Título: Bakunin, classes e pós-anarquismo
Autor: Mark Leier
Data: 2009
Fonte: Adquirido em 30/06/2019 de https://ultimabarricada.wordpress.com/2019/01/29/bakunin-classes-e-pos-anarquismo/
Notas: Mark Leier é o autor de «Mikhail Bakunin: The Creative Passion» (New York: St. Martin’s Press, 2006) e de numerosos outros trabalhos sobre história do trabalho, incluindo «Where the Fraser River Flows: The Industrial Workers of the World in British Columbia» (Vancouver: New Star Books, 1990). Tradução de Última Barricada. Fonte da tradução: «Mark Leier: Bakunin, Class and Post-Anarchism (2009)» in Robert Graham, «Anarchism, A Documentary History of Libertarian Ideas, Volume 3», ed. Black Rose Books, 2013.

Pequena nota: neste texto o autor, quando discute o pensamento anarquista de Mikhail Bakunin, baseia-se na sua obra mas dá particular ênfase ao escrito «A Reação na Alemanha» de 1842, quando Bakunin era um hegeliano de esquerda ainda a décadas de distância de se tornar o “pai teórico” do movimento anarquista. Ainda assim, cremos que o pensamento anarquista clássico, materialista e classista, que Bakunin representa não sai aqui deturpado por causa disso.

A crença dos pós-anarquistas de que o anarquismo contemporâneo precisa de romper com o anarquismo clássico e moderno não é baseada meramente no argumento de que as mudanças históricas, digamos, no estado, no capitalismo, na tecnologia, na demografia ou no conhecimento levaram à necessidade de ajustar e renovar o pensamento anarquista para o atualizar. As diferenças entre os movimentos são consideradas mais profundas do que uma simples periodização ou cronologia. Os pós-anarquistas sustentam que as ideias dos filósofos pós-modernistas e pós-estruturalistas minaram tão completamente o conhecimento e valores tradicionais que já pouco há para aprender com os anteriores anarquistas e a anterior teoria anarquista. Ao invés, os pós-anarquistas argumentam que o anarquismo deve fundamentar-se em princípios filosóficos muito diferentes que correspondem às mudanças radicais no pensamento crítico e na teoria crítica, isto é, princípios retirados do pós-modernismo e o pós-estruturalismo.

Estas escolas são complicadas e muitas vezes contraditórias, mas alguns tópicos básicos podem ser extraídos delas. Um dos seus importantes argumentos é que a realidade material não pode ser conhecida. Em vez do conhecimento absoluto do mundo, temos apenas conhecimento parcial e interpretações partidárias do mundo. Ademais, toda a nossa experiência do mundo é partilhada com outros através da linguagem, sendo a linguagem uma coisa escorregadia. Logo, o pós-modernismo encoraja um profundo ceticismo em relação ao conhecimento e um forte relativismo que desafia a ideia de que a verdade imparcial seja possível. Como Michel Foucault colocou, «‘a verdade’ deve ser vista como um sistema de procedimentos ordenados para a produção, regulação, distribuição, circulação e operação de declarações», ao invés de uma correspondência entre o mundo real e as nossas percepções dele. Finalmente, o pós-modernismo e o pós-estruturalismo convidam ao que Jean-François Lyotard apelidou de “incredulidade face à metanarrativa,” querendo dizer que devemos rejeitar ideias abstratas que pretendam ser uma explicação abrangente da experiência ou do conhecimento históricos.

Nesta leitura, os anarquistas anteriores estavam errados ao afirmarem que havia uma realidade material subjacente à linguagem e que a ciência poderia dar verdadeiro conhecimento sobre o mundo. Estavam errados na sua suposição de que havia uma natureza humana fundamental ou essencial que a sociedade havia violado e que as sociedades anarquistas permitiriam que florescesse. Politicamente, anarquistas clássicos e modernos estavam equivocados na sua afirmação de que havia alguma conexão causal necessária entre posição econômica e ideologia. A ideia de que certos grupos, como a classe trabalhadora, poderiam ser identificados como elementos destacados no movimento anarquista ou como setores que teriam um interesse material no anarquismo, era elitista e excludente.

