Título: COMUNIDADES ESTREMECIDAS:
Subtítulo: ANARQUISMO E SOCIALISMO LIBERTÁRIO ENTRE A DEFESA DO INTERNACIONALISMO, DA LEGITIMAÇÃO DE MINORIAS ÉTNICAS E DE ATAQUES CONTRA A GLOBALIZAÇÃO
Data: 2020
Fonte: In: Victor de Leonardo Figols. (Org.). Globalização e nacionalismo no Mundo Contemporâneo. 1ed.Curitiba: Brazil Publishing, 2020, v. 1, p. 119-150.

RESUMO: O marxismo e o nacionalismo anti-imperialista foram amplamente estudados como os principais agentes das lutas de libertação nacional após a segunda década do século XX. Sem ignorar esses fenômenos, o presente capítulo lança luz sobre a atuação de anarquistas e socialistas libertários, além de minorias étnicas revolucionárias, diante do Estado Nacional e dos efeitos da globalização a partir da década de 1990, avaliando os casos principalmente da Revolução Zapatista em Chiapas, no México, na Revolução Curda, em Rojava e nas ocupações de Wall Street, dos EUA. Primeiramente iremos adentrar a história do anarquismo e suas conexões com o anti-imperialismo e lutas de autoderminação dos povos, assim como seus ataques contra o nacionalismo, antes e depois da segunda década de XX, onde tiveram mudanças de atuação. Após isso adentraremos os três casos discutindo os discursos e práticas de anarquistas e socialistas libertários que intercalam internacionalismo, legitimação de minorias étnicas frente ao imperialismo e Estados nações e ataques contra os efeitos da globalização com base na discussão da bibliografia referente ao tema e fontes documentais deixadas pelos militantes e agentes que compuseram e compõem esses movimentos. Concluímos que essas tradição políticas práticas representam um contraponto interessante e, muitas vezes, original, da inevitabilidade de revoluções que seguem o curso do anti-imperialismo para Estados nacionais.

INTRODUÇÃO: DESTRUINDO OU RE-IMAGINANDO COMUNIDADES

Vladmir Lênin, autor central para o anti-imperialismo marxista, desde 1920, colocava suas contribuições de países fora do centro do capitalismo e dominados como possíveis revolucionários, dando centralidade não a etapas e forças produtivas, mas a autodeterminação dos povos, já que “a guerra imperialista fez entrar os povos dependentes na história do mundo.”[1] Desde aí o marxismo-leninismo e depois seu alongamento maoísta, foi responsável pela influência de inúmeros movimentos de libertação nacional durante o século XX, como a própria U.R.S.S., a China, o Vietnã, Cuba, Coréia do Norte, Venezuela e outros países, como do continente africano, além de movimentos guerrilheiros contra a ditadura e regimes (neo)liberais.[2]

Não obstante, o sonho anti-imperialista, ao fundar e constituir novos Estados nacionais, não acarretaram à comunalização como prefigurou Karl Marx e Friedrich Engels.[3] Ao contrário, as corridas e disputas industriais e de legitimação de projetos estatizadores diante do liberalismo capitalista, principalmente com a Guerra Fria, não deram respostas significativas às crises impostas durante o século XX e depois. Como demonstrou o historiador sul-africano Lucien Van der Walt “a crise das grandes tradições “progressistas” do final do século XX” como o “o marxismo clássico, a socialdemocracia e o nacionalismo anti-imperialista – diante da crise econômica global, da globalização do capital, da inquietação popular, é, fundamentalmente, uma crise de projetos construídos em torno de um Estado capacitador.”[4] Assim, uma das maiores referências sobre o estudo da constituição de imaginários nacionais e da ascensão do Estado Nacional, Benedict Anderson, afirmou que o primeiro conflito entre dois países de orientação marxista fundados sob a perspectiva anti-imperialista, no final da década de 1970, China e Vietnã, representavam o triunfo da mecânica de interesse nacional contra a solidariedade e expansão socialista que um país auto-afirmado marxista deveria ter com outro.[5]

Na década de 1990, a discussão entre nacionalismo e internacionalismo se mostrou ainda importante, além da mecânica simples de tomada e construção do Estado-nacional entre os marxistas. Dois pensadores proeminentes, Michel Löwy e Michel Cahen, debatiam, sob a revista teórica mensal Critique communiste, da Liga Comunista Revolucionária (LCR), o lugar do nacionalismo e do internacionalismo nos movimentos revolucionários, onde o primeiro destacava a importância da integração de minorias étnicas nos movimentos nacionais, ao mesmo tempo internacionalistas, como no movimento zapatista, e o segundo, afirmando que se “a consciência de classe pode ser um fermento para a libertação nacional, a consciência nacional ou étnica também pode ser a expressão, uma forma, um contexto da consciência de classe.”[6]

Essa tradição e caminho não devem ser ignorados, não obstante, uma tradição de esquerda, antes mesmo das reflexões de Lênin, representavam outra proposta de anti-imperialismo, autodeterminação dos povos e luta contra Estados Nacionais. Não coincidentemente, Benedict Anderson, após estudar o nacionalismo como as “Comunidades Imaginadas”, se deteu ao estudo do anti-imperialismo pré Revolução Russa e constatou que “em seguida ao colapso da Primeira Internacional e à morte de Marx, em 1883, o anarquismo em suas formas tipicamente diversificadas, foi o elemento dominante na esquerda radical autoconsciente” e, até a Primeira Guerra Mundial, “o principal veículo de oposição global ao capitalismo industrial, à autocracia, ao latifundiarismo e ao imperialismo.”[7]

Os participantes das fileiras negras eram regidos por uma meta internacionalista, ou seja, acreditavam que suas resistências e os ganhos a serem conquistados não se restringiriam a uma unidade nacional ou ao um grupo étnico, devendo destituir os detentores dos meios de produção e os governantes a partir de uma revolução global. O caráter internacionalista do anarquismo se evidencia desde sua estruturação, que pode ser situada na atuação da Aliança da Democracia Socialista (ADS). Neste órgão político ,representantes como Mikhail Bakunin, Charles Perron e James Guillaume criaram contatos com organismos de caráter internacional como a Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT). A ADS possuía representantes na Inglaterra, Rússia, Itália, França, Espanha, Suécia, Noruega, Dinamarca, Bélgica e outras regiões.[8] Além disso, em consonância com o trabalho mais sistemático e programático dos aliancistas, a passagem dos personagens anarquistas nestes lugares e da recepção e difusão das ideias libertárias nesse período em jornais, livros, folhetos e opúsculos faziam a bandeira negra se expandir em proporções avassaladoras no norte da África, Oceania, América do Norte e Sul e leste europeu.

