Título: Revolução Mundial: para um balanço dos impactos, da organização popular, das lutas e da teoria anarquista e sindicalista em todo o mundo
Fonte: Andrey Cordeiro Ferreira (ed.), Pensamento e Práticas Insurgentes: Anarquismo e Autonomias nos Levantes e Resistências do Capitalismo no Século XXI, Alternativa Editora, Niterói, Brasil, pp. 81-118.
Notas: FROM: Andrey Cordeiro Ferreira (ed.), Pensamento e Práticas Insurgentes: Anarquismo e Autonomias nos Levantes e Resistências do Capitalismo no Século XXI, Alternativa Editora, Niterói, Brasil, pp. 81-118. Traduzido por Vanessa Hacon

Revolução Mundial: para um balanço dos impactos, da organização popular, das lutas e da teoria anarquista e sindicalista em todo o mundo [1]

Lucien van der Walt

Traduzido por Vanessa Hacon [2]

A ampla tradição anarquista tem recebido mais atenção nos últimos anos graças ao papel proeminente dos anarquistas no movimento “anti-globalização”, ao ressurgimento de correntes sindicais expressivas que incluem os “comitês de base” (COBAS) espanhóis e italianos [3], à expansão global de grupos e publicações anarquistas, à visibilidade dos anarquistas e dos sindicalistas em lutas que vão do Brasil à Grécia e do Egito à Grã-Bretanha, ao crescimento dos “Black Blocs”, ao papel dos anarquistas no Occupy Wall Street [4], ao impacto do anarquismo em outros movimentos, marcadamente no Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) em Rojava, na Síria, e à crise de outras correntes da esquerda. [5]

Ainda que a influência e a coerência contemporâneas do anarquismo e do sindicalismo [6] não devam ser exageradas, o início do século XXI marca um retorno do anarquismo à posição de destacado veículo de revolta; os anarquistas são fundamentais nos “mais determinados e combativos movimentos” que combatem a globalização capitalista. [7] Hoje, num momento em que o nacionalismo anti-imperialista e os programas socialdemocratas parecem ter fracassado, num mundo em que “há poucos lugares onde partidos comunistas sérios continuam a existir”, não é “difícil encontrar, em várias regiões do mundo, grupos autointitulados anarquistas (ou sindicalistas) bem vigorosos, ainda que sejam comumente pequenos (mas não sempre)”. [8]

No entanto, suas ideias e história, ainda hoje, não são bem conhecidas. Em muitos casos, a apreciação adequada das ideias e atividades deste movimento foi obscurecida pela antipatia de estudiosos e da imprensa, mas o problema apresenta-se de modo ainda mais profundo. Mesmo considerações simpáticas muitas vezes equivocam-se em relação às ideias centrais e subestimam o alcance histórico da ampla tradição anarquista.

O principal objetivo deste capítulo é promover uma compreensão mais efetiva das ideias, do papel e da história do anarquismo e do sindicalismo. Envolvendo-se criticamente numa gama de questões, ele examina esta tradição em variados termos: suas ideias centrais, sua gênese, sua composição social, sua influência, seu papel num conjunto determinado de lutas e movimentos, suas intersecções com outras correntes políticas. Ele estabelece uma crítica substancial de grande parte da literatura e apresenta um quadro alternativo, que enfatiza a coerência intelectual e o poder social desta tradição, assim como seu caráter global e seu engajamento com questões que incluem capitalismo, classe, opressão nacional/racial, gênero, imperialismo e guerra. Sustenta que ampla tradição anarquista teve um enorme impacto na história do movimento operário e camponês, bem como em da esquerda em geral, e, finalmente, sugere que uma compreensão desta tradição pode ser importante para inspirar lutas progressistas contra o neoliberalismo contemporâneo.

O movimento anarquista e sindicalista contemporâneo baseia-se, algumas vezes irregularmente, num rico campo de teoria e prática em movimentos trabalhistas, de esquerda, anti-imperialistas, pelos direitos civis, os quais remetem aos anos 1860. Esquece-se facilmente que, ainda nos anos 1950, o anarquismo e o sindicalismo constituíam movimentos de massa em muitos países, algumas vezes mais fortes que seus rivais marxistas. Benedict Anderson, num escrito recente, nos recorda que ambos foram frequentemente “o elemento dominante da esquerda radical internacionalista e autoconsciente”, assim como “o principal veículo de oposição global ao capitalismo industrial, à autocracia, ao latifundiarismo e ao imperialismo”. [9] Eric Hobsbawm, de maneira alguma um observador simpático, notou que

[...] em 1905-1914, a esquerda marxista esteve, em muitos países, na franja do movimento revolucionário, visto que o principal contingente de marxistas identificava-se com uma social-democracia realmente não revolucionária; ao mesmo tempo, a maior parte da esquerda revolucionária era anarcossindicalista, ou ao menos muito mais próxima das ideias e do espírito do anarcossindicalismo do que do marxismo clássico. [10]

Ao rejeitar o “pressuposto frequente de que o socialismo revolucionário esgota-se no termo ‘marxismo-leninismo’”, torna-se possível redescobrir tradições alternativas, socialistas libertárias, como, por exemplo, o anarquismo e o sindicalismo. [11] Arif Dirlik sustenta que “relembrar o anarquismo que o marxismo-leninismo suprimiu” é repensar o significado e as possibilidades da tradição socialista e “recordar os ideais democráticos para os quais o anarquismo [...] serviu de repositório”. [12] Num mundo em que o nacionalismo e o preconceito racial parecem endêmicos, o internacionalismo consistente da ampla tradição anarquista é também digno de redescoberta.

Compreender o anarquismo e o sindicalismo é indispensável para entender a história moderna. Sem levar a sério o anarquismo e o sindicalismo, simplesmente não é possível apreender adequadamente a história, por exemplo, dos sindicatos e das mobilizações rurais na América Latina, das lutas camponesas e anti-imperialistas na Ásia Oriental, dos movimentos anticoloniais e antirracistas na África Austral, do movimento trabalhista e da esquerda na Europa. Por este motivo, a tradição anarquista e sindicalista deve ser compreendida nos termos de seu caráter de classe e de seu papel nas lutas sindicais, camponesas, comunitárias, de desempregados, libertação nacional, emancipação das mulheres e igualdade racial. É também essencial destacar que a ampla tradição anarquista foi um movimento internacional e que não pode ser adequadamente entendida por meio de um foco quase exclusivo no anarquismo ocidental, o que é frequente na maioria das abordagens existentes.

A história da ampla tradição anarquista é uma parte integral, ainda que muitas vezes esquecida, da história popular e socialista. Ademais, ela conta com um acúmulo fascinante de conhecimentos, que podem contribuir relevantemente aos campos da ciência social e da teoria.

Interpretando mal o anarquismo : a questão do antiestatismo

Tipicamente, o anarquismo é apresentado na literatura de maneira bastante enganosa. Algumas vezes, ele é definido como uma forma de individualismo extremo, de relativismo intelectual e moral ou de violência arbitrária. Esta definição não possui bases substantivas e não consegue explicar por que dezenas de milhões de pessoas razoáveis organizaram-se, por gerações, para lutar pelo anarquismo, ou por que a grande maioria dos processos organizativos e militantes anarquistas foi pacífica, envolvendo protestos, organização por local de trabalho, iniciativas no campo da educação, da teoria, das publicações e das relações sociais cooperativas e igualitárias.

Outra posição, comum na literatura acadêmica, é que o aspecto que define o anarquismo e a oposição ao Estado. [13] O principal texto que difunde esta posição é o livro de Paul Eltzbacher Anarquismo: expoentes da filosofia anarquista, de 1900 [14], cujos argumentos “foram incorporados em quase todos os estudos sobre o assunto até o presente”. [15] De acordo com Eltzbacher, os anarquistas eram aqueles “que negavam o Estado para nosso futuro”. [16]

Entretanto, tal posição fracassa manifestamente para distinguir o anarquismo de outras ideologias. Karl Marx, Friedrich Engels, V. I. Lênin, Leon Trotsky, Joseph Stalin e Mao Tsé-Tung, todos insistiram que o Estado “desapareceria” com o fim da sociedade de classes. [17] A teoria liberal reivindica a máxima redução das funções do Estado e a liberdade individual, sendo o grande mérito do livre mercado o fato de limitar o poder de Estado. [18] A definição de Eltzbacher fracassa também no que tange à observação dos elementos que habitualmente estiveram associados ao anarquismo, como o anticapitalismo.

Esta definição de anarquismo coincidiu com a tendência de muitos anarquistas e sindicalistas de inventar mitos sobre sua própria história. Piotr Kropotkin (1842-1921), grande figura do movimento anarquista, não estava sozinho na construção de uma pré-história imaginária do anarquismo: uma suposta genealogia das ideias e movimentos anarquistas que remontam à antiguidade da Ásia e da Europa. [19] Essas mitologias anarquistas, que ainda são comuns, buscaram em listar uma série de atores e ideias que supostamente compartilhavam os interesses básicos do movimento anarquista, indo desde Lao-tzu (o fundador do Taoísmo), na China Antiga, passando pelos anabatistas do final da Idade Média europeia, e chegando até Mikhail Bakunin (1814-1876), o anarquista mais conhecido da Europa no século XIX. O objetivo evidente desta produção de mitos era legitimar o anarquismo, fornecendo-lhe uma longa linhagem, que reivindicava muitas figuras famosas e respeitadas. O estudo mais importante realizado no âmbito do movimento, isto é, os nove volumes de história do anarquismo de Max Nettlau (1865-1944), dedicou o primeiro volume para lidar com eventos ocorridos antes da década de 1860, começando pela China e Grécia antigas. [20]

Essa tendência de projetar o anarquismo em toda a história humana possui problemas. Ela exige definições vagas do anarquismo, como a de Eltzbacher, para que sejam obscurecidas as enormes diferenças entre correntes e indivíduos apropriados nesta mitologia de uma história anarquista remota e universal. Por um lado, nenhum exame sério de Lao-tzu, dos anabatistas e de Bakunin pode sustentar que eles compartilhavam os mesmos pontos de vista e objetivos; logo não está claro por que eles deveriam ser agrupados numa mesma categoria. Por outro lado, se o anarquismo é um traço universal da sociedade, então se torna realmente muito difícil explicar por que ele surge ou situá-lo em seu contexto histórico, delinear seus limites e analisar seu caráter de classe e seu papel num período de tempo específico. A alegação da universalidade do anarquismo é um mito legitimador útil para um movimento “entrincheirado”; levar esta afirmação a sério, no entanto, contribui pouco para avançar na análise e nas atividades deste movimento.

A tentação óbvia é refugiar-se em explicações psicológicas. Peter Marshall, por exemplo, afirma que o anarquismo está radicado na natureza humana, em “uma luta eterna” baseada num “ímpeto para a liberdade,” numa “necessidade humana profundamente sentida”. [21] O ambientalista radical e socialista libertário Murray Bookchin apoiou-se neste mesmo argumento, acrescentando um toque freudiano: o anarquismo é um “grande movimento libidinal da humanidade destinado a sacudir o aparelho repressivo criado pela sociedade hierárquica” e tem origem no “eterno impulso” dos oprimidos para a liberdade. [22]

No entanto, não há nenhuma evidência real nesta linha de argumentação, que não consegue explicar por que o anarquismo foi significativo em alguns períodos e quase inteiramente ausente em outros, ou por que ele atraiu algumas classes e não outras. Se o anarquismo é uma pulsão humana, por que seu destino variou tão dramaticamente ao longo do tempo? Apenas uma análise histórica e social pode explicar realmente os fluxos e refluxos do anarquismo, e isso exige que se recorra à ciência social e não à psicologia. A abordagem de Eltzbacher, que agrupou numa mesma categoria uma ampla gama de pensadores com pouco em comum, e a produção própria de mitos por parte dos anarquistas impossibilitam qualquer análise da tradição anarquista.

O nascimento do anarquismo e do sindicalismo na Primeira Internacional

As posições fundamentais do anarquismo devem ser deduzidas de sua história real. Um “conhecimento geral da posição ‘anarquista’ não existiu antes da aparição de seus representantes no fim dos anos 1870”, sendo que o anarquismo “pareceu inicialmente a seus contemporâneos um novo fenômeno”. [23] O anarquismo surgiu, pela primeira vez, “como uma força política organizada” [24], na Primeira Internacional (Associação Internacional dos Trabalhadores, 1864-1877), um agrupamento internacional de sindicatos, cooperativas e grupos radicais, que possuíam, num momento ou noutro, seções na Europa, na Ásia central, no norte da África, na América Latina e na América do Norte. Ele teve seu cerne em Mikhail Bakunin e em seus partidários da Internacional [25]; surgiu simultânea e transnacionalmente, sendo criado por militantes relacionados na Europa, na América Latina, no norte da África e na Ásia central, e reforçado por um “internacionalismo informal” que envolvia publicações, redes e migrações de militantes. [26]

Discordo da posição de que a ampla tradição anarquista é uma corrente “atemporal” e mesmo a proposição de um retorno atávico ao mundo pré-capitalista. Para mim, ela foi uma resposta à ascensão do capitalismo e do Estado moderno, encontra suas origens na década de 1860 e emergiu no interior e como parte integrante dos movimentos socialista e da classe trabalhadora modernos.

