#title A União Soviética: Um Regime de Desevolvimento Capitalista #author Matthew Crossin #date 13 de Abril 2023 #source [[https://anarchistworker.substack.com/p/the-soviet-union][anarchistworker.substack.com]] #lang pt #pubdate 2025-06-10T11:44:21 #topics capitalismo de Estado, burocracia soviética, desenvolvimentismo econômico, Partido-Estado, Mais-valia, Gestão Centralizada, Marxismo #notes Titulo Original: The Soviet Union: A Regime of Capitalist Development. Tradução e Revisão por André Tunes @Centro de Análises Sistêmicas Anarco Comunista. Ela não possui direitos autorais pode e deve ser reproduzida no todo ou em parte, além de ser liberada a sua distribuição, preservando seu conteúdo e o nome do autor. * Teorias Inadequadas do Capitalismo de Estado Para a maioria dos anarquistas, a resposta para “o que foi a URSS?” é simples: foi “capitalista de Estado”. Uma classe de trabalhadores assalariados claramente continuou excluída do controle social consciente sobre os meios de produção. Enquanto isso, a burocracia soviética constituiu um novo conjunto de chefes, que (em muitos casos) até chamaram os antigos gerentes de empresas para extrair o máximo de trabalho produtivo possível da força de trabalho[1]. Essa é uma posição inicial melhor do que a maioria quando se trata de entender a realidade do sistema produzido pela Revolução Russa. De forma crucial – ao contrário de algumas outras estruturas críticas – a tese do capitalismo de Estado reconhece claramente o fato óbvio de que a União Soviética de maneira nenhuma foi socialista. Infelizmente, os anarquistas geralmente não apresentaram a argumentação do capitalismo de Estado de forma sistemática. A maioria dos defensores da tese evita lidar com as complexidades da economia política da União Soviética, especialmente onde parecem existir diferenças significativas com o capitalismo tal como se apresentou no Ocidente. Tipicamente, investigações mais rigorosas foram deixadas para marxistas heterodoxos (e politicamente libertários). Lenin, por si mesmo, chamou o sistema inicial soviético de “capitalismo de Estado” e justificou repetidamente o desenvolvimento do capitalismo de Estado como um avanço em direção ao socialismo[2]. No entanto, outros marxistas levariam muito mais tempo para adotar o termo como parte de uma teoria explicativa crítica. Além disso, com poucas exceções notáveis, eles também tendiam a adotar a visão de Lenin de que o capitalismo de Estado era uma forma avançada e progressiva de produção capitalista, servindo apenas como base para a transição para o socialismo[3]. A crítica à União Soviética como uma forma de sociedade de classes deve ir além da observação relativamente óbvia de que tanto uma classe trabalhadora quanto uma classe dominante continuaram a existir. Uma versão mais nuançada da teoria do capitalismo de Estado é aquela que se baseia no trabalho de Amadeo Bordiga e no Coletivo Aufheben, reconhecendo a União Soviética como um regime de desenvolvimento capitalista. Em outras palavras, devemos reconhecer que – longe de ser uma forma avançada de capitalismo lutando para fazer a transição para o socialismo – a URSS era um sistema lutando para fazer a transição para um capitalismo totalmente desenvolvido. A conquista do regime bolchevique foi integrar o movimento socialista em um projeto estatal de desenvolvimentismo econômico; transformando a Rússia de uma sociedade camponesa amplamente subdesenvolvida para uma sociedade capitalista, em condições únicas moldadas por uma população radicalizada lutando para derrubar a própria sociedade de classes. * Acumulação original (chamada de “primitiva”) A versão soviética da acumulação primitiva foi moldada pelas condições únicas apresentadas pela Revolução Russa. No caso russo, a empreitada foi supervisionada por um regime Partido-Estado que se apegava a uma concepção marxista de estágios historicamente necessários de desenvolvimento econômico. Os bolcheviques também haviam assumido o poder no contexto sem precedentes de uma revolução massiva de trabalhadores e camponeses, o que exigiu várias reformas conciliatórias que poderiam, ao menos parcialmente, satisfazer as aspirações socialistas das massas. Apesar dos avanços da nova ordem soviética (particularmente no nível do salário social), a destruição dos sovietes democráticos, dos comitês de fábrica e de outros órgãos de controle operário-camponês esvaziou a Revolução Russa de seu conteúdo socialista. Em 1918, essas novas formas revolucionárias foram suplantadas pelo regime de Partido-Estado, pela gestão unipessoal e pelos métodos tayloristas de “gestão científica”[4]. Mas foi sob Stalin que a União Soviética implementou políticas que seriam mais cruciais para o desenvolvimento de um modo de produção capitalista. O que ocorreu na Rússia durante aquele período sangrento é comparável ao processo de acumulação primitiva, tal como ocorreu na Europa Ocidental e na América (onde, apesar das