“Por essa mesma causa não apenas resistiram ao senhorio Inga, como jamais quiseram admitir Rei, nem governador, nem justiça de sua própria nação, prevalecendo sempre, entre eles, a voz da liberdade” (Rosales. Historia del Reyno de Chile. Flandes Indiano. 1677, p. 117).

Os Mapuche, os mal chamados araucanos[1], cultura indígena[2] que habita o centro-sul do território dominado pelo Estado chileno e centro-oeste do território dominado pelo Estado argentino, teve uma longa história de guerras com Impérios, Reinos e Estados, que, por diversos meios, tentaram submetê-los.

Entre aproximadamente 1479 e 1485, o Império Inca, a mando de Tupac Inca Yupanqui, tentou conquistar as ditas comunidades denominando-as promaucaes (termo que em quechua serve para designar os inimigos selvagens[3]), sem ter êxito, o que o levou a buscar a solidificação e manutenção de seus domínios do norte. Mais tarde, no ano de 1535, teve lugar a primeira batalha entre as comunidades Mapuche e a monarquia espanhola, dando início à chamada “Guerra de Arauco”, que terminou com uma série de tratados entre ambos grupos até surgimento do Estado-nação chileno a princípios de 1800.

Durante o transcuro dos séculos de sua duração, o enfrentamento entre a coroa de Castilla e os Mapuche foi variando de intensidade e características. No início foi uma guerra até a morte onde não havia espaço para o diálogo: por um lado, matanças e escravização de indígenas; por outro, a queima de cidades como a principal tática de guerra dos Mapuche[4]. Um marco que reflete a intensidade dos primeiros anos foi a queda do conquistador de Chile e Capitão General Pedro de Valdívia nas mãos dos Mapuche em 1553, quem, segundo o cronista Pedro Mariño de Lobera, “foi morto dando-lhe para beber o ouro derretido que os espanhóis tanto queriam; queimando suas entranhas”[5]. A monarquia espanhola, não podendo submeter as comunidades Mapuche, se viu obrigada a convocar instâncias de negociação, os denominados “Parlamentos” onde se estabeleciam as fronteiras e o comercio entre ambos grupos. Apesar de na maioria das vezes os termos acordados não terem sido respeitados, tais instâncias continuaram até a instauração da nação chilena. As comunidades Mapuche, portanto, souberam conservar sua autonomia apesar do constante assédio castelhano.

Essa autonomia sobreviveu quase nos mesmos termos que com os ibéricos nas primeiras décadas da relação entre mapuches e o Estado chileno, até que entre os anos de 1862 e 1883, este último, representado pelo Coronel Cornelio Saavedra, levou a cabo a “Pacificação de Araucania”, que consistiu na ocupação militar de todo o território que até então era controlado pelas comunidades Mapuche. Apesar da resistência dos indígenas, o Estado chileno consegue acabar com séculos de controle territorial Mapuche, começando um processo de colonização caracterizado pela cessão de tais terras aos europeus com o propósito de “melhorar a raça” e levar produtividade à região. Desta maneira, a lógica racional do progresso começa a ocupar o local que antes ostentava a religião. É importante apontar que, paralelamente, no outro lado da cordilheira dos Andes, o Estado argentino levantava sua própria cruzada contra as comunidades Mapuche localizadas no setor do Pampa, promovendo o extermínio denominado “A Conquista do Deserto”.

Os levantes mapuches não cessaram[6], fazendo lembrar ao governo chilenos da vez e a sociedade em geral que seguiam ali, que seguiam vivos apesar de serem dados como derrotados ou extintos. Essa rica história de resistência permite fortalecer uma memória que se constrói desde e para o conflito, permite conhecer e aprender com experiências passadas para agudizar o presente.

Desde o fim da década dos anos 80 a ofensiva por parte do Estado chileno ao território onde as comunidades Mapuche vivem e reivindicam começou a adquirir características particulares e distintas do que vinha ocorrendo há centenas de anos. A faceta extrativista[7] do capitalismo e as inversões transacionais levaram à uma nova fase de opressão às comunidades Mapuche. A devastação ambiental começou a ser executada particularmente por hidrelétricas, mineradoras e madeireiras, que mudaram as perspectivas em que o domínio se exerce territorialmente neste setor. Desta forma, a violenta transformação do ecossistema existente em plantações de monocultivo por parte das madeireiras8, os desvios do curso dos rios por parte de hidrelétricas ou o envenenamento da água produzido pelas mineradoras se converteram em um fenômeno novo, real e urgente a ser enfrentado pelas comunidades Mapuche. Podemos observar também que junto à usurpação de terras intensificadas ultimamente começou a surgir a cooptação por parte do Estado Chileno, baseada na homogenização de todas as características identitárias do indígena, a ressignificação simbólica de elementos da cultura Mapuche para ser integrada como parte constitutiva de um passado que se imagina e se constrói pelo Chile. Mais evidente nesse sentido é a afirmação e máxima por parte do Estado que assinala: “São chilenos todos os nascidos no território chileno”[9], uma única identidade possível. Se agregamos a esse cenário a multiplicação de inversões extrativistas no território Mapuche, podemos terminar de configurar a realidade na qual as comunidades Mapuche se encontram, algumas das quais têm desejado uma convivência pacífica[10] com o winka[11] e outas a se lançarem em um enfrentamento aberto que se recrudesceu nos últimos anos.