Se o marxismo clássico contou com Marx e Engels, o anarquismo e o sindicalismo foram formulados principalmente por duas de suas imponentes figuras: Bakunin e Kropotkin. Se examinarmos as ideias do movimento anarquista tomando em conta suas origens na Primeira Internacional, seus aspectos centrais mostrar-se-ão bastante claros.

Em vez de entender a ampla tradição anarquista como expressão de uma espécie de anseio vago, como “uma luta eterna” [27], quero destacar sua inovação e suas raízes relativamente recentes. Contrariamente à visão de que o anarquismo “não era um movimento político ou filosófico coerente”, e encontrava-se cheio de “contradições e inconsistências”, desprovido de um “corpo doutrinário fixo baseado em uma visão de mundo particular”, enfatizo a coerência de suas ideias. [28] Crucialmente, é essencial para o anarquismo e o sindicalismo a oposição ao capitalismo e ao latifundiarismo, assim como uma política classista: o Estado certamente é um alvo da crítica anarquista, mas as opiniões que sustentam que os anarquistas veem o Estado como “responsável por toda a desigualdade e injustiça” ou “como a raiz de todo o mal” distorcem seriamente a posição anarquista e expurgam-na de seu conteúdo e origem socialista. [29] A noção de “anarcocapitalismo”, utilizada por alguns escritores, é uma contradição em termos. [30]

Anarquismo como um tipo de socialismo

Sendo assim, “todo anarquista é um socialista, mas nem todo socialista é um anarquista”. [31] Desde o seu surgimento, o socialismo foi dividido em duas tendências principais: o socialismo libertário, que rejeita o Estado e a hierarquia de forma geral; e o socialismo político, que defende “uma batalha política travada contra o capitalismo por meio de [...] partidos operários centralizados com o objetivo de apreender e utilizar o poder do Estado para inaugurar o socialismo”. [32] O anarquismo é um exemplo da primeira corrente; o marxismo clássico é um exemplo de socialismo político revolucionário, enquanto a social-democracia corresponde a um socialismo político pacífico e gradual.

O marxismo clássico está associado a Marx, Engels, o primeiro Karl Kautsky, Lênin, Trotsky, Stalin, Mao, Fidel Castro, Samora Machel e outros. Para este socialismo, o Estado capitalista deve ser destruído e substituído por um Estado revolucionário, durante “um período de transição política, em que o Estado não pode ser nada mais que a ditadura revolucionária do proletariado”, uma “organização centralizada da força, da violência”, de um “poder indiviso”. [33]

A “revolução social pela qual trabalha o proletariado não pode ser realizada até que ele tenha tomado o poder político” e isso requer um “partido muito organizado”. [34] Este regime controlaria os meios de produção e seria dirigido por um partido revolucionário. A “ditadura revolucionária de um partido proletário” era, supostamente, uma “necessidade objetiva”, devido à “heterogeneidade da classe revolucionária”. [35] E “sem o partido, paralelamente ao partido, por cima do partido, ou com um substituto para o partido, a revolução proletária não poderia triunfar”. [36] Uma pessoa que se recusa a reconhecer que a “liderança do Partido Comunista e o poder de Estado da ditadura popular” são necessários para a transformação revolucionária “não é comunista”. [37]

Distintamente, a social-democracia – ou o socialismo parlamentar, a corrente moderada do socialismo político associada a organismos como o Partido Trabalhista na Grã-Bretanha e o Partido Socialista na França – visou um “acordo gradual por meio da organização e da legislação” em vez de uma “expropriação universal, instantânea e violenta”. [38] Em teoria, ela busca o socialismo, mas somente por meios reformistas, centrados na utilização do Estado capitalista. Tratou de abraçar, de 1930 em diante, a teoria do capitalismo organizado de John Maynard Keynes, e esteve associada com a implementação de welfare states abrangentes nos países ocidentais.

Por outro lado, o socialismo libertário sempre rejeitou a ideia de que uma transformação social fundamental poderia se dar com a utilização do aparelho de Estado ou de que o socialismo poderia ser constituído de cima para baixo. Sua rejeição ao capitalismo é parte de uma oposição mais ampla à hierarquia em geral e de uma compreensão mais extensa de liberdade e de desenvolvimento do indivíduo como objetivos do socialismo. O marxismo clássico, inicialmente, era um tipo de socialismo político, mas é importante notar que havia também marxistas libertários, que são parte da tradição do socialismo libertário. Estes incluíram os comunistas conselhistas como Herman Gorter (1864-1927), Anton Pannekoek (1873-1960), e Otto Rühle (1874-1943), que eram abertamente hostis ao bolchevismo de Lênin. [39] Mais recentemente, surgiu um marxismo “autonomista,” cuja perspectiva é, frequentemente, antiautoritária.

Acima de tudo, porém, o socialismo libertário foi representado pela ampla tradição anarquista, que conciliou a visão de que os indivíduos devem ser livres – desde que tal liberdade não comprometa a liberdade dos outros – com a crítica das desigualdades econômicas e sociais que impediam esta liberdade de ser exercida. A liberdade, argumentava Bakunin, exigia “igualdade social e econômica” e deveria ser “estabelecida no mundo pela organização espontânea do trabalho e da propriedade coletiva, levada a cabo por associações de produtores livremente organizados, e pela igualmente espontânea federação de comunas, para substituir o Estado dominador e paternalista”, “de baixo para cima”. [40] Kropotkin rejeitava o “esforço social-democrata de fazer as massas participarem de sua própria exploração” e argumentava que “a emancipação dos trabalhadores deve ser realizada pelos próprios trabalhadores” [41], na luta tanto contra o Estado quanto contra o capital.

No anarquismo, a liberdade individual e a individualidade são extremamente importantes, e podem ser melhor desenvolvidas num contexto de democracia e igualdade. No entanto, no âmbito dos atuais sistemas capitalista e latifundiarista, os indivíduos encontram-se divididos em classes baseadas na exploração e no poder. Para pôr fim a esta situação, é necessário engajar-se na luta de classes e na revolução, criando uma sociedade socialista livre baseada na propriedade comum, na autogestão, no planejamento democrático “de baixo para cima” e na produção de acordo com a necessidade e não com o lucro. Apenas uma ordem social deste gênero torna possível a liberdade individual.

Bakunin e Kropotkin insistiram que a “liberdade de todos os seres humanos” é o maior bem e o centro de uma boa sociedade. [42] Mas a verdadeira liberdade exige a igualdade social e econômica, a qual deve remover as barreiras para o desenvolvimento individual e para a participação por um sistema de propriedade comum; exige, também, uma democracia participativa que deve estruturar-se por meio de assembleias, delegados e de uma federação global de conselhos de trabalhadores e comunais, e abarcar o planejamento econômico participativo de uma economia que vise atender às necessidades – e não à exploração, ao lucro ou à guerra.

Os anarquistas buscam, disse Bakunin, “organizar a sociedade de maneira que todo indivíduo, homem ou mulher, encontre, ao iniciar a vida, meios aproximadamente iguais para o desenvolvimento de suas diversas faculdades e para utilizá-las em seu trabalho”. [43] A “liberdade”, escreveu ele, é “acima de tudo, eminentemente social, porque ela só pode realizar-se em sociedade e por meio das mais estritas igualdade e da solidariedade entre os homens” e as mulheres. [44]

Nessa nova ordem, não haveria capitalismo, exploração, classes, mercados ou mercadorias; não haveria Estados e nem outras organizações centralizadas e hierárquicas fundamentadas em regras forçadas e determinadas por minorias. Seria finalmente possível, para todos os indivíduos, desenvolver todo seu potencial e, por meio da cooperação com os outros, uma “verdadeira individualidade”, disse Kropotkin, a qual seria desenvolvida “por meio da prática da mais alta sociabilidade comunista”. [45]

Por sua vez, o Estado, seja ele simbolizado por estrelas e listras ou por uma foice e um martelo, foi considerado, pelos anarquistas, como parte do problema. Ele concentra poder nas mãos de poucos que se encontram no cume da hierarquia estatal e defende o sistema que beneficia uma classe dominante de capitalistas, latifundiários e gestores públicos. Ele não pode ser usado para a revolução, uma vez que ele mesmo cria elites dominantes – precisamente o sistema de classes que os anarquistas pretendem abolir. Para os anarquistas, a nova sociedade não terá classes, será igualitária, participativa e criativa, sendo todos estes elementos incompatíveis com o aparelho de Estado.

A ampla tradição anarquista, o sindicalismo e o IWW

Redescobrir o anarquismo também implica pensar o que o anarquismo abarcou e como ele relacionou-se com outras tradições. Um ponto central a ser destacado é que o “sindicalismo” – termo aqui utilizado para incluir tanto o anarcossindicalismo como o sindicalismo revolucionário – sempre foi um elemento absolutamente central no anarquismo. Os sindicalistas sustentavam a posição de que os sindicatos – construídos por meio de lutas cotidianas, de uma prática radicalmente democrática e de educação popular – são alavancas fundamentais da revolução e podem até mesmo servir como o núcleo de uma ordem socialista livre. Por meio de uma greve geral revolucionária, com base na ocupação dos locais de trabalho, os trabalhadores podem assumir o controle da produção e reorientá-la no sentido da necessidade humana, em vez do lucro. O sindicalismo vislumbra um associativismo radicalmente democrático que prefigure um novo mundo, que tenha por objetivo uma organização para além das fronteiras e que promova uma contracultura popular revolucionária. Ele rejeita formas burocráticas de sindicalismo, bem como a noção de que os sindicatos só devem preocupar-se com questões econômicas ou em eleger partidos políticos pró-trabalhistas.

O anarcossindicalismo e o sindicalismo revolucionário constituem uma parte muito importante da história do anarquismo. Assume-se, equivocadamente e com frequência, que este sindicalismo surgiu pela primeira vez na década de 1890 na França e que constituía uma nova doutrina, desenvolvida naquele momento e derivando em grande medida do marxismo. [46] Muitos apresentaram o sindicalismo como um movimento distinto ou mesmo hostil ao anarquismo. Nesse sentido, muitas obras apontam Georges Sorel (1847-1922) – um engenheiro francês aposentado e outrora marxista – como “o teórico do anarco-sindicalismo”, “o principal teórico do sindicalismo revolucionário” e “o maior expoente teórico do sindicalismo”. [47]

Isso não é verdade; o sindicalismo sempre fez parte da ampla tradição anarquista. Foi Bakunin, nas décadas de 1860 e 1870, e não Sorel, 40 anos mais tarde, o principal teórico do sindicalismo, e todas as principais ideias do sindicalismo – luta de classes, internacionalismo, prefiguração, autogestão, prática sindical revolucionária – foram centrais no programa e na prática dos anarquistas na Primeira Internacional. [48] Bakunin, o fundador do anarquismo, disse a respeito dos sindicatos: “a libertação séria e final dos trabalhadores será possível somente sob uma condição: aquela da apropriação do capital, ou seja, das matérias primas, e de todas as ferramentas de trabalho, incluindo a terra, por todo o corpo de trabalhadores”, e os sindicatos devem estar cientes de que “eles também carregam em si os germes vivos da nova ordem social, que deverá substituir o mundo burguês. Eles estão criando não apenas as ideias, mas também os fatos do próprio futuro.” [49] Os primeiros sindicatos que se ajustavam ao modelo sindicalista surgiram não durante os anos 1890, mas durante os anos 1870 e 1880: a Federação Operária da Região Espanhola (FORE, fundada em 1870, a maior seção da Primeira Internacional), o Congresso Geral de Trabalhadores Mexicanos (fundado em 1876), o Sindicato Operário Central, dos Estados Unidos (CLU, fundado em 1884) e o Círculo de Trabalhadores de Havana, de Cuba (fundado em 1885).

O sindicalismo, em essência, é uma estratégia anarquista e não um rival do anarquismo. Quando utilizo o termo sindicalismo sem prefixos ou qualificações, refiro-me a todas as variantes do sindicalismo. Ao mesmo tempo, quando utilizo o termo “ampla tradição anarquista”, refiro-me, com ele, ao anarquismo somado a todas as formas de sindicalismo. Assim, o sindicalismo é uma variante do anarquismo e o movimento sindicalista faz parte da ampla tradição anarquista.