A emergência de uma ideário nacional, utilizada desde a criação de Estados nacionais, não era ignorada na repulsa ao capitalismo e ao Estado, própria dos anarquistas. Ao contrário, militantes libertários, antes de formularem e entrarem para as fileiras libertárias e internacionalistas participaram de lutas anti-imperialistas ou de unificação. Na década de 1840, Mikhail Bakunin participou da luta pela independência dos eslavos no qual difundia uma união entre o povo russo e o polonês contra o imperialismo e a aristocracia. Para Felipe Corrêa, “Bakunin considerava a libertação nacional como o primeiro passo na luta por uma revolução de bases democráticas, que deveria conduzir a uma república federativa dos países eslavos.”[9] O jovem Malatesta, antes de sua participação na Comuna de Paris, aderiu aos ideais de Giuseppe Mazzini e sua visão de republicanismo popular que atraiu muitos adeptos revolucionários antes da unificação italiana.[10]

Com o passar dos anos, as lutas de libertação nacional ou pelas minorias étnicas continuaram sendo uma constante na construção do anarquismo. Os militantes libertários, principalmente fora da Europa ocidental e nas regiões afetadas, seja as colônias apoderadas desde o final do século XIX, quanto durante os efeitos das grandes guerras, participaram amplamente de uma posição anti-imperialista e anticolonialista, construindo táticas e estratégias que se enraizariam na construção do anarquismo. Os autores Lucien van der Walt e Steven Hirsh notam que a posição mais sofisticada e hegemônica anarquista “foi a de participar das lutas de libertação nacional buscando moldá-las, vencer a batalha de ideias e afastar o nacionalismo, promovendo uma política de libertação nacional por meio da luta de classes, e dando às lutas de libertação nacional um sentido revolucionário.”[11]

Anarquistas, com essa visão, foram influentes nas lutas de libertação nacional do México, Cuba, Coréia do Sul, Bulgária, Macedônia, mesmo não vencendo em seus projetos finais, da Revolução Ucraniana contra a aristocracia Russa, mas também diante do projeto centralizador soviético, da Espanha na Revolução Espanhola, coletivizando os meios de produção de modo federativo, assim como no início dos sovietes na Revolução Russa, além da influência da estratégia do sindicalismo revolucionário no mundo contra o capitalismo.[12]

Após o maio de 1968 e posteriormente a queda do muro de Berlim, estratégias socialistas e libertárias mais descentralistas diante do colapso da Revolução Russa, abriram brechas para a criação de movimentos como o autonomismo francês e italiano, de origem marxista[13], mas também de posições heterogêneas, da criação de teorias decolonais e descolonias e pós-estruturalistas. O anarquismo, a partir do contato com essas teorias e movimentos, mas diante de uma era que a globalização, a homogeneização e massificação da cultura e da economia que esmagavam países de capitalismo periférico e minorias étnicas, também se transformou, colocando novas estratégias e tensionamentos em movimentos de luta e de autodeterminação de povos.[14] Estudaremos a seguir, assim, a atuação de ideias e práticas de tradição anarquista juntamente com socialistas libertárias e, para construir resistência tanto à globalização e o Estado Nacional, apresentando uma posição própria, anarquista e revolucionária, como projetos de organização e táticas de resistência. Analisaremos três casos onde isso ocorreu, primeiramente nas lutas antiglobalização desde a década de 1990 às ocupações de Wall Street nos Estados Unidos, depois na luta indígena na Revolução Zapatista na região de Chiapas no México e na Revolução Curda, atualmente em Rojava, na Síria.

A partir da experiência e resultados dessas pesquisas, achamos necessário instrumentalizar alguns referenciais teóricos específicos para efetivarmos nossa investigação. Consideramos primeiramente as concepções teórico-metodológicas provindas da História Social. O historiador Eric Hobsbawm afirmou que tal corrente historiográfica, pelo seu caráter de fundação e desenvolvimento não pode negligenciar nenhum aspecto - seja cultural, social, econômico e político - na análise de seu objeto, não esquecendo que todos esses aspectos são resultados de relações materiais dialéticas. Dentro desse ramo, na pesquisa, nos colocamos dentro da “história de baixo para cima”, aquela que privilegia os personagens antes negligenciados por uma narrativa oficial, uma vez que os anarquistas se situam dentro da classe trabalhadora e grupos subalternos e foram ofuscados anteriormente pela própria repressão do Estado e das classes dominantes que almejavam destruí-los e miná-los.[15] Ainda assim, vemos esses personagens, seus discursos, pensamentos e ações como resultado de condições materiais que também criaram e adaptaram tradições e culturas, assim como os seus respectivos imaginários e práticas que estão sendo investigados, por meio de suas próprias produções e estratégias, mas de condicionamentos e discursos moldados a partir de suas inflexões.

A REVOLUÇÃO ZAPATISTA E O INDIGENISMO INTERNACIONALISTA

As lutas anti-globalização, assim como a própria construção do anarquismo, não aconteceram majoritariamente em países de capitalismo avançado, como mostra a bibliografia e historiografia recente do tema.[16] No presente caso, a Revolução Zapatista na região de Chiapas no México, representam tanto um esforço de uma vitória em desenvolvimento de uma minoria étnica diante do Estado nacional, mas também de um contraponto contra a globalização, o capitalismo, e a inserção e articulação de ideias anarquistas e socialistas libertárias, junto a outras, em uma prática e política efetiva contemporânea.