Há, contudo, algumas razões para ser prudente ao aceitar o pós-modernismo e o pós-estruturalismo como a base filosófica necessária e suficiente para o anarquismo. A primeira é o reconhecimento de que o pós-modernismo e o pós-estruturalismo não conduzem inevitavelmente ao anarquismo. Assim como uma leitura da Bíblia pode conduzir à teologia da libertação ou ao fascismo teológico da Opus Dei, ou o Das Kapital pode apontar para o socialismo libertário ou para o estalinismo, também o pós-modernismo e o pós-estruturalismo podem logicamente levar a praticamente qualquer posição política do espectro. Os argumentos a favor do relativismo e do fim da metanarrativa, a crença na indeterminação da verdade, e a ideia de que os factos não existem de nenhum modo significativo, podem ser postas ao serviço de qualquer credo político; e foram. Se tudo o que temos – como insiste o filósofo da história pós-moderno Keith Jenkins – são histórias sobre as quais não faz sentido sequer averiguar se são verdadeiras, então não há como distinguir entre quaisquer afirmações, isto é, distinguir entre afirmações válidas e inválidas. Assim, Richard J. Evens sugeriu que o pós-modernismo dá «uma licença a quem quer que queira suprimir, distorcer ou encobrir o passado», e deste modo não é nada claro que haja alguma razão particular para fundamentar o anarquismo no pensamento e nos princípios pós-modernistas.

Segundo, o anarquismo e os anarquistas não são menos suscetíveis de tendências, modas e manias do que qualquer outra ideologia ou grupo. Como resultado, diferentes gerações têm procurado anexar o anarquismo à filosofia crítica predominante, do hegelianismo ao cristianismo, da ciência evolucionista ao existencialismo, do budismo ao pós-modernismo. Se não há um caminho filosófico único para o anarquismo, então o anarquismo pode não precisar de uma base filosófica para os seus argumentos éticos e políticos. O facto de que cada uma das bases filosóficas para o anarquismo também serviu de base para praticamente todas as outras ideologias políticas sugere que elas não têm nenhuma conexão necessária com o anarquismo. Anexar o anarquismo ao pós-modernismo pode não ser tão útil ou necessário como pareça, pois o próprio pós-modernismo pode ser um reflexo das tendências, influências e forças contemporâneas, e não da posição filosófica universal e definitiva; pode ser tão transitório como qualquer outro momento filosófico.

Uma discussão do trabalho de Bakunin demonstra que muito do pensamento pós-modernista não é de todo uma coisa nova. Bakunin pode ser visto como um anti-pós-modernista prematuro, pois criticava posições muito similares mais de cem anos antes de serem codificadas e rotuladas como pós-modernismo.

Em 1842, Bakunin escreveu “A Reação na Alemanha”, a fonte da sua famosa frase «A paixão pela destruição é uma paixão criativa» [Volume 1, Seleção 10]. Noutra parte do artigo, ele nega os argumentos dos seus contemporâneos que, como os pós-modernistas hoje, privilegiavam a linguagem e não a realidade material e a experiência como principal foco de análise. Bakunin reconhecia que, é claro, era necessário desconstruir a linguagem, mas insistia que «a linguagem não era a realidade.» Era a realidade que dava forma à linguagem, e não a linguagem que dava forma à realidade. A Declaração dos Direitos do Homem, observa ele, deu, em teoria, igualdade política a todos. Mas esta linguagem ocultava a realidade à qual a classe operária estava «ainda condenada pelo seu nascimento, pelos seus laços com a pobreza e a ignorância, bem como, deveras, com a escravidão real.»

Implícita nesta visão está a suposição de que podemos saber algo sobre o mundo real, que há factos que existem fora das nossas percepções, crenças e linguagem. Enquanto algumas expressões de verdade podem ser falsas e outras claramente postas ao serviço de posições partidárias, e embora o nosso conhecimento seja sempre imperfeito, ainda assim Bakunin insiste que podemos conhecer algumas coisas. Hoje, pós-modernistas como Keith Jenkins argumentam que não podemos saber nada sobre o passado, e os historiadores pós-modernos, Ellen Somekawa e Elizabeth Smith, argumentaram que a evidência empírica «não pode demonstrar a superioridade de uma interpretação ou tipo de história relativamente a outra.»