Isso se aplica a todas as principais variantes do sindicalismo: o anarcossindicalismo (que se situa explicitamente na tradição anarquista), o sindicalismo revolucionário (que não explicita tão claramente sua conexão com o anarquismo, por ignorância ou negação tática), o De Leonismo (uma forma de sindicalismo revolucionário que se reivindica marxista) e o sindicalismo de base (uma forma de sindicalismo que constitui grupos de base independentes que atuam junto a sindicatos ortodoxos, mas o fazem de forma autônoma). E inclui, além disso, o Industrial Workers of the World (IWW ou “Wobblies”), uma corrente sindical radical surgida em 1905 nos Estados Unidos, que se espalhou pelo mundo. São falsas as noções de que a história do IWW encontra-se dissociada da história do sindicalismo e que o IWW surgiu a partir de tradições radicais endógenas norte-americanas ou do marxismo. [50] O IWW histórico era sindicalista em termos de perspectiva, tendo sido altamente influenciado pelo sindicalismo anterior e, de maneira mais geral, pela ampla tradição anarquista dos Estados Unidos; ele foi criado no contexto de um ressurgimento do sindicalismo, que ocorreu em diversas regiões a partir dos anos 1890. [51]

Em 1908, a IWW cindiu-se em duas grandes correntes: em primeiro lugar, o conhecido “IWW Chicago”, que foi importante nos Estados Unidos, na Austrália, no Chile e em outros países, e foi associado a figuras como William “Big Bill” Haywood (1869-1928) e opôs-se estritamente a qualquer participação em eleições governamentais; em segundo lugar, o mais modesto “IWW Detroit”, que teve influência na África do Sul, na Grã-Bretanha e outros países, e foi associado a Daniel De Leon (1852-1914) e James Connolly (1868-1916) e defendeu um uso condicional das eleições. Ambas as correntes são sindicalistas e, portanto, fazem parte da ampla tradição anarquista. O fato de alguns destes sindicalistas considerarem-se marxistas ou rejeitarem o rótulo de anarquista não invalida seu lugar na ampla tradição anarquista. Não utilizo a autoidentificação, mas as ideias como base para a inclusão na ampla tradição anarquista.

Muitos escritores estabeleceram uma suposta distinção entre “comunismo anarquista [...], talvez a doutrina anarquista mais influente”, e “outra doutrina de importância comparável, o anarco-sindicalismo.” [52] Discordo desta distinção, visto que ela fornece uma análise enganosa da ampla tradição anarquista. Tal alegada distinção não apenas se encontrava ausente da maior parte dos escritos anarquistas até bem recentemente, como simplesmente não funciona como uma descrição das diferentes tendências da ampla tradição anarquista. Além disso, a grande maioria das pessoas descritas na literatura como “comunistas anarquistas” ou “anarco-comunistas” defendia o sindicalismo, incluindo Kropotkin, Alexander Berkman (1870-1936), Ricardo Flores Magón (1874-1922) e Shifu / Liu Sifu (1884-1915). Por outro lado, a maioria dos sindicalistas endossou o “comunismo anarquista” no sentido de uma sociedade socialista sem Estado baseada no princípio comunista de distribuição de acordo com a necessidade. É difícil identificar uma estratégia ou tendência “anarco-comunista” que possa ser aplicada como uma categoria útil ao anarquismo.

Anarquismo insurrecionalista, anarquismo de massas e sindicalismo

Também parece claro de que há muitos debates e diferenças no interior do anarquismo e do sindicalismo, mas há um núcleo de ideias suficientemente coerentes para serem concebidas como parte de uma “ampla tradição anarquista”. Se esta tradição compartilha princípios e objetivos comuns, ela também se caracteriza por uma ampla diversidade e por profundos debates acerca das táticas, das estratégias e das características da sociedade futura.

Para lutar no presente, aprender com o passado e criar o futuro, o anarquismo reivindica o racionalismo, o pensamento crítico e a ciência, conjugando-os a uma paixão pela justiça e pela criação de um único mundo e uma comunidade humana universal, livre das desigualdades e das hierarquias sociais e econômicas. Mas para compreender tais debates e diferenças, é especialmente útil realizar um exame das distinções de estratégia.

No anarquismo, apenas a luta da classe trabalhadora e do campesinato – ou seja, das “classes populares” – pode transformar fundamentalmente a sociedade. Anarquistas e sindicalistas sempre entenderam a “classe trabalhadora” em termos bem amplos, e sempre viram o campesinato como uma força revolucionária. Para eles, a classe trabalhadora inclui todos os trabalhadores assalariados sem controle de seu próprio trabalho, sejam eles empregados da agricultura, da indústria ou dos serviços, e também trabalhadores temporários e informais, assim como suas famílias e os desempregados. O campesinato inclui todos os pequenos agricultores que estão submetidos ao controle e à exploração de outras classes, incluindo meeiros e arrendatários. Estas duas classes, as massas trabalhadoras e pobres do globo, podem ser agrupadas e chamadas de “classes populares”.

Estas classes constituem a grande maioria da humanidade e são as únicas com um interesse essencial na mudança da sociedade e com o poder de realizá-la. Sua emancipação – e, consequentemente, a criação de uma sociedade livre e a emancipação de todos os seres humanos – deve ser realizada por elas mesmas. As lutas contra as injustiças econômicas, sociais e políticas do presente devem ser travadas de baixo para cima, por pessoas “comuns”, organizadas democraticamente, e realizadas de fora e contra o Estado e os partidos políticos hegemônicos.

No coração da tradição do anarquismo está a posição de que é necessário construir um movimento popular revolucionário, centrado numa contracultura revolucionária e na formação de organismos de contrapoder, a fim de lançar as bases para uma nova ordem social capaz de substituir o capitalismo, o latifundiarismo e o Estado.

Ao ressaltar a liberdade individual, e acreditando que esta liberdade só se realiza por meio da cooperação e da igualdade, o anarquismo enfatiza a necessidade de organização das classes populares em movimentos participativos e democráticos, bem como a importância da ação direta. É fundamental construir movimentos capazes de desenvolver um contrapoder para enfrentar e suplantar o poder da classe dominante e do Estado. Ao mesmo tempo, é essencial criar uma contracultura popular revolucionária, que contraponha os valores da sociedade de classes e que esteja dotada de uma nova visão baseada na democracia, na igualdade e na solidariedade, uma “nova filosofia social” baseada na possibilidade de uma nova ordem social e na capacidade das pessoas comuns a criarem. [53]

Mas como o contrapoder e a contracultura revolucionária podem ser criados? Há uma distinção central na ampla tradição anarquista entre as duas principais abordagens estratégicas: a do “anarquismo de massas” e a do “anarquismo insurrecionalista”. O anarquismo de massas salienta que apenas movimentos de massa podem criar uma transformação revolucionária na sociedade, que tais movimentos são tipicamente construídos por meio de lutas em torno de questões imediatas e de reformas (quer em matéria de salários, brutalidade da polícia, altos preços e assim por diante), e que os anarquistas devem participar de tais movimentos para radicalizá-los e transformá-los em alavancas de mudança revolucionária. O ponto crítico é que as reformas sejam conquistadas de baixo para cima: essas vitórias devem diferenciar-se das reformas realizadas de cima para baixo que, por sua vez, enfraquecem os movimentos populares. [54]

A abordagem insurrecionalista, ao contrário, afirma que as reformas são ilusórias, que movimentos como, por exemplo, os sindicatos são baluartes, voluntária ou involuntariamente, da ordem existente, e que as organizações formais são autoritárias. Consequentemente, o anarquismo insurrecionalista enfatiza a ação armada, a “propaganda pelo fato”, como o mais importante meio de se evocar um levante revolucionário espontâneo. O que distingue o anarquismo insurrecionalista do anarquismo de massas não é necessariamente a violência em si, mas o seu lugar na estratégia adotada: para o anarquismo insurrecionalista, a propaganda pelo fato, levada a cabo por anarquistas conscientes, é vista como um meio de gerar um movimento de massas; para a maioria do anarquismo de massas, a violência opera como um meio de autodefesa para um movimento de massas já existente.

O anarquismo insurrecionalista é impossibilista, pois vê nas reformas algo impossível e inútil, e, por isso, busca criar contracultura e contrapoder direta e espontaneamente, por meio da propaganda pelo fato. Em contrapartida, o anarquismo de massas é possibilista e acredita que não apenas é possível como também desejável obter, ou melhor, arrancar reformas das classes dominantes, sustentando que tais concessões redundam no fortalecimento, e não na debilidade, dos movimentos e lutas populares, além de melhorarem as condições do povo. Por meio da ação direta, por exemplo, podem-se reivindicar e conquistar mudanças progressivas nas leis, sem a necessidade de tomar parte no aparelho de Estado. Ainda assim, no anarquismo de massas, entende-se que a luta por reformas deve ter por objetivo constituir as bases para uma nova sociedade no seio da antiga, uma nova ordem social incipiente que finalmente destruiria e substituiria a antiga.

O sindicalismo é uma poderosa expressão do anarquismo de massas, sendo os sindicatos concebidos como órgãos de contrapoder e bastiões da contracultura revolucionária. Historicamente, foi, principalmente, este sindicalismo que proporcionou à tradição anarquista uma base e um apelo de massas. Contudo, nem todos os anarquistas de massas foram sindicalistas. Alguns apoiavam o sindicalismo, mas com reservas, geralmente em torno da “hipótese embrião”: a visão de que as estruturas sindicais constituem uma base adequada para uma sociedade pós-capitalista. [55] Houve outros anarquistas de massas que foram antissindicalistas, pois não acreditavam que os sindicatos pudessem fazer uma revolução. Vemos aqui duas variantes principais: aqueles que rejeitavam as lutas no local de trabalho em favor das lutas comunitárias e aqueles que favoreciam a ação no local de trabalho com certa independência dos sindicatos.

O sindicalismo é caricaturado como uma forma de unionismo economicista ou restritamente obreirista por marxistas como Lênin e Nicos Poulantzas. [56] Mas as organizações sindicalistas históricas constituíram movimentos sociais que nunca reduziram a classe trabalhadora ao conjunto dos assalariados ou as aspirações da classe trabalhadora às lutas salariais. Por isso, economicismo e obreirismo restritos são rótulos inadequados para o sindicalismo.

Relacionando luta de classes , libertação nacional , igualdade racial e liberdade das mulheres

Parece evidente que o anarquismo e o sindicalismo historicamente opuseram-se à exploração e a todas as formas de dominação, ainda que tenham sempre enfatizado a questão de classe. No entanto, conforme apontado, esta ênfase não deve ser interpretada como um obreirismo grosseiro.

Por que classes? Uma razão é que as classes oprimidas e exploradas constituem a grande maioria da humanidade: estes bilhões são, para os anarquistas e sindicalistas, os grandes sujeitos da história. A moderna classe trabalhadora cresceu enormemente, em parte, devido à industrialização e à proletarização de grandes partes do Leste Europeu e da Rússia, da Ásia Oriental, da África Austral e América Latina. Existem atualmente mais trabalhadores industriais na Coreia do Sul do que havia em todo o mundo quando Marx e Friedrich Engels escreveram o Manifesto Comunista em 1848, sem contar que os trabalhadores industriais respondem apenas por uma parte da classe trabalhadora. [57] Com talvez mais de três bilhões de membros, a classe trabalhadora é hoje, sem dúvida, a maior classe que já existiu na história humana, seguida de perto pelo campesinato, que ainda predomina em grandes partes do mundo. Enormes pressões sobre o campesinato, em particular a transformação dos latifundiários em um empresariado capitalista rural, levaram a uma urbanização maciça e sem precedentes; pela primeira vez na história, a população mundial tornou-se predominantemente urbana.

Em segundo lugar, classe envolve uma forma única de opressão, visto que somente as classes são exploradas e dominadas. Mesmo quando não há outras formas de opressão – de nacionalidade, de raça, de gênero etc. –, os membros das classes populares são sistematicamente desempoderados, oprimidos e empobrecidos; a riqueza que é deles extraída sem pagamento, a exploração de classe, é a principal fonte de renda da classe dominante, o combustível que alimenta o capitalismo e o Estado. A opressão de classe é um dos aspectos mais importantes e irremovíveis da sociedade moderna, não apenas pelo fato de que a exploração é essencial para as classes dominantes, que dominam a sociedade por meio do capitalismo e do Estado. Isso também significa que somente as classes populares exploradas podem criar uma nova sociedade, visto que só as classes exploradas não precisam da exploração; e somente elas têm o poder de destruir a exploração e derrubar o sistema de classes.

Uma luta contra o capitalismo e o Estado que possua base classista é condição necessária para a abolição de todas as desigualdades e a criação de uma comunidade humana universal. Entretanto, ela é uma condição adequada apenas quando se baseia na oposição explícita e ativa a todas as formas de opressão, na oposição à hierarquia em geral e no compromisso com um comunismo de autogoverno.

