Título: Pós-Anarquismo como uma Ferramenta para a Política Queer e Trans e/ou Vice-Versa?
Autor: Lena Eckert
Data: 2009
Fonte: Publicado originalmente na revista Liminalis: Journal for Sex/Gender Emancipation, 2009_03. Título original: "Post-Anarchism as a Tool for Queer and Transgender Politics and/or Vice Versa?"
Notas: Tradução realizada por Cello Latini Pfeil

Pós-Anarquismo como uma Ferramenta para a Política Queer e Trans e/ou Vice-Versa?

“na medida em que o poder é difuso, a resistência também deve sê-lo.” (Phelan, 1993: 767) [1]

‘Anarquismo é caos’ - é isso que a maioria das pessoas pensa ao escutarem ‘anarquismo’ - é uma forma de política da qual a maior parte das pessoas tem medo - na verdade, eu gostaria de chamá-lo como uma forma de tornar-se, em vez de uma forma de política - uma forma de pensar, de fato uma forma de organização de vida. O anarquismo é, frequentemente, erroneamente associado ao caos e à violência; acho que é exatamente o contrário: é o desejo pela maneira de existirmos juntos o mais pacífica e sem escravidão. Quero argumentar que as imagens e os discursos anti-anarquistas representam o medo bastante comum que algumas pessoas sentem de perder estruturas de poder hierárquicas bem definidas e privilégios e estruturas sociais consolidadas.

Contudo, a teoria queer, o ativismo transgênero [2] e o feminismo já trataram dessas estruturas de poder como binárias, heteronormativas e patriarcais, sendo essa a minha razão inicial para propor uma aliança entre essas diferentes abordagens teóricas, a saber, a teoria e o ativismo queer e transgênero e a filosofia do anarquismo rumo à mudança social. Neste ensaio, quero discutir uma nova abordagem que pode ser encontrada no pós-anarquismo e que poderia ser útil para a política queer e feminista. Isso envolve rearticular a agenda política do anarquismo tradicional, que há muito tem sido conduzida por um movimento masculinista e heteronormativo, bem como uma reavaliação da política queer e transgênera e do feminismo como movimentos identitários. Primeiramente, apresentarei a nova conceituação que o pós-anarquismo, inspirado pelo pós-estruturalismo, adotou nos últimos anos e, em seguida, pensarei em uma nova subjetividade que poderia emergir dessas noções. Por fim, questionarei as implicações para o problema da identidade e apresentarei as estratégias que poderiam resultar de todas essas diferentes questões.

Em 2001, Cathy Cohen, uma teórica queer, argumentou que nossa nova política deve estar comprometida com a análise e a política da esquerda. Além disso, ela sugere que pessoas queer devem buscar um novo direcionamento político. Para ela, essa nova direção não se volta para uma integração às estruturas dominantes, mas busca transformar a estrutura e as hierarquias basilares que permitem que os sistemas contínuos de opressão operem com eficiência - ela defende um tipo diferente de intervenção que visa transformar a própria base das sociedades supostamente democráticas e igualitárias. Eu entendo isso como algo muito relacionado às filosofias anarquistas. Mas primeiro quero apresentar a diferença entre o anarquismo tradicional e o pós-anarquismo.

