Título: O Anarquismo Não Pode Lutar Sozinho
Data: Não há informação sobre o ano exato do texto.
Notas: Título original: Anarchy can’t fight alone. Texto retirado do livro no livro A Soldier’s Story Revolutionary Writings by a New Afrikan Anarchist por Kuwasi Balagoon. Não há informação sobre o ano exato do texto. Traduzido por Escurecendo o Anarquismo.

De todas as ideologias, o anarquismo é a que aborda a liberdade e as relações igualitárias de maneira mais realista e definitiva. É consistente com que cada indivíduo tenha a oportunidade de levar uma vida completa e plena. Com o anarquismo, a sociedade como um todo não apenas se mantém em uma amplitude igual a todos, mas também progride em um processo criativo sem interferência de classe, casta ou partido. Isso ocorre porque os objetivos do anarquismo não incluem substituir uma classe dominante por outra, nem sob o disfarce de um patrão mais justo ou como um partido. Isso é essencial porque é o que separa os revolucionários anarquistas dos revolucionários maoístas, socialistas ou nacionalistas que não abraçam por princípio a revolução integral. Não podem imaginar uma sociedade verdadeiramente livre e igualitária e, até certo ponto, devem apoiar ao processo social que faz possível que a exploração e a opressão prevaleçam no início de tudo.

Quando me tornei um revolucionário e aceitei a doutrina do nacionalismo[2] como resposta ao genocídio praticado pelo governo dos Estados Unidos, eu sabia, como sei agora, que a única maneira de acabar com as perversas práticas dos Estados Unidos era esmagar o governo e a classe dominante que se protegiam através desse governo era através de uma prolongada guerra de guerrilha.

Armado com esse conhecimento, comecei minha organização inicial com o Partido dos Panteras Negras, até que a escalada estatal de violência contra o povo Preto, que havia começado com a invasão da África para capturar escravos, deixou nítido para mim que para sobreviver e contribuir seria necessário passar à clandestinidade e, literalmente, lutar.

Preso por assalto a mão armada, tive a oportunidade de ver a debilidade do movimento e colocar em perspectiva a ofensiva do Estado. Primeiro, o Estado coletou todos os organizadores sinalizados pelos policiais que haviam se infiltrado no partido desde o seu início em Nova York. Ele acusou judicialmente essas pessoas por conspiração e exigiu fianças tão altas que o partido se desviou do seu propósito de libertar a colônia preta para levantar recursos. Nesse momento, a liderança era importada ao invés de se desenvolver localmente, e a situação se deteriorou rápida e bruscamente. Aqueles que eram liberados pelo pagamento de fiança eram aqueles escolhidos pela liderança, sem considerar os desejos dos militantes de base ou dos companheiros prisioneiros de guerra, ou mesmo sem considerar o baixo valor da fiança de, comprovadamente, pelo menos um companheiro.

Sob a liderança deles, “consequências políticas” (ataques) contra forças de ocupação cessaram por completo. Apenas uma fração do dinheiro coletado com o propósito das fianças foi para o pagamento delas. Os líderes começaram a viver de forma luxuosa enquanto a base dos militantes vendia jornais, era ignorada deixando para trás tantos robôs que não confrontariam essa política até que aqueles na prisão denunciassem publicamente a liderança.

Como podiam uns poucos imbecis desviar tanto as nossas metas e energias durante tanto tempo? Como podiam neutralizar a coragem e o intelecto do quadro de militantes? As respostas a essas perguntas é que os quadros aceitaram sua liderança e aceitaram seus comandos a despeito do que o seu intelecto tinha ou não deixado nítido para eles. O verdadeiro processo democrático pelo qual estavam dispostos a morrer, por amor aos seus filhos, eles não reivindicariam a si mesmos.

Essas são as mesmas razões pelas quais a República Popular da China apoiou a UNITA[3] e o governo reacionário sul-africano na Angola; que a guerra continuou no sudeste asiático depois que os estadunidenses foram presos; porque a União Soviética, produto da primeira revolução socialista, não está provendo o argumento que deveria e poderia sendo um modelo.

Isso não quer dizer que os povos da União Soviética, da República Popular da China, do Zimbábue ou Cuba estariam melhor sem as lutas que travaram. É dizer que a única forma de fazer uma ditadura do proletariado é fazer com que todos sejam proletários e reduzir todas as vantagens do poder que signifique os desejos de alguns poucos ditando à maioria. A possibilidade de qualquer indivíduo ou grupo de indivíduos sendo capaz de forçar suas vontades sobre a vida privada de qualquer outro indivíduo ou de extrair consequências sociais por preferências de comportamento ou ideias precisa ser prevenida.

Apenas uma revolução anarquista possui na sua agenda esses objetivos. Isso poderia ativar a classe trabalhadora, os intelectuais sem classe, as nações colonizadas do Terceiro Mundo e alguns membros da pequena e da grande burguesia. Mas esse não é o caso.

Que a China, Coréia do Norte, Vietnã e Moçambique iriam se desenvolver em torno da ideologia marxista para expulsar os seus invasores e reconstruir economias feudais em meio às estruturas dos imperialismos ocidentais e os esforços para invadir e colonizá-los novamente é algo que se pode discutir à luz da situação internacional. Uma coisa é eles não apoiarem as vontades das pessoas tanto quanto escolhem aliados nas guerras entre o ocidente e o oriente que são realizadas nas terras de colônias não brancas. É outra coisa o anarquismo deixar de promover ou tomar a iniciativa na luta contra o fascismo e o imperialismo aqui, na América do Norte, com a história dos Wobblies[4], a Western Federation of Miners[5] e outros grupos que deixaram sua marca na história. É uma negação da nossa tarefa histórica, a traição a anarquistas que morreram resistindo a tirania no passado, sofrendo sob condições terríveis. É o roubo de uma alternativa para a próxima geração e perda de nossas próprias vidas pela simples fraqueza dos nossos corações.