ilusões da economia política burguesa, o Estado também desempenhou um papel significativo)[5]. A política conhecida como “coletivização”, combinada com um projeto de rápida industrialização, replicou o processo violento e desagregador de cercamento capitalista. O controle sobre a produção agrícola e sua subsequente modernização foi assegurado por meio de requisições violentas e da transferência de propriedade para o Estado. Camponeses empobrecidos e famintos foram levados para os crescentes centros urbanos da URSS e para trabalhar nos setores industriais em expansão. O nível aparentemente único de violência que acompanhou a industrialização soviética pode, até certo ponto, ser explicado pelo fato de que condensou, de forma implacável, em apenas algumas décadas, o que havia ocorrido em outros lugares ao longo de várias gerações[6]. O resultado final foi o mesmo que no Ocidente. A União Soviética forjou um proletariado industrial sem propriedade, sem controle consciente sobre a produção, e que agora estava sujeito ao trabalho assalariado, sob o comando daqueles que enfrentavam como “personificações do capital”: gerentes de empresas e funcionários do governo. O fato de que os trabalhadores soviéticos não tinham controle sobre os meios de produção, enquanto um grupo privilegiado pagador de salários tinha, é obviamente importante. E também é extremamente fácil de demonstrar. Mas se queremos ser sérios ao descobrir o que a União Soviética realmente foi, isso exige um estudo mais rigoroso sobre como as categorias capitalistas se aplicam ou não. Se a acumulação primitiva se aplica, o que dizer das categorias de propriedade e mais-valia? Produção de mercadorias e lucro? Classe e sua reprodução? Esses são os tipos de formas que devemos agora considerar. * As Relações de Produção Na União Soviética, a propriedade era juridicamente detida pelo Estado. Isso é frequentemente considerado como um caso encerrado sobre por que as relações de produção dentro das empresas soviéticas não podem ser comparadas às de um país capitalista típico. No entanto, ao olharmos para Marx, descobrimos que ele enfatiza repetidamente a necessidade de entender o capitalismo como um conjunto de relações sociais e que os ‘capitalistas’ são simplesmente a personificação do capital, ou das dinâmicas da produção capitalista. Nos nossos próprios países capitalistas desenvolvidos, frequentemente encontramos chefes e gerentes que não possuem literalmente seus meios de produção. Eles são, no entanto, claramente membros da classe dominante capitalista. Nos termos de Marx, esses são ‘capitalistas funcionais’, ou “funcionários do capital”; um conceito melhor delineado no Volume III de O Capital. Marx distingue o chamado ‘trabalho’ de supervisionar o processo de trabalho – de extrair mais-valia – como fundamentalmente diferente do trabalho da classe trabalhadora, que produz mais-valia. Isso quer dizer que, com o proprietário do capital “deslocado para fora do processo real de exploração”, a renda do capitalista funcional aparece apenas como os “salários de gestão” ou administração. Apesar de sua posição estrutural dentro das relações de produção, o funcionário do capital – o supervisor e diretor legal do processo de trabalho – vem a acreditar, …que seu lucro de empreendimento – muito distante de formar qualquer antítese com o trabalho assalariado e sendo apenas o trabalho não remunerado de outros – é, na verdade, ele próprio um salário, “salários de supervisão do trabalho”, um salário mais alto do que o do trabalhador assalariado comum, (1) porque é trabalho complexo e (2) porque ele mesmo paga os salários. Que sua função como capitalista consiste em produzir mais-valia, ou seja, trabalho não remunerado, e nas condições mais econômicas possíveis, é completamente esquecido…[7] E assim é com o gerente de empresa soviético ou o funcionário do governo. Para eles, o “proprietário” dos meios de produção é o Estado – uma ficção jurídica conveniente que “desloca o proprietário do capital ‘para fora’ do processo real de exploração”; neste caso, para o reino da abstração legal. As relações sociais de controle – e os fins aos quais o controle da produção foi direcionado – tornaram-se obscuras no sistema soviético. Como Marx, no entanto, devemos olhar além dessa ofuscação e considerar esses indivíduos como personificações. Na União Soviética, os burocratas do partido e os gerentes de empresas eram funcionários de um sistema de classes subjacente, onde as relações de propriedade eram as de uma classe despossuída, compelida a trabalhar sob, e para, uma classe possuidora de fato. * Planejamento, Lucro e Mercado A produção na União Soviética era dirigida por uma classe de funcionários do Partido e gerentes de empresas. Mas com que finalidade eles direcionavam a produção? O que seus planos buscavam produzir e quais forças subjacentes impulsionavam essas escolhas? Como em todas as sociedades de classes, a principal