalismo constitucional”, que, no entanto, era contrário ao latifundismo por causa de seus efeitos negativos sobre os camponeses. Alguns deles propuseram o “Estado do Proprietário”, com as reformas escalonadas que isso exigia. Rodbertus pensou que levaria cinco séculos para alcançar as mudanças necessárias para uma sociedade moderna. Ele lutou pela monarquia constitucionalista e pela unidade alemã. Influenciou Marx, na questão da superprodução e crise, e em Lasalle, na configuração da “lei do bronze”. As obras de Rodbertus se harmonizaram com o “socialismo de Estado” de Bismarck, e ele não vislumbrou o conceito de classe como força motriz da história. O sistema do professor Marlo visava uma reconciliação entre o liberalismo e o comunismo, onde o Estado seria o administrador de todos os serviços e bens públicos e onde o trabalhador receberia o equivalente do produto de seu trabalho. Tanto ele quanto Rodbertus são fortes críticos do capitalismo, mas não pensam em nenhuma forma de revolução. Para o seu socialismo, aconteceu o “socialismo de cadeira” dos anos 70–80, que desafiou a economia política ortodoxa e proclamou o papel do Estado na regulação econômica. A escola histórica, enquanto isso, representava um capitalismo de estado. Ferdinand Lasalle (1825–1864) baseou-se no sufrágio universal para transformar o Estado em instrumento de democracia. Marx estava com a burguesia contra o Estado prussiano, enquanto Lasalle estava com o Estado prussiano contra a burguesia. Já há algum tempo o casal Marx-Engels rompeu com o “verdadeiro socialismo”, que mantinha uma atitude revolucionária e anti-burguesa. Agora, o mesmo casal busca a abordagem do “socialismo alemão”, com uma pequena porcentagem do “socialismo bismarckiano”. O passo “social-democrata” de Marx (trabalho efetivo das hesitações do pensamento marxista e do “praticalismo” de Engels) concretiza-se em ter aceitado uma “média” dos diferentes socialismos alemães, em si mesma falsa, e que só de uma maneira falsa poderia ser reivindicado como socialismo revolucionário, que, já no século XX, faria de Kautsky um renegado na visão de Lenin, e com o remorso de consciência que a Crítica do programa de Gotha traria o socialismo revolucionário, de uma maneira absolutamente natural e lógica, à posição revisionista de Bernstein.

Outro aspecto que merece atenção especial na obra marxiana, e já nos referimos a ele, é o método que, na maioria de suas obras, salvou a maioria dos textos em que Feuerbach ainda era seu mentor intelectual, lidera sua obra, conduz seu discurso. Não nos referimos ao materialismo histórico, em que devemos reconhecer que ele foi o primeiro a dar-lhe um alcance geral, e que a historiografia se torna diferente antes e depois de Marx. Referimo-nos à dialética, que, em sua própria gestão, acaba distorcendo o próprio materialismo histórico, restringindo-o ao extremo da retração do fator homem, convertendo-o em determinismo econômico. De fato, o materialismo parte do Iluminismo, e Feuerbach faz ressurgir de outra maneira, partindo do ponto de partida que precede a consciência. Foi Feuerbach, para Marx, a descoberta de uma nova luz que o salvou de uma grande luta interior e do grande remorso da consciência de ter de fazer ídolo de Hegel, cuja doutrina ele odiava, ao escrever dolorosamente seu pai aos dezenove anos de idade. Marx diz nos Manuscritos econômico-filosóficos de 44: “Feuerbach é o único que mantém uma atitude séria, uma atitude crítica, diante da dialética hegeliana e que fez verdadeiras descobertas neste campo, é, em geral, a verdadeira superação da velha filosofia. A grandeza da contribuição e a simplicidade silenciosa com que Feuerbach entrega ao mundo apresentam um contraste marcante com o que, pelo contrário, vemos nos outros.”