Nós permitimos que pessoas de outras ideologias definam o anarquismo ao invés de trazer nossas ideias para as massas e prover modelos para mostrar o contrário. Permitimos que as empresas não só demitam os trabalhadores e os mantenham submissos enquanto cortam seus salários, mas que ainda por cima envenene o ar e a água. Permitimos que a polícia, a Klan e os nazistas aterrorizem qualquer setor da população que desejem sem que reajamos de qualquer forma. Resumindo, ao não nos engajarmos em organizações de massa e não entregarmos guerra contra nossos opressores, nos tornamos anarquistas apenas de nome.

Ainda que os marxistas e nacionalistas também não estejam fazendo isso em grande parte, não faz disso menos vergonhoso. Nossa inatividade cria um vazio que esse estado policial, com sua imprensa reacionária e seus objetivos definidos está preenchendo. As distintas esferas da vida das pessoas, que supostamente deveriam ser alcançadas pela organização das massas e pela inspiração revolucionária que nos permite a enxergar um novo dia, estão sendo manipuladas, ao contrário, por condições em que a apatia não é menos venenosa que a propaganda reacionária. Para aqueles que acreditam em um partido centralizado com um programa para as massas, isto pode encaixar com sua análise subjetiva. Mas para os que cremos verdadeiramente nas massas e acreditamos que elas deveriam ter suas vidas nas suas mãos e sabemos que a liberdade é um hábito, isso somente pode significar que temos muito caminho a percorrer.

Na sequência da rebelião de Overtown[6], a comunidade cubana, dadas como almas perdidas por Castro, nitidamente saíram em defesa da colônia Preta. E, previsivelmente, a Ku Klux Klan, através de um agente honorário do FBI[7] Bill Wikenson, não se importou em apoiar os direitos das empresas e negócios do imperialismo. As colônias do Terceiro Mundo pelos Estados Unidos enfrentam o genocídio e é hora dos anarquistas se unirem ao combate dos oprimidos contra seus opressores. Nós precisamos apoiar em palavras e ações a autodeterminação e autodefesa dos povos do terceiro mundo.

Não importa se os Pretos, porto-riquenhos, Indígenas ou Chicanos-Mexicanos creem que o nacionalismo é um veículo para sua autodeterminação ou se consideram o anarquismo como o único caminho para autodeterminação. Como revolucionários, devemos apoiar a vontade das massas. Não é só racismo, mas cumplicidade com o inimigo ficar fora da arena social e permitir que que os Estados Unidos continuem praticando o genocídio contra as colônias cativas do Terceiro Mundo porque, apesar de resistirem, eles ainda não concordam conosco. Se realmente sabemos que a anarquia é a melhor forma de vida para todas as pessoas, devemos promovê-la, defendê-la e crer que as pessoas que são tão espetas como nós a aceitarão. Esperar que as pessoas aceitem enquanto estão sendo aniquiladas enquanto nação sem aliados prontos para pôr em risco o que eles já puseram é loucura.

Onde moramos e trabalhamos, não só devemos intensificar os grupos de discussão e estudo, devemos também nos organizar junto as bases. Os proprietários de imóveis alugados devem ser enfrentados mediante greves de aluguel e no lugar de desenvolver estratégias para pagar os aluguéis, devemos desenhar estratégias para tomar os edifícios. Não só devemos reconhecer os movimentos de ocupações pelo que é, mas devemos apoiá-lo e abraçá-lo. Levantemos comunas em prédios abandonados, vendamos sucatas de carro e latas de alumínio. Convertamos os terrenos baldios em jardins. Quando nossos filhos ficarem sem roupas devemos ter lugares para substituí-las, pontos de intercâmbio entre anarquistas facilmente identificáveis e não termos problema em olhar lá primeiro. E, logicamente, devemos reaprender a conservar os alimentos, devemos aprender sobre construção e formas de tomar de volta nossas vidas, ajudar uns aos outros a se movimentar e ficar em forma.

Mantenhamos a bandeira estadunidense e a canadense acenando a meio mastro… Eu me recuso a crer que a bandeira da Ação Direta tenha sido capturada.

[2] Balagoon se refere ao nacionalismo Preto.

[3] União Nacional para a Independência Total da Angola, partido angolano fundado em 1966 que, apesar de um início próximo aos princípios maoístas, hoje é um partido de direita.

[4] Termo para se referir aos militantes filiados à Industrial Workers of the World (IWW), sindicato internacional de vários setores de trabalhadores que possui tendências libertárias.

[5] Federação dos Mineiros do Oeste em português. Foi um importante sindicato que organizava trabalhadores das minas de carvão, fundada em 1893. Teve importante participação na fundação da IWW, em 1905.

[6] Balagoon se refere aos levantes acontecidos em Miami, Flórida (EUA), em 1980, após a absolvição de quatro policiais pela morte de um homem preto, Arthur McDuffie, por um júri formado somente por homens brancos.

[7] Federal Bureau of Investigation ou Departamento Federal de Investigação em português.