preocupação da classe dominante era sua própria reprodução, ou seja, a reprodução do Estado e o controle sobre os meios de produção. Isso incluía os salários relativamente altos dos gerentes de empresas, funcionários do Partido e oficiais militares. A reprodução do Estado – o proprietário jurídico da propriedade – e o pagamento de seus funcionários privilegiados eram financiados pelo orçamento estatal, cuja principal fonte era o imposto sobre o volume de negócios das empresas, especialmente aquelas que vendiam bens de consumo[8]. Para garantir sua própria posição, o novo governo soviético pressionou urgentemente para tornar o país economicamente e militarmente competitivo – não apenas em relação ao capitalismo ocidental, mas também, eventualmente, a outros chamados estados ‘socialistas’[9]. Grande ênfase foi dada ao desenvolvimento de novos ou aprimorados meios de produção – valores de uso – que poderiam então ser ‘alocados’ na economia (ainda que por meio de um processo altamente regulado de ‘compra e venda’ entre as empresas)[10]. Mas os planos de produção também foram concebidos para gerar mercadorias, que possuíam o duplo caráter de valor: tanto de uso quanto de troca. As empresas soviéticas produziam bens para serem vendidos, seja como itens de consumo para os trabalhadores, seja no mercado mundial competitivo em troca de moeda forte, ou seja, capital. Esse capital poderia então ser usado para importar matérias-primas e meios de produção adicionais, renovando assim o ciclo em uma escala ampliada. Para os planejadores soviéticos, outro impulso para esse projeto de modernização acelerada vinha do dogma marxista ortodoxo, que via o capitalismo como uma etapa necessária no desenvolvimento histórico. O desenvolvimento das forças produtivas e a maximização da produção (produção pela produção) eram amplamente entendidos como pré-condições para o surgimento do socialismo[11]. Alguns marxistas aceitam a noção de que as pressões impostas à União Soviética pela competição militar impuseram uma lógica capitalista à burocracia dominante e à sua relação com a classe trabalhadora[12]. No entanto, a realidade da produção de mercadorias dentro do próprio país (para fins não militares) também é um ponto importante a ser enfatizado. Neil Fernandez destaca essa questão em Capitalism and Class Struggle in the USSR: A Marxist Theory (1997): … é prontamente evidente que havia muitos e muitos bens que a grande maioria da população só podia obter em troca de rublos e kopeks. É bem conhecido, claro, que as pessoas usavam vários tipos de conexões e redes de informação para descobrir quando e onde certos bens estariam disponíveis, garantir um lugar na fila ou furar a fila, e organizar trocas diretas; mas é praticamente inquestionável que, se um trabalhador recebia notas de rublo em seu pagamento e tinha que gastar parte delas diariamente para obter pão, então esse pão assumia a forma de uma mercadoria. Isso seria verdade independentemente dos efeitos que os subsídios estatais poderiam ter sobre seu preço ou da escassez de substitutos potenciais na demanda. Declarações semelhantes podem ser feitas em relação a outros bens e serviços, de maçãs e poltronas a brinquedos e bilhetes de trem. Também é bem conhecido que itens de consumo, como as contas de aquecimento doméstico, eram consideravelmente mais baratos, em relação a, por exemplo, carros, do que em um país como o Reino Unido; mas isso também não é uma questão relevante quando tentamos focar na forma geral da relação social de consumo… O fato é que, mesmo quando os bens eram racionados, os proletários ou pagavam em dinheiro ou ficavam sem. Assim, não é seriamente questionável que a relação básica era de compra e venda. Alguns, incluindo muitos viajantes ocidentais ricos que visitavam a URSS, podem ter percebido os rublos como “inúteis”, mas essa não era a realidade vivida pela classe trabalhadora soviética. A disponibilidade restrita de alguns bens de consumo comuns no Ocidente, mesmo para proletários que haviam economizado rublos suficientes, não é o ponto; tampouco são as lojas especiais para a elite. O ponto é que, na esmagadora maioria dos casos, os bens passavam do varejista para o consumidor apenas sob a condição de que rublos passassem do consumidor para o varejista; e de forma alguma essa condição era uma mera formalidade[13]. Aceitando essa análise, vemos que as formas de mercadoria, dinheiro, troca e acumulação de capital podem ser observadas na produção soviética, sem qualquer referência ao desenvolvimento de uma competição militar. Se aceitarmos que tais categorias se aplicam, então deve ser reconhecido que a União Soviética replicou elementos chaves do modo de produção capitalista (e que isso pode ser demonstrado até mesmo através da estrutura crítica de Marx). Para alguns, no entanto, o lucro é a única categoria realmente relevante. Então, qual a importância, se é que houve alguma, atribuída à rentabilidade? É