“O grande feito de Feuerbach consiste em: 1) provando que a filosofia nada mais é do que a religião incorporada nos pensamentos e desenvolvida de maneira discursiva; e que, portanto, deve, ser considerado como outra forma e modalidade de alienação do ser humano. 2) por ter fundado o verdadeiro materialismo e a ciência real, porque Feuerbach também estabelece, em um princípio fundamental da teoria, a relação social ”entre homem e homem”. 3) ao se opor à negação da negação hegeliana, que afirma ser absolutamente positiva, o verdadeiramente positivo que repousa sobre si mesmo e tem sua base em si mesmo”.

“Feuerbach explica a dialética hegeliana da seguinte maneira (baseando-se, com ela, no ponto de partida do positivo, do certo, através dos sentidos): Hegel parte da alienação (logicamente, do infinito, do abstrato em geral) da substância, da abstração absoluta e fixa; isto é, falando liso e claro, parte da religião e da teologia. Em segundo lugar, supera o infinito e estabelece o real, o sensorial, o finito, o particular (filosofia, superação da religião e da teologia). Em terceiro lugar, supera o novo, o positivo, e restaura a abstração, o infinito, com o qual restabelece a religião e a teologia)”. Fica, portanto, muito claro que Marx reconhece esse grande valor, em seu mentor anti-hegeliano, mas chega, injustamente, a acusá-lo, de forma críptica, de um determinismo humano passivo (ver Terceira Tese), para afirmar algo que Feuerbach não nega, mas que Marx está interessado em destacar como um expoente da nova linha que ele pretende inaugurar:

As condições objetivas “são modificadas pelos homens”, um dos princípios de seu discurso fundamental na época: o homem é o autor da esfera da existência material, portanto, ele também é senhor de seu próprio destino, uma afirmação que, mediar outro fator no campo da ideia e desejo ativo, está em contradição aberta com outra afirmação axial de seu discurso: “O homem é um produto social”, resultado das “condições objetivas”. Este é o ponto crucial em que a doutrina de Marx é decidida. Tendo decidido sobre a prioridade absoluta das condições objetivas, acaba fatalmente levando ao determinismo econômico. Entrando no campo da economia, Marx ouve a declaração de Adam Smith, que, falando da divisão do trabalho, diz que os homens não faziam trabalhos diferentes porque eram diferentes, mas eram diferentes porque faziam trabalhos diferentes.

A partir dessa posição dialética da história, Marx chegou a concluir a regularidade dos passos históricos e, com isso, a conclusão de que a revolução proletária deveria ser precedida pela revolução burguesa. Assim, com a ajuda de Engels, nasce a necessidade de criticar o “idealismo” dos “jovens hegelianos”. Os irmãos Bauer, por exemplo, a principal razão para as críticas na Sagrada Família (1845), foram críticos amargos do Estado e da Igreja, mas foram contra a luta por reformas parciais, porque, em seu conceito, eles implicavam uma aceitação da ordem social existente. Os jovens hegelianos permaneceram, portanto fora do movimento operário, pois entenderam que deveriam estar longe de qualquer movimento feito “por interesse”. Em seu conceito, eles acreditavam que o socialismo deveria ser procurado por homens livres de toda ambição egoísta.

Outra contradição ou manifestação das vacilações mentais de Marx é que, às vezes, ele considera a mente humana como parte das forças da natureza, e em outros, pelo contrário, ele julgou a mente como algo movido por essas forças. Como Feuerbach, eu queria afirmar a prioridade do Ser. Agora, bem, Ser inclui o homem não apenas como corpo, mas como mente, e Feuerbach já havia afirmado a unidade do corpo e do espírito dentro de seu ser diferente. Para abordar estas questões, um simpatizante crítico de Marx, G.H.D. Cole, pensa que Marx buscou, nisso, uma hipótese útil em vez de um dogma, e que não afirmou uma determinação dos assuntos humanos pelas coisas, mas uma determinação das coisas pela ação. E, assim, a questão é: onde estaria o materialismo anti-idealista de Marx se, além disso, ele não fizesse distinção entre ideia e mente?