O argumento pós-modernista mais comum é o de que, embora possamos conhecer alguns factos, estes na sua maioria não explicam em si mesmos o mundo. Este é um argumento pelo qual Bakunin tinha muita simpatia, já que ele não era um empirista grosseiro que achasse que os fatos por si só revelariam a verdade. Em primeiro lugar, ele, juntamente com os pós-modernistas, entendia que as nossas interpretações eram frequentemente informadas não apenas por factos, mas por circunstâncias. “Todos nós”, escreveu Bakunin, “somos formados sob a influência da sociedade em que nascemos. Mas cada nação, cada estado tem as suas crenças populares, as suas limitações particulares, dependendo em parte do seu caráter individual, o seu desenvolvimento histórico e a sua relação com a história da humanidade”. Somos formados pela sociedade e podemos obter apenas um conhecimento parcial e subjetivo, e os próprios factos não são tão auto-evidentes e significativos como insistem os empiristas.

Ademais, Bakunin observou que, embora os factos possam ser conhecidos, eles não constituem em si mesmos uma maneira de entender o mundo. A história reduzida a uma simples busca por factos, escreveu Bakunin, está «reduzida à obra morta da memória, cujo dever está contido apenas na preservação de factos contingentes e singulares». O que Bakunin chamou de “apenas o jogo vazio da contingência» «nada realiza e nada mais é do que fantásticos flashes, baseados em nada e nada comprovando.» Nisto, ele parece alinhar-se com pós-modernistas como Jenkins, que insistem que não há sentido para a história, pois ela é em grande medida incognoscível, contingente e acidental. «Se a história for», escreveu Bakunin, «na verdade, nada mais do que uma sucessão sem sentido de acidentes, não pode ser de interesse para a humanidade, não pode ser objeto do nosso conhecimento nem pode ser-nos útil.»

Bakunin rejeitou a sugestão de que não podemos saber nada do passado. Existem factos, argumentou ele, e estes podem ser conhecidos, ainda que apenas parcial e incompletamente. A história tem significado, mas não a partir do acúmulo dos chamados factos objetivos. O conhecimento autêntico, argumentou ele, não está na coleção de «factos secos», mas «em encontrar o necessário vínculo interno dos fatos.» Isso requer interpretação e teoria. A chave para entender o passado não é rejeitar as reivindicações dos empiristas, por um lado, e por outro as de quem ele chamou os teóricos, a quem poderíamos nós chamar pós-modernistas. É necessário entender que os dois lados distorceram essencialmente o argumento, separados pelo que ele caracterizou como »abstração e extremismo.» Enquanto as pessoas podem alinhar-se a um lado ou a outro, e enquanto o debate pode inclinar-se primeiro para um lado e depois o outro, ambos os lados precisam um do outro, pois «não há teórico que não seja um empirista, assim como não há empirista que não seja um teórico.» Assim como empiristas como von Ranke oferecem interpretações, também historiadores pós-modernistas usam notas de rodapé. Assim, Bakunin argumenta que podemos ter um conhecimento real do mundo e do passado por meio do estudo empírico combinado com a análise teórica.

A solução de Bakunin para este debate, na minha expetativa, não vai satisfazer ninguém, muito porque a diversão reside no próprio debate, não em resolvê-lo. Em particular, os pós-anarquistas podem rejeitar a posição de Bakunin de que podemos entender e encontrar um sentido para o passado considerando-o um argumento causal teleológico, baseado na crença de que a história tem um propósito. Isto é, continua o argumento, uma noção metafísica de leis do movimento histórico que nos permitam discernir – ou inventar e impor – um esquema de um desenvolvimento histórico desenrolando-se. O próprio Bakunin argumentou contra as explicações teleológicas, recusando-se a aceitar a «subjugação de indivíduos vivos a abstrações gerais», fossem elas a vontade de Deus, o desenvolvimento whiggista das instituições, o triunfo do capitalismo, ou as formas mais grosseiras de materialismo histórico oferecidas não por Marx, mas por alguns marxistas. Toda essa fé na metafísica, retumbou ele, é «fatal para a minha razão, para a minha liberdade… transformar-me-ia imediatamente num estúpido escravo, um instrumento da vontade e interesses alheios» [Volume 1, Seleção 24].

Mas há uma vasta diferença entre a teleologia e o nosso entendimento de um sistema que tem uma tendência persistente para tomar um certo estado ou direção. Há uma vasta diferença entre a crença de que a história está a progredir numa direção particular inevitável e a compreensão de que o presente foi causado por pessoas, forças e tendências sobre as quais podemos conhecer alguma coisa. Enquanto Bakunin rejeitava a teleologia, ele também rejeitava a ideia de que a história fosse apenas contingência e acidente. E para ele, um dos factos cruciais da história era a exploração econômica. A busca por liberdade política abstrata e igualdade política adotada por filósofos e liberais do seu tempo pouco contribuiu para melhorar a vida do «povo, a classe pobre, que sem dúvida constitui a maior parte da humanidade.» A exploração, não a filosofia, forneceu a chave para entender o mundo e para a ação política; era o facto subjacente que a interpretação tinha que reconhecer.