O anarquismo original, ortodoxo ou tradicional como um sistema filosófico se baseia em noções específicas sobre o sujeito, o poder, a história, a liberdade, a ética e a sociedade. O anarquismo rejeita o poder do Estado, que é teorizado pelo conceito de estatismo, assim como o marxismo usa o conceito de economia para conceituar sua política. Entretanto, o anarquismo tradicional não rejeita toda forma de autoridade; o anarquismo tradicional de fato acredita, e obedece, a uma ‘lei natural’. Essa ‘lei natural’ se opõe à ‘lei artificial’ (Bakunin) e é a essência humana natural que sustenta a constituição supostamente naturalmente cooperativa, sociável e altruísta do sujeito, em vez de agressivamente competitiva, egoísta e egocêntrica. A "lei artificial" é a forma de poder que é exercida sobre o sujeito "naturalmente livre" por instituições como o estado, os governos, a igreja e as leis criadas pelo homem. Portanto, no anarquismo tradicional, o poder é conceituado como algo externo ao sujeito, como algo que lhe é imposto e como algo que se opõe à natureza real do sujeito, assim como nos discursos iluministas ou humanistas. Para poder libertar o sujeito, é necessária a resistência contra esse poder artificial. Além disso, essa resistência é vista como uma característica intrínseca do sujeito, a visão anarquista é que a "moralidade e racionalidade" naturais do sujeito apoiarão a revolução e acabarão por levar à substituição dos governos pelo "homem e pela sociedade". O conceito de poder, no qual o anarquismo se baseia, é baseado no pressuposto de que o poder pode ser analisado a partir de um ponto externo e, portanto, também pode ser substituído por uma outra alternativa. Os sujeitos responsáveis por essa nova sociedade são imaginados em uma conjuntura essencialmente otimista, estão determinados a se ajudar mutuamente e não precisam de um estado para regular sua existência coletiva. Essa é uma visão de mundo bastante romântica e não somente - é excludente e também intrinsecamente problemática, como tentarei mostrar.

É claro que, de uma perspectiva teórica queer, há vários problemas a serem detectados com relação às conceitualizações do sujeito "natural" e do "modelo vertical" de poder e sua relação mútua. Entretanto, o pós-anarquismo trabalhou com esses problemas e adotou noções pós-estruturalistas. A seguir, vou elaborar as teorias que ajudaram os teóricos pós-anarquistas a reformular a subjetividade, a identidade e o poder, ao mesmo tempo em que mantiveram contato com a ideia original do anarquismo, seja lá o que isso for - admito que não sei, mas ainda quero questionar um pouco a resistência em relação a um conjunto de práticas, como gostaria de chamá-las, que foram consideradas tão perigosas para a democracia - a vaca sagrada do Ocidente - que, como a suposta melhor forma de organização da sociedade, precisa ser exportada para o resto do mundo.

O pós-anarquista Lewis Call argumenta que os pensadores anarquistas mais ortodoxos, como Bakunin e Kropotkin, mesmo que sejam bastante diferentes entre si, concentram-se nas estruturas de poder que operam em nível estatal ou econômico, ignorando outras relações de poder, como sexualidade, gênero, raça e outras relações sociais. Em contraste, o conceito e a abordagem do anarquismo pós-moderno consideram o capitalismo e o estatismo (a organização das pessoas em partes específicas do mundo por governos e fronteiras) não como causas, mas como efeitos, não como doenças, mas como sintomas. Além disso, desafia toda uma psicologia que se presume ser universal e toda uma estrutura semiótica (que é a atribuição de significado por meio da linguagem e dos símbolos) e que sustenta o sistema dominante de economia política.

Evidentemente, essa afirmação demanda uma conceituação diferenciada sobre o poder e sobre o sujeito, razão pela qual os pós-anarquistas recorreram a autores como Nietzsche, Foucault, Deleuze e Guattari para adaptar sua política à sociedade atual. Essa sociedade atual, em minha opinião, é marcada pelo que Foucault chamou de "biopoder" e, portanto, por regulamentações e produções relativas ao corpo e à sexualidade, o que torna essa pauta altamente interessante para o feminismo e para a teoria queer e transgênera. O biopoder é responsável pela criação de sujeitos sexuados que são definidos por seus corpos. Esses corpos devem ser tornados dóceis, utilizáveis, eficazes, produtivos, eróticos, etc. Esse processo é produtivo e se baseia em práticas discursivas normativas e normalizadoras. O poder em geral, conforme teorizado por Foucault, não é localizável e estável, é fluido e se dá em todos os lugares, em todas as interações, em todos os encontros sociais; o poder está localizado em nós, somos de fato produzidos por ele. Sob a perspectiva pós-anarquista, "o poder do Estado de fato se baseia em nosso poder" (Newman, 2001: 158) e a resistência contra o Estado deve, portanto, envolver a rejeição de identidades unificadas e essencialistas. A crítica a esse tipo de identidade conduz à tentativa de se afastar das categorias políticas existentes e de criar novas categorias. Ela também pode ser observada à luz de uma reconceitualização do campo da política "além de seus limites atuais, desmascarando as conexões que podem ser formadas entre a resistência e o poder contra o qual se resiste" (Newman 2001: 159, 160).