Para entender esse processo revolucionário, devemos voltar para a tradição e resistência indígena desde a colonização e com o avanço do Estado mexicano. O sociólogo Alejandro Buenrostro y Arellano mostra que o país fundado pela função de ser exportador para os E.U.A, carrega um DNA de sistema quase servil nas fazendas, onde a maioria dos trabalhadores são indígenas ou descentes deles. A questão é que as etnias choles, tzeltales, tzoltziles e tojolabales da região de Chiapas sempre consideraram sua terra como parte de sua integral de suas cultura, onde “a posse comunal é o elemento integral de suas vidas.”[17] Eles têm a ideia de que o corpo e a terra, assim como suas tradições, crenças e ascendentes estão ligados. Assim, tanto durante o processo de expropriação durante a colonização, mas durante os fenômenos de hegemonia capitalista onde suas regiões e formas de trabalho “se incorpora[m] cada vez mais à economia mundial dos monopólios”[18], essas etnias apresentaram variadas formas de resistência, como fugas, negação de trabalho, ocupação de outras terras e reivindicação de suas antigas posses. É certo que a Revolução de 1910 foi um modelo republicano para as nações latino americanas, onde já colocava as comunidades indígenas como importantes serem preservadas. Em 1925 foi criado o Departamento de Escolas Rurais de Incorporação Cultural Indígena, com o auxílio de professores, técnicos agrícolas, carpinteiros, e vários trabalhadores e organismos sindicais e comunais na defesa do caráter indígena. Não obstante, o latifundiarismo marcado com a colonização e a dominação do capital estrangeiro foi um grande oponente que marcou progressivamente a queda dos direitos indígenas, e a evasão do campo para as cidades, destruindo muitas culturas, comunidades e empobrecendo pessoas em torno de cidades populosas.

Em 1974, no Congresso Indígena, em San Cristóbal, as etnias hoje alocadas em Chiapas decidiram que iriam instituir estratégias de autodefesa e de ocupação. No final da década, ocuparam regiões de Golonchan, município de Sitalá, em Chiapas. Essa ação fez com que os governos de Juan Sabines e López Portillo comprassem terrenos expropriados e entregassem para os indígenas reivindicadores. Na década de 1980 os indígenas, empobrecidos e com falta de saneamento básico e outras condições precárias na região, além de ameaçados por latifundiários e pelo Estado, começam a formar o Exército Zapatista de Libertação Nacional, de inspiração de Emílio Zapata, mas também em torno de práticas guerrilheiras contra as Ditaduras na América Latina, de inspiração majoritária marxista, como o Guevarismo.[19] Camponeses e outros trabalhadores, além de militantes e ativistas socialistas e anarquistas se juntam às suas fileiras e um sincretismo entre essa luta e tradições políticas de esquerda se constrói. A aparição oficial desse organismo se deu em 1994 na data de entrega de vigor do NAFTA (Acordo de Livre Comércio da América do Norte), portando diante de tratados econômicos do processo de hegemonia do capitalismo. Os zapatistas declararam que iriam se expandir requerendo mais direitos e declarando que seu movimento era expansivo para todas os oprimidos do México:

"Somos produto de 500 anos de luta: primeiro contra a escravidão, na guerra de Independência contra a Espanha encabeçada pelos insurgentes; depois para evitar sermos absorvidos pelo expansionismo norteamericano; em seguida, para promulgar nossa Constituição e expulsar o Império Francês de nosso solo; depois, a ditadura porfirista nos negou a aplicação justa das leis da Reforma e o povo se rebelou criando seus próprios líderes; assim surgiram Villa e Zapata [...] Porém nós hoje dizemos: BASTA!, somos os herdeiros dos verdadeiros forjadores de nossa nacionalidade, os despossuídos somos milhões e chamamos a todos nossos irmãos para que se somem a este chamado como o único caminho para não morrer de fome ante a ambição insaciável de uma ditadura de mais de setenta anos, encabeçada por uma camarilha de traidores que representam os grupos mais conservadores e vende-pátrias."[20]

O zapatismo, nesse intuito, além de seu anti-imperialismo e anticapitalismo, começava a procurar e praticar formas de política diferente de esquerdas e movimentos de libertação tradicionais. Dessa maneira, foram conhecidos em serem mostrados de caras cobertas e roupas negras, anônimos. O subcomandante e porta-voz do EZLN, sempre aparecia coberto nas falas públicas e reivindicações e quando questionado os motivos, o mesmo revelou que

"Marcos é gay em São Francisco, negro na África do Sul, asiático na Europa, hispânico em San Isidro, anarquista na Espanha, palestino em Israel, indígena nas ruas de San Cristóbal, roqueiro na cidade universitária, judeu na Alemanha, feminista nos partidos políticos, comunista no pós-guerra fria, pacifista na Bósnia, artista sem galeria e sem portfólio, dona de casa num sábado à tarde [...]. Enfim, Marcos é um ser humano qualquer neste mundo. Marcos é todas as minorias intoleradas, oprimidas, resistindo, exploradas, dizendo ¡Ya basta! Todas as minorias na hora de falar e maiorias na hora de se calar e aguentar. Todos os intolerados buscando uma palavra, sua palavra."[21]

A estratégia do EZLN é contra a política personalista, fazendo Marcos ser, na verdade, a personificação de decisões coletivas dos zapatistas. Mas também, ao não ser ninguém, Marcos pode ser identificado como todos os oprimidos do mundo, marcando suas inclinações ao internacionalismo e expansão não só no país, mas para outras reivindicações de libertação étnica ou mesmo outras lutas e movimentos. Além disso, em Chiapas, seus residentes se organizavam de modo totalmente horizontal nos chamados caracóis que