A unidade e o internacionalismo classistas só são possíveis por meio desta ativa oposição às opressões específicas, que não podem ser reduzidas a opressões de classe, tais como as de gênero, nacionais e raciais. Estas formas de opressão estão em completo desacordo com o anarquismo. As classes populares não podem unificar-se sem lidar com essas desigualdades e devem, por exemplo, contrapor os sistemas de salários, o planejamento urbano e a brutalidade policial, todos eles racistas, e mobilizar o poder de classe para atacar esta opressão, por exemplo, com greves.

Ainda que essas formas específicas de opressão não sejam redutíveis à opressão de classe, o sistema de classes do capitalismo e do Estado tem um papel fundamental em sua criação e em sua reprodução, como, por exemplo, no caso dos cercamentos de terra e do sistema de trabalho negro barato, que continuam a caracterizar a África do Sul pós-apartheid. A abolição completa de todas as formas de opressão e a redistribuição radical de riqueza e poder necessária para erradicá-las – assim como seus legados, como aquele do apartheid na África do Sul – exige a abolição das classes, a qual é impossível sem uma revolução classista.

Não apenas a oposição ativa à opressão nacional e racial, a opressão das mulheres e a luta contra o colonialismo e o imperialismo foram historicamente centrais no projeto anarquista, com o movimento tendo tido, por exemplo, um papel fundamental nas lutas anticoloniais e anti-imperialistas. [58] Mas os anarquistas e os sindicalistas insistiram que estas lutas não deveriam terminar na criação de novos Estados ou de novas elites dominantes, visto que todos os Estados, incluindo os novos Estados-nação independentes, são instituições que servem às classes dominantes.

O que se exige é a abolição das classes, incluindo, dentre as raças e nacionalidades oprimidas, a criação de formas de autogoverno livres do Estado e uma perspectiva classista e internacionalista que estabeleça e unifique todas as lutas contra a opressão numa luta universal pela liberdade. A abordagem anarquista e sindicalista não justapõe luta de classes e luta contra outras formas de opressão, nem abandona a questão de classe, mas vê a luta contra todas as formas de opressão como parte central da luta de classes para transformar radicalmente a sociedade.

O poder das classes oprimidas resulta de seu número, de sua capacidade organizativa e de seu poder na produção. Uma luta classista é, por sua própria natureza, internacionalista, e oferece um fundamento para a máxima unidade dos oprimidos, independente das divisões de língua, de raça, de gênero, de nacionalidade e outras, para uma revolução socialista. Modificar a nacionalidade, a raça ou o gênero de capitalistas, juízes, políticos, oficiais de alta patente e generais não modificará o sistema básico de exploração e opressão.

Anarquistas, marxistas e estratégia revolucionária

O anarquismo e o marxismo são “muito próximos” em vários aspectos e possuem “preocupações idênticas”; contudo, eles também possuem diferenças importantes em suas análises e premissas, as quais conduzem a “conclusões muito diferentes”. [59] Daniel Guérin (1904-1988) compreendeu lucidamente esta situação, descrevendo a relação entre anarquismo e marxismo como aquela entre “irmãos gêmeos e inimigos” [60], ou seja, como uma divisão dentro do movimento moderno e socialista da classe trabalhadora. [61] Foi na Primeira Internacional que ocorreu a grande cisão entre o marxismo clássico e o anarquismo. [62]

Bakunin, por exemplo, começou a tradução de O Capital para o russo nos anos 1870 e foi responsável pela primeira tradução em russo do Manifesto Comunista nos anos 1860. [63] Kropotkin desprezava Marx, mas sua compreensão acerca da exploração e das crises de superprodução era, em muitos aspectos, praticamente a mesma de Marx. [64]

Apesar disso, anarquistas e sindicalistas rejeitaram a “ditadura do proletariado” marxista como um modelo de transição ao socialismo. Marx insistiu, em seu conflito com Bakunin na Primeira Internacional, que “o proletariado só pode agir como classe transformando-se num partido político” e visando a “conquista do poder de Estado” e a “ditadura do proletariado” baseada na “centralização” e na “força”. [65] Com Engels, ele enfatizou que este Estado nacionalizaria a economia e o trabalho. [66] Esta concepção básica funcionou como um guia para todo o marxismo clássico e foi central em todo Estado revolucionário marxista.

Bakunin e Kropotkin insistiram que os Estados não poderiam desfazer as relações sociais de classe. Eles necessariamente concentrariam poder nas mãos de poucos, defenderiam sistemas classistas e exigiriam a exploração. Um Estado revolucionário, no máximo, criaria uma nova classe dominante minoritária: “toda dominação do Estado, todos os governos estando, por sua própria natureza, fora do povo, deve necessariamente buscar submetê-lo a costumes e propósitos completamente estranhos a ele”. [67] Se todo o proletariado fosse realmente alçado para “o topo do governo”, argumentou Bakunin, “não haveria mais governo, não haveria Estado”. [68]

A rejeição, por parte do movimento anarquista e sindicalista, da “ditadura do proletariado” marxista nunca se baseou na rejeição da necessidade de defesa da revolução com base no uso da força. Esta rejeição surgiu da noção de que a “ditadura do proletariado” do marxismo clássico seria, simplesmente, uma “ditadura sobre o proletariado”. Ao envolver as corporações e o latifundiarismo, fundidos ao Estado, numa única unidade, por meio da nacionalização e da planificação centralizada, ela iria “apenas perpetuar aquilo que supostamente deveria destruir” [69], criando um “capitalismo de Estado centralizado”. [70] Assim, para Kropotkin, era essencial “atacar o poder central, despojá-lo de suas prerrogativas, descentralizar e dissolver a autoridade [...], ou seja, promover uma revolução verdadeiramente popular. [71]

A experiência dos Estados revolucionários marxistas do século XX, deve-se dizer, corroborou tragicamente as previsões anarquistas e sindicalistas. Na prática, independente das intenções ou dos objetivos emancipatórios do marxismo clássico, essas políticas proporcionaram a rationale básica para as ditaduras de partido único do antigo bloco soviético. A posição de que o “socialismo de Marx era simultaneamente antiestatista e contrário ao mercado” [72] é relativamente enganadora. Há muitas tensões e ambiguidades no pensamento de Marx, mas o elemento predominante, que constitui o registro histórico do marxismo na prática, tem se mostrado extremamente autoritário e estatista; de longe, a corrente mais ampla do marxismo histórico foi o marxismo clássico.

A criação do sistema de gulag na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), que colocou dezenas de milhões de pessoas em campos de concentração com base no trabalho forçado, por exemplo, era parte integrante do sistema soviético, mas provavelmente não estava nos planos de Marx. [73] As duras circunstâncias nas quais se deram a Revolução Russa e a criação da URSS, obviamente, também deixaram nisso uma profunda marca. Nesse sentido, as características da URSS e dos regimes marxistas posteriores não podem ser simplesmente reduzidas à política marxista.

No entanto, isso não exime o marxismo clássico de uma boa dose de responsabilidade pela opressão e pelas desigualdades do antigo bloco soviético. A ideologia marxista exerceu uma influência fundamental sobre estes regimes e a ênfase profunda que Marx e seus sucessores deram à necessidade de um Estado altamente centralizado – dirigido por um partido comunista, responsável pelo controle do trabalho e de outras forças de produção e reivindicando ser o único repositório da verdade “científica” – foi absolutamente determinante na evolução que o marxismo do século XX teve chegando a uma ideologia que sustentaria sucessivas ditaduras. Marx e o marxismo não podem ser isentados deste fato sob a alegação de que o caráter consistentemente repressivo do marxismo no poder deveu-se à força das circunstâncias ou a uma interpretação inadequada dos textos de Marx por parte de “sucessores mais ou menos infiéis”. [74]

A história do marxismo em um terço do mundo, outrora governado por regimes marxistas, constitui uma parte, a parte mais importante, da história do marxismo, e há um vínculo direto entre a estratégia de Marx de uma ditadura centralizada encabeçada por um partido de vanguarda como agente da revolução e as ditaduras de partido único estabelecidas na Rússia, na China e em outros países. Mesmo Trotsky, quando era oficial, insistiu no “socialismo” autoritário, com relações militarizadas de trabalho (sendo os “desertores” colocados em “campos de concentração”), salários desiguais, uma forte burocracia e banimento dos partidos rivais. [75] No exílio, ele defendeu os regimes de partido único e insistiu que eles eram “transicionais” ao socialismo, sendo marcados por grandes “conquistas sociais” e relações sociais revolucionárias. [76] O movimento comunista marxista fracassou em sua tentativa de emancipar a humanidade e levou o socialismo ao descrédito para centenas de milhões de pessoas; sua ascensão e sua queda são fundamentais para os problemas atuais enfrentados pela esquerda.

Como organização centralizada que controla o território, o Estado, invariável e deliberadamente, centraliza o poder nas mãos das classes dominantes: sua lógica hierárquica, divisora e elitista, assim como os interesses de classe que ele promove, são completamente incompatíveis com o projeto anarquista de democracia radical, propriedade comum e abolição da exploração e do governo de classe. Isso significa, ainda, que uma sociedade anarquista não pode emergir sem uma revolução social, que seja feita de baixo para cima e pelas classes populares – tanto contra o Estado quanto contra o capital, e fundamentando-se no mais firme internacionalismo e numa luta global, visto que, como argumentou Bakunin, “a questão da revolução [...] só pode ser resolvida com base na internacionalidade”. [77]

Contra os mercados e a suposta necessidade de um estágio capitalista da história

Os anarquistas concordaram com a insistência liberal nos direitos humanos inalienáveis e com sua suspeição do Estado [78], mas rejeitaram completamente sua fé nos livres mercados: segundo os anarquistas, estes mercados promovem a competição, a desigualdade, a privatização e a exclusão.

O capitalismo, sob qualquer forma, não se caracteriza pela competição e pela inovação, mas pelo oligopólio, pelo consumo elitizado e pelo desperdício; em vez de ser eficiente, insistia Kropotkin, ele sistematicamente sub-produz bens essenciais e desperdiça vidas humanas. [79] Assim, não há qualquer sentido em ver o capitalismo como um estágio necessário do desenvolvimento histórico e, menos ainda, em insistir, como fizeram muitos marxistas, que ele possui condições de estabelecer as fundações de um futuro socialista. Ademais, as teorias do livre mercado, hoje expressadas no neoliberalismo, oferecem uma liberdade oca. Elas justificam o “direito ilimitado de explorar o proletariado” [80] e o “individualismo burguês misantrópico”. [81]

Os anarquistas não viram a liberdade individual em termos de competição, mas de algo que expressa e depende de uma apropriação das obrigações comunais por meio da cooperação, das decisões democráticas e da igualdade econômica e social. Para eles, a liberdade não deveria ser encontrada fora da sociedade, na competição com outros indivíduos ou no capitalismo e no Estado, mas numa revolução social, que instituísse a propriedade comum, a democracia descentralizada e participativa, e que acabasse com a pobreza e outros males sociais. Bakunin insistiu que a sociedade “longe de diminuir […] a liberdade, ao contrário, cria a liberdade individual de todos os seres humanos”, visto que “a sociedade é a raiz, a árvore, e a liberdade é seu fruto”. [82]

A sociedade anarquista promoveria a liberdade em relação às fontes externas de opressão, mas também a liberdade positiva e substantiva, por meio da distribuição igualitária e democrática do poder e dos produtos do trabalho. Visto que o anarquismo opõe-se à desigualdade econômica e social, a qual destrói significativamente a liberdade individual, ele rejeita o capitalismo, o Estado e as classes dominantes. Pelo mesmo motivo, ele rejeita as opressões de gênero, raciais, nacionais e outras.

Uma grande realização do projeto anarquista foi conciliar a preocupação liberal com a liberdade individual e a preocupação socialista com a igualdade socioeconômica, numa ordem social profundamente democrática chamada de socialismo libertário, “comunismo anarquista” ou socialismo sem Estado. A nova sociedade conscientemente erradicaria a pobreza e acabaria com as hierarquias de classe, de raça, nacionais e de gênero; promoveria uma visão de mundo racionalista, a inovação tecnológica e criaria, finalmente, uma comunidade humana universal.

Tal como os marxistas, os anarquistas e os sindicalistas defendem a necessidade de uma revolução classista, mas possuem uma concepção alternativa de seu caráter e de suas tarefas. Para os últimos, esta revolução tem como projeto um socialismo plural, autogerido e radicalmente democrático, em que as classes populares estejam realmente no controle, sem a usurpação de seu poder por parte de qualquer regime autodeclarado revolucionário.