É principalmente a partir dos conflitos assinalados que os Mapuche têm se reinventado constantemente em um processo de permanente reelaboração e reconstrução cultural que os possibilitou, entre outras coias, a manterem-se vivos e continuar lutando. É importante entender que é uma cultura dinâmica em permanente transformação, sendo impossível tentar compreendê-la como um contínuo histórico imóvel e petrificado. Nesse sentido, acreditamos ser imprescindível para o desenvolvimento do presente artigo nos referirmos brevemente a certas características históricas na organização social Mapuche que permitam nos aproximarmos, de alguma maneira, do andamento e das particularidades do conflito atual.

COMUNIDADES AUTÔNOMAS

Os primeiros relatos que existem sobre os Mapuche convergem em assinalar que não contavam com um poder centralizado, aspecto que surpreendeu de sobremaneira os castelhanos. Nesse caso não estavam frente a grandes Impérios, como os Maias e os Incas, mas se encontraram com comunidades dispersas sem um Rei com quem discutir ou negociar:

...um inimigo que se defendeu 40 anos de ofensas contínuas graças a muitos elementos que o ajudam, sendo o principal deles a inexpugnabilidade do terreno acidentado e montanhoso de suas terras, bem como o fato de não ter como morada uma congregação de cidades, mas sim casas rurais diferentes e selvagens onde, para procurá-los, é necessário destrinchar e mapear todo o terreno; as facilidades do local com certeza nos coloca em risco. Além disso, não têm um chefe de governo a quem obedecem fora das questões de guerra...[12]

A unidade básica na organização dos Mapuche é de tipo familiar extensa, conhecida até o dia de hoje como lof (equivalente ao “lar”, em espanhol) que constitui o primeiro nível sociopolítico realmente autônomo e o lugar da primeira delimitação de uma fronteira entre eu e o outro[13]. É o espaço onde se cria e recria o sentimento identitário, onde se regulam os problemas tanto internos como externos e se realizam as cerimônias festivas e religiosas. Apesar de existirem instâncias mais amplas de socialização do que as que se davam em cada lof, os Mapuche desenvolviam seu sentido de pertencimento na “família extensa”, na medida que representava (e representa em muitos caos) a principal instância de integração. É importante assinalar que cada lof conta com sua própria autoridade denominada lonko (cabeça), que possui um papel de guia e mediador desta unidade familiar extensa.

Desta maneira, não existiu um sentido forte e permanente de pertencimento que traspassasse os limites do lof, a identidade construída e reconstruída no local marcava a fronteira entre o universo simbólico próprio e o alheio. Portanto, não se pode apreciar uma uniformidade nem unificação entre os diversos grupos que habitam o território determinado, inclusive vários estudos afirmam que esses não tinham um autodenominação comum que os identificasse. Segundo Boccara, “é em torno de 1790 que aparece pela primeira vez mencionado o etnônimo mapuche”[14], fruto das transformações que experimentaram por conta do contato, em todos os níveis, com os castelhanos e os chilenos. Embora hoje seja inegável a existência de uma etnia Mapuche que reconhece a si mesmo como tal, o sentido de pertencimento ao lof segue sendo fundamental para os indivíduos que o compõe, continua representando um importante lugar de auto-reconhecimento, e é a partir dai que se articulam e as lutas atuais tomam corpo.

Para entender as características do levante atual é importante considerar que a memória histórica é um fator determinante “no momento de realizar as demandas territoriais e de fazer ações para efetivar tais demandas”[15]. O relato oral, transmitido de geração em geração, referido às terras ancestrais, às fronteiras antigas, aos espaços comunitários prévios à redução feita pelo Estado chileno, à usurpação em todos os sentidos, entre outros tantos aspectos, segue se desenrolando e continua vigente, sustentando e dando conteúdo à prática violenta dxs novxs guerreirxs. Cada ação rebelde leva implícita uma memória histórica ativa que se reconstrói no combate e imprime vontade e decisão. Os Mapuche foram sistematicamente despojados, principalmente pelo Estado chileno, portanto sua luta é pela recuperação, sobretudo de terras, entendendo que elas constituem um elemento central de sua cultura. São “gente da terra” (mapu= terra, che=gente), são parte dela e não a percebem como uma simples mercadoria.

As ações violentas por parte das comunidades Mapuche em guerra (descritas mais adiante) se circunscrevem geralmente no local, no antigo lof, seja para recuperar a totalidade do espaço ancestral, para voltar a ter acesso aos recursos naturais, entre outros motivos. Correa e Mella nos contam a respeito: “No entanto, as famílias de Temucuicui adquiriram o domínio do fundo Alaska e suas demandas não ficaram aí, decidiram continuar na luta da reconstrução do antigo lof, do território ancestral[16].

Embora hoje os Mapuche se considerem e se sintam parte de uma cultura comum (a Mapuche) como consequência de transformações e rearticulações identitárias, o local ainda constitui o principal espaço de resistência e de luta, e sua recuperação é o objetivo direto e imediato das ações dxs combatentes Mapuche devido ao fato de que, como dissemos, continua sendo, como há séculos, o lugar de auto-reconhecimento que marca seu sentido de pertencimento.