Uma vez que Marx esteja convencido de que a forma de seu discurso é científica levando em conta os fatos e os avaliando de acordo com o método sistematizador apropriado (a dialética hegeliana modificada), ele pode se dar ao luxo de, pela vida prática, de desenvolvimento que ele tem é incontornável (embora afetem o futuro inexperiente) de considerá-los estado puro em ato de um fator potencial que, em germe, acredita ter analisado perfeitamente na experiência. É assim, por exemplo, que prediz a prioridade da revolução anticapitalista na Inglaterra, na França ou na Alemanha, porque é o país industrial mais desenvolvido, ou nega ao campesinato o caráter de vanguarda revolucionária, ou diagnostica a polarização absoluta das classes e o empobrecimento radical da classe trabalhadora. Sua intenção é abandonar e combater o campo do subjetivismo, mas, nomear as mesmas coisas com nomes diferentes e sem qualquer dúvida sobre a exatidão de seu método e linha de pensamento, carece de mera prudência autocrítica e, convencido da redondeza de seus objetivos e, da ação mediada, de sua realização da necessidade, incorre no voluntarismo e não repara nem presta atenção entre a ação e seus efeitos. Desta forma, e sem chegar a declarar explicitamente que qualquer meio é válido para qualquer propósito, ele diminui ou desconsidera os aspectos morais e éticos e, na prática, adere mais à formulação de Maquiavel que o fim justifica os meios, uma vez que a conclusão de que a liberdade pode ser alcançada através da ditadura ou da anulação do Estado através do próprio Estado.

De tudo o que temos dito é claro, muito claramente, que o reencontro com Hegel não foi, precisamente, para o revolucionário Marx, o mais benéfico. Se a lógica nos ensina que proposições contrárias são opostas em qualidade, mas não em quantidade, já que ambas são universais, e que proposições contraditórias se opõem em quantidade e também em qualidade, a confusão entre ambas, contrária / contraditória, domina o pensamento Hegeliano e boa parte, e também por contaminação, do marxiano. A dialética hegeliana tenta escapar da abstração para cair na maior das abstrações; visa possibilitar a implantação, amadurecimento e realização da realidade, procedendo a um movimento de enteléquia pura. Em Marx e no modo hegeliano, mesmo tentando substituir ideias por realidades empíricas, concluímos nos mesmos resultados de abstração. Na lógica marxiana e pela aceitação da coincidência de opostos é permitido, ao mesmo tempo, afirmar e negar S é P, porque, se S é P então para ser verdade em um tempo t, pode não ser verdade em um tempo t’, o que poderia representar a afirmação de dois opostos, mas não dois contraditórios. Com tudo isso, a dialética em Marx e no marxismo tornou-se ainda mais obscurecida do que tem sido como método.

A alienação de Marx do conceito de liberdade vai, assim, nele, progredindo e, progressivamente, se confunde. De sua tese de doutorado sobre juventude, na qual ele encara o pensamento de Epicuro e o de Demócrito, Marx se inclina para a defesa do mundo fenomenal do primeiro contra o “ceticismo corrosivo” do segundo e, nele reduzindo a chance de clinamen à própria essência do átomo, da qual é sua própria alienação e pela qual o átomo realmente existirá, Marx parece entender a liberdade como o princípio fundamental de tudo, o que inicia o mundo da diferenciação qualitativa e da diversidade dos indivíduos. A distância, desde as origens, que entendemos como externa, em termos de discurso construído, é clara e, nela, entendemos que a presença e o acompanhamento de Engels desempenharam o papel, se não definitivo, foi decididamente importante. Um fato, se não probatório, sim realmente relevante, encontramos na etapa em que Engels, indo além do materialismo histórico, se interessa por uma tentativa de desenvolver o materialismo dialético, expresso em sua obra A Dialética da Natureza (1878–1888), publicado na URSS em 1925, e nós o consideramos verdadeiramente importante em relação a Marx, já que Marx claramente ignorou essa forma de discurso, enquanto acreditamos que Engels pretende, nessa tarefa, seguir os passos de Schelling e Hegel em sua Filosofia da natureza.