"são cinco zonas autônomas que se encarregam da mediação de conflitos e do gerenciamento de um sem-número de atividades: hospedagens para zapatistas e visitantes, cozinhas coletivas, mercearias, galpões, escritórios com internet, oficinas para consertos, quadras de esportes, cooperativas e, em alguns casos, rádios comunitárias, clínicas de saúde e escolas."[22]

Dessa maneira, mesmo não explícito, o zapatismo se aproxima de posições defendidas por socialistas libertários e anarquistas, e por isso é defendida não só por militantes em seu interior, mas nas redes e grupos anarquistas em todo mundo. A Coordenação Anarquista Brasileira, por exemplo, fez uma carta de apoio a luta zapatista em 2019 afirmando que também são “centelhas fumegantes” e, assim, “construiremos solidariedade rebelde e internacionalista entre os povos.”[23] Anarquistas como da CAB, mas também da Federação Anarquista Uruguaia, Black Rose nos Estados Unidos, além das entidades sindicais como a Confederácion Nacional Del Trabajo na Espanha (CNT) tentam defender e articular o internacionalismo zapatista e seus métodos em seus lugares de atuação, marcando uma inserção anarquista sobre o processo e alavancando aspectos de solidariedade e defesa de uma luta étnica de maneira expansiva contra o Estado nacional.

CURDOS, ROJAVA E O ANARQUISMO DA ECOLOGIA SOCIAL

Outro importante processo revolucionário, mais recentemente, está na legitimação de um (auto) governo curdo no norte da Síria (Rojava), nas regiões Afrîn, Jazira e Kobanî. Na verdade, o Curdistão está dividido entre o poder de quatro Estados: Turquia, Irã, Iraque e Síria, onde são cerca de 25 milhões de pessoas. Hoje a maioria delas são muçulmanas, mas na sua origem praticavam formas tribais não monoteístas, como o Yazidismo, um culto que envolve o zoroastrismo, o mitraísmo e o sufismo. Antes da unificação de dinastias e depois de Estados em torno do islamismo, a cultura curda girava em torno tribal de organização social de clãs descentralizadas por meio de chefes regionais das tribos, por direito de hereditariedade, com grande presença matriarcal. Jordi Vàsquez considera que

"no que toca à questão de gênero, ao contrário, a sociedade curda é bastante avançada, seguindo paradigmas ocidentais. Muitas mulheres foram chefes tribais e dirigiram a resistência armada curda. Atualmente são mulheres, muitas vezes de idade avançada, as que lideram as manifestações, por exemplo, no Curdistão Turco."[24]

A cultura e sociedade curda, assim, sempre resistiram ao monoteísmo centralizador, mesmo que muitos pratiquem o islamismo, já que sua interpretação islâmica se tornou mais descentralizada e em torno também do papel importante de mulheres no processo. A formação dos Estados nacionais, e do fundamentalismo na região também sempre foi rejeitada pelos curdos, onde dominados pela Turquia, no século XX, foram alvos de massacres e guerras, entre 1921 e 1931, fazendo com que parte dos curdos tenham fugido para o Iraque e para a Síria. No Iraque, curdos fizeram uma insurreição buscando suas autodeterminações entre 1961 e 1970, na guerra curdo-iraquiana, que respondia ao “programa de arabização”, “que procurava substituir a população original curda por colonos árabes”[25] onde muitos curdos foram mortos. Na década de 1990, no entanto, a derrota de Sadam Hussein fez com que lideranças e grupos curdos reagissem e legitimassem o Governo Regional do Curdistão (KRG) e da União Patriótica do Curdistão (YNK). Esses dois grupos se confrontam, no entanto, para conseguir hegemonia da administração do Curdistão no Iraque, em processo.

Já, no Curdistão Sírio, o processo seguiu de modo diferente, com a construção do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) no final da década de 1970. Esse organismo político tem origem na esquerda revolucionária turca no final de 1960 que foram brutalmente reprimidos pelo Estado. Não obstante, em 1975 nasceu um grupo chamado “Revolucionários do Curdistão”, conhecidos como “Apocu”, os seguidores de Abdullah Öcalan, que tinham o lema: “A Revolução Curda tem que passar pelo Curdistão.”[26] Eles se inspiravam assim, nas lutas maoístas e leninistas e buscavam um Estado socialista curdo e, após isso, a tomada de poder da própria Turquia. No início de 1980, apoiados pelo Partido Comunista Libânes se instalaram no Líbano e depois ocuparam a Síria. Nesse processo, se organizavam em grupos organizando grupos refugiados, tendo contato com outros grupos e organizações políticas no Oriente Médio e na Europa, exercitando o internacionalismo. Nesse processo, na década de 1990, o Congresso do Partido de 1995 e depois com a autocrítica de Abdullah Öcalan na sua prisão em 1999 no Líbano, afirmaram que a influência soviética seria uma fase de “socialismo brutal primitivo e cruel”[27] , largando o marxismo-leninismo e se aproximando de posições libertárias.

Na verdade, o PKK estava sendo influenciado pelas leituras da ecologia social, um ramo que nasceu de uma crítica dentro do movimento anarquista nos anos de 1970, com o teórico e ativista Murray Bookchin, dos Estados Unidos, trazidos por militantes europeus que se correspondiam com Ocalan na prisão e com os militantes do partido. Bookchin, que também vinha das fileiras marxistas, fazia uma crítica ao processo de nacionalização que as economias socialistas se transformaram e também às corridas industriais da Guerra Fria e por isso se juntou aos anarquistas em seu país acreditando numa forma de organização descentralizada a partir de bairros e comunidades. Mas é interessante que Murray Bookchin também desferiu muitas críticas aos anarquistas de sua geração, já que defendia que o movimento foi pego por elementos liberais e metafísicos, largando a luta social por um individualismo exagerado. E, também, ao propor uma forma de organização comunitária, como alguns anarquistas do passado, foi criticado por anarquistas que acreditam na organização por local ou categoria de trabalho, os anarcossindicalistas.[28]