relativamente incontestável observar que a rentabilidade foi um fator motivador da produção durante o período da Nova Política Econômica (NEP). Também havia, como é bem sabido, um extenso mercado negro baseado na produção para o lucro. Esses aspectos serão deixados de lado para tratar da questão mais interessante e complicada sobre se o lucro foi uma parte importante da economia formal no período pós-NEP. As evidências sugerem que, embora o lucro nem sempre fosse o objetivo imediato de cada empresa individual, ou mesmo esperado em determinadas indústrias subsidiadas (que operavam com “perda planejada”), ele inevitavelmente permanecia uma categoria inevitável dentro da produção soviética. Escrevendo em 1942, Raya Dunayevskaya destacou o papel do imposto sobre o faturamento ao estabelecer a relação entre a produção de mercadorias, os preços e o lucro: Ao contrário do imposto sobre vendas usual, que é uma porcentagem fixa do preço base da mercadoria, o imposto sobre o faturamento é uma porcentagem fixa do valor total de vendas da mercadoria, incluindo o valor do imposto. Isso significa que, enquanto um imposto sobre vendas de 90% eleva o preço da mercadoria em 90%, um imposto sobre o faturamento de 90% aumenta o preço de venda dez vezes[14]. Ela então continua: Os preços das mercadorias, como vimos na seção sobre o imposto sobre o faturamento, estão fixados consideravelmente acima do custo de produção, e o custo de produção é medido pelo custo da força de trabalho e das matérias-primas, além da depreciação do capital fixo, o que inclui as cobranças de amortização. O lucro planejado também está incluído como parte do “custo de produção”. Cada empreendimento individual tem considerável discrição na forma de executar o plano. Por exemplo, a gestão pode gerar lucros acima dos “planejados” para ela, economizando no custo da mão de obra[15]. Tudo isso ocorre dentro da estrutura do “controle de rublos” estabelecido pela legislação de crédito e bancária: [A partir de 1930] as empresas deveriam ser conduzidas com base nos princípios da contabilidade de custos, como em qualquer economia monetária. Um capital de giro era fornecido a elas e deveriam funcionar sem assistência de crédito bancário. Quando o crédito era necessário, ele era concedido apenas àqueles cuja capacidade de crédito era boa. Assim, criou-se um incentivo para “lutar pelo lucro”, e um controle foi estabelecido sobre as empresas industriais e comerciais pelos bancos, que se certificaram de que o slogan “lutar pelo lucro” fosse cumprido — com a ameaça de declarar a empresa “falida” e tirá-la das mãos da administração[16]. Os economistas soviéticos também reconheceram o papel do lucro dentro do sistema. Por exemplo, o livro de Adam Buick e John Crump, State Capitalism: The Wages System Under New Management (1986), cita o economista soviético Nikolaĭ Dmitrievich Kolesov sobre a expectativa de lucratividade: Operando de acordo com o plano estatal, a empresa (ou aglomeração de empresas) deve cobrir todas as despesas com sua própria receita, ou seja, com lucros provenientes da produção e venda de seus produtos[17]. De fato, muitos economistas na URSS argumentariam que a lucratividade era um componente inevitável do modelo soviético, e que isso necessariamente implicava a consideração do mercado mundial, no qual estava integrado. Esses economistas reconheceram que esforços para marginalizar o imperativo da lucratividade introduziam distorções sérias na produção soviética, à medida que tentava ignorar a lei do valor como medida efetiva de eficiência dentro de um quadro capitalista. Dunayevskaya descreveu esse fenômeno com grande clareza: [O valor do capital] pode não se depreciar completamente nos livros dos burocratas. No entanto, dado que o valor real do produto não pode ser maior que o valor da planta correspondente no mercado mundial, no momento em que o trator Ford foi colocado ao lado do trator Stalingrado, o estado teve que reduzir o preço da sua própria marca. Isso aconteceu em 1931, quando a Rússia, enquanto importava 90% da produção mundial de tratores, vendia os seus abaixo do custo… não importa quais valores possam aparecer nos livros, os meios de produção, no processo de produção, revelam seu verdadeiro valor em sua relação com o trabalhador… se uma máquina obsoleta não foi destruída, mas continuou sendo usada na produção, o trabalhador sofre mais, já que o senhor da produção ainda espera que ele produza artigos dentro do tempo socialmente necessário de trabalho estabelecido pelo mercado mundial… o planejamento é governado pela necessidade de pagar ao trabalhador o mínimo necessário para sua existência e de extrair dele o máximo de mais-valia para manter o sistema produtivo o mais possível dentro das leis sem lei do mercado mundial, regido pela lei do valor… Assim, tem sido absolutamente impossível para a Stalin, Inc. orientar o sistema produtivo sem estagnações repentinas e crises