A fonte fundamental desse último desvio marxista, portanto, é Hegel, seu odiado ídolo, um passo no qual ele se inclinava para escapar da quantitatividade de Ricardo ou para dar-lhe uma saída que não o impedisse de conhecer plenamente a essência. Nessa confusa discussão entre o quantitativo e o essencial, hegeliano, Marx considera um processo de desenvolvimento contraditório, no qual, via Hegel, Marx é introduzido, ele dá origem a intercalações de métodos e afirmações que mais tarde se contradizem, e que, às vezes, produzem envolvimentos reais naqueles que, apoiando o pensamento marxista ou marxiano, tentam situar o discurso de Marx dentro dos arcabouços da lógica, como é o caso de J. Zeleny (A estrutura lógica de O Capital de Marx, Ed. Grijalbo, Barcelona, Buenos Aires, México, 1974). Esse autor não nega a reunião de Marx com Hegel ou que, em ambos, o conceito de substância é substituído pelo de autodesenvolvimento, que, em seu movimento, se manifesta em seus predicados. Reconhece que, neste caso, a clássica fórmula aristotélica de julgamento S é P não é adequada para a expressão da verdade e que, consequentemente, não é seguida por Hegel, mas é seguida por Marx, no que segue Struve e Mankovskii, quando ambos argumentam que a estrutura lógica da visão de Marx é baseada na estrutura do julgamento aristotélico, para o qual a passagem de Marx traduz (Das Capital, Band I, S.72), em que, ao se opor à redução do valor de troca para uma relação quantitativa pura, ele afirma: “As propriedades de uma coisa não nascem de sua relação com outras coisas, mas agem nessa relação”. No entanto, em outros lugares (p. 40) e a adição de Marx, diz que a mesma propriedade nasceu em certas fases da evolução da sociedade humana, é uma certa relação entre os homens e seus empregos. Em alguns casos, Marx prioriza a propriedade sobre o relacionamento, e em outros, a relação sobre a propriedade, e diante dessa inadmissibilidade lógica, Zeleny conclui que existem dois tipos de relatividade em Marx, relatividade dupla, relatividade relativa e outra relatividade substancial. Marx é, portanto, relativista, sem cair no relativismo. Mexer bagunça. Ele também afirma que “Marx separa-se constantemente do curso e da superfície da realidade e expressa, idealmente, as relações internas necessárias dessa realidade”, para as quais um parágrafo dos Grundrisse (p.22) argumenta: essa separação é “um produto da cabeça pensante que assimila o mundo da única maneira que é possível”. Estamos no caso da reflexão que sempre tem uma explicação da realidade, ou estamos no caso da ideia que cria essas relações internas como necessárias? Esta frase se aplica a todos os momentos em que Marx fala e processa o idealismo?

Queremos dedicar a parte final deste artigo para fazer alguns comentários críticos sobre o determinismo econômico marxiano. Da Contribuição à Crítica da economia política de 1859, para Marx, já é, sem variação, o producionismo e as questões econômicas os determinantes objetivos da sociedade humana. Ora, se a produção é o fator determinante do social e o homem é um produto social, como Marx quer, o homem é economicamente determinado. Daí o corolário de que a infra-estrutura econômica determina a superestrutura ideológica. Os sistemas de organização do trabalho não são determinados pela livre vontade do homem, mas, em geral, pela natureza dos meios de produção disponíveis ao homem em um lugar e tempo específicos. As forças de produção determinam as relações de produção e estas decidem muitas outras coisas, entre elas, a estrutura social que determina as relações fora do campo de trabalho. Diferenças sociais são baseadas em diferenças econômicas. Este predomínio da influência econômica e determinante Cole não pensa que possa ser aplicável a sociedades pré-industriais. Também é inaceitável que o poder do homem seja contado entre as forças de produção no âmbito das “matérias-primas”. Ele acreditava, no entanto, que Cole, embora a generalização de Marx não fosse válida para todos os tempos, era válido para ele. Ele acha que Marx, mais do que um dogma, estava procurando uma hipótese útil, e acreditando que ele justifica isso em seu determinismo econômico, ele diz (I, página 276): “A força motriz da mudança de ideias está nas forças de produção e, à medida que essas forças mudam, devido ao desenvolvimento posterior do conhecimento humano e da capacidade prática, há necessariamente uma adaptação da estrutura social e política como das estruturas ideológicas que determinam o modo de vida de uma sociedade”. O parágrafo é muito vago e parece contraditório: Se as forças de produção mudam para o desenvolvimento do conhecimento humano, fica claro que, nesse processo que apresenta, está o conhecimento humano anterior, e, então, como podem as forças de produção ser os determinantes da mudança da superestrutura ideológica? Dentro da dicotomia estrutural marxista, a que estrutura pertence o conhecimento humano? Esta interpretação do parágrafo de Cole sustenta-se por não levar em conta as vírgulas contidas no parágrafo entre parênteses, “por causa do desenvolvimento adicional do conhecimento humano e capacidade prática”, mas mesmo levando isso em conta, segue a obscuridade do parágrafo, Parece que Cole levara em conta e teria seguido a resposta que Engels dá à pergunta de Weber sobre a determinação da superestrutura ideológica pela base econômica, da qual nos voltamos depois. Parece, então, que Cole interpretaria que o conhecimento seria a causa da mudança, mas que, no final, esse conhecimento seria, por sua vez, sobre determinado pela base econômica, como Louis Althusser mais tarde formularia, o que também nesse sentido, nós criticamos.