Em «A Reação da Alemanha», ele argumentou que «o trabalho é o único produtor de riqueza.» Além disso, o trabalho é a «base fundamental da dignidade e dos direitos humanos, pois é só por meio do seu trabalho livre e inteligente que a humanidade se torna criadora (…) e cria o mundo da civilização.» Mas o trabalho em sociedades capitalistas e feudais significava algo muito diferente para a maioria das pessoas, para quem o trabalho estava reduzido a «tarefas puramente mecânicas, não diferentes das duma besta de carga.» A maior parte do trabalho, observou ele, foi projetado «mais para amortecer do que para desenvolver a sua inteligência natural.» Enquanto isso, viver do trabalho alheio, conclui Bakunin, era ser «um parasita, um explorador e um ladrão.» Nas palavras de Bakunin, «ser escravo é ser forçado a trabalhar para outrem; ser amo é viver do trabalho de outrem.»

De particular importância é a insistência de Bakunin de que a divisão da humanidade em classes é sistêmica. A divisão entre aqueles que possuem capital e terra e as «classes trabalhadoras sem capital nem terra» é reproduzida e auto-sustentada ao longo do tempo; não é acidental nem contingente. Além disso, esta luta entre «cidadãos e assalariados, isto é, aqueles que são obrigados a trabalhar, não pela lei, mas pela realidade – esse é o antagonismo do mundo moderno.»

Esta insistência na classe é importante por vários motivos. Primeiro, tira a política das discussões abstratas sobre a “justiça” para ancorá–la na experiência. Segundo, demonstra que “o povo” não é uma noção unificada, pois os interesses materiais – de classe – dividem as pessoas. Quaisquer que sejam os outros problemas que possam unir as pessoas, a classe continua a ser uma linha de falha crítica. Por fim, o argumento sobre as classes sugere que, embora seja importante enfocar questões locais, questões de identidade ou reformas, nenhuma destas toca na questão basilar, a exploração, que afeta a vasta maioria da humanidade. Falar de classe, portanto, é mais do que uma questão de determinar um “agente histórico” metafísico; trata-se de encarar a política como enraizada na exploração, ela própria enraizada na estrutura de classes.

Bakunin concentra a nossa atenção nas estruturas históricas do capital e do Estado e apresenta uma crítica sistêmica que ainda hoje é útil, porque a sua natureza fundamental não mudou muito desde a sua época. E essa é talvez a principal objeção ao pós-anarquismo: a sua tendência, de modo algum universal, mas certamente influente, de minimizar a luta de classes em benefício de políticas voltadas principalmente para o Estado e a emancipação individual.

Vemos isso especialmente naqueles pós-anarquistas que olham não para Bakunin, mas para Max Stirner e Pierre-Joseph Proudhon, vendo no seu individualismo e rejeição da classe uma política mais alinhada com o pensamento pós-modernista. Contudo, como Rita Felski coloca em Doing Time: Feminist Theory and Postmodern Culture, «a classe é essencialmente, e não contingentemente, um conceito hierárquico.»

Não é, talvez, surpreendente que os intelectuais tendam a não enfatizar a exploração de classe; pela sua própria posição social, eles estão um pouco removidos dos antagonismos de classe. Têm um pouco de propriedade, algum controle sobre o seu trabalho e todas as ferramentas necessárias para ter considerável influência nas batalhas que podem ser travadas no âmbito da política. É por isso que Bakunin criticava os intelectuais. A educação era uma das vias pelas quais o sistema se reproduzia e confirmava algumas pessoas como uma classe com acesso a todas as coisas boas da vida, e a maioria como uma classe que labutava para lhas proporcionar.

Isto contraria muito do que ouvimos hoje: é suposto a educação derrubar os muros das classes, não reforçá-los. Dizem-nos ainda que a educação, a formação e a atualização de competências são a chave para sobreviver às mudanças na economia, que educação é sinônimo de riqueza. Mas a pobreza é sistêmica e é baseada na exploração, não na ignorância. Assim, hoje, não menos do que no tempo de Bakunin, muitas vezes «um trabalhador muito inteligente deve permanecer em silêncio enquanto um estudioso estúpido leva a melhor sobre ele, não porque este último tenha algum juízo, mas por causa da educação negada ao trabalhador.»