Esses ideais e práticas anarquistas e sindicalistas foram conscientemente projetados para evitar o destino que se abateu sobre o marxismo clássico. Ao enfatizar valores antiautoritários, promover a democracia e valorizar a autogestão, a ampla tradição anarquista procurou impedir que novas elites dominantes emergissem do seio das lutas populares. Bakunin e Kropotkin advertiram que a estratégia do marxismo clássico poderia, independentemente de suas boas intenções, culminar na perpetuação da desigualdade econômica e social e da opressão. O Estado, insistiu Kropotkin, “tendo sido a força à qual as minorias recorreram para estabelecer e organizar o seu poder sobre as massas, não pode ser a força que servirá para destruir esses privilégios.” [83]

Levando a sério a história global do anarquismo e do sindicalismo

A noção bastante sustentada de que o anarquismo e o sindicalismo “tornaram-se um movimento de massas na Espanha a um ponto jamais observado em qualquer outro lugar” [84] – ou seja, a noção da “excepcionalidade espanhola” – é falsa. Historicamente, o anarquismo e o sindicalismo tiveram um papel fundamental nas lutas populares. Anarquistas insurrecionalistas foram algumas vezes importantes, ainda que sempre tenham constituído uma pequena minoria num movimento que encontrou seus grandes sucessos no anarquismo de massas. Os insurrecionalistas concederam ao anarquismo sua fama pela violência, com ações armadas que ocorreram entre os anos 1890 e 1920. Mas sua campanha esporádica foi bem modesta: entre 1880 e 1914, os anarquistas foram responsabilizados por, aproximadamente, 160 mortes e 500 feridos. [85] Na ampla tradição anarquista, os movimentos de massas desenvolveram-se em muitos países e o movimento espanhol não foi, de modo algum, o maior deles.

Um Movimento Revolucionário de Trabalhadores

Os anarquistas conformavam, de longe, a maioria da Primeira Internacional quando ocorreu a cisão de 1872 entre marxistas e anarquistas: não havia sequer “uma federação nacional agrupada para apoio” da seção marxista, que logo entrou em “completa decadência”. [86] O setor liderado pelos anarquistas durou até 1877 e, em sua existência, agregou mais seções europeias, assim como outras da África (Egito), da Ásia Central (Turquia) e da América Latina (Argentina, Bolívia, México e Uruguai).

As associações sindicais espanholas do século XX, que representavam metade dos trabalhadores organizados daquele país, quando comparadas ao tamanho da classe trabalhadora e do movimento trabalhista organizado, foram menores do que os movimentos na Argentina, no Brasil, no Chile, em Cuba, na França, no México, no Peru, em Portugal e no Uruguai, onde a ampla tradição anarquista dominou quase todo o movimento trabalhista. Além disso, houve poderosas minorias sindicalistas em países como África do Sul, Alemanha, Austrália, Bolívia, Bulgária, China, Egito, El Salvador, Equador, Estados Unidos, Grã-Bretanha, Guatemala, Irlanda, Itália, Japão, Moçambique, Nova Zelândia, Paraguai e Polônia.

Jornais , Escolas e Milícias Populares

Os sindicatos foram centrais para o movimento anarquista, mas outras instituições centrais devem também ser destacadas: os jornais, as escolas e milícias populares.

Surgiram jornais anarquistas diários, a partir dos anos 1880, na Argentina, nos Estados Unidos, na Itália e em outros países; eles faziam parte de uma vasta imprensa independente. Milhares de escolas e livrarias populares funcionaram em todo o mundo, dentre as quais se encontram: uma densa rede de centros comunitários e escolas na Espanha, as “centenas de reuniões educacionais e fóruns abertos realizados aos domingos” pelo IWW nos Estados Unidos [87], a Universidade Popular Livre em Alexandria, no Egito, administrada por anarquistas e nacionalistas [88], o Instituto de Formação do Movimento Trabalhista e a Universidade Trabalhista Nacional na China [89], as escolas anarquistas no México [90] e em Cuba [91], as “escolas livres, as universidades populares, os grupos de teatro social” e um trabalho “educacional intenso” do movimento brasileiro [92], e “as creches, os cursos literários, os numerosos eventos culturais” da Federação Operária Feminina, organização sindicalista da Bolívia. [93] Muitas décadas antes de Antonio Gramsci, os anarquistas e os sindicalistas lutaram para criar um contrapúblico de oposição.

Poucos sindicalistas tiveram esperança numa revolução sem qualquer derramamento de sangue e a maioria dos anarquistas reconheceu que uma revolução exige uma defesa militar efetiva. Bakunin, por exemplo, queria que o “exército, [...] o sistema judiciário, [...] a polícia” fossem substituídos pelas “barricadas permanentes”, coordenadas por delegados, “sempre com mandatos rotativos”, e promovendo a “ampliação da força revolucionária” a todos os “países rebeldes”. [94]

Milícias e forças irregulares anarquistas e sindicalistas (assim como milícias e forças irregulares conduzidas por anarquistas e sindicalistas ou por eles coorganizadas) tornaram-se evidentes desde os anos 1870. Alguns exemplos incluem as unidades de defesa de trabalhadores e sindicais: nos Estados Unidos (nos anos 1870), na Irlanda (1913-1916), no México (1915-1916), na Argentina (1919), na Itália (1920), na Alemanha (1929-1933), na Polônia (1940-1944); as Guardas Negras na Rússia revolucionária e o Exército Insurgente Revolucionário na Ucrânia a partir de 1918; as milícias camponesas no México (1867-1869, 1878, 1879-1881, 1911, 1915-1916), na Coreia (muitas, desde 1919 até os anos 1940), na China (a partir de 1926); e as milícias anarquistas criadas na Espanha em 1936, baseadas dos antigos “comitês de defesa”. [95]

A visão de que a insurreição era algo que “os sindicatos nunca pareciam organizar” também não pode ser associada à história do sindicalismo. [96] As organizações sindicalistas estiveram envolvidas em greves gerais que assumiram um caráter insurrecional no México, em 1916; na Espanha, em 1917, 1919 e 1936; no Brasil e em Portugal, em 1918; na Argentina, em 1919; e na Itália, em 1920.

Anarquistas e sindicalistas estiveram ativos em outros levantes, por exemplo: na França (1870), na Espanha (1873, 1909, 1932-33), na Itália (1877-1878, 1914), no Egito (1882) [97], (no México (1867, 1878, 1911), na Macedônia/Trácia (1903), no Brasil (1918), na Argentina (1922) e na Bulgária (1923). Em alguns destes levantes – como nos casos da Macedônia em 1903, do México em 1911 e da Espanha em 1932 – elementos do programa construtivo anarquista de coletivização e democratização foram parcialmente implementados. Tais revoltas anteciparam as três grandes revoluções anarquistas, tendo as duas primeiras surgido de revoltas anticoloniais: Ucrânia (1917-1921), Coreia/Manchúria (1929-1931) e Espanha (1936-1939).

Continuidade Revolucionária ao Longo do Século XX

Em vez de ter declinado severamente a partir de 1914 (ou 1917), como foi afirmado por alguns, a ampla tradição anarquista cresceu rapidamente depois disso: a maioria das organizações sindicalistas tiveram seu auge nos anos 1920 e muitos movimentos tornaram-se cada vez mais fortes durante os anos 1930; uma internacional sindicalista iniciou-se em 1922, uma Liga Anarquista Oriental de massas foi fundada em 1927, abarcando o leste e o sul asiático, seguida, dois anos depois, pela Associação Continental Americana de Trabalhadores, na América Latina.

O movimento certamente recuou a partir dos anos 1940, mas continuou a ser relevante em muitos outros contextos, que incluíram a Bulgária e a Itália posteriores à guerra; as ações clandestinas soviéticas e espanholas; a luta cubana dos anos 1950; os sindicatos argentinos, brasileiros, bolivianos, chilenos e cubanos nos anos 1960; o movimento de trabalhadores e estudantes uruguaios nos anos 1970; além disso, o anarquista Chu Cha-pei promoveu uma guerrilha no sul de Yunnan, na China, contra o regime maoista. [98] As revoltas globais de 1968 estimularam uma retomada do interesse nas ideias anarquistas e sindicalistas em muitos países (e no socialismo libertário de maneira mais ampla), ao passo que o colapso da ditadura espanhola em 1975 ajudou a inspirar uma nova geração de militância sindicalista.

Guerra , Questões de Gênero e Anti -Imperialismo

Embora a ampla tradição anarquista tenha historicamente estado vinculada à questão de classe, ela também se engajou em outras questões, relacionadas às opressões sociais que não necessariamente se reduzem àquela de classe. Conformando um movimento internacional e internacionalista, esta tradição, rejeitando o nacionalismo e o Estado, e opondo-se consistentemente à opressão nacional e ao preconceito racial, esteve na vanguarda das tentativas de organizar as classes populares superando as barreiras de nacionalidade e raça.

Ela desenvolveu-se como um grande movimento que teve respaldo de quase todas as nacionalidades e raças do mundo, e de organizações do mundo todo; desempenhou um papel fundamental: nas lutas pela igualdade de direitos e contra a segregação (por exemplo, em Cuba, no Japão, no México, nos Estados Unidos e na África do Sul); nos países coloniais e pós-coloniais, em lutas contra o imperialismo e a opressão nacional (por exemplo, na África do Sul, na Argélia, na Bulgária, na China, na Coreia, em Cuba, no Egito, na Geórgia, na Irlanda, na República Checa, na Macedônia, no México, na Nicarágua, em Porto Rico, Polônia, em Taiwan e na Ucrânia) [99]; na oposição ao militarismo e à guerra entre povos e Estados.

Anarquistas e sindicalistas anti-imperialistas como Hristo Botev (1848-1876, Bulgária), Ricardo Flores Magón (México), Har Dayal (1884-1939, Índia), Shin Chae’Ho (1880-1936, Coreia) e Kim Jwa-Jin (1889-1930, Coreia), Nestor Makhno (1888-1934, Ucrânia) e James Connolly (Irlanda) têm sido, todos eles, oficialmente homenageados em seus respectivos países.

Ademais, o antimilitarismo foi uma característica central na história da ampla tradição anarquista e incluiu revoltas massivas no âmbito de nações poderosas contra a agressão imperialista, como, por exemplo, nos casos: da ocupação japonesa da Coreia, da Manchúria e da China; das guerras coloniais da Espanha contra Cuba, Marrocos e Filipinas; dos ataques italianos à Abissínia, Líbia e Albânia. Em 1914, a Internacional Socialista (Segunda Internacional) entrou em colapso com a deflagração da Primeira Guerra Mundial, com todos os principais partidos apoiando os esforços de guerra de seus respectivos Estados. [100] Contrariamente à visão de que Lênin e poucos outros marxistas, sozinhos, promoveram a oposição à guerra, considero que a oposição radical a ela restringiu-se, em grande medida, aos anarquistas e sindicalistas.

A questão de gênero foi outra preocupação importante. A tendência de muitos autores em rotular mulheres anarquistas e sindicalistas como “anarquistas feministas” ou “anarcofeministas” é questionável. Não há dúvida que as mulheres desempenharam um papel crucial na promoção das análises feministas no anarquismo, mas penso ser problemático assumir que as mulheres militantes eram necessariamente feministas ou que elas deveriam ser definidas especialmente em função do feminismo.

Os elementos feministas do anarquismo e do sindicalismo não eram domínio exclusivo das mulheres, nem tampouco as atividades das mulheres na ampla tradição anarquista devem ser reduzidas à defesa do feminismo. Esta tradição, em seu conjunto, defendeu a igualdade de gênero, rejeitou o modelo da família patriarcal e buscou meios de articular as preocupações feministas com um projeto mais amplo, classista e revolucionário. Anarquistas e sindicalistas discordaram entre si acerca das implicações relativas à emancipação das mulheres e certamente houve muitos anarquistas e sindicalistas cujas posições e vidas contradisseram a igualdade de gênero. O ponto mais importante é que esta igualdade constitui um princípio da ampla tradição anarquista.

Mulheres anarquistas e sindicalistas como Choi Seon-Myoung, Luisa Capetillo (1880-1922), Voltairine de Cleyre (1866-1912), Elizabeth Gurley Flynn (1890-1964), Emma Goldman (1869-1940), He Zhen (1884-1920), Petronila Infantes (1920-?), Lucy Parsons (1853-1942) e Itō Noe (1895-1923) não devem ser reduzidas a militantes de gênero. Elas desempenharam uma grande variedade de funções no movimento, como escritoras, sindicalistas, líderes de greves, organizadoras comunitárias e milicianas, e viam-se como parte de um movimento mais amplo das classes populares que superava as fronteiras de gênero. Tal como seus companheiros do sexo masculino, elas argumentavam que o sistema de classes e outras formas de opressão estavam integralmente relacionados, e que apenas um movimento popular universal e unificador contra toda forma de dominação e exploração poderia dar origem uma nova ordem social.

Dualismo Organizacional

Um dos grandes debates entre anarquistas e sindicalistas é se eles precisam de grupos políticos dedicados à promoção das ideias da ampla tradição anarquista e, em caso afirmativo, que forma estes grupos devem tomar.