devido à constante necessidade de ajustar os componentes individuais do capital total entre si e ao mercado mundial[18]. Em outras palavras, a União Soviética estava tentando desenvolver um sistema capitalista enquanto mantinha obstáculos que tornavam o processo defeituoso e insustentável. Uma das principais figuras reformistas que tentava resolver essa contradição foi o professor Evsei Liberman, que, no início dos anos 1960, se juntou ao grupo de economistas soviéticos que insistiam na ampliação do papel do lucro como essencial para sustentar o modelo soviético. As contribuições de Liberman para o debate foram bem-sucedidas em influenciar as reformas de 1965, que deram muito mais ênfase à lucratividade como um “indicador de sucesso” para as empresas, sendo, assim, o meio de alocar recursos. No entanto, as reformas de 1965 não devem ser vistas como uma transformação fundamental na economia política da URSS. Em 1958, o ensaio de Alec Nove The Problem of “Success Indicators” in Soviet Industry argumentava que – embora ainda não fosse o “indicador de sucesso” principal no nível das empresas – o lucro ainda era um elemento importante na produção soviética: As empresas são incentivadas a obter lucros na URSS e a derivar vantagens materiais disso. Uma parte do lucro planejado, e uma proporção muito maior de qualquer lucro acima do plano, é usada para criar o chamado “fundo da empresa”, anteriormente conhecido como fundo do diretor. Parte desse dinheiro pode ser dedicada à expansão da capacidade produtiva além do plano de investimento autorizado, parte para moradia e comodidades, e parte para o pagamento de bônus. Assim, existe um interesse em aumentar o lucro. Os gerentes também estão interessados em evitar perdas, uma vez que estas podem levar a dificuldades com o Banco do Estado e atrair a indesejada atenção dos inspetores de várias agências de supervisão[19]. Nove estava correto ao fazer a ressalva com a observação crucial de que muitas empresas soviéticas operavam conscientemente e de forma contínua com prejuízo — e com a aprovação do Estado. No entanto, como Dunayevskaya observou, essas indústrias eram subsidiadas pelas finanças do Estado. Subsidiar ramos de produção não lucrativos, é claro, não é algo novo. Sob o capitalismo ocidental, sempre existiram setores não lucrativos cuja manutenção de operações depende de subsídios, sejam eles fornecidos pelo Estado ou resultantes de corporações que compensam perdas em uma área com os lucros de outra. Na União Soviética, a receita era transferida principalmente entre as empresas por meio do imposto sobre o faturamento. A alocação subsequente de recursos, portanto, não precisava ser retirada de uma empresa individual, mas sim do excedente nacional total. Em sua obra de 1947, The Nature of the Russian Economy, Dunayevskaya novamente dá grande ênfase ao imposto sobre o faturamento como um instrumento de lucro e circulação de capital: O lucro, além disso, não tem o mesmo significado na Rússia que no capitalismo clássico. As indústrias leves apresentam maior lucro não devido à maior produtividade do trabalho, mas por causa do imposto sobre o faturamento imposto pelo Estado, que dá um “lucro” inteiramente fictício àquela indústria. Na realidade, ele é apenas o meio através do qual o Estado, não a indústria, retira qualquer coisa “extra” que deu ao trabalhador por meio dos salários… Precisamente porque as palavras lucro e perda assumiram um significado diferente, os agentes individuais de capital não vão para as empresas mais “lucrativas”, assim como o capital em si não o faz. Pela mesma razão pela qual o oposto era característico do capitalismo clássico: A parte do agente individual no valor excedente é maior na indústria pesada. O salário do diretor de um truste de um bilhão de dólares depende, não de o truste apresentar lucro ou não, mas basicamente da magnitude do capital que ele administra. O capitalismo estatal traz uma mudança no modo de apropriação, como ocorreu tantas vezes na vida do capitalismo, através de seus estágios competitivo, monopolista e de monopólio estatal. O agente individual de capital em nenhum momento realizou diretamente o valor excedente extraído em sua fábrica particular. Ele participou da distribuição do valor excedente nacional, na medida em que seu capital individual conseguiu exercer pressão sobre esse capital agregado. Essa pressão na Rússia é exercida, não através da competição, mas do planejamento estatal. Mas essa luta ou acordo entre capitalistas, ou agentes do Estado, se preferir, não é de interesse para o proletariado, cujo suor e sangue foram transformados nesse valor excedente nacional. O que o interessa é sua relação com aquele que exerce a “função” de chefe[20]. Como resultado, ainda estamos lidando com a extração do valor excedente: o trabalho é imposto além do necessário para reproduzir a própria força de trabalho dos trabalhadores, assumindo a forma de “tempo de trabalho