Isso significa que nunca haverá uma estratégia de resistência em que possamos confiar. As estratégias precisam ser questionadas logo ao serem aplicadas, pois talvez funcionem somente temporariamente e em determinadas situações e ambientes. A esse respeito, pensadores pós-estruturalistas como Lyotard, Deleuze e Foucault podem contribuir para um "novo anarquismo" que "mantém a ideia de lutas locais interseccionadas e irredutíveis, de uma cautela em relação à representação, do político como investimento de todo o campo de relações sociais e do social como uma rede em vez de um holismo fechado, um campo concêntrico ou uma hierarquia" (May 1994: 85). Portanto, precisamos ser utópicos - já que se trata de criação além do existente - além das identidades existentes!

O conceito de uma identidade fechada e hermética, estável e coerente contradiz esse tipo de luta política, tornando-a impossível. Deleuze e Guattari veem a subjetividade não como uma identidade fixa e estável, mas como um campo de imanência e devir que permite uma pluralidade de diferenças. Podemos ver o pós-anarquismo como um conjunto de práticas e ações conscientes, por meio das quais pode-se reinventar a vida cotidiana e as identidades nesse sentido. A teoria política pós-estruturalista substitui as abordagens anarquistas ortodoxas da política e do poder pela ideia de que o poder é produzido ao mesmo tempo em que governa e regula, o poder tem uma "positividade ou criatividade" (May 1994: 87). Como coloca Foucault, "o poder é empregado e exercido por meio de uma organização semelhante a uma rede. E os indivíduos não apenas circulam entre seus fios, como também estão sempre na posição de simultaneamente submeter-se a esse poder e exercê-lo" (Foucault, 1980, p. 98). Reconhecer essa criatividade do poder significa reformular constantemente as pautas e os pontos de partida. A seguir, quero descrever as armadilhas da teoria queer com relação à reinstalação de categorias de identidade e estruturas de poder que, a meu ver, impedem que a política queer seja capaz de promover uma mudança geral na sociedade. Percebo uma dessas armadilhas na distinção entre as posições de identidade heterossexual e homossexual e as noções subsequentes de pertencimento e de formação de coalizão.

Para muitos de nós, o rótulo "queer" simboliza e reconhece que, por meio de nossa existência e sobrevivência cotidiana, incorporamos uma resistência sustentada e multifacetada aos sistemas (baseados em construções dominantes de raça e gênero) que buscam normalizar nossa sexualidade, explorar nosso trabalho e restringir nossa visibilidade. Na interseção da opressão e da resistência está o potencial radical da queeridade para desafiar e reunir todos aqueles considerados marginais e todos aqueles comprometidos com a política libertária. (Cohen 2001. 203)

Eu acrescentaria a essa citação que ela deve reunir todas as pessoas que são consideradas marginais por causa de sua política libertária. Em seu início, a política queer prometia oferecer um espaço para "ativistas antiassimilacionistas comprometidos em desafiar a própria maneira como as pessoas entendem e respondem à sexualidade" (Cohen 2001: 200). No entanto, Cohen argumenta que a política queer não fez jus ao que prometeu, mas "serviu para reforçar dicotomias simples entre heterossexuais e tudo o que é "queer"" (Cohen 2001: 200, 201). A política queer, embora questionasse a identidade no âmago de seu significado, não resistiu a se tornar uma categoria de identidade.