Com isso, Bookchin, também influenciado por leituras ecologistas radicais, funde uma maneira ecológica com formas socialistas libertárias e anarquistas de organização, chamado municipalismo libertário, a partir da ecologia social. Ele defendia que era necessária a

"a criação de uma economia inteiramente nova, baseada não só na “democracia no local de trabalho”, mas na estetização das capacidades produtivas humanas; a abolição da hierarquia e dominação em todas as esferas da vida pessoal e social; a reintegração de todas as comunidades sociais e naturais em um ecossistema comum. Este projeto implica um corte total com a sociedade de mercado, as tecnologias dominantes, o estatismo, as sensibilidades patricêntricas e prometéicas para com os humanos e a natureza, que foram absorvidas e realçadas pela sociedade burguesa.[29]

Influenciado por esses escritos, Abdullah Öcalan escreve o panfleto “O Confederalismo Democrático”, em 2005, que defende um tipo de organização “que terá sua força derivada diretamente do povo, e não da globalização baseada nos Estados nação”. Nesse sentido, “nem o sistema capitalista nem a pressão das forças imperialistas levarão à democracia; exceto para servir a seus próprios interesses. O objetivo é auxiliar o desenvolvimento de uma democracia de base [...] Que levará em consideração as diferenças religiosas, étnicas e de classe na sociedade.”[30]

A Revolução Curda, de 2012, estabelecendo a autonomia no nordeste da Síria foi acompanhando em um processo dual de trabalho de base entre os refugiados e comunidades de curdos e outras etnias confederadas. De um lado, exercitavam as assembléias locais, a partir das necessidades dos bairros, onde hoje atualmente moram mais de 4 milhões de pessoas, levando em consideração uma discussão sobre sustentabilidade e economia solidária autogerida entre a população. De outro, organizaram as Unidades de Defesa Popular (YPG) que são milícias curdas armadas que, ao invés do ideário de tomada do poder, tem como base a autodefesa de suas comunidades contra os Estados nacionais que não reconhecessem seu processo independente de libertação. O interessante é que essas milícias são dirigidas por mulheres, que ficaram famosas ao combater o Estado Islâmico. A igualdade de gênero, trazida pela influência cultural, mas também pelo processo marxista e depois pelo debate antidominação própria do anarquismo perpassa essa unidade e a educação de base das assembléias populares, dando uma versão de luta de independência regional e autodeterminação dos povos em consonância com uma luta global de igualdade de gênero, como defende seus militantes:

"O curso dessa história masculina, minando a história feminina, não leva a lugar algum além da morte, uma vez que a mercantilização infinita, mantida ideológica e materialmente, não conhece barreira ética ou física, como mostram os recentes escândalos da Amazônia em chamas e da pedofilia organizada, e da constante destruição industrial e casamentos infantis. Dentro do paradigma masculino, não há como parar essa competição autopropulsada e duradoura de dominação entre elementos, com as principais entidades atuais sendo os estados-nação e as empresas transnacionais."[31]

ANARQUISTAS DIANTE DAS LUTAS ANTIGLOBALIZAÇÃO E NAS OCUPAÇÕES DE WALL STREET

Vendo os dois casos anteriores, é refutável a hipótese de que o anarquismo desapareceu na década de 1930 após a repressão da Guerra Civil Espanhola e tenha reaparecido nas manifestações de 2013. Além disso, autores especialistas em estudos atualizados do anarquismo como Lucien Van der Walt e Steven Hirsh[32], David Graeber[33], Mark Bray[34] e Rafael Viana da Silva[35] revelam a insistência de anarquistas em diversas atividades nos anos 1940 e 1950 e depois em sindicatos, manifestações, resistências ao imperialismo e atividades educativas e culturais, mesmo que quase apagados da política hegemônica da Guerra Fria. Com o alastramento da globalização no mundo e a possível massificação cultural do capitalismo, os anarquistas, assim, apresentaram táticas de resistência internacionalistas diferentes da esquerda até então hegemônica, impulsionando, mas também tomando carona em táticas autonomistas, descentralistas e horizontais que repudiavam o estatismo e o centralismo das políticas soviéticas, por isso dessa vez apareciam mais evidentes.

Não obstante, é interessante retomar a discussão de Mark Bray no tocante a uma diferenciação entre horizontalidade e anarquismo. Para o autor, estudioso do anarquismo contemporâneo e das ocupações nos E.U.A, a tradição anarquista não defendeu qualquer tipo de movimento horizontal, mas um tipo de horizontalidade socialista, anti-dominação e revolucionária, não apenas almejando espaços de convívio melhor, mas na tomada e destruição do Estado e na tomada dos meios de produção para a coletivização, como vimos nos dois casos anteriores. É certo que já existia uma posição antiorganizadora e insurrecional do anarquismo, vista nos atentados de alguns militantes clássicos, mas a maioria deles, assim, alavancavam movimentos de massas, como sindicatos, sovietes, conselhos e greves, com influência de grupos anarquistas no intuito de não fazê-los cair no reformismo ou em uma total burocracia ou reacionarismo. Não obstante, muitos movimentos horizontais desse novo período, ao contrário, realizaram posições acríticas de insurreições, ocupações e movimentos horizontais. Essas também não eram apenas anarquistas, mas bebiam de várias fontes e teorias pós-estruturalistas, marxistas autonomistas, decoloniais, libertárias e não necessariamente anarquistas, pelo menos não da tradição do socialismo fundado na Associação Internacional dos Trabalhadores.[36] Não obstante, o anarquismo também foi influenciado por esses novos movimentos e posições, formando grupos que buscavam novas estratégias além de sindicatos ou grupos mais orgânicos do anarquismo clássico, chocando uma tradição antiorganizacional do anarquismo com novas teorias e modelos descontinuados de performances políticas ou fazendo com que uma tradição clássica se organizasse a partir de novos temas e demandas, como a própria globalização.[37]