A educação, segundo Bakunin, é ela própria uma forma de capital, e se todas as outras divisões na sociedade fossem eliminadas, excepto a educação, a humanidade logo seria dividida em «um grande número de escravos e um pequeno número de governantes, o primeiro trabalhando para o segundo.» [Volume Um, Seleção 64]. É por isso, sugere ele, que os privilegiados só pedem «alguma educação do povo», mas restringem a «educação total» para si mesmos. O resultado líquido é «dividir o mundo em uma pequena minoria governante, excessivamente rica e instruída, e uma grande maioria de proletários miseráveis, ignorantes e escravizados.» Além disso, apontou ele, muito do que se chama educação foi projetado para permitir aos ricos melhor oprimirem os trabalhadores. A «ciência do governo, a ciência da administração e a ciência das finanças», escreveu ele, são «a ciência de espoliar as pessoas sem que elas se queixem demasiado e, quando começam a reclamar, são a ciência de impor-lhes o silêncio, a tolerância e a obediência pela violência cientificamente organizada; a ciência de enganar e dividir as massas de pessoas, de mantê-las eternamente e vantajosamente ignorantes.»

A solução de Bakunin ajusta-se aos dias de hoje: «Melhorar as condições de trabalho, devolver ao trabalho o que a justiça exige que se lhe devolva, e assim dar às pessoas segurança, abundância e lazer. Então não tenhais dúvidas, eles educar-se-ão. Eles deixarão de lado todos os vossos catecismos e criarão uma civilização mais generosa, sã e elevada do que a vossa.» Isto é um convite para reconhecer a importância fundamental da classe, e é um convite que é muitas vezes ignorado.

Isto não quer dizer que as batalhas fora das classes não sejam importantes. Não é, por exemplo, suficiente para rejeitar as lutas por igualdade sexual e de gênero, igualdade racial, etc., como meras “políticas de identidade”. Ainda assim, é certamente um erro minimizar a exploração de classe. Afinal, ainda que o nosso mundo contemporâneo possa ser “pós” muitas coisas, certamente não é pós-capitalista. Mesmo no chamado “mundo industrializado”, os salários reais encolheram, o dia de trabalho ficou mais longo, a segurança, a abundância e o lazer dos trabalhadores pioraram. Se lhes chamamos escravos ou servos, ou trabalhadores ou uma força de trabalho, ou, como o faz o CEO da Starbucks, “parceiros”, pouca diferença faz enquanto as pessoas forem forçadas a trabalhar pela «fome e também pelas instituições políticas e sociais» enquanto o seu trabalho possibilita «a completa ou relativa ociosidade de outros.»

A minha sugestão aqui não é que o pós-anarquismo não tenha mérito ou que nos deveríamos perguntar “o que faria Bakunin?” quando confrontados com escolhas filosóficas, políticas e éticas. Afirmo, contudo, que as relações sociais fundamentais que no tempo de Bakunin se desenvolviam eram reais, refletiam interesses materiais, e não mudaram muito. Portanto, muito da sua crítica da filosofia, do capital e do estado ainda é aplicável e útil hoje em dia. A sua contribuição mais importante foi entender que a liberdade política e a igualdade econômica não são opostas entre si; são essenciais uma à outra. Ele resumiu bem em 1867: «Liberdade sem socialismo é privilégio e injustiça; socialismo sem liberdade é escravidão e brutalidade.»

O pensamento pós-anarquista usa argumentos filosóficos muito sofisticados e elegantes, embora não novos, para sugerir que a filosofia pós-modernista é a base para justificar o anarquismo. Na medida em que isso minimiza a exploração de classe, o pós-anarquismo pode assemelhar-se mais ao liberalismo do que ao anarquismo. O problema com o liberalismo é que a sua visão de liberdade política deixa os grilhões de classe intactos, quaisquer que sejam as melhorias que possam ser feitas para outros grupos da sociedade. A ironia é que, assim que os ativistas colocaram o anarquismo na agenda de maneiras novas e entusiasmantes, os filósofos ameaçam torná-lo irrelevante. Uma vez que isto não é um problema novo ou pós-moderno, as tentativas de Bakunin de pensar sobre estes problemas ainda podem ser de alguma utilidade quando o anarquismo entra no século XXI.