Daí decorre uma compreensão monolítica da queeridade [3] (e eu sugeriria o mesmo em relação a lésbicas, gays e transgêneros), como também uma compreensão monolítica da heterossexualidade. Ao se concentrar em apenas um aspecto da existência social de alguém, nesse caso a sexualidade e o gênero, outras características da identidade de alguém são negligenciadas, o que leva a uma estrutura de opressão única que constantemente deturpa a distribuição de poder. Além disso, ignora os "sistemas de poder múltiplos e que se cruzam que, em grande parte, ditam nossas possibilidades de vida" (Cohen 2001: 203). Não só existem relações divergentes de poder entre pessoas queer, mas também entre as pessoas ditas heterossexuais. A desestabilização e até mesmo a desconstrução das categorias sexuais só podem ocorrer se não assumirmos qualquer tipo de sexualidade como monolítica. A incapacidade da política queer de enfrentar com êxito a heteronormatividade binária baseia-se no fato de que a política queer adotou de forma muito acrítica uma simples dicotomia entre os que são considerados queer e os que são considerados heterossexuais.

Esse "ser considerado" é, a meu ver, a noção mais perigosa em relação à política que se refere ao âmbito da sexualidade. A noção estática que anda de mãos dadas com "ser considerado como" ou "ser algo" constitui, a meu ver, o aspecto mais perigoso em se tratando de agendas políticas libertárias. Essa noção de "ser" alguém se baseia em narrativas de coerência, unidade e independência: supõe que os corpos são entidades únicas e coerentes que funcionam independentemente umas das outras. Nossas identidades são supostamente compostas por esses discursos herméticos e unificadores sobre os vários aspectos de nossas relações sociais. Entretanto, as teorias pós-estruturalistas sobre a identidade e o corpo formularam amplas críticas a essa (cartesiana) conceituação. As conceitualizações pós-anarquistas da sociedade também oferecem resistência com base no fato de que essa noção de "ser" não faz referência à interconexão dos sujeitos humanos e das relações sociais. Entretanto, a sexualidade, a identidade e o corpo precisam ser um alvo mais forte da reconceitualização anarquista em termos pós-estruturalistas, e é nesse ponto que a teoria queer poderia intervir. Shane Phelan, teórica lésbica, baseando-se em Foucault, colocou a questão da seguinte forma:

Assim como seus primos sou e estou, a palavra ser implica uma fixidez e estabilidade da identidade lésbica que não serve às lésbicas. Na medida em que "somos" lésbicas, estamos presas na rede de poder centrada nas estruturas médicas/psicológicas que emergiram no século XIX em torno dos "tipos" de personalidade que cometiam determinados atos socialmente proibidos - o homossexual, o pervertido, o delinquente etc. Por mais que nos reviremos, a imputação do "ser" inevitavelmente nos colocará nas estruturas disciplinares da sociedade. (Phelan 1993: 777)

Transferir o pensamento de Phelan para uma política queer e transgênera pós-anarquista significaria que, ao ingressarmos no discurso público, não deveríamos fazê-lo enquanto "queers" com uma identidade fixa e eterna, mas como aqueles que continuam a se tornar queers no sentido de resistir à heteronormatividade e como pessoas que habitam posições temporárias (e aqui está a ênfase) de sujeito em uma sociedade heteronormativa. Como argumenta Cohen, "na política queer, a expressão sexual é algo que sempre implica a possibilidade de mudança, movimentos, redefinição e desempenho subversivo - de ano para ano, de parceiro para parceiro, de dia para dia, até mesmo de ato para ato" (Cohen 2001: 202). Portanto, há um aspecto temporário provisório na agenda política que Phelan defende para as lésbicas e que proponho para os queers e trans* também. É a noção de "tornar-se" que Phelan invoca e que está de acordo com a filosofia de Gilles Deleuze e Felix Guattari. Deleuze e Guattari contrastaram a noção de "ser" com a noção de "tornar-se", uma noção coerente com a concepção pós-estruturalista de que o poder é fluido, está em toda parte e em qualquer corpo. Suponho que tornar-se seja sempre o termo mais preciso para descrever como os seres humanos crescem de crianças para adultos e para idosos, como as pessoas deixam de desejar chocolate e passam a desejar queijo ou mudam de opinião porque leram algo novo e desafiador.