Isso fez com que o anarquismo e suas variantes estratégicas estivessem na evidência dos movimentos antiglobalização no mundo. Na realidade, os protestos contra as políticas neoliberais estavam ocorrendo desde o início da década de 1990. Em 1999, diante da terceira conferência da Organização Mundial do Comércio (OMC), depois dos encontros em Singapura e Gênova, aconteceu um imenso confronto nas ruas de Seatlle. Embora sejam bastante heterodoxas, variando de posições liberais clássicas, republicanos, marxistas, anti-liberais, e até conservadoras, os protestos começaram a exigir políticas econômicas menos excludentes e contra a precarização de vida, além da não desvalorização dos direitos trabalhistas, exigindo também novas formas de política não personalistas.[38] Nesse meio, a tática Black Bloc, construída por anarquistas ainda em 1980 na Alemanha e na Holanda, mas também usada por grupos diversos, ganhou relevância. Pessoas mascaradas e vestidas de preto, ou seja performando um novo tipo de política anônima, “literalmente demoliram as vitrines das odiosas corporações multinacionais”, noticiava anarquistas do período.[39] Além de tentarem re-inserir uma radicalidade revolucionária que setores mais legalistas da esquerda rejeitaram, os aderentes dessa tática tentavam mostrar que isso uniria do que dividiria as pessoas. Uma mensagem de anarquistas impressa em 1999 em Londres dizia que

"aqueles que possuem autoridade, temem a máscara pelo seu poder em identificar, rotular e catalogar comprometido: em saber quem você é... nossas máscaras não servem para esconder ou ocultar a nossa identidade, mas para revelá-la... hoje nós devemos dar um rosto a essa resistência; colocando nossas máscaras mostramos a nossa união; e levantando as nossas vozes nas ruas, nós botamos pra fora toda a raiva contra os poderosos sem rosto."[40]

O autor Lucien Van der Walt, no período ativista, mostrava que, com essa política anônima e espontânea, alguns anarquistas já apontavam “a presença de elementos reformistas e de classe média, como as ONGs no movimento” e “outros apontam para o inesperado apoio de grupos de extrema direita como fascistas e fundamentalistas islâmicos para a “antiglobalização” ou “para outros, há suspeitas sobre o papel dos líderes sindicais de direita no movimento.”[41] Mas, no entanto, para a maioria de ativistas próximos ao socialismo libertário ou organizados em grupos anarquistas, os movimentos antiglobalização eram uma ótima entrada para uma propaganda anticapitalista e, mais do que isso, mostravam que o internacionalismo deveria ser a saída, e não necessariamente as reformas do Estado nacional:

"O novo movimento representa um desenvolvimento importante para a classe trabalhadora internacional e uma enorme oportunidade para o movimento anarquista no alvorecer do século XXI. Aproveitar o momento, estar envolvido, moldar o movimento … esta é a melhor oportunidade disponível hoje para implantar o anarquismo dentro da classe trabalhadora e abrir nosso caminho de volta ao nosso legítimo lugar como um movimento de milhões, um movimento que pode ajudar a cavar o túmulo do capitalismo. [...] Não devemos nos alinhar com aqueles que, sob a bandeira da “soberania” e “nacionalidade”, exigem a aplicação da cultura nacional, dos alimentos nacionais, do fechamento das fronteiras às influências “estrangeiras” e assim por diante. Essa perspectiva – mesmo que vestida com roupas “anti-imperialistas” – é xenofóbica e implica diretamente no apoio a Estados-nações locais."[42]

Portanto, longe de apoiar o autonomismo, o insurrecionário, a violência e a horizontalidade desses movimentos acriticamente, que não tinham ligação direta inicialmente com qualquer partido ou organização, anarquistas tentavam alavancar esses movimento para um internacionalismo que unisse a classe trabalhadora, entendendo que as políticas capitalistas eram globais e que reformas dentro do Estado não seriam eficazes já que ele e o Capital, como entendiam a teoria anarquista clássica, estavam em consonância em seu constructo.

A mesma estratégia e inclinação foram usadas nas ocupações de Wall Street em 2011. Pegando carona na Primavera Árabe de massificação de protestos em ocupações nas ruas, a revista canadense Adbusters, seguidos pelos Anonymous e US Day of Rage, depois de vários ativistas, militantes, ONGs e organizações, convocaram pessoas na internet, resultando numa manifestação com cerca de 5 mil pessoas no dia 11 de outubro no Zuccotti Park, no distrito financeiro de Manhattan. Nos próximos meses, protestos com as mesmas características se espalharam por diversas outras cidades nos Estados Unidos, como Boston, Chicago, Los Angeles e São Francisco.[43] É interessante que começando com uma crítica genérica à corrupção e às políticas financeiras que desencadeariam desigualdades econômicas, a heterogeneidade das demandas e os diversos grupos existentes era tão grande que observadores e jornalistas cobrindo o evento, ao se indagarem o que o movimento exigia, afirmavam que “essa pergunta ainda não foi respondida” já que “boa parte porque as instituições do estado, nos EUA, já estão tão infiltradas pelo dinheiro das grandes empresas”. Assim, ao invés de “apresentar uma lista de reivindicações, optaram por fazer da própria ocupação a sua principal reivindicações – com a democracia direta em ação, acontecendo na praça –, e daí pode ou não sair alguma reivindicação específica.”[44]

O editor da Revista Killing the Buddha e observador do evento, Nathan Schneider, ao ser entrevistado para o The Nation, mostrou que as ocupações seguem o método da

"Assembleia Geral [que] é um colectivo horizontal, anónimo, sem chefia, sistema de consenso autogerido com raízes no pensamento anarquista, muito semelhante às assembleias que têm conduzido vários movimentos sociais em todo o mundo (na Argentina, na Praça Tahrir no Cairo, na Puerta Del Sol em Madrid e noutros pontos)."[45]