não remunerado” no processo de produção de mercadorias, permitindo assim o crescimento cíclico e a expansão do capital[21]. Assim como no capitalismo desenvolvido do Ocidente, a União Soviética alcançou isso através da exploração de uma classe trabalhadora despojada e assalariada por uma classe dominante com controle sobre os meios de produção[22]. * Trabalho como Mercadoria: O Mercado de Trabalho Soviético É frequentemente afirmado com confiança que nada semelhante a um mercado de trabalho, ou o trabalho como mercadoria, existia na União Soviética. No entanto, ao consultar vários estudos, encontramos evidências substanciais em contrário. Considere, por exemplo, o seguinte de Buick e Crump: ...as empresas sempre mantiveram um grau de independência e certa margem de manobra. Isso foi mais evidente na esfera do ajuste de salários e condições de trabalho. A competição entre empresas pela força de trabalho (especialmente por categorias qualificadas) sempre foi evidente, e nenhuma quantidade de burocracia conseguiu eliminá-la. Embora restrições draconianas à mobilidade trabalhista tenham sido impostas em certos períodos, elas sempre se mostraram inaplicáveis a longo prazo... As tensões sociais contraproducentes acumuladas devido a essas restrições ficaram claras quando, em 1956, 38% dos assalariados industriais trocaram de emprego... a contratação efetiva de diferentes categorias de trabalhadores ainda é responsabilidade das empresas. Como as empresas estão sob enorme pressão do Estado para produzir de acordo com o plano econômico, elas precisam de trabalhadores adequados para cumprir suas metas de produção — mesmo que isso signifique burlar regras e agir ilegalmente... a maioria das empresas possui quadros de aviso em seus portões, onde não apenas anunciam vagas, mas atraem profissionais qualificados com detalhes sobre moradia, benefícios sociais e períodos de férias oferecidos. A competição por categorias escassas de força de trabalho é tão intensa que até as autoridades russas admitem que quase um terço das contratações ignora canais oficiais, enquanto muitos acadêmicos ocidentais afirmam que, com exceções pontuais, “a imensa maioria dos trabalhadores e funcionários é recrutada diretamente nos portões das fábricas ou escritórios”[23]. Um quadro semelhante também é descrito por Fernandez: …além das implicações da competição durante o processo de revisão do plano, havia um nível notável de competição direta por mão de obra entre empresas locais individuais. As empresas não apenas anunciavam vagas, mas também contratavam muitos trabalhadores em agências de emprego ou no proverbial portão da fábrica… Na realidade, como Nove observou, as forças de oferta e demanda tiveram influência considerável sobre os ganhos reais. Se os ganhos subiam para que os diretores das empresas pudessem atrair ou reter trabalhadores, isso só pode significar que a força de trabalho estava sendo comprada[24]. E, finalmente, da série do Coletivo Aufheben What Was the USSR?: Towards a Theory of the Deformation of Value Under State Capitalism (1997–2000): O fato de que, na realidade, os trabalhadores eram — de forma limitada, mas crucial — livres para vender sua força de trabalho é demonstrado na estratégia dos gerentes de empresas estatais de acumular mão de obra. De fato, os gerentes das empresas estatais colaboravam ativamente com os trabalhadores para superar as restrições à sua mobilidade, em suas tentativas de garantir força de trabalho suficiente para cumprir as metas de produção. Assim, as restrições legais à livre circulação da força de trabalho eram exatamente isso: tentativas de limitar trabalhadores que eram essencialmente livres para vender sua força de trabalho[25]. Deve-se notar que o tipo de restrições à mobilidade trabalhista descrito acima não é exclusivo da experiência soviética de desenvolvimento capitalista. Embora um modo de produção capitalista desenvolvido possua meios de amarrar o trabalhador assalariado ao seu “proprietário” por meio de “fios invisíveis”, Marx observa no Volume I d’O Capital que esse não era o caso quando o capitalismo emergiu no Ocidente; ou seja, isso não é verdade para regimes de desenvolvimento capitalista. No capítulo sobre reprodução simples, Marx escreve: Nos tempos antigos, o capital recorria à legislação, sempre que necessário, para impor seus direitos de propriedade sobre o trabalhador livre. Por exemplo, até 1815, a emigração de mecânicos especializados em fabricação de máquinas foi proibida na Inglaterra, sob pena de punições severas[26]. Também vale considerar que os regimes fascistas da Itália e da Alemanha Nazista exerceram controles semelhantes sobre seus respectivos mercados de trabalho. Em 1935, o governo de Hitler implementou o sistema da caderneta de trabalho (ou passaporte de trabalho). Inicialmente usado como meio de disciplina e controle trabalhista, o documento acabou se tornando um instrumento para alocar