O pensamento de Deleuze e Guattari é guiado pela crença de que a existência autônoma do mundo não precisa ser baseada em visões essencialistas ou racionalistas. O pensador pós-anarquista Saul Newman descreve a teoria de Deleuze como a rejeição de

a unidade e o essencialismo do sujeito, vendo-o como uma estrutura que restringe o desejo. Ele também vê o devir - tornar-se outro que não o homem, outro que não o humano - como uma força de resistência. Ele propõe uma noção de subjetividade que privilegia a multiplicidade, a pluralidade e a diferença em detrimento da unidade e do fluxo em relação à estabilidade e ao essencialismo da identidade. (Newman 2001: 159)

A sociedade deve ser vista como um sistema múltiplo de opressão que está em operação e esses sistemas usam categorias e identidades institucionalizadas para regular e socializar. Cohen sugere "que é a multiplicidade e a interconexão de nossas identidades que proporcionam o caminho mais promissor para a desestabilização e a politização radical dessas mesmas categorias" (Cohen 2001: 221). Ela prevê "uma política em que a relação de cada um com o poder, e não uma identidade homogeneizada, seja privilegiada na determinação dos companheiros políticos" (Cohen 2001: 201).

Ela fala de uma política em que a "posição não normativa e marginal de punks, bulldaggers e welfare queens, por exemplo, é a base para o trabalho de coalizão transformadora progressiva" (Cohen 2001: 201). Concordo com a visão de Cohen, mas acho que a base da "experiência comum de opressão" ou da relação comum com o poder ainda é bastante limitante. Em vez disso, eu defenderia uma política baseada em novas coalizões e novas práticas. Essas novas coalizões, imagino, também incluem ‘associados’ e pessoas que veem essas relações de poder como opressivas para com outras pessoas, e sentem a necessidade de dar um fim a isso a partir da perspectiva solidária e de uma oposição geral à opressão e à exclusão. Essas coalizões não se baseariam em identidade ou experiências comuns, mas no conceito de "afinidade". Vejo esse conceito, formulado por Donna Haraway, como provavelmente o mais importante para o projeto queer-transgênero-anarquista. É um conceito de não-identidade (e) política que reivindica processos políticos como processos de afinidade. A afinidade é um relacionamento baseado na escolha, não na identidade. A afinidade não tem a ver com parentesco, mas com desejo. ‘Afinidade em vez de identidade’ poderia ser a estratégia processual, temporária e espacial específica do anarquista-queer-transgênero para formar coalizões.

Os queer-anarquistas não precisariam de uma matriz natural de unidade e não aceitariam que uma única construção pudesse abarcar tudo. Isso se vincula ao conceito de resistência, conforme discutido anteriormente, bem como ao conceito de contraprodutividade, que pressupõe que as práticas estão sempre exercendo poder, mesmo quando visam à estrutura hegemônica das relações de poder. Qualquer tipo de ação deriva da estrutura de poder anteriormente existente e só funciona em seus limites. As ações teóricas e políticas precisam necessariamente se referir aos discursos dos quais emergem, mas há a possibilidade de miná-los e contradizê-los.