García Olivo em “Dulce Leviatán”, se referindo às culturas indígenas, assinala que “pesa mais o vínculo local do que a identidade étnica”17, o que encaixa exatamente com a experiência Mapuche. E o local não é apenas o conjunto de imóveis ou pessoas que habitam um setor, mas são as aves, os rios, os morros, enfim, todo o entorno natural com o que interagem e com o qual possuem uma relação inseparável, incompreensível aos olhos de um cidadão ocidental. Assim, esse o sentimento com o local vem a romper com o universalismo ilustrado do ocidente, que levanta questões como a Razão Universal ou os Direitos Humanos, tentando abarcar e homogenizar o conjunto do planeta.

A NEGAÇÃO DO OCIDENTE

As comunidades indígenas priorizam a manutenção e a recuperação da interação harmônica com seu meio antes de se preocuparem com verdades absolutas que falam de progresso e consumismo. Em sua cosmovisão, a natureza que os rodeia se torna imprescindível para todas as suas ações na medida que influencia diretamente os acontecimentos, poiscada elemento é um ente possuidor de espiritualidade[18]. Portanto, mais do que respeito, o que existe é uma relação recíproca entre os indígenas e seu entorno, o qual determina a permanência e desenvolvimento de seus aspectos culturais. A exploração ambiental descontrolada e a destruição do meio ambiente, assim como a mercantilização dele, são incompatíveis com o seu modo de vida.

Por outro lado, geralmente os grupos indígenas não concebem a propriedade privada em sua forma de organização nem em suas práticas econômicas. Apesar do avanço do capitalismo ter permeado e, em alguns casos, introduzido a privatização, tais comunidades continuam aplicando um comunalismo diametralmente oposto e negador da lógica capitalista, o que resulta no fato de que o território se torna inalienável, impossível de vender. Pedro García Olivo explica:

A terra da comunidade não pode ser vendida porque não pertence a ninguém: a terra da Comunidade é a própria Comunidade. Os habitantes da Comunidade vivem dela (teria de dizer [nela], [com] ela), seguindo pautas familiares, comuneiras e cooperativas; e qualquer ataque à essa base comum da subsistência seria sofrida por todos[19].

Essa forma de ver e entender o território se encontra intimamente ligada com a ajuda mútua praticada por estas comunidades. A minga ou mingaco presente entre os Mapuche e o campesinado da região chilena, a gozona dos zapotecos mesoamericanos, a cayapa que se dá no mundo rural da região venezuelana, entre muitas outras, são instâncias colaborativas onde uma pessoa convoca membros de sua própria comunidade a realizar um trabalho impossível de ser feito de maneira individual, que será retribuído com alimentação e o compromisso da pessoa solicitante de participar em iniciativas similares em outra oportunidade. A inexistência de salários e do contrato neste tipo de labores comunitários rompe com o intercâmbio mercantilista da economia capitalista e demonstra o rechaço dxs indígenas ao trabalho assalariado.

A pessoa indígena se relaciona cotidianamente com esta forma de fazer, é educadx (não pela escola) por e para a comunidade, por isso o individualismo burguês não entra em seu universo simbólico. Não é possível, então, estabelecer um diálogo entre esses dois campos. Não existe capacidade de entendimento entre o universalismo do ocidente e o localismo indígena, que não tenta impor uma verdade absoluta. Assim, a existência dessas culturas, como a Mapuche, com suas cosmovisões, costumes e práticas, representam a negação do ocidente[20], são um atentado contra a sensibilidade ilustrada e uma punhalada no consumo, na razão e no progresso. Não obstante, é importante demarcar que essas práticas correspondem a um processo dinâmico de confrontação permanente no qual o poder tem conseguido introduzir alguns de seus tentáculos, gerando instâncias e iniciativas de resistência por parte das comunidades indígenas em luta na tentativa de evitar sua incorporação forçada à engrenagem da dominação.

CARACTERÍSTICAS E PARTICULARIDADES DO ENFRENTAMENTO ATUAL: ORGANIZAÇÕES, TÁTICAS E PRISÃO

Nas últimas duas décadas, distintas comunidades Mapuche começaram a se organizar para fazer frente à nova situação descrita anteriormente. Apesar de já existir certa experiência durante o século XX, essa vinha dirigida desde a esquerda que os enfatizava como camponeses, deixando em plano secundário qualquer elemento étnico que borrasse as noções de classe ou de chilenidade[21]. Começam a elaborar abordagens desde o mundo Mapuche, buscando gerar uma construção própria para resistir aos embates antes assinalados. Lentamente começam a levantar concepções tais como território, autonomia, autodeterminação e nação Mapuche.

Apesar da heterogeneidade das distintas comunidades Mapuche, esses conceitos são construídos pelos setores Mapuche que se situam em conflito com o Estado Chileno. Nesse sentido, podemos entender o significado e o uso daqueles conceitos, onde, por exemplo, território escapa da compreensão de propriedade sobre hectares, mas faz referência à uma territorialidade que o “povo mapuche” possa ocupar em plena autonomia do Estado Chileno e com autodeterminação em relação ao que ocorre lá dentro. A concepção de povo teria as características de uma Nação, com todos os significados e consequências que isso gera. Essa denominação inclusive é especificada como uma luta de uma “nação, vinculando a noção identitária mapuche. A partir desses elementos, alguns setores do mundo indígena chegaram a conceber e propor uma “luta de liberação nacional mapuche”[22].

Com essas abordagens em permanente construção, as práticas das comunidades Mapuche em conflito se materializaram em distintas estratégias e táticas no momento do enfrentamento. Durante os primeiros anos as contínuas ocupações de terrenos realizadas por parte de comunidades Mapuche foram de caráter simbólico e buscavam a visibilidade da usurpação, exigindo e demandando ao Estado sua restituição em forma de petição.

Com o passar do tempo e já durante a segunda metade da década de 1990, a lógica muda drasticamente; as ocupações de terra adquirem um caráter de permanentes e temporalmente indefinidas. Juan Pichún, filho do reconhecido lonko Pascual Pichún[23] afirmava como as ações nos latifúndios já não seriam:

...recuperações de tipo simbólico, mas que agora se tratava de trabalhar a terra, o território. Foi essa forma de se relacionar e atuar das comunidades o que provocou a preocupação do governo. Tinha nascido um movimento que conseguia cada vez mais simpatias e aderentes, sobretudo por parte de jovens”[24].

As ocupações produtivas rapidamente começaram a ser conceitualizadas como espaços de controle territorial, um elemento chave no desenvolvimento recente da luta Mapuche, onde conseguiam confluir a reconstrução identitária ou as aspirações do que se entende por nação Mapuche; a autodeterminação, autonomia no território (o que plantar, como produzir a terra ou quais espaços seriam sagrados) e finalmente a resistência e expulsão dos policiais, latifundiários e empresas. Rapidamente o Estado buscou frear qualquer incipiente conflitividade mediante a integração e assimilação, criando organismos como a CONADI (Corporación Nacional de Desarollo Indígenas), a inclusão folclórica de sua cosmovisão, mas também com todas as expressões possíveis do policial, legal, carcerário e paramilitar.

Em simultâneo, começam a se produzir as primeiras ações de sabotagem, tendo como marco a queima de caminhões da Lumaco em 1997, que prontamente se tornam uma tática sistemática de confrontação com as empresas instaladas na região. Durante os últimos 20 anos as expressões de confronto e sabotagem incluíram também o ataque armado aos acampamentos policiais e das empresas florestais, os ataques incendiários a templos religiosos[25], os enfrentamentos com a polícia, a queima de latifúndios ou propriedades ligadas a empresas. Essas expressões, como apontado, se desenvolveram principalmente nas comunidades. O território urbano se considera um espaço de apoio mediante a realização de manifestações, apoio às pessoas presas e comunidades, mas longe da violência planificada com que se desenvolvem as ações nas zonas rurais.

Detrás dessas ações encontramos uma realidade diversa e heterogênea, porém com matizes comuns, igual aos antigos enfrentamentos mapuche. Nesse sentido, observar as organizações adquire importância somente para poder mapear as formas em que se levou o conflito durante os últimos anos.

Apesar de, em um primeiro momento, o Consejo de todas las tierras ter buscado aglutinar as distintas expressões mapuche, centrando seu principal agir político na visibilidade da causa mapuche e exercendo a ocupação de terrenos, rapidamente foram surgindo novas organizações. Ao final da década de 1990 surge a Coordinadora de comunidades en conflicto Arauco Malleco, agrupando distintas comunidades que se encontravam em conflito durante a época, sob critérios bastante amplos. Já durante os primeiros anos de 2000 adquire uma forma e caráter próprios, se expressando principalmente em sabotagens aos interesses das madeireiras e na participação em ações de recuperação de terras.

Ligada a essa mesma forma, nos encontramos com os ORT (Órganos de resistencia territorial), expressões autônomas de cada comunidade, mas vinculadas de forma mais ampla ao projeto da CAM.

Por outro lado, durante os últimos anos surgiu com força o grupo Weichan Auka Mapu[26] adjudicando uma série de enfrentamentos com a polícia e ataques incendiários, principalmente contra igrejas católicas e evangélicas no território Mapuche. No outro lado da cordilheira, no território dominado pelo Estado Argentino, encontramos com certa notoriedade a RAM (Resistencia Ancestral Mapuche).

Embora essas sejam algumas das organizações que decidiram reivindicar as ações mediante comunicados ou panfletos, um sem número de outros ataques reivindicados se sucedem provenientes de comunidades em conflito sem fazer alusão a alguma organização em particular.

Em síntese, podemos observar como, há 20 anos, distintas expressões em conflito decidiram revitalizar uma ofensiva principalmente contra o Estado, as empresas extrativistas e latifundiárias e a favor de uma reconstrução do que se compreende como nação Mapuche, buscando, mediante o exercício do controle territorial nas comunidades, construir território, autonomia e autodeterminação.

Por sua parte, a repressão Estatal desatou uma série de assassinatos de comuneiros mapuche pelas mãos da polícia[27] e a militarização das comunidades com a instalação de acampamentos policiais na região. A utilização de grande parte da engrenagem jurídica mediante a aplicação da lei de segurança nacional (ley de seguridad interior del Estado), a lei antiterrorista e a lei de controle de armas, mesmas legislações de exceção utilizadas contra anarquistas durante essas décadas.

Aquelas ferramentas do poder foram esgrimidas em grandes operações repressivas que a cada tantos anos se repetem de forma sucessiva, muitas delas sem conseguir condenações efetivas contra os comuneiros, mas sim longos períodos de prisão preventiva e golpes contra os entornos e as comunidades em luta. Para enfrentar essa arremetida estatal, as comunidades Mapuche buscaram o apoio de distintos setores, principalmente de ONGs e organismos de Direitos Humanos (no Chile e em outros lugares) como também de setores políticos que se solidarizem com sua causa, o qual tem sido e é uma estratégia comum compartilhada por todas as comunidades e setores mapuche. Junto com isso, os comuneiros mapuche, na hora de enfrentar a prisão, tem tentado transitar caminhos de dignidade frente ao confinamento, confrontando mediante greves de fome, mobilizações e comunicados com o objetivo de apoiar a continuidade da luta fora do cárcere.