O autor Mark Bray defende que, nesse sentido, mesmo percebendo as infiltrações e uma possível guinada à direita, assim como no caso Árabe, anarquistas tentavam potencializar o movimento com elementos radicais e socialistas internacionalistas, que substituíssem também formas de política representativa por assembleias e debates, construindo uma resistência à globalização, ao capitalismo, mas também uma forma política futura, a tomada e divisão dos meios de produção e do capital financeiro pelas vias desses organismos guiados por assembleias e decisões coletivas. É nesse sentido que as ocupações chamaram a atenção em anarquistas inseridos em movimentos mais sólidos, como os sindicais, da Internacional World of Workers (IWW), punks e ocupadores anarquistas, além de grupos de propaganda se infiltravam na organização do OWS (Ocuppy Wall Street). Para ele, anarquistas teriam a missão de levar valores socialistas e libertários, embora dentro do movimento em si não explicitamente, criando uma cultura de democracia e solidariedade que transcendesse ideários capitalistas e liberais, mas também protecionistas que fortalecessem o Estado nacional, um grande desafio. Assim,

"Andrew (27), um organizador de Massachusetts, tenta “se afastar de “anarquista” e “anarquismo” como rótulos por causa da erosão na cultura popular e política neste país.” Em vez disso, ele enfatiza ser antiestado é acreditar em organização coletiva e forte relacionamento interpessoal. Já Patrick Bruner (23), que foi essencialmente o GT da Imprensa durante os primeiros dias da ocupação da Praça da Liberdade, afirma que a roupa lisa e toda preta e cabeça raspada me levaram a suspeitar do anarquismo antes de surgir, mas ele também diz no primeiro semana escreveu uma lista de termos políticos polarizadores para evitar com a imprensa, incluindo “capitalismo, anarquismo, comunismo, [e] livre mercado.” Patrick acrescentou que “quando falar sobre esse movimento falamos sobre um pós-político, que é diretamente um movimento democrático, alimentado por pessoas e igualitário. Quando você colocar todas essas palavras juntas significa anarquismo.”[46]

Evidentemente, devido à repressão, a disputa de narrativas de variados grupos, além da própria monetização de grandes corporações nos movimentos e da infiltração de membros da extrema direita, o peso anarquista acabou não se sobressaindo após os eventos. Não obstante, os movimentos antiglobalização e as ocupações em massa desse período mostraram que existe um apelo popular por formas de política não representativa e fora do Estado nacional e do capitalismo, contrário aos efeitos massificadores da globalização, que a esquerda anti-imperialista, além do anarquismo e de socialistas libertários, deveriam se ater e instrumentalizar como outros espectros políticos fizeram. Não obstante, esses eventos, longe de serem eventuais e espontâneos foram influenciados e influenciaram outras lutas em outras partes do mundo que lutam por legitimação de suas etnias diante do processo de globalização e massificação da cultura assim como das fronteiras do Estado nacional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entre a subordinação ao capitalismo internacional e a reivindicação de economias planificadas e protecionistas de países ditos socialistas, ao estudar os casos das ocupações de Wall Street, das lutas dos zapatistas e dos curdos, vimos que existem projetos antiglobalização e de legitimação de minorias étnicas contra Estados que representam um tipo de luta anti-imperialista e anticapitalista interessante nos dias atuais. Dessa maneira, enraizado na cultura política histórica do anarquismo e de posições socialistas libertárias e descentralistas, militantes dessas fileiras tentam impulsionar nesses processos uma consciência local de política, através de assembléias e formas de organização autogeridas com conexões transnacionais e internacionalistas.

Dessa maneira, podemos estar assistindo uma história a contrapelo da globalização e do Estado nacional, lutas e narrativas que mesmo minoritárias apresentam contrapontos aos projetos majoritários que achamos que representam a totalidade, e que podem ser saídas às crises que enfrentamos e as próximas que enfrentaremos e aos dilemas deste século que se apresenta.

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[1] LÊNIN, Vladimir. Lenine e a IIIª Internacional. Lisboa: Estampa, 1986. p.95. 155 Ver FRIEDMAN, Jeremy; RUTLAND, Peter. Anti-imperialism: The Leninist Legacy and the Fate of World Revolution. Slavic Review, vol.76, n.3, 2017. p. 591-599.

[2] Ver FRIEDMAN, Jeremy; RUTLAND, Peter. Anti-imperialism: The Leninist Legacy and the Fate of World Revolution. Slavic Review, vol.76, n.3, 2017. p. 591-599.

[3] Como Marx e Engels afirmam “uma vez desaparecidos os antagonismos de classe no curso do desenvolvimento e sendo concentrada toda a produção propriamente dita nas mãos dos indivíduos associados, o poder público perderá seu caráter político. O poder político é o poder organizado de uma classe para a opressão de outra. Se o proletariado, em sua luta contra a burguesia, se constitui forçosamente em classe, se se converte por uma revolução em classe dominante e, como classe dominante, destrói violentamente as antigas relações de produção, destrói, justamente com essas relações de produção, as condições dos antagonismos entre as classes, destrói as classes em geral e, com isso, sua própria dominação como classe. Em lugar da antiga sociedade burguesa, com suas classes e antagonismos de classe, surge uma associação onde o livre desenvolvimento de cada um é a condição do livre desenvolvimento de todos.” MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. Porto Alegre: L&PM, 2016. p.61-62.

[4] WALT, Lucien van der. Back to the future: revival, relevance and route of an anarchist/syndicalist approach for twenty-first-century left, labour and national liberation movements. Journal of Contemporary African Studies, v.34, n.3, 348-367. p.351. Tradução nossa.

[5] Ver ANDERSON, Benedict. Nação e consciência nacional. São Paulo: Editora Ática, 1989. p.9-10.

[6] LAZAGNA, Ângela; LOWY, Michael; CAHEN. “Nacionalismos e Internacionalismo: um debate entre Michael Löwy e Michel Cahen.” Revista Sociologia Política., v. 16, n. 31, p. 101-119, 2008. p.117.