Quando os editores do jornal anarquista Dielo Truda (“Causa Operária”), editado em Paris, publicaram a “A Plataforma Organizacional da União Geral dos Anarquistas”, em 1926, foram recebidos por uma tempestade de controvérsias. [101] Alguns anarquistas identificaram, na defesa realizada pelos editores de uma organização política anarquista unificada com disciplina coletiva, uma tentativa de “bolchevizar” o anarquismo e acusaram seus principais autores, Piotr Arshinov (1887-1937) e Makhno, de terem aderido ao marxismo clássico. Entretanto, a Plataforma e o “plataformismo” – assim como o “especifismo” da Federação Anarquista Uruguaia (fundada em 1956) – não constituíram uma ruptura com a tradição anarquista, mas uma reafirmação bastante ortodoxa de posições bem estabelecidas.

Desde a época de Bakunin – o qual era membro da organização anarquista Aliança Internacional da Democracia Socialista que, por sua vez, operava dentro da Primeira Internacional –, a grande maioria dos anarquistas e sindicalistas defendia a necessidade de formação de grupos políticos especificamente anarquistas para além das organizações de massas, tais como as organizações sindicalistas. Exemplos incluem: a Aliança Internacional da Democracia Socialista dentro da FORE espanhola, e sua sucessora, a Federação Anarquista Ibérica (FAI, fundada em 1927), a Liga de Educação Sindicalista Industrial na Grã-Bretanha (fundada em 1910), a Liga Socialista Internacional na África do Sul (fundada em 1915), o grupo Luz/Lucha no México (fundado em 1912), a Sociedade dos Camaradas Anarco-Comunistas (fundada em 1914 por Shifu / Liu Sifu), a Liga Sindicalista da América do Norte (fundada em 1912).

Em outras palavras, a maioria apoiou este dualismo organizacional: as organizações de massa, de contrapoder, tais como os sindicatos, deveriam trabalhar em conjunto com organizações políticas especificamente anarquistas e sindicalistas. Além disso, a maioria sustentou que esses grupos deveriam ter estratégias, táticas e princípios homogêneos, bem como alguma forma de disciplina organizativa.

Outros Legados

As ideias anarquistas e sindicalistas também influenciaram uma gama de outras importantes correntes radicais, tomando parte destacada em iniciativas que envolveram ecléticas misturas de ideias. Exemplos relevantes incluem: as forças zapatistas em Morelos, no México (que surgiram em 1911); o Partido Ghadar indiano e anticolonial (fundado em 1913); o Sindicato de Trabalhadores Industriais e Comerciais da África (fundado em 1919, e que teve atividade na Namíbia, na África do Sul, na Zâmbia e no Zimbábue); e as forças sandinistas na Nicarágua (a partir de 1927).

Composição de Classe e Base Social

Discordo do estereótipo que apresenta o anarquismo como um movimento e uma religião seculares, voltados para uma pequena burguesia de artesãos e camponeses arruinados pela modernidade; “classes sociais que estavam fora de sintonia com a tendência histórica dominante”, “postas de lado pelo [...] progresso industrial” e “ameaçadas” pela “indústria e a mecanização”, lideradas por burgueses e pequeno-burgueses arruinados e compostas por camponeses decadentes e artesãos raramente “envolvidos na centralização ou na industrialização” e que aspiravam um retorno a um passado pré-moderno. [102] Ao contrário disso, o movimento anarquista foi historicamente baseado predominantemente na moderna classe trabalhadora, ou seja, no proletariado.

Foi, sobretudo, entre a classe operária urbana e os trabalhadores rurais que a ampla tradição anarquista encontrou seus recrutas; e encontrou-os aos milhões. Contrariamente ao senso comum de que o sindicalismo era um movimento composto por artesãos qualificados, as organizações sindicalistas foram essencialmente constituídas por grupos de pessoas como, por exemplo, trabalhadores ocasionais e sazonais, estivadores, trabalhadores rurais, operários, mineiros e ferroviários, e, em menor medida, funcionários administrativos e profissionais liberais, em especial professores. Processos de desespecialização e reestruturação produtiva desempenharam um papel importante para atrair alguns para o sindicalismo, mas o movimento como um todo atraiu um grande número de trabalhadores não qualificados e semiqualificados.

A ampla tradição anarquista também teve um apelo significativo para o campesinato e houve grandes movimentos camponeses anarquistas – que combateram o poder dos latifundiários, os capitalistas rurais e do Estado, em especial onde começava a ocorrer a comercialização –, mais notavelmente na Coreia/Manchúria, no México, na Espanha e na Ucrânia. Mas os movimentos anarquistas e sindicalistas mais duráveis conformaram-se em torno da classe trabalhadora, incluindo a classe trabalhadora rural, vinculada à agricultura e às florestas.

Repensando o cânone anarquista e sindicalista

Algumas das consequências desses argumentos são bastante surpreendentes e forçam uma reconsideração do cânone da ampla tradição anarquista. Seguindo uma tradição estabelecida por Eltzbacher e as obras mais conhecidas sobre o anarquismo e o sindicalismo, é comum a referência aos “sete sábios” do movimento: William Godwin (1756-1836), Max Stirner (1806-1856), Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865), Benjamin Tucker (1854-1939) e Liev Tolstoi (1828-1910), Bakunin e Kropotkin. [103] Para Eltzbacher, estes sábios poderiam ser “considerados equivalentes a todo o corpo de ensinamentos reconhecidamente anarquistas”. [104] Ele estava ciente de que “a negação do Estado” tinha “significados totalmente diferentes” para seus sábios. [105] Entretanto, todos aqueles que sustentavam uma posição antiestatista eram considerados anarquistas, mesmo que discordassem em questões fundamentais como a natureza da sociedade, o direito, a propriedade ou os meios para se transformar a sociedade. [106]

Pelas razões acima colocadas, esta abordagem é insatisfatória; uma definição mais precisa, menos vaga, é necessária. Isso foi feito anteriormente, com base na análise daquilo que defendia o movimento anarquista e sindicalista histórico, que surgiu na Primeira Internacional e que foi representado por figuras como Bakunin e Kropotkin – os únicos dentre os “sete sábios” que fazem parte da ampla tradição anarquista. Utilizando esta definição mais precisa, é possível destacar os aspectos da ampla tradição anarquista, que envolvem suas ideias e sua história, assim como apresentar uma análise bastante completa e sistemática dos debates e dos desenvolvimentos do anarquismo e do sindicalismo. Nessa análise, o anarquismo é apresentado como um conjunto definido e claro de posições. Ao examinar a história da ampla tradição anarquista, sacrificamos uma suposta amplitude das histórias míticas do anarquismo, com suas genealogias milenares inventadas, em favor de uma profundidade real que começou há 150 anos. Muitos relatos despendem uma grande quantidade de tempo discutindo figuras como Stirner, Tolstoi, os anabatistas etc. Considero-os extrínsecos e, em grande medida, irrelevantes para uma explicação da ampla tradição anarquista.

Termos como “anarquismo filosófico” (muitas vezes usado em referência a Godwin), “anarquismo individualista” (muitas vezes usado em referência a Stirner, mas algumas vezes também para Proudhon e Tucker), “anarquismo cristão” (para Tolstoi) ou “anarquismo de estilo de vida” (às vezes usado para se referir a formas contemporâneas de individualismo) são enganosos: estas correntes não fazem parte da ampla tradição anarquista. Não se trata de rejeitar outras ideias libertárias e uma ampla gama de ideias antiautoritárias que se desenvolveram em muitas culturas, mas de sugerir que precisamos diferenciar o anarquismo e o sindicalismo de outras correntes, inclusive as libertárias, de modo a melhor compreender tanto o anarquismo quanto essas outras tendências. O anarquismo “classista”, às vezes chamado de anarquismo revolucionário ou comunista, não é um tipo de anarquismo; é o único anarquismo. Esta abordagem do significado do anarquismo não é arbitrária e nem somente uma questão de opinião: o registro histórico demonstra que existe um conjunto sólido de postulados e uma linhagem distinta histórica e organizacional que constitui a ampla tradição anarquista.

Sem desconsiderar a importância dos movimentos relativamente bem conhecidos na Itália, na França, na Espanha e nos Estados Unidos, é necessário sublinhar a centralidade dos movimentos na Ásia, na África, no Leste Europeu, na América Latina e no Caribe, afirmando que uma história verdadeiramente global do anarquismo e do sindicalismo deve oferecer uma correção crucial às abordagens eurocêntricas e demonstrar que a noção de que o anarquismo “não foi mais do que uma atração das minorias” tem pouca base em evidências. [107]

Essa linha de argumentação levanta questões sobre o cânone anarquista e sindicalista. Tendo rejeitado os “sete sábios”, assim como a tendência ao eurocentrismo, não pretendo propor um novo cânone, senão sugerir que ele deve centrar-se em Bakunin e Kropotkin e incluir figuras destacadas da ampla tradição anarquista e sindicalista dentro e fora do Ocidente. Se Godwin, Stirner e Tolstoi não têm lugar neste cânone, pessoas como Arshinov, Juana Belém Gutierrez de Mendoza (1875-1942), Camillo Berneri (1897-1937), Luisa Capetillo (1880-1922), Noam Chomsky (1928-), Connolly, Christian Cornelissen (1864-1942), de Cleyre, De Leon, Flynn, Guérin, Praxedis Guerrero (1882-1910), Goldman, He, Infantes, Itō, Kōtoku Shūsui (1893-1911), Li Pei Kan (1904-2005, também conhecido pelo pseudônimo Ba Jin), Maria Lacerda de Moura (1887-1944), Liu Sifu / Shifu, Errico Malatesta (1853-1932), Flores Magón (1874-1922), Makhno, Juan Carlos Mechoso (1935-), Louise Michel (1830-1905), Ferdinand Domela Nieuwenhuis (1861-1919), Ōsugi Sakae (1885-1923), José Oiticica (1882-1957), Albert Parsons (1848-1887), Lucy Parsons, Fernand Pelloutier (1867-1901), Enrique Roig de San Martín (1843-1889), Juana Rouco Buela (1888-1968 ), Yu Rim (1898-1961), Rudolph Rocker (1873-1958), Lucia Sanchez Saornil (1895- 1970), Shin, Ervin Szabó (1877-1918) dentre outros, são todos sérios candidatos a militantes que tiveram contribuições intelectuais significativas para o movimento. Esta lista não é exaustiva, mas apenas indicativa das possibilidades.

Em conclusão: relevância para as batalhas de hoje

O mantra dos anos 1990 “não há alternativa ao capitalismo neoliberal” [108] foi, na esteira de Seattle e outras lutas, substituído pelo slogan mais otimista “Um outro mundo é possível”. Mas de que tipo de mundo estamos falando e como é que ele deverá ser criado? Acredito que as ideias e a história da ampla tradição anarquista têm muito a contribuir para os movimentos progressistas dos anos vindouros. Trata-se de um movimento multirracial e internacional com um profundo impulso feminista, um movimento com um importante lugar nas lutas sindicais, operárias e camponesas, valorizando a razão sobre a superstição, a justiça sobre a hierarquia, a autogestão sobre o poder do Estado, a solidariedade internacional sobre o nacionalismo, a comunidade humana universal sobre o paroquialismo e o separatismo – o anarquismo e o sindicalismo são isso e muito mais.

O século XXI é um mundo de extremos. Uma de suas características mais marcantes é um aumento espiral da desigualdade dentro dos países e entre eles. Em 1996, a riqueza combinada das 358 pessoas mais ricas do mundo, todas estas bilionárias, era equivalente à renda total de 45% da população mundial, em torno de 2,3 bilhões de pessoas. [109] A parcela da renda mundial detida pelos 20% mais ricos passou de 70% em 1960 para 85% em 1991. [110] Os Estados Unidos, o Estado e economia industrial mais poderosos da história, possuem um nível de desigualdade mais alto do que a Nigéria, e a desigualdade de renda está em seu nível mais alto desde 1920. [111]

Em 1996, quase um bilhão de pessoas estavam desempregadas ou sub-empregadas em todo o mundo; o desemprego era mais elevado nos países exportadores de bens primários e semi-industriais, mas muitas economias altamente industrializadas tinham taxas de desemprego superiores a 10%. [112] Enormes pressões sobre o campesinato, em particular a transformação dos latifundiários em um empresariado capitalista rural, levaram a uma urbanização maciça e sem precedentes; pela primeira vez na história, a população mundial tornou-se predominantemente urbana. Pelo menos um terço dos três bilhões de habitantes urbanos do mundo vivem atualmente em favelas, com talvez 250 mil favelas em todo o mundo, sob estimativas de que, até 2020, metade da população urbana total possa estar vivendo em condições de pobreza extrema em um “planeta favela”. [113]

Subjacente às crescentes divisões de classe encontra-se em curso um conjunto maior de processos de reestruturação internacional. A partir de meados da década de 1970, com força maior nas décadas de 1980 e 1990, todas as regiões do mundo começaram a convergir em torno de um único modelo de acumulação capitalista, conhecido como neoliberalismo. No contexto da crise econômica mundial, iniciada a partir dos anos 1970, da crescente integração das distintas economias nacionais, da crise da esquerda decorrente do declínio do bloco soviético e da incapacidade da social-democracia e do modelo de industrialização por substituição de importações em restaurar o crescimento econômico, o neoliberalismo tornou-se um modelo de política econômica dominante no mundo inteiro.

A importância da ampla tradição anarquista nesse contexto é clara. É estarrecedor observar que nenhuma alternativa radical coerente e popular ao neoliberalismo tenha surgido até o momento. A expectativa era que o impacto do neoliberalismo sobre as classes populares e a polarização social em massa, conjugada ao enorme crescimento da classe trabalhadora e da população urbana associada a este processo, conduzissem a uma luta de classes generalizada e uma política popular radical e até mesmo revolucionária. Mas isso não ocorreu. Mas, desde o início, o neoliberalismo implicou oposição popular. Tais protestos demonstram um crescente desencanto pelo atual estado do mundo e apontam cada vez mais para uma oposição visceral ao capitalismo sem paralelo em décadas. Contudo, eles não se encontram vinculados a um projeto sistemático voltado para substituir o neoliberalismo ou o capitalismo subjacente a este por uma ordem social alternativa.

O colapso de grande parte do então Segundo Mundo, o bloco soviético, oferece uma explicação parcial para uma política popular sem substância. Este fato sacudiu toda uma geração que identificava o socialismo com o modelo soviético. Ao mesmo tempo, a social-democracia sofreu um duro golpe frente à incapacidade manifesta dos welfare states keynesianos em restaurar o crescimento econômico, reduzir o desemprego ou efetivamente financiar a política de bem-estar social, ocasionando o desvio da maioria dos partidos social-democratas para o neoliberalismo na década de 1990. Em todo o mundo pós-colonial, o modelo de substituição de importações começou a ruir a partir da década de 1970. Incapazes de gerar empregos e prover um mínimo de bem-estar social, os antigos regimes nacionalistas e populistas ou entraram em colapso ou adotaram o ajuste estrutural do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Por um lado, a crise das políticas progressistas populares permitiu a aceleração contínua da agenda neoliberal, quando uma política radical efetiva poderia ter sido capaz de interrompê-la fundamentalmente desde o seu princípio. Por outro lado, significou que as lutas antineoliberais tenderam a ser essencialmente defensivas e dirigidas contra os efeitos do neoliberalismo, em vez de serem direcionadas às suas causas e capazes de desenvolver uma solução eficaz e duradoura. Assim, estas lutas tenderam a ser limitadas, esporádicas e, na melhor das hipóteses, desviadas para reformas moderadas (ainda que importantes), que não contiveram o neoliberalismo, como, por exemplo, os movimentos pró-democracia.

O lado sombrio da crise geral das políticas populares progressistas tem sido o aumento assustadoramente rápido dos movimentos de massa de direita, tanto nacionalistas quanto religiosos, como, por exemplo, o fundamentalismo cristão e hindu, o islamismo radical e o neofascismo. De orientação antidemocrática, antimoderna e antissecular, estes movimentos podem proporcionar nada mais do que infindáveis conflitos étnicos e raciais, regimes autoritários e uma época de reação comparável aos anos mais obscuros de meados do século XX. A ascensão de tais movimentos foi possível justamente em virtude do colapso de alternativas progressistas; o fato de alguns esquerdistas assumidos defenderem e até mesmo trabalharem com estas correntes reacionárias, descrevendo-as como “anti-imperialistas”, é por si só um sinal do nível da crise da esquerda.

É aqui que a ampla tradição anarquista pode fazer uma contribuição real. Ela fornece um rico repertório de ideias e ações que são particularmente adequadas para o presente período. Em particular, ela pode desempenhar um papel fundamental na renovação do projeto socialista. A ampla tradição anarquista surgiu como um movimento da classe operária e do campesinato, conforme mencionado anteriormente, e há muito a ser aprendido pelas lutas contemporâneas contra o neoliberalismo a partir do exame de sua história. Sem uma alternativa progressista de esquerda, as lutas contemporâneas contra o neoliberalismo serão, inevitavelmente, incapazes de desafiar fundamentalmente o sistema capitalista que deu origem ao neoliberalismo.

Muitos dos ideais e das práticas associados à ampla tradição anarquista – ação direta, democracia participativa, a visão de que os meios devem corresponder aos fins, a solidariedade, o respeito pelo indivíduo, a rejeição à manipulação, a ênfase sobre a importância da liberdade de expressão e da diversidade, e uma oposição à opressão de raça, de nacionalidade e de gênero – são precisamente aqueles reivindicados por milhões de pessoas na era pós-soviética.

Mas o que a história anarquista e sindicalista vem mostrando é que, se os anarquistas não se organizarem sobre as bases de um programa claro e de uma organização unitária – com posições teóricas e táticas compartilhadas, e com responsabilidade coletiva – ele perderá as oportunidades surgidas para rivais melhor organizados, muitos dos quais apoiados pelos Estados e pelos capitalistas. Assim como o plataformismo e o especifismo enfatizam

O anarquismo não é uma bela fantasia retirada da imaginação de um filósofo, mas um movimento social das massas trabalhadoras. Por isso mesmo, ele deve reunir suas forças em uma organização geral que atue constantemente, segundo as exigências da realidade e da estratégia da luta social de classes. [114]


[1] O material aqui apresentado baseia-se em vários de meus trabalhos, dentre os quais se encontram: Lucien van der Walt 2011, “The Global History of Labour Radicalisms: The Importance of Anarchism and Revolutionary Syndicalism,” nota para discurso em “Labour Beyond State, Nation, Race: Global Labour History as a New Paradigm,” University of Kassel, Germany, 26 November; 2011, “Counterpower, Participatory Democracy, Revolutionary Defence,” International Socialism, 130: 193–207; Anarchism and Syndicalism in the Colonial and Postcolonial World, 1870-1940: The Praxis of National Liberation, Internationalism, and Social Revolution (2010/2014, Brill, with Steve Hirsch); 2014, “Reclaiming Syndicalism: From Spain to South Africa to Global Labour Today,” Global Labour Journal 5 (2): 239-25; 2014, “Varieties of Anarchism: Anarchist Projects and the Struggles that Define Them,” public lecture, International Dissidence Research Group: Normative Orders Cluster of Excellence, Johann Wolfgang Goethe-Universität Frankfurt am Main, 7 August; 2016, “Global Anarchism and Syndicalism: Theory, History, Resistance,” Anarchist Studies 24 (1): 85-106; (no prelo) “Back to the Future: Revival, Relevance and Route of an Anarchist/Syndicalist Approach to 21st Century Left, Labour and National Liberation Movements,” Journal of Contemporary African Studies; e (no prelo), “Anarchism, Syndicalism and Marxism,” N. Jun, (org.), The Brill Companion to Anarchist Philosophy, Brill.

[2] Vanessa Hacon é doutoranda em Ciências Sociais pelo CPDA – UFRRJ e pesquisadora do NEP.

[3] I. Ness, (org.), 2014, New Forms of Worker Organisation: The Syndicalist and Autonomist Restoration of Class Struggle Unionism, PM Press.

[4] Ver: M. Bray, 2013, Translating Anarchy: The Anarchism of Occupy Wall Street, Zero Books/John Hunt.

[5] C. Ross, 2015, “Power to the People: A Syrian Experiment in Democracy,” Financial Times, 23 October.

[6] Alguns termos utilizados nesta tradução demandam esclarecimento prévio. Ao longo do texto, a tradução de worker aparece, em determinadas situações, como “trabalhador” e, em outras, como “operário,” refletindo a intenção original do autor e a polissemia do termo em língua inglesa. Mantivemos também o uso de “movimento trabalhista” (labour movement), mas é importante observar que “trabalhismo,” em língua inglesa, tem o sentido de uma atividade feita pelos trabalhadores e não para os trabalhadores, como é usual em português. Traduzimos syndicalist unions por “organizações sindicalistas.” Em português, sindicalismo tem um sentido amplo que na língua inglesa melhor corresponde ao unionism, enquanto syndicalism representa uma corrente específica do unionismo dos trabalhadores, uma corrente construída pelos anarquistas, de caráter radical e revolucionário. Para demarcar a diferença, empregamos “organizações sindicalistas” para indicar grupos integrantes da “ampla tradição anarquista.” (N. T.)

[7] G. Meyer, 2003, “Anarchism, Marxism and the Collapse of the Soviet Union,” Science and Society 67(2): 218.

[8] B. Anderson, 2014, “Preface,” S.J. Hirsch e L. van der Walt, (orgs.), Anarchism and Syndicalism in the Colonial and Postcolonial World, 1870-1940: The Praxis of National Liberation, Internationalism and Social Revolution, Brill, xiii.

[9] B. Anderson, 2006, Under Three Flags: Anarchism and the Anti-Colonial Imagination, Verso, 2, 54.

[10] E. Hobsbawm, 1993, Revolutionaries, Abacus, 72–73.

[11] D. Schechter, 1994, Radical Theories: Paths beyond Marxism and Social Democracy, Manchester University Press, 1-2.

[12] A. Dirlik, 1991, Anarchism in the Chinese Revolution, University of California Press, 3-4, 7-8.

[13] Por exemplo: F. Engels, [1872] 1972, “Letter to C. Cuno in Milan,” N.Y. Kolpinsky, (org.), Marx, Engels, Lenin: Anarchism and Anarcho-Syndicalism, Moscow: Progress Publishers, 71; R. Kedward, 1971, The Anarchists: The Men who Shocked an Era, New York: Library of the Twentieth Century, 6; M. Statz, introdução do M. Statz, (org.), 1971, The Essential Works of Anarchism, New York: Bantam, xiii.

[14] P. Eltzbacher, [1900] 1960, Anarchism: Exponents of the Anarchist Philosophy, London: Freedom Press.

[15] M. Fleming, 1979, The Anarchist Way to Socialism: Elisée Reclus and Nineteenth Century European Anarchism, Croom Helm, 19.

[16] Eltzbacher, Anarchism, 189, 201.

[17] N. Bukharin, [1922] 1966, The ABC of Communism, University of Michigan Press/ Ambassador Books,74–75; V. I. Lenin, [1917] 1975, “The State and Revolution,” Selected Works in Three Volumes, Moscow: Progress Publishers, 257, 281; Mao Tse-tung, [1949] 1971, “On the People’s Democratic Dictatorship,” Selected Readings from the Works of Mao Tsetung, Peking: Foreign Languages Press, 372; K. Marx e F. Engels, [1848] 1954, The Communist Manifesto, Henry Regnery Company, 56–57; J.V. Stalin, 1942, Leninism: Selected Writings, New York: International Publishers, 119–21, 267–68, 468–73.

[18] Por exemplo: M. Friedman, 1982, Capitalism and Freedom, Chicago University Press, 23–36; F.A. Von Hayek, 1944, The Road to Serfdom, Routledge, 14–16, 52-53, 57.

[19] Mais notavelmente em um célebre artigo sobre anarquismo escrito para a Encyclopaedia Britannica; P. Kropotkin, [1905] 1970, “Anarchism,” R. N. Baldwin, (org.), Kropotkin’s Revolutionary Pamphlets, Dover Publications.

[20] Sobre a pesquisa de Nettlau, ver notas do editor em M. Nettlau, [1934] 1996, A Short History of Anarchism, London: Freedom Press.

[21] P. Marshall, 1994, Demanding the Impossible: A History of Anarchism, London: Fontana, xiv, 3–4.

[22] M. Bookchin, 1977, The Spanish Anarchists: The Heroic Years, 1868-1936, Harper Colophon, 17.

[23] Fleming, The Anarchist Way to Socialism, 16.

[24] J. Joll, 1964, The Anarchists, Methuen and Co., 58, 82; D. Miller, 1984, Anarchism, J.M. Dent & Sons, 4, 45.

[25] Por exemplo: G. Woodcock, 1975, Anarchism: A History of Libertarian Ideas and Movements, Penguin, 136, 170.

[26] L. van der Walt e S.J. Hirsch, 2014, “Rethinking Anarchism and Syndicalism: The Colonial and Post-Colonial Experience, 1870-1940,” Hirsch e van der Walt, (orgs.), Anarchism and Syndicalism, liv.

[27] Marshall, Demanding the Impossible, xiv, 3-4.

[28] Joll, The Anarchists, 173, 275; Marshall, Demanding the Impossible, 3.

[29] Kedward, The Anarchists, 6; Statz, introdução do The Essential Works, xiii.

[30] Ver, por exemplo, Marshall, Demanding the Impossible, 53–54, 422, 443, 544–45, 500–01, 559–65; T. M. Perlin, 1979, Contemporary Anarchism, New Brunswick, NJ: Transaction Books, 109.

[31] A. Fischer, [1887] 1971, “Adolph Fischer,” A. R. Parsons, (org.), Anarchism: Its Philosophy & Scientific Basis, New York: Kraus Reprint, 78.

[32] W. Thorpe, 1989, ‘The Workers Themselves’: Revolutionary Syndicalism and International Labour 1913-23, Kulwer Academic Publishers/ International Institute of Social History, 3.

[33] K. Marx, [1875] 1922, The Gotha Programme, New York: Socialist Labour Party, 48; Lenin, “The State and Revolution,” 255.

[34] K. Kautsky, 1909, The Road to Power, Chicago: Samuel Bloch, 5-6, 64.

[35] L. Trotsky, 1975, Writings of Leon Trotsky, 1936–37, New York: Pathfinder Press, 2a edição, 513–14.

[36] L. Trotsky, [1924] 1987, The Lessons of October, London: Bookmarks, 72.

[37] Mao, [1949] 1971, “On the People’s Democratic Dictatorship,” 371.

[38] E. Bernstein, [1899] 1993, The Preconditions for Socialism, Cambridge University Press, 158.

[39] Ver J. Gerber, 1989, Anton Pannekoek and the Socialism of Workers’ Self-Emancipation, 1873–1960, Kluwer Academic Publishers; R. Gombin, 1978, The Radical Tradition: A Study in Modern Revolutionary Thought, Methuen; M. Shipway, 1987, “Council Communism”; M. Rubel e J. Crump, (orgs.), Non-Market Socialism in the Nineteenth and Twentieth Centuries, Macmillan; O. Rühle, [1939] 1981, The Struggle against Fascism Begins with the Struggle against Bolshevism, London: Elephant Editions.

[40] M. Bakunin, [1871] 1971, “The Paris Commune and the Idea of the State,” S. Dolgoff, (org.), Bakunin on Anarchy: Selected Works by the Activist-Founder of World Anarchism, George Allen & Unwin, 262- 63.

[41] Peter Kroptkin, [1892] 1990, The Conquest of Bread, London: Elephant Editions, 13, 21.

[42] M. Bakunin, [1871] 1971, “God and the State,” Dolgoff, (org.), Bakunin on Anarchy, 236–37.

[43] M. Bakunin, [1871] 1993, The Capitalist System, Champaign, IL: Libertarian Labor Review (sem números de página).

[44] Bakunin, “God and the State,” 238.

[45] P.A. Kropotkin, [1902] 1970, “Letter to Nettlau,” M.A. Miller, (org.), Selected Writings on Anarchism and Revolution: P.A. Kropotkin, M.I.T. Press, 296–97.

[46] Por exemplo: R. Darlington, 2009, “Syndicalism and the Influence of Anarchism in France, Italy and Spain,” Anarchist Studies, 17 (2): 46-47.

[47] Joll, The Anarchists, 207; Schechter, Radical Theories, 28, 25; J. Jennings, 1991, “The CGT and the Couriau Affair: Syndicalist Responses to Female Labour in France before 1914,” European History Quarterly 21 (3): 326.

[48] R. Berthier, 2015, Social-Democracy and Anarchism: In the International Workers’ Association, 1864-1877, London: Merlin Press; I. McKay, 2012, “Another View: Syndicalism, Anarchism and Marxism,” Anarchist Studies, 20 (1): 89-105; Thorpe, ‘The Workers Themselves’, 2-22.

[49] Citado em R. Rocker, [1938] 1989, Anarcho-syndicalism, Pluto, 77-78.

[50] Uma versão sofisticada desta opinião pode ser encontrada em M. Dubofsky, 1966, “The Origins of Western Working-Class Radicalism,” Labour History 7 (2): 131–54; M. Dubofsky, 1969, We Shall Be All: A History of the IWW, Chicago: Quadrangle Books, 5, 19–35, 73, 76–77. Foi também aceito por alguns anarquistas; ver, por exemplo, Rocker, Anarcho-Syndicalism, 136.

[51] Uma excelente visão geral e crítica dessa abordagem pode ser encontrada em S. Salerno, 1989, Red November, Black November: Culture and Community in the Industrial Workers of the World, State University of New York Press.

[52] R. Graham, prefácio ao R. Graham, (org.), 2005, Anarchism: A Documentary History of Libertarian Ideas, Volume 1: From Anarchy to Anarchism, 300 CE to 1939, Montréal: Black Rose, 2005, xiii.

[53] M. Bakunin, [1871] 1971, “The Programme of the Alliance,” Dolgoff, (org.), Bakunin on Anarchy, 249-51.

[54] R. J. Holton, 1980, “Syndicalist Theories of the State,” Sociological Review 28 (1): 5.

[55] Nettlau, A Short History of Anarchism, 277–78.

[56] Ver Holton, “Syndicalist Theories,” 5–7, 12–13, 18–19.

[57] C. Harman, 1999, A People’s History of the World, London: Bookmarks, 614-15.

[58] Ver, por exemplo: Hirsch e van der Walt, (orgs.), Anarchism and Syndicalism.

[59] Berthier, Social-Democracy and Anarchism, 162-63.

[60] D. Guérin, 1970, Anarchism: From Theory to Practice, New York: Monthly Review Press, 35.

[61] D. Guérin, 1989, “Marxism and Anarchism,” D. Goodway, (org.), For Anarchism: History, Theory, and Practice, Routledge, 119.

[62] Joll, The Anarchists, 84.

[63] K. Marx e F. Engels, [1882] 1989, “Preface to the Second Russian edition of the Manifesto of the Communist Party,” Marx-Engels Collected Works, volume 24, Moscow: Progress Publishers, 425.

[64] Por exemplo: Kropotkin, The Conquest of Bread, 56, 58, 139, 168.

[65] H. Gerth (org.), 1958, The First International: Minutes of the Hague Conference of 1872, University of Wisconsin, 216-17, 285-86.

[66] Marx and Engels, [1848] 1954, The Communist Manifesto, 40, 55-56.

[67] M. Bakunin, [n.d.] 1990, “Appendix,” K.J. Kenafick, (org.), Marxism, Freedom and the State, London: Freedom Press, 63.

[68] Bakunin, [1873] 1971, “Statism and Anarchy,” Dolgoff, (org.), Bakunin on Anarchy, 330.

[69] Bakunin, [1870] 1971, “Letters to a Frenchman on the Current Crisis,” Dolgoff, (org.), Bakunin on Anarchy, 193-94.

[70] P.A. Kropotkin, [1912] 1970, “Modern Science and Anarchism,” Baldwin, (org.), Kropotkin’s Revolutionary Pamphlets, 170, 186.

[71] P.A. Kropotkin, [1885] 1992, “Representative Government,” G. Woodcock, (org.), Words of a Rebel: Peter Kropotkin, Montréal: Black Rose, 143.

[72] Como alegado por D. McNally, 1993, Against the Market: Political Economy, Market Socialism, and the Marxist Critique, Verso, 3.

[73] Ver G. M. Ivanova, 2000, Labor Camp Socialism: The Gulag in the Soviet Totalitarian System, New York: M. E. Sharpe.

[74] Guérin, “Marxism and Anarchism,” 109, 125.

[75] I. Deutscher, 1954, The Prophet Armed: Trotsky, 1879-1921, Oxford University Press, 498-503, 508-09.

[76] L. Trotsky, [1937] 1983 The Revolution Betrayed: What is the Soviet Union and Where is it Going? Pathfinder Press, 47, 254-55.

[77] M. Bakunin, [1869] 1985, “Geneva’s Double Strike,” R.M. Cutler, (org.), Mikhail Bakunin: From out of the Dustbin: Bakunin’s Basic Writings, 1869-1871, Ardis, 14.

[78] Ver, por exemplo: Rocker, Anarcho-Syndicalism, 21-24.

[79] J. Bekken, 2009, “Peter Kropotkin’s Anarchist Economics for a New Society,” F. Lee e J. Bekken (orgs.), Radical Economics and Labour: Essays in Honour of the IWW Centennial, Routledge.

[80] Bakunin, “Letters to a Frenchman,” 216–217; Kropotkin, “Modern Science and Anarchism,” 182–83.

[81] Kropotkin, “Letter to Nettlau,” 296–97.

[82] Bakunin, [1871] 1971, “God and the State,” 236–37.

[83] Kropotkin, “Modern Science and Anarchism,” 170.

[84] Joll, The Anarchists, 224.

[85] R.B. Jensen, 2009, “The International Campaign Against Anarchist Terrorism, 1880–1930s,” Terrorism and Political Violence, 21 (1): 90.

[86] G.M. Stekloff, 1928, History of the First International, Martin Lawrence, 266, 271.

[87] P.S. Foner, 1965, The Industrial Workers of the World, 1905-17, New York: International Publishers, 146-151.

[88] A. Gorman, 2005, “Anarchists in Education: The Free Popular University in Egypt (1901),” Middle Eastern Studies 41(3): 306-07, 311-12.

[89] Dirlik, Anarchism in the Chinese Revolution, 262-269, 290.

[90] Ver J. Hart, 1978, Anarchism and the Mexican Working Class, 1860-1931, Texas University Press, 32-42, 113-15

[91] J. Casanovas, 1994, “Labour and Colonialism in Cuba in the Second Half of the Nineteenth-Century,” PhD diss., State University of New York, 303-05.

[92] E. Rodrigues, R. Ramos e A. Samis, [1999] 2003, Against all Tyranny! Essays on Anarchism in Brazil, Kate Sharpley Library, 4.

[93] M. Stephenson, 1999, Gender and Modernity in Andean Bolivia, University of Texas Press, 12.

[94] M. Bakunin, [1869] 1971, “The Policy of the International,” Dolgoff, (org.), Bakunin on Anarchy, 152-54.

[95] A. Guillamón, 2014, Ready for Revolution: The CNT Defense Committees in Barcelona, 1933-1938, AK Press.

[96] J. Krikler, 2005, Rand Revolt: The 1922 Insurrection and Racial Killings in South Africa, Cape Town: Jonathan Ball, 153.

[97] Anarquistas Italianos se juntou, por um tempo, a revolta de Urabi Pasha: A. Gorman, 2014, “‘Diverse in Race, Religion and Nationality ... but United in Aspirations of Civil Progress’: The Anarchist Movement in Egypt 1860–1940, Hirsch e van der Walt, (orgs.), Anarchism and Syndicalism, 28-29.

[98] P. Avrich, 1988, Anarchist Portraits, Princeton University Press, 214 et seq.

[99] Ver, por exemplo: Balkanski, 1982, Liberation Nationale et Revolution Sociale: A L’example de la Revolution Macedonienne, Paris, Volonte Anarchiste; I. Birchall (ed), 2012, European Revolutionaries and Algerian Independence 1954-1962, London: Merlin Press; Hirsch e van der Walt, (orgs.), Anarchism and Syndicalism; A. Paz, 2000, La Cuestión de Marruecos y la República Española, Fundación Anselmo Lorenzo.

[100] A Internacional Socialista (Segunda Internacional), fundada em 1889, foi dominada pelo marxismo clássico e pela socialdemocracia; seu principal membro era o grande bastião marxista da época, o Partido Social Democrata [PSD] da Alemanha, que Marx e Engels ajudaram a fundar em 1875.

[101] P. Archinov, N. Makhno, I. Mett et al, [1926] 2001, The Organisational Platform of the Libertarian Communists, Dublin: Workers Solidarity Movement.

[102] Por exemplo: C.M. Darch, 1994, “The Makhnovischna, 1917-1921: Ideology, Nationalism, and Peasant Insurgency in Early Twentieth Century Ukraine,” PhD diss., University of Bradford, 57; E. Hobsbawm, 1971, Primitive Rebels: Studies in Archaic Forms of Social Movement in the 19th and 20th Centuries, Manchester University Press; Hobsbawm, Revolutionaries, capítulo 8; Kedward, The Anarchists, 24-26; Stekloff, History of the First International, 312; Woodcock, Anarchism, 444-45; E. Yaroslavsky, [?1937], History of Anarchism in Russia, Lawrence & Wishart, 26, 28, 41, 68-69.

[103] Eltzbacher, Anarchism; Fleming, The Anarchist Way to Socialism, 19.

[104] Eltzbacher, Anarchism, 188.

[105] Eltzbacher, Anarchism, 189, 191.

[106] Ver Eltzbacher, Anarchism, 184-96.

[107] Kedward, The Anarchists, 120.

[108] No Brasil, esta máxima exprimiu-se nas expressões “fim da história” e “fim das ideologias,” em alusão a Francis Fukuyama. (N. T.)

[109] United Nations Development Programme, 1996, Human Development Report, New York: United Nations, 13.

[110] K. Moody, 1997, Workers in a Lean World: Unions in the International Economy, Verso, 54.

[111] M. D. Yates, 2004, “Poverty and Inequality in the Global Economy,” Monthly Review 55 (9): 38.

[112] Moody, Workers in a Lean World, 41.

[113] M. Davis, 2004, “Planet of Slums: Urban Involution and the Informal Proletariat,” New Left Review 26: 5, 13-14, 17.

[114] P. Arshinov, N. Makhno et al, [1926], 2001: 4.