SOBRE A SOLIDARIEDADE ANÁRQUICA

Apoiamos o combate que livra o povo mapuche contra o Estado. As tropas policiais sitiam e tentam impor o terror nas comunidades rebeldes do território mapuche sob ocupação chilena. Os combatentes mapuche são expulsos de suas terras. Força irmãos, a destruição de todos os Estados e a construção de sociedades antiautoritárias e libertárias têm nossa completa solidariedade combativa. É nosso objetivo”[28].

Desde meados da década de 1990, grupos anarquistas na região chilena começaram a se solidarizar com a luta Mapuche, expressão que se intensificou nestes últimos anos com mostras de apoio explícito mediante diversas ações[29]. A princípio, a solidariedade se marcou em conflitos pontuais como a construção de uma represa ou algum fato repressivo de envergadura, mas além disso, qual foi e é o motivo de fundo que move xs anarquistas a se aproximarem e se solidarizarem com a luta levada a cabo pelas comunidades Mapuche em conflito? Acreditamos que a resposta está no que foi mencionado anteriormente.

Por uma parte, a força com que o anarquismo impulsionou o rechaço à chilenidade e aos seus símbolos tem sido compartilhado pela luta Mapuche durante as últimas décadas, o que evidentemente representa um ponto de convergência que se vê reforçado pela afinidade entre às práticas de sabotagem contra o Estado e o capital demonstradas pelas comunidades Mapuche em combate. Nesse sentido, é necessário aprender os exercícios de confrontação e também as táticas e estratégicas para fazer frente aos embates do poder.

Por outro lado, a estreia e determinante relação histórica que a pessoa mapuche teve e tem com seu entorno local não possibilitou (impediu, diria Clastres[30]) a existência de um poder centralizado que tivesse desembocado na constituição de um Estado. As profundas transformações culturais que experimentaram jamais resultaram na instauração de um aparato estatal e nem se quer houve a pretensão de realizar tal projeto. Na atualidade, apesar de certas posturas defenderem a criação de um Estado Mapuche, a luta, como assinalamos, se foca em demandas e exigências levantadas por determinados lof principalmente para recuperar suas terras ancestrais. Esse motivo, segundo nosso ponto de vista, constitui o pano de fundo da solidariedade expressada e praticada pelxs anarquistas com as comunidades Mapuche que se encontram em guerra contra o Estado e o capital. Pelo fato de o fim da luta não ser a criação de tal aberração de sociedade, ao não ser uma bandeira que se levante e nem se tenha em conta, nós anarquistas decidimos apoiar as comunidades em conflito evidentemente desde nossa postura antiautoritária e de enfrentamento permanente, evitando assistencialismos e vitimismos que hoje estão na ordem do dia. Essa maneira de nos solidarizar outorga conteúdo a tal prática, já que é feita desde um posicionamento explícito – o rechaço absoluto ao Estado –, o qual permite, por sua vez, nos afastarmos de postulados que caminhem, ainda que de modo incipiente, a propor sua construção.

Outros motivos que configuram a solidariedade correspondem aos aspectos culturais dos Mapuche mencionados anteriormente, referidos à sua interação com a natureza e o rechaço que demonstram à propriedade privada e ao trabalho assalariado. Esses elementos sustentados em sua cosmovisão, como já se apontou, representam a negação não só do capitalismo, mas do próprio pensamento iluminista em seu conjunto, pois a existência dessas culturas por si só já constituem uma ameaça à cultura ocidental. Portanto, essa quebra com o racionalismo do mundo moderno, esses modos de vida afastados e contrários à cotidianidade civilizada, representaram e representam um rico e abundante arsenal teórico-prático que possibilitou a diversos grupos e individualidades anárquicas aprofundar e afiar a crítica ativa e destrutiva ao estabelecido. Nesse sentido, compartimos com García Olivo quando afirma que resulta necessário “ensaiar um recorrido pelo ‘outro’ que nos avitualle (que nos arme) para aprofundar a crítica negativa daqui”[31].

Essas realidades, essas verdades que não são impositivas, homogeneizadoras ou absolutas, encarnam exemplos concretos de existências opostas ao progresso totalizante com as quais temos muito que conhecer, aprender e incorporar nesta incerta guerra sem retorno contra toda autoridade.

Não obstante o assinalado, resulta necessário constatar que a relação entre comunidades Mapuche e entornos anárquicos tem pontos de encontro e desencontro. Inesquecíveis são os chamados públicos por parte de diversas comunidades e organizações mapuche em conflito a evitar que xs jovens mapuche “se anarquizem”, perdendo o caminho das tradições religiosas e ancestrais próprias de seu mundo na hora do enfrentamento com o Estado. No mesmo sentido, temos observado as práticas concretas de apoio unidirecional desde os anarquistas ao mundo Mapuche golpeado pelo Estado, e não o contrário.

CONTRA AS IDEALIZAÇÕES, CONTRA AS SACRALIZAÇÕES

A aproximação e a solidariedade com as comunidades Mapuche em conflito por parte de múltiplos espaços e individualidades anarquistas derivaram, em muitas ocasiões, de idealizações de todo o que concerne ao mundo indígena, o qual, em nossa leitura, impede questionar práticas e posturas que nada tem a ver com as nossas. Impede, também, nos posicionarmos desde apontamentos próprios ao assumir de maneira cega aspectos que somente pelo fato de vir de espaços Mapuche são vistos como salvadores em uma nova e repetida versão da iluminista ideia rousseaniana do bom selvagem.