Como o poder é descentralizado e funciona em níveis psicológicos e semióticos, as lutas contra estruturas heteronormativas, discriminatórias, reguladoras e exploradoras devem ser igualmente descentralizadas, locais, espontâneas e também bem-humoradas, suponho. Joshua Gamson, na mesma linha, descreve o ativismo cultural anti-organizacional que usa cartazes de rua, auto-apresentação paródica e não-conformista e revistas alternativas underground (zines). Cohen está de acordo com isso e afirma: "refiro-me a uma política que não busca oportunidades de se integrar às instituições dominantes e às relações sociais normativas, mas que, em vez disso, persegue uma agenda política que busca mudar valores, definições e leis que tornam essas instituições e relações opressivas" (Cohen 2001: 207).

“A questão da queeridade”, argumenta Joshua Gamson, “exige uma teoria mais desenvolvida da formação da identidade coletiva e sua relação tanto com as instituições quanto com os significados, uma compreensão que inclua o impulso de desmontar essa identidade por dentro" (Gamson 1995: 391). Em seus termos, os movimentos sociais de gays e lésbicas construíram uma identidade coletiva que ele chama de quase-etnicidade, que tem suas próprias instituições políticas e culturais, festividades, bairros e até mesmo sua própria bandeira (Gamson 1995: 391). Steven Seidman criticou essa política étnica/essencialista já em 1993 (Seidman 1993), mas acho que a teoria queer, tal como a estamos praticando agora, enfrentou um revés que em nada contribui para a agenda política queer original, que quer atacar a heteronormatividade. Gamson afirma que a atitude do movimento queer deve ser "borrar e desconstruir categorias de grupo e mantê-las sempre instáveis", inclusive a categoria de grupo da heterossexualidade (Gamson J. 1995: 393). Na noção de Cohen, o problema da coalizão não é "o que compartilhamos?", mas "o que podemos compartilhar ao desenvolvermos nossas identidades por meio do processo de coalizão? Quem podemos nos tornar? (Cohen 2001: 779).

Extraio disso que as coalizões ou alianças precisam se tornar tão importantes quanto as subjetividades. Precisamos nos tornar aliados, e a questão é como podemos fazer com que os aliados nos sejam úteis e a partir de diferentes perspectivas. Essas coalizões em que temos de nos tornar precisam usar certas estratégias e acredito que essas estratégias podem ajudar a formar a agenda e a composição grupal. As estratégias e ações de determinados grupos "radicais" variam entre si e acredito que essas diferentes formas de resistência podem ajudar a reunir pessoas com diferentes subjetividades ou experiências, mas também com diferentes agendas políticas de curto prazo e até mesmo de longo prazo.

Bibliografia

Call, L. 2002. Postmodern Anarchism, Oxford, New York: Lexington.

Cohen, Cathy J. 2001. Punks, Bulldaggers, and Welfare Queens: The Radical Potential of Queer Politics? In Mark Blasius (editor). Sexual Identities, Queer Politics. Princeton: Princeton University Press.

Deleuze, G, F. Guatarri. 1988. A Thousand Plateaus: Capitalism and Schizophrenia, London: Athlone.

Foucault, M. 1980. Power/Knowledge: Selected Interviews and Other Writings 1972-1977. Edited by Colin Gordon, New York: Pantheon.

Gamson, Josh. 1995. Must Identity Movements Self-Destruct? A Queer Dilemma. Social Problems 42(3): 390-406.

Haraway, D. 1992. Primate Visions. Gender, Race, and Nature in the World of Modern Science, New York, London: Routledge, (Verso).

May, T. 1994. The Political Philosophy of Poststructuralist Anarchism, Pennsylavania: Pennsylvania State University Press.

Newman, S. 2001. "War on the State: Stirner's and Deleuze's Anarchism." Anarchist Studies 9/2: 147-164.

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Phelan, S. 1993. "(Be)Coming Out: Lesbian Identity and Politics." Signs: Journal of Women in Culture and Society 4: 765-790.

[1] Versão original: “as power is diffuse, resistance must be as well (Phelan 1993: 767)”.

[2] Estou, aqui, incluindo específicos ativismos intersexo, que almejam a transformação da sociedade sexuada binária no ativismo transgênero.

[3] Nota do tradutor: na versão original, “queerness”.