A produção segue um modo de vida, é verdade, mas também do modo de vida dos homens vem a produção, e não há razão para constituir a questão em um “círculo vicioso”. O relacionamento é conjunto e não prelativo. Como Feuerbach, Marx-Engels queria pensar que o Ser precede a consciência, mas ser inclui o homem não apenas como um corpo, mas como uma mente, e como dissemos, Feuerbach já havia afirmado a unidade do corpo e do espírito, dentro de seu ser diferente. Além disso, se os homens diferem dos animais em que produzem seus meios de subsistência, essa produção é condicionada pela organização do ser humano como um todo.

A sociologia subsequente a Marx já foi feita a Engels, tendo em vista as inquestionáveis influências da superestrutura ideológica sobre a base econômica, a indemonstrabilidade da tese marxista. Marx não questionou, interrogativamente, a questão sobre a mudança de infra-estrutura econômica e, portanto, não há resposta para a questão. Talvez eu tenha feito tal pergunta por uma pergunta falsa, considerando, no campo do homem, a produção de meios de subsistência como a realidade explicativa final para a questão “o que diferencia o homem dos animais?” Uma resposta, obviamente, insuficiente. Mas Engels Marx já mortos, não pôde escapar da pergunta, e, em vez de dar uma explicação de sua resposta já conhecida a priori, o que ele faz é pedir desculpas por sua radicalidade teórica “devido às circunstâncias”. Ele responde: “Tivemos que afirmar o princípio fundamental que os adversários negavam, e, então, não havia tempo, lugar ou oportunidade para recordar, devidamente, os outros fatores que trabalhavam com ele (a base econômica) em colaboração” (resposta de 1890). E, já em outras ocasiões, diz: “As teorias políticas, legais, filosóficas e religiosas, às vezes, determinam, com preferência, as lutas históricas”. Max Weber, em particular, insiste na questão, e Engels já está desequilibrado ao afirmar: “a base econômica determina a superestrutura ideológica, mas, uma vez constituída, recai sobre a base econômica, transformando-a”. Para o qual Weber responde: E por que não pode ser dito o contrário? Com o que eu queria indicar, Engels não tinha uma resposta válida para sua afirmação e a de Marx.

A aporia incluída na explicação marxiana da relação entre infraestrutura e superestrutura, derivada de sua suposição de uma posição preliminar, continuou a preocupar o marxismo posterior, que entendeu que a explicação final de Engels era extramarxista. Entre os que optaram por outros desvios explicativos, destaca György Lukács, que afirma a tese marxista, acrescentando a resposta de que a infra-estrutura econômica se modifica, naquilo que o hegelianismo demonstra, em maior ou menor grau, além disso, o autor húngaro, nesse aspecto, desviava-se de Marx, que sempre fugira da fórmula heraclitiana da identidade dos opostos. Estruturalistas criticam essa explicação de Lukács, porque eles entendem que nenhuma estrutura se altera ou se destrói. Um homem como Maurice Godelier ainda torna a pirueta ainda mais barroca. Ele entende, é claro, que a superestrutura é alterada pela infraestrutura, e que ela não se altera diretamente, mas entende que a estrutura econômica como um todo é composta de duas subestruturas, uma composta de relações, modos e meios de produção e outra constituída pelas forças produtivas. É, segundo ele, a ação deste segundo sobre o primeiro que produz sua mudança e, com ele, a alteração da estrutura econômica como um todo. Há, entendemos, duas coisas inadmissíveis aqui, em primeiro lugar, é ignorado que a parte é parte de um todo e que a alteração do último por que não nega que é uma alteração de si mesmo, negando assim o princípio estruturalista fundamental que nenhuma estrutura muda, é alterada ou destruída por si mesma, mas pela incidência de outra estrutura nela. Por outro lado, as forças produtivas que, para Godelier, são os trabalhadores, atuam tanto no e do campo da economia quanto do ideológico.