Ao afirmar que é preciso aprender com certos elementos da cosmovisão e com as práticas cotidianas indígenas não significa que as vemos como inquestionáveis ou sagradas. Nada disso. Acreditamos que são necessários romper com o que nos rodeia, portanto representam um complemento que enriquece nossos discursos e nossas práticas. Nos permite, entre outras coisas, fortalecer o questionamento constante e indispensável nos caminhos negadores, da anarquia, pelo que erigir a determinados aspectos constitutivos da cultura Mapuche como indiscutíveis ou como um lugar onde fossilizar nossos apontamentos, os resta dinamismo e os aproxima de nefastas sacralizações.

Relacionado com o anterior, nos últimos tempos temos visto com surpresa como várias pessoas e grupos de anarquistas em sua aproximação com a cultura Mapuche (ou indígena em geral) começaram a expressar posturas que divinizam a natureza em uma sorte de um estranho misticismo com discursos e práticas afastadas (e em alguns momentos contrárias) da confrontação ao poder. Tais expressões fomentam a passividade e a inação ao assinalar que o único válido é apostar em uma relação harmônica com o meio ambiente, esquecendo o necessário e indispensável enfrentamento direto contra o existente.

Por outro lado, colocar o acento na natureza e em elementos cósmicos (como a lua, estrelas, via láctea etc.), xs levou a ver tais objetos como entidades que estão por sobre os indivíduos, que determinam nossas práticas e comportamentos. Em definitivo, situam o meio ambiente em um plano sagrado e para nós nada é sagrado, nem sequer a anarquia. Nesse sentido, acreditamos que essa maneira de entender a solidariedade com os Mapuche (idealizando, sacralizando seus aspectos culturais) leva implícito uma ideia referida na apropriação e incorporação de aspectos de seu universo simbólico, a adotá-los, vivê-los e senti-los tal qual feito por elxs. No fim, o que se pretende é ser mapuche. Nos distanciamos e somos contrários a tal intenção, por uma parte pelo impossível que resulta ser já que “há, no indígena, aspectos decisivos que nos escaparão sempre[32]. Aparte de alguns casos excepcionais de mapuches que decidiram transitar por caminhos anárquicos, não somos e nem seremos parte de nenhuma cultura indígena simplesmente porque não nascemos inseridxs dentro de seu universo simbólico, não manejamos e nem manejaremos sua linguagem entendida como uma forma de aprender o mundo e não apenas como uma forma de falar. Embora cotidianamente tentemos destruí-la, somos conscientes que observamos nosso redor desde a ótica ocidental (por mais que nos pese), portanto pretender sentir a terra, o rio, a montanha como faz uma pessoa mapuche corresponde somente a um devaneio.

Apesar de existirem elementos da cultura Mapuche necessários de aprendermos, da mesma forma somos explícitos em assinalar que existem outros aspectos dos quais nos distanciamos já que não vemos contribuições neles, e mais, vários representam a antípoda das ideias e ações que tentamos levar a cabo. Dessa maneira, somos críticos e nos afastamos de tudo o que tenha a ver com autoridades, sejam ancestrais ou não. A figura do Lonko, ainda que muitxs argumentem que representa um guia, é em todas as suas formas uma autoridade a quem se obedece e se respeita somente pelo fato de ostentar o mencionado cargo.

Junto com o exposto, pensamos que resulta necessário expor as divergências nas concepções de liberação. Longe de validar vínculos sanguíneos ou quase raciais ou de construir imaginários nacionais, a compreensão antiautoritária busca fazer saltar pelos ares tais determinismos. Assim, podemos compreender como não necessariamente todas as práticas anti-estatais ou tradicionais são sinônimos de liberação da pessoa em relação ao exercício da autoridade e da hierarquia.

Compreender a nação como uma comunidade construída, imaginada, forjada na base da homogenização de indivíduos e coletividades para – de forma fictícia – elaborar um sentir comum “nacional” merece nosso rechaço, tenha a cor que seja, fale o idioma que for, mantenha as tradições que sejam. Apesar de destacarmos e valorizarmos que a luta de liberação Mapuche não busque a construção de um novo Estado, não podemos nos sentir irmanados com a constituição de imaginários nacionais, ainda quando esses possam vir das identidades nacionais de explorados e oprimidos[33] completamente afastados dos vínculos de afinidade de livre associação.

Por sua parte, o mundo sagrado dos Mapuche, ainda que resulte interessante conhecer por sua beleza, tampouco constitui algo que devamos ter presente em nossas práticas, pois, por um lado, carrega as alucinações místicas assinaladas anteriormente e, por outro, como afirmamos em reiteradas ocasiões, porque rechaçamos qualquer tipo de sacralização ao entendê-las como formas de controle de condutas, como entidades que se posicionam sobre a vontade de cada pessoa, cortando-a e doutrinando-a.