trabalhadores diretamente entre setores conforme a demanda. Como Adam Tooze observa em seu estudo The Wages of Destruction: The Making and Breaking of the Nazi Economy (2006): …a administração trabalhista adotou medidas para limitar a migração regional. Em certo momento, numa tentativa de reter trabalhadores no campo, os órgãos de trabalho chegaram a proibir pessoas que haviam trabalhado anteriormente na agricultura de ingressar em empregos não agrícolas. Em fevereiro de 1937, as demandas do Plano Quadrienal e do rearmamento tornaram necessário um decreto especial para metalúrgicos, exigindo que buscassem autorização prévia antes de trocar de emprego. E, com o esforço bélico atingindo novos patamares, o Decreto de Goering para Garantir Mão de Obra para Tarefas de Especial Importância Estatal (Verordnung zur Sicherstellung des Kraeftebedarfs fuer Aufgaben von besonderer staatspolitischer Bedeutung), de 22 de junho de 1938, concedeu ao Reich poderes gerais de recrutamento. Os trabalhadores podiam ser realocados por qualquer período exigido pelo Reich… Até o final de 1939, nada menos que 1,3 milhão de trabalhadores haviam sido submetidos a tais ordens de trabalho compulsórias[27]. Tooze também prossegue descrevendo o impacto dos salários fixos como uma barreira à compra livre e competitiva da força de trabalho, e os meios não convencionais pelos quais a concorrência do mercado de trabalho se impôs: Diante da proibição formal de aumentos salariais, o ajuste ascendente dos ganhos resultante foi um processo dissimulado, oculto em promoções aceleradas, aprendizados de alto status, programas de requalificação, bônus de contratação, melhores condições de trabalho e uma variedade de benefícios sociais complementares[28]. A regulamentação do trabalho como mercadoria foi ainda mais rigorosa na Itália. Como na Alemanha, um sistema de caderneta de trabalho (gerido por agências estatais de emprego) foi introduzido em 1935, levando ao controle ativo do mercado de trabalho e à capacidade de realizar “ação disciplinar [ou regulatória] na distribuição da força de trabalho”[29]. Decretos foram implementados impondo restrições severas à mobilidade trabalhista. A migração interna era fortemente policiada, e limitações extremas foram aplicadas à capacidade de mudar entre setores. O trabalho de Mills Gardner Clark sobre o tema destaca a lei de 1939 “Provisões Contra a Urbanização”, que buscava amarrar trabalhadores agrícolas a suas aldeias e proibir explicitamente tentativas não autorizadas de ingressar no mercado de trabalho industrial. Clark relata que aqueles que violavam a lei podiam ser “multados, presos e, se necessário, ‘repatriados’ à força pela polícia para as localidades das quais originalmente fugiram”[30]. Em seu artigo Urbanization and Italian Politics (1967), o acadêmico Robert C. Fried descreve esse arranjo como tendo “restaurado uma versão distorcida da servidão na Itália… mesmo aplicadas com relutância, essas leis criaram o que foi chamado de ‘uma casta genuína de párias’, completamente à mercê de burocratas e empregadores”[31]. Evidentemente, então, outros regimes de desenvolvimento capitalista não permitiram consistentemente circunstâncias em que “homens livres encontram o dono do dinheiro no mercado” e “disponham de sua força de trabalho como sua própria mercadoria”[32]. No entanto, é duvidoso que muitos socialistas considerassem que tais sociedades — incluindo regimes fascistas — fossem algo além de formas de capitalismo[33]. É mais um exemplo em que um exame detalhado da economia política soviética demonstra a aplicabilidade de categorias capitalistas (ainda que altamente distorcidas), enquanto a história da economia política ocidental revela desvios dessas mesmas ‘leis’ da produção capitalista. Devemos lembrar que a essência da crítica de Marx em O Capital — particularmente em seus difíceis primeiros capítulos — não é a de um sistema capitalista realmente existente. Em vez disso, é um modelo abstrato e lógico. Como Bordiga afirma em seu Diálogo com Stalin (1952), trata-se de “um capitalismo abstrato, sim, inexistente, sim, típico, que, no entanto, corresponde inteiramente às teses glorificadoras dos economistas burgueses”[34]. * Dinâmica da Reprodução
