Júnior.
Ao Partido Comunista Português
A minha desvinculação
“O Partido Comunista Português, pela identificação dos seus ideais e objetivos com as aspirações mais profundas do povo português e com os interesses nacionais, é continuador legítimo das melhores tradições da luta e das realizações progressistas e revolucionárias do povo português.”
Número 4, do Art. 1º dos Estatutos do Partido Comunista Português
Ao longo dos últimos tempos – e que difíceis tempos – o PCP tentou manter uma posição de defesa dos interesses dos trabalhadores, dos povos oprimidos e de defesa pela democracia. Ora, é inegável o contato direto com a população portuguesa que o PCP tem feito pela divulgação dos seus princípios e ideais. Mas é também aí que o Partido, que tão bem me acolheu, se extingue.
De mãos dadas à social-democracia e ao parlamentarismo burguês, o PCP esqueceu, com o passar das décadas, a função verdadeiramente revolucionária a que se lançou na luta por um povo, que, evidentemente, precisava de uma verdadeira experiência socialista – no menor dos cenários.
Se com a ascensão do neofascismo em Portugal, o Partido me abriu a porta ao caminho da justiça social, é nesse mesmo caminho que encontro agora um Partido vazio. Vazio de ideias revolucionárias, um Partido reformista, um Partido trabalhista social-democrata.
Em antevisão às eleições de 10 de março de 2024, o povo português, e em especial os verdadeiros comunistas, estão perante um Secretário-Geral tolhido, amedrontado em proferir palavras contra os grandes monopólios, contra as grandes empresas, contra a propriedade privada, contra o Estado. Acresce que os dirigentes do Partido contribuem para a replicação de debates sem espírito revolucionário, cheios de sermões quaresmais e atos de contrições. Os líderes do Partido destroem-no desde o cimo – e que isto importa?
Perante isto, perante a idiotice do Cunhalismo sagrado não poderia deixar de militar pelo PCP sem antes tecer umas críticas finais:
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A Juventude Comunista Portuguesa e os seus dirigentes não conhecem as realidades do Interior do nosso país, mas são nessas regiões que dirigentes alfacinhas e congéneres tentam impor através do seu conhecimento teórico de Marx e Lenin o chamado centralismo-democrático em ação. Hipócritas! Apontam uma dúzia de notas nas declarações dos camaradas que vivem, e conhecem o viver da Beira, para no fim fazerem valer a sua opinião cheia de lisboetismo e definirem a direção a seguir – que resulta em NADA. São os stalineiros que fazem ali as suas breves aparições à moda de Fátima, desfiam rosários de teorias a la Vitória– não dizem NADA. Todo o trabalho no que concerne à JCP na Covilhã – e excelente trabalho, perante a afronta da Direção Nacional e afins da JCP – é realizado por camaradas que vivem, estudam, percorrem cada rua da cidade da Covilhã, das aldeias envolventes. Conhecem a realidade da vossa “província”. E tantas vezes apontam críticas à forma de atuação da JCP lisboetista que ali se assoma e tenta com os mesmos métodos que aqui se usam, impor formas de luta em populações tão distintas, como a população covilhanense (estudantil e não estudantil). A JCP está tão cega em formar “quadros”, em formar uma seita leninista, que consegue uma mão cheia de nada. Mas bem-haja aos camaradas que resistem e sabem adaptar a luta comunista à cidade-neve, às condições materiais da população. O máximo respeito e admiração por eles, sempre.
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O PCP enredou-se no parlamentarismo e não sabe como sair dele. Sem tática revolucionária, resta-lhe o marketing legislativo, o romantismo do 25 de Abril de 1974, a memória dos mártires, evocações do passado que deviam servir de lição para uma mudança radical à esquerda, não um orgulho fechado sobre si mesmo.
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O PCP exalta o bom imperialismo. O bom imperialismo não existe – bipolariza as massas, repercute os sentimentos neocolonialistas os quais qualquer comunista que se preze deve combater.
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O PCP deve-se formar através das massas, conhecê-las, ser imbuído nelas, e não tentar formatá-las ao seu programa político, tendencialmente social-democrata, culminando no reacionarismo.
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O PCP não tem qualquer atitude revolucionária no que concerne à luta queer. “Mas nós não dividimos a classe trabalhadora, lutamos por todos”. Mas não estamos todos em pé de igualdade, nem mesmo entre nós, trabalhadores. Não reconhecer isso é manter o tradicionalismo, o conservadorismo – é travar o progresso social.
Posto isto, e focando apenas nos pontos mais sensíveis de uma longa reflexão, desvinculo-me do Partido Comunista Português, mas não das lutas pelos que sofrem pela exploração, pelo neofascismo, pelas alterações climáticas, pela LGBTQ+fobia, por todo e qualquer tipo de opressão.