A marcada e evidente[34] diferença e imposição sexual quando aos papéis e tarefas dentro da cultura Mapuche é contrário, entendemos, a qualquer expressão de liberdade que represente outro aspecto do que não temos nada que resgatar. Essa característica tem sido reelaborada e transformada como todos os demais elementos da cultura. Assim, os castelhanos se encontraram com comunidades cujas relações de parentesco estavam constituídas pela poligamia[35] a qual pouco a pouco foi dando lugar à monogamia impulsionada e imposta pelo mundo judaico-cristão, ficando hoje em dia somente alguns poucos casos onde se pode apreciar a prática antes mencionada. A poligamia foi central na organização social das comunidades Mapuche, como também a patrilinearidade (no momento de contrair matrimônio, a mulher mapuche está obrigada a se mudar para as terras de seu esposo) portanto é impossível falar da existência de um matriarcado mapuche[36]. A figura do homem segue sendo predominante nas relações de parentesco; as modificações culturais fruto, entre outras coisas, do contato com xs mais diversxs invasorxs reforçou essa superioridade, da qual, reiteramos, não temos intenção de reproduzir. E mais, representa um fator que cotidianamente é necessário combater e eliminar de nossas vidas.

Resulta imprescindível explicitar que a cultura Mapuche, como a maior parte das culturas indígenas, se inscreve fora e contra a lógica racional do progresso. Como apontamos anteriormente, não tem pretensões impositivas, quer dizer, não tenta expandir sua cultura (nem aspectos dela) como se fosse uma verdade absoluta, o qual sim consiste uma característica prioritária da podre cultura ocidental. Nesse sentido, acreditamos firmemente que tentar anarquizar as comunidades Mapuche em luta representa um grave erro; pretender que deixem suas crenças e costumes para que adotem as “iluminadas abordagens anarquistas” é cair (como muitxs já fizeram) no que negamos e combatemos, é cair em abordagens totalizadoras e impositivas que nada tem a ver com nós. Em definitivo, tentar ingerência sobre a cultura Mapuche é levar à prática dinâmicas vanguardistas e autoritárias.

Por último, como ácratas, se torna impossível sermos indiferentes frente aos assassinatos feitos por policiais, à militarização das comunidades, à asfixia e à invisibilidade cultural do mundo Mapuche, nos irmanamos com a resistência frente ao domínio e o arrojo de quem, autonomamente, luta por sobreviver à devastação. Então, a partir de nosso posicionamento anárquico que aposta na conflitividade permanente e na liberdade individual, buscamos intensificar a solidariedade com as comunidade Mapuche que se encontram em guerra contra o Estado e o capital. E nesse caminho vamos aprendendo e resgatando aspectos que permitem afiar nossos discursos e práticas, sempre afastados de sacralizações e idealizações, sem pretender direcionar nem dar lições a ninguém.

NOTAS

[1] Araucanos era uma denominação que os castelhanos deram às comunidades que viviam na região centro-sul do território que chamaram de Chile. Esta palavra vem do quechua, auca ou purum auca, que significa “rebelde”.

[2] O conceito de cultura vem de relações de dominação apontadas em nosso texto “Nación , nacionalismo y cultura: el significado de un engaño civilizado” (também disponível na 2ª edição da revista Kalinov Most), porém, como não dispomos de uma mais adequada, utilizaremos tal termo entendido como “conjuntos de conhecimentos, crenças e padrões de comportamento de um grupo social, incluindo os meios materiais que seus membros usam para se comunicar uns com os outros e resolver necessidades de todos os tipos”.

[3] Boccara, G. Los Vencedores. Historia del Pueblo Mapuche en la Época Colonial. 2007, p. 16.

[4] Em 11 de setembro de 1541, Mapuches queimaram a cidade de Santiago. Entre 1599 e 1604, conseguiram queimar 7 das principais cidades do Chile. Essa foi uma recorrente atual até o fim da invasão da coroa Espanhola.

[5] Lobera. Capítulo XLIII

[6] Em 1934, o massacre de Ranquil pôs fim à uma revolta das comunidades Mapuche no setor de Lonquimay. Assim como este, há muitos exemplos exemplos de revoltas e rebeliões que, em maior ou menor escala, foram e são uma dor de cabeça para o Estado chileno.

[7] Nos referimos às empresas que enriquecem com a extração avassaladora de recursos naturais, como madeireiras, mineradoras, hidrelétrica, pesca, etc.

[9] Artigo N°10 da Constituição chilena.

[10] Alguns setores e comunidades Mapuche têm optado por seguir as diretrizes de desenvolvimento do Estado e tornar-se microempreendedores, aceitando crédito, infraestrutura e, em alguns casos, mais terra. Eles também começaram a levantar iniciativas etnoturistas, construindo cabanas de férias em seus territórios, que muitas vezes foram queimados e destruídos por membros de comunidades em conflito, o que reflete as diferenças intransponíveis que existem entre elas.

[11] Em mapudungún (idioma Mapuche), significa ladrão, invasor, usurpador. Esse termo provem de we-inka, os “novos incas”, utilizado pelo povo Mapuche para chamar o invasor ibérico.

[12] Carta do governador Martín García de Loyola al Rey, 18-04-1593 en Boccara. Historia del Pueblo Mapuche en la Época Colonial. 2003. p30.

[13] Boccara, G. Los Vencedores. Historia del Pueblo Mapuche en la Época Colonial. 2003, pp. 33 a 40.

[14] Ibid. p. 21.

[15] Correa y Mella. Las Razones del Illkun/enojo. Pág. 97.

[16] Ibid, p. 283.

[18] É comum e recorrente escutar comunidades Mapuche falarem sobre o “espírito do lago” ou sobre o “espírito da montanha”.