A evolução do pensamento de Karl Marx é, como temos tentado nos fazer ver, inegável, e já, no começo deste texto, demos uma opinião sobre as visões de Martin Nicolaus e sobre Louis Althusser e seu “corte epistemológico”. Este autor é vago neste, como também é vago e livre sua posição sobre o tema da relação Infraestrutura / superestrutura, na qual ele, como estruturalista, quando não encontra material demonstrativo para a tese fundamental do determinismo econômico marxiano, fala que, embora exista uma determinação ideológica, há sempre uma sobredeterminação econômica, termo que é retirado da manga para não explicar nada.

A posição explicativa que consideramos saudável é que o homem e a sociedade vivem na interseção do econômico e do ideológico e que, portanto, a interinfluência entre os dois campos é inevitável. Não há possibilidade de estabelecer qualquer prioridade absoluta entre eles. O predomínio tonal de um sobre o outro depende de situações concretas e é, portanto, variável. A história oferece exemplos claros dessa variação ou predominância de um ou outro. Exemplos claros, onde o político domina a economia (verbi gratia, a Idade Média) ou, inversamente, o (processo de desenvolvimento burguês). Mas sempre ao um corresponde o outro.

Leituras

1) Marx sobre a Umriss de Engels: “O defeito do modo de produção do capitalismo é que ele representa uma fragmentação e abandono das possibilidades de desenvolvimento inerentes à espécie humana”.

2) Marx na Crítica da Filosofia do Direito em Hegel: “Um Estado classista não cumpre a ideia do Estado como a realização da eticidade da especificidade humana”.

3) Marx versus Hess: “É completamente ilegítimo invocar a moralidade da sociedade existente contra as forças destinadas a transformá-la e a impor novas normas morais”.

4) Moses Hess sobre Marx: “Imagine Rousseau, Voltaire, D’Holbach, Lessing, Heine e Hegel, eu não digo juntos, mas confusos em uma pessoa, e você terá o Doutor Marx”. Escrito em uma carta de 1841, Marx tem 23 anos.

5) Marx / Proudhon: “Se o trabalho é atribuído valor, não é como mercadoria verdadeira, mas em atenção os valores que se acredita potencialmente contidos nela. O valor é uma expressão metafórica”(Proudhon), um texto que contradiz Marx, considerando o valor uma “licença poética” “. Mas Marx, em O Capital I (ed de Fondo de Cultura Economica, México, 1971, p.450) diz: “O valor é uma expressão puramente imaginária … essas expressões imaginárias nascem do mesmo regime de produção …”, sem citar Proudhon.

Anotações manuais de Proudhon ao texto Miséria da Filosofia de Marx: “O sentido verde da obra de Marx é que ele deplora que eu tenha pensado em todos os lugares como ele e que ele tenha dito isso antes dele. O leitor só tem que acreditar que é Marx quem, depois de ter lido, deplora pensar como eu”.

Marx em Miséria da filosofia, sobre política: “Como objetivo, o propósito político é um erro; é, até, um erro como um método”.

Proudhon observa, manualmente: “Sim”.

6) Marx, humanista, na III Tese de Feuerbach (crítica injusta). “A doutrina materialista (de Feuerbach) esquece que as condições são modificadas pelos homens”.

7) Marx, humanista, em O Manifesto Comunista (1847–48): “Depois da revolução, a sociedade será uma associação, na qual o livre desenvolvimento de cada um será a condição para o livre desenvolvimento de todos”.

8) Dos Grundrisse ao O Capital. No primeiro, Marx diz: “A ordem capitalista não estará madura para a revolução até que a classe trabalhadora tenha atingido o nível de consumo acima do nível de sua mera subsistência física e inclua o desfrute do excedente de trabalho em necessidade geral”.

Mas, um ano depois, no Prólogo à Contribuição para a Crítica da Economia Política (1859), Marx afirma que o capitalismo só sucumbirá quando se esgotar por si mesmo: “Nenhuma ordem social desaparece até que todas as forças produtivas que têm espaço nela tenham sido desenvolvidas”.

9) Em Teorien udbre den Mehrwert p. 184, diz Marx: “É uma ideia ridícula que o excedente só tenha que ser consumido pelos servidores e que não possa ser consumido pelos próprios trabalhadores produtivos”.

10) Nos Manuscritos Econômico-filosóficos de 44, Marx diz sobre Feuerbach: “Feuerbach é o único que mantém uma atitude séria, uma atitude crítica em relação à dialética hegeliana e que fez verdadeiras descobertas neste campo. É, em geral, a superação da filosofia antiga. A grandeza da contribuição e a simplicidade silenciosa, com as quais Feuerbach dá ao mundo, apresentam um contraste marcante com o que, ao contrário, vemos nos outros.”

“O grande feito de Feuerbach consiste em: 1) provando que a filosofia nada mais é do que a religião incorporada nos pensamentos e desenvolvida de maneira discursiva; e que, portanto, deve, ser considerado como outra forma e modalidade de alienação do ser humano. 2) por ter fundado o verdadeiro materialismo e a ciência real, porque Feuerbach também estabelece, em um princípio fundamental da teoria, a relação social “entre homem e homem”. 3) ao se opor à negação da negação hegeliana, que afirma ser absolutamente positiva, o verdadeiramente positivo que repousa sobre si mesmo e tem sua base em si mesmo”.

“Feuerbach explica a dialética hegeliana da seguinte maneira (baseando-se, com ela, no ponto de partida do positivo, do certo, através dos sentidos): Hegel parte da alienação (logicamente, do infinito, do abstrato em geral) da substância, da abstração absoluta e fixa; isto é, falando liso e claro, parte da religião e da teologia. Em segundo lugar, supera o infinito e estabelece o real, o sensorial, o finito, o particular (filosofia, superação da religião e da teologia). Em terceiro lugar, supera o novo, o positivo, e restaura a abstração, o infinito, com o qual restabelece a religião e a teologia)”.

11) Em J. Zeleny (A estrutura lógica de O Capital de Marx, Ed. Grijalbo, Barcelona, Buenos Aires, México, 1974), recolhe de Marx (Das Kapital I Band, S. 72) o seguinte:

“As propriedades de uma coisa não surgem de sua relação com outras coisas, mas atuam nessa relação”

Marx disse na página 40 do mesmo trabalho: “Essa mesma propriedade nasceu em certas fases da evolução da sociedade humana, é uma certa relação entre os homens e seus empregos”

Sobre a relação ou separação do concreto por Marx, Zeleny diz (página 61): “A análise marxista é constantemente separada do curso e da superfície da realidade e idealmente expressa as relações internas necessárias dessa realidade”

É apoiado, para isso, em Grundrisse, p. 22, onde Marx diz: “Essa separação é um produto da cabeça pensante que assimila o mundo da única maneira que é possível”.

12) Desculpa de Engels à pergunta sobre o relacionamento de base econômica/superestrutura ideológica: “Tivemos que afirmar o princípio fundamental que os adversários negavam, e então não havia tempo, lugar ou ocasião para lembrar adequadamente os outros fatores que trabalharam com ele (com a base econômica) em colaboração”.

Outras vezes ele diz (resposta de 1890): “As teorias políticas, jurídicas, filosóficas e religiosas, às vezes, determinam com preferência as lutas históricas”.

A pergunta de Max Weber sobre o assunto, Engels responde:

“A base econômica determina a superestrutura ideológica, mas esta, uma vez constituída, se repete na base econômica que a transforma”. O contra-argumento de Weber: “E por que não pode ser dito o contrário?”

Edita: CNT-AIT de Granada