Muitas vezes se sugere que o direito à herança individual — a capacidade de reproduzir uma classe dominante hereditária — é uma categoria importante no capitalismo. Por exemplo, em A Revolução Traída (1937), Trotsky argumenta: A tentativa de representar a burocracia soviética como uma classe de “capitalistas de Estado” obviamente não resistirá à crítica… O burocrata individual não pode transmitir a seus herdeiros seus direitos na exploração do aparelho estatal. A burocracia desfruta de seus privilégios sob a forma de um abuso de poder[35]. Em Privilege in the Soviet Union: A Study of Elite Life-Styles under Communism (1978), Mervyn Matthews documenta um padrão de famílias da elite garantindo posições privilegiadas e gerenciais para seus filhos, além de favoritismo significativo em áreas como acesso à educação[36]. Os filhos da classe dominante soviética tendiam a receber cargos como funcionários do partido, oficiais militares, intelectuais da elite ou jornalistas (posição que concedia um grau incomum de liberdade para viagens ao exterior, entre outros benefícios). Outros, como seria de esperar no capitalismo ocidental, simplesmente desfrutaram dos benefícios de ter familiares notáveis ​​ou importantes[37]. Analisando a mobilidade de classe de forma mais ampla, o trabalho de Matthews sugere que havia “imobilidade nas camadas não prejudicadas da classe trabalhadora”. Da mesma forma, a mobilidade descendente entre “especialistas e gerentes” demonstrou “nunca ultrapassava mais do que alguns por cento”[38]. Isso é mostrado como consistente com o desejo dos funcionários do partido e especialistas de manter uma “continuidade de liderança”, ou, em outras palavras, desempenhar uma classe dominante privilegiada por meio de um gerenciamento cuidadoso e consciente[39]. Outro aspecto da reprodução frequentemente levantado é a capacidade de um modo de produção de se autoperpetuar — ou seja, de possuir dinâmicas internas de reprodução suficientes. Nesse sentido, a economia da União Soviética enfrentou, sem dúvida, contradições fatais. Mas uma dinâmica interna insuficiente não demonstra, por si só, que a URSS não era uma forma de capitalismo (ou, como argumentei aqui, um regime de desenvolvimento capitalista). De fato, o consenso keynesiano do pós-guerra introduziu no capitalismo certas distorções (principalmente sindicatos fortes e estados de bem-estar) que também romperam suas dinâmicas internas usuais de reprodução. Em meados da década de 1970, o capitalismo ocidental enfrentava uma crise de lucratividade que ameaçava o impulso de acumulação sempre crescente. As três possíveis resoluções para essa crise (independentemente das roupagens ideológicas dos governos existentes) eram: a) revolução social, b) colapso ou c) reestruturação. O que hoje é conhecido como neoliberalismo foi, na realidade, apenas o triunfo da reestruturação; uma fase necessária do capitalismo. Evitar o colapso estava, por razões óbvias, nos interesses tanto dos trabalhadores quanto dos capitalistas. Para as classes dominantes — os gestores do Estado e do capital —, a revolução social também estava fora de questão (novamente, por razões óbvias). A incapacidade da classe trabalhadora de se desvencilhar do projeto político de gerir o Estado capitalista, ou de arriscar o salto de reorganizar totalmente as relações de produção, deixou apenas um programa político de recuo para o movimento operário. Como resultado, o trabalho foi desorganizado, e a disciplina do desemprego reafirmada por meio da destruição do Estado de bem-estar. Em muitos países, partidos da esquerda estiveram na vanguarda disso — a Austrália é apenas um exemplo[40]. As contradições geradas pelo sindicalismo militante (e pelo Estado de bem-estar que ele criou) são comparáveis àquelas no cerne do modelo soviético. Suas diferenças refletem os contextos históricos específicos em que os respectivos sistemas foram estabelecidos e o equilíbrio de forças de classe em sua fundação. No Ocidente, as concessões ao poder dos trabalhadores foram construídas gradualmente, com o consenso do pós-guerra enraizando-se em democracias liberais industrializadas relativamente estáveis. Por outro lado, a Rússia do entreguerras (rotineiramente descrita como ‘atrasada’ e até ‘semifeudal’) vivenciou a ruptura da revolução social, liderada por organizações de massa comprometidas com uma ou outra forma de socialismo. A liderança soviética foi compelida a se afirmar como a encarnação dessa revolução, não importa o quão distante ela se desviasse (ou melhor, suprimisse) seu caráter socialista. Crucialmente, os bolcheviques tomaram o poder não no capitalismo em si, mas em meio a um processo atrasado da luta do capitalismo para emergir. A nova classe dominante, especialmente após o fracasso da Revolução Alemã, encontrou-se executando o que consideravam ‘a tarefa histórica da burguesia’, chegando a pensar conscientemente nesses termos: a tarefa não era a revolução social, mas sim construir um regime de desenvolvimento capitalista. O importante a notar aqui é que a disfunção nos Estados capitalistas ocidentais não tornou esses países “não capitalistas”. Em vez disso, foram acomodações ao equilíbrio existente de forças de classe que obrigaram o capitalismo a se comportar de maneiras contrárias à sua lógica interna e imperativos sistêmicos. Quando os trabalhadores conquistam controle significativo sobre suas condições de trabalho, salários altos e enfraquecem a disciplina do desemprego, eles não estão estabelecendo uma mudança fundamental no modo de produção. Tanto no Ocidente quanto na União Soviética, o poder dos trabalhadores (e camponeses) exigiu a construção de máquