Lucy Parsons
Nossa civilização: vale a pena salvá-la?
Vale a pena salvar nossa atual civilização?, é uma pergunta que podem fazer os deserdados da terra. Em certo aspecto, é uma grandiosa civilização. A história falha em registrar outras épocas como a nossa. Quando desejamos viajar, voamos, por assim dizer, nas asas do espaço, e com uma desenvoltura que teria tornado insignificante a mais ousada imaginação dos antigos deuses. Aniquilamos o tempo. Estamos à beira de um continente e conversamos com facilidade e serenidade com amigos de outro. Os fenômenos impressionantes da natureza pouco nos preocupam na atualidade. Roubamos o relâmpago dos deuses e o transformamos em um obediente servo à vontade do homem; perfuramos as nuvens e lemos a estrelada página do tempo.
Construímos magníficas pilastras de arquitetura, cujas alturas vertiginosas nos deslumbram quando tentamos seguir com nosso olhar as imponentes paredes de tijolo maciço, granito e ferro, que, camada após camada, são intercaladas por maravilhosas vidraças. E, à medida que descemos gradualmente o olhar, história após história, até chegarmos ao chão, descobrimos à sombra destas magníficas habitações o homem sem casa, a criança sem abrigo, a jovem que oferece sua virtude por uns míseros dólares para alugar um pequeno sótão. E, nos recônditos escuros desses belos edifícios, o “vagabundo”, desmoralizado pela pobreza e envergonhado pela necessidade, tenta escapar à vista dos seus semelhantes.
Todavia, foi seu trabalho que ergueu estas marcas de civilização. Então por que são obrigados a ser bárbaros? Porque é o trabalho, e apenas o trabalho, que torna a civilização possível. É o trabalho que labuta, e fia, e tece, e constrói, para que o outro, e não ele, possa desfrutar. São os trabalhadores que mergulham nas cavernas desconhecidas do mar e o obrigam a ceder seus tesouros escondidos, cujo valor desconhecem. É o trabalho que vai à natureza selvagem e empunha a varinha mágica que a ciência colocou em sua mão. Seus monstros hediondos e estridentes logo sucumbem, e ela floresce como uma rosa.
Somente o trabalho pode nivelar a montanha à planície, ou elevar o vale à altura da montanha, e mergulhar nas entranhas da terra e trazer à tona os tesouros ocultos ali contidos, que têm estado latentes ao longo dos ciclos de mudança climática, e, com astúcia, transformá-los em artigos luxo para a satisfação e benefício da humanidade.
Ora, por que é que este importante fator nas artes do progresso e do refinamento continua a ocupar uma posição secundária em todas as esferas mais elevadas e nobres da vida? Não é para que uns poucos ociosos possam se deleitar com luxo e tranquilidade – esses poucos que se dignificaram como “classes superiores”?
É esta “classe superior” que determina o tipo de casas (se é que há) em que a classe produtora deve viver, a quantidade e a qualidade da comida que deve pôr em sua mesa, o tipo de roupa que deve vestir, e se a criança do proletariado deve, em tenra idade, adentrar a escola ou a fábrica. E quando o proletariado, ao não encontrar justiça nesta economia burguesa, começa a murmurar, a guarda policial é chamada a serviço durante seis dias na semana, ao passo que, no sétimo dia, o ministro lhe argumenta que reclamar dos poderes instituídos é pecaminoso, além de ser um jogo perdido, na medida em que, com esta ação, se está reduzindo a sua chance de obter uma casa confortável nas “mansões eternas dos céus”. E, nesse ínterim, a classe proprietária está perfeitamente disposta a pagar generosamente ao ministro, e a conceder ao proletariado o crédito necessário para isto, se aquele lhes fornecer o dinheiro para a construção de suas mansões.
Ó, trabalhador! Ó, trabalhador faminto, ultrajado e usurpado, até quando darás ouvidos atentos aos autores de tua miséria? Quando te cansarás de tua escravidão e o demonstrarás, entrando corajosamente na arena com aqueles que declaram que “Não ser escravo é ousar e FAZER?” Quando te cansarás de tal civilização e declararás com palavras, cuja amargura não será confundida:
“Acabemos com uma civilização que assim me degrada; não vale a pena salvá-la?”