[7] ANDERSON, Benedict. Sob três bandeiras: Anarquismo e Imaginação anticolonial. Campinas – São Paulo: Editora da Unicamp; Fortaleza – Ceará: Editora da Universidade Estadual do Ceará, 2014.

[8] SAMIS, Alexandre. Negras Tormentas: o federalismo e o internacionalismo na Comuna de Paris. São Paulo: Hedra, 2011. p.33-60.

[9] CORRÊA, Felipe. Introdução. BAKUNIN, Mikhail. Revolução e Liberdade: Cartas. São Paulo: Hedra, 2010. p.15 163

[10] AVELINO, Nildo. Errico Malatesta – revolta e ética anarquista. Verve, v. 4, p.228-263, 2003.

[11] HIRSCH, Steven; VAN DER WALT, Lucien (Orgs.). Anarchism and Syndicalism in the Colonial and Postcolonial World, 1870-1940: The praxis of national liberation, internationalism and social revolution. Leiden, Brill, 2010. p.lxiii-lxiv. Tradução nossa.

[12] Idem.

[13] ALTAMIRA, César. Los marxismos de fin de siglo. Buenos Aires: Biblos, 2006. p.95-175.

[14] Ver JOYEUX, Maurice. Maio de 68: os anarquistas e a revolta da juventude. São Paulo: Imaginário/Faísca, 2008.

[15] Ver HOBSBAWM, Eric. Sobre História. São Paulo: Companhia de Bolso, 1998. p.106-135; 280-300.

[16] Ver HIRSH, Steven; WALT, Lucien Van der. Op.cit, 2010.

[17] ARELLANO, Alejandro Buenostro y. As raízes do fenômeno Chiapas: o “Já Basta” da resistência zapatista. São Paulo: Alfarrabio Editorial, 2012. p.37.

[18] Idem. p.39.

[19] Ibidem. p.51-75.

[20] Discurso em DI FELICE, Maximo; MUÑOZ, Cristobal. A revolução invencível: Subcomandante Marcos e Exército Zapatista de Libertação Nacional – Cartas e Comunicados. São Paulo: Boitempo, 1998. p.39.

[21] Declaração em ROSAS, João Cardoso; FERREIRA, Ana Rita. Ideologias políticas contemporâneas. Coimbra: Edições Almedina, 2014. p.27.

[22] ALKMIN, Fábio. Por uma geografia da autonomia: a experiência de autonomia territorial zapatista em Chiapas, México. São Paulo: Humanitas, 2017. p.58.

[23] Carta de solidariedade às comunidades zapatistas do México. Coordenação Anarquista Brasileira. Disponível em https://anarquismo.noblogs.org/ arquivos/1187. Acesso em 9 de maio de 2020.

[24] VÀSQUEZ, Jordi. Pinceladas sobre o Curdistão. FERRAZ, Paulo (Org.). A revolução ignorada: liberação da mulher, democracia direta e pluralismo radical no Oriente Médio. São Paulo: Autonomia Literária, 2016. p.41.

[25] Idem. p.48.

[26] VÀSQUEZ, Jordi. Breve História do PKK. FERRAZ, Paulo (Org.).Op.cit., 2016. p.52

[27] MARTÍNEZ, Joaquín. A transformação do PKK. FERRAZ, Paulo (Org.).Op. cit., 2016. p.55

[28] Ver BOOKCHIN, Murray. Anarquismo crítica e auto-crítica. São Paulo: Editora Hedra, 2011.

[29] BOOKCHIN, Murray . Ecologia social e outros ensaios. Rio de Janeiro: Achiamé, 2010. p.32.

[30] ÖCALAN, Abdullah. O Confederalismo Democrático. Góias: Terra sem amos, 2020. p.13.

[31] Ecologia em tempos de guerra. El Coyote. Tradução do texto: Ecology in times of war (Make Rojava Green Again). Disponível em: http://elcoyote.org/ ecologia-em-tempos-de-guerra/. Acesso em 14 de maio de 2020.

[32] HIRSH, Steven; WALT, Lucien Van der. Op.cit, 2010.

[33] GRAEBER, David. Direct Action: An Ethnography. Edinburgh Oakland: AK Press, 2009.

[34] BRAY, Mark. Translating Anarchy: The Anarchism of Occupy Wall Street. Alresford: Zero Books, 2013. p.123-124.

[35] SILVA, Rafael Viana na. Elementos inflamáveis: organização e militância anarquista no Rio de Janeiro e São Paulo (1945-1964). Curitiba: Editora Prismas, 2017.

[36] Ver BRAY, Mark. An anarchist critique of horizontalism. Autonomies.org, 2018. Disponível em: https://autonomies.org/2018/07/an-anarchist-critiqueof-horizontalism-mark-bray/. Acesso em 07 de maio de 2020. Tradução nossa.

[37] Ver FERREIRA, José Maria. Anarquia e maio de 1968 na França. Revista Verve, v.33, 15-45, 2018.

[38] LUDD, Ned. Urgência das Ruas - Black Block, Reclaim the Streets e os Dias de Ação Global. São Paulo: Conrad Editora, 2003.

[39] As Máscaras e o Bloc: A História Pré Seattle. Centro de Contrainformação e Material Anarquista, 2000. Disponível em: https://www. nodo50.org/insurgentes/textos/autonomia/15mascarasbloc.htm. Acesso em 10 de maio de 2020.

[40] Idem.

[41] WALT, Lucien Van Der. Revolutionary Anarchism and the Anti-Globalization Movement. The Northeastern Anarchist,v.1, 2001. p.1. Tradução nossa.

[42] Idem. p.1-2.

[43] SCHNEIDER, Nathan. Occupy Wall Street: How it came about, what it means, how it works and everything else you need to know about Occupy Wall Street. The Nation, 2011. Disponível em https://www.thenation.com/article/ archive/occupy-wall-street-faq/. Acesso em 05 de maio de 2020. Tradução nossa.

[44] Idem.

[45] Ibidem.

[46] BRAY, Mark. Op.cit., 2013. p.123-124.