[19] García Olivo, P. Dulce Leviatán: críticos, víctimas y antagónicos del Estado del Bienestar. 2014, p. 167.

[20] Não se trata de fazer uma redução simplista que aponta "o Ocidente" como única expressão de dominação, ignorando outras como o Império Inca, o Asteca, o atual Estado Chinês e tantos outros que buscam e têm procurado impor sua crenças e costumes. Nos referimos e apontamos para a “dominação ocidental” porque é esta verdade que se impôs e continua a tentar se impor neste território do continente americano como em muitos outros.

[21] Expressões nesse sentido podem ser encontradas com o MCR (Movimiento Campesino Revolucionario) levantado pelo MIR (Movimiento de izquierda revolucionario) durante a década de 1970, que conseguiu recuperar recursos para os camponeses por meio de ações de ocupação de terras. Essa luta se concentrou mais no ataque ao latifúndio e na distribuição de terras do que nas condições indígenas de grande parte de seus participantes. Algum tempo depois podemos encontrar outras expressões na resistência armada à ditadura pelo MIR e pela FPMR (Frente Patriótica Manuel Rodríguez) que exploraram as facetas rurais do confronto armado, ligando morna e indiretamente o mundo Mapuche.

[22] Embora tenha sido a CAM (Coordinadora Arauco Malleco) quem mais levantou esse termo, não é menos verdade que ele é bastante difundido nas comunidades em conflito tanto em seu significado quanto nos casos com os quais é comparado. Principalmente as lutas no chamado “terceiro mundo” realizadas em colônias como a Argélia ou em algumas regiões da África.

[23] Pascual Pichun, Lonko da comunidade Temulemu, foi um dos primeiros condenados pela lei antiterrorista. Depois de ser absolvido em um primeiro julgamento, esta decisão foi anulada e um segundo processo judicial foi realizado onde obteve sentença de 5 anos de prisão sob a figura marcante de “ameaça terrorista”.

[24]A 10 años de lumako, Un antes, un después”, Periódico azkintuwe, 28 de outubro de 2007, p.4.

[25] Este ponto é talvez um dos que marcaram uma certa “controvérsia” no mundo Mapuche, muitos deles envolvidos em uma mistura religiosa com pequenas igrejas rurais.

[26] Que em mapudungun significa “Luta do território rebelde”.

[27] Só para citar os casos mais emblemáticos, encontramos Alex Lemun, um jovem mapuche assassinado pela polícia durante a ocupação da terras em 2002; Julio Hunetecura, preso político Mapuche assassinado por presos sociais ao ser transferido para a antiga penitenciária de Santiago em 2004; Zenén Dias Nécul, um menino de 17 anos atropelado por um caminhão florestal durante um bloqueio em 2005; José Huenante, um jovem mapuche de 16 anos detido pela polícia na cidade de Puerto Montt, desaparecido em 2005; Matias Catrileo, morto pelas costas pela polícia durante a ocupação de uma fazenda; Jaime Mendoza Collio, assassinado pela polícia durante uma ocupação 2009; Rodrigo Melinao, membro da comunidade mapuche que era clandestino, foi assassinado por desconhecidos em 2013; Luis Marileo e Patricio González, jovens mapuche assassinados por um latifundiário após participarem de um assalto e de recuperação de armas durante 2017.

[28]Federación Revuelta- sección antipolicial Antonio Ramón Ramón”. Reivindicação de atentado à bomba contra a 18 delegacia de polícia de Ñuñoa, Santiago, em dezembro de 2007.

[29] Em janeiro de 2008, logo após a polícia matar à tiros o jovem Mapuche Matías Catrileo, um grupo de ação anarquista, “Banda Antipatriota Severino Di Giovanni”, assume a autoria de uma explosão contra uma instalação policial em Santiago, em resposta. Recentemente, Santiago Maldonado, “Lechuga”, companheiro anarquista que participou ativamente na luta Mapuche contra o Estado argentino, foi detido e assassinado pela Gendarmeria argentina em 2017. Nas manifestações Mapuche que ocorrem nas principais ruas das grandes cidades chilenas, a presença anarquista é explícita e permanente.

[30] Em sua obra “Sociedade contra o Estado” Pierre Clastres aponta que alguns grupos indígenas sem Estado na verdade geram mecanismos que impedem a criação de um poder centralizado. Por isso, não seriam sem Estado, mas contra o Estado.

[31] García Olivo, P. Dulce Leviatán: críticos, víctimas y antagónicos del Estado del Bienestar. 2014, p. 164

[32] Ibid, p. 163.

[33] Muito diferente do apontado por Alfredo Maria Bonanno, que expressa seu apoio aos movimentos de liberação nacional em “Anarquismo e a luta por liberação nacional”, de 1976.

[34] Algumas/alguns de nós tivemos a oportunidade de participar de Nguillatunes, cerimônias rituais mapuche onde os problemas da comunidade são resolvidos e as orações são feitas às divindades. Nesses casos é possível observar explicitamente a diferença sexual em que as mulheres cuidam do trabalho da cozinha e são obrigadas a usar saia na roupa e nada de vermelho. Este é apenas um exemplo de muitos onde é possível apreciar a diferença impositiva assinalada.

[35] Relação institucionalizada onde um homem possui duas ou mais esposas. Quando é a mulher que pode ter dois ou mais esposos, se chama poliandria.

[36] Boccara, G. Los Vencedores. Historia del Pueblo Mapuche en la Época Colonial. 2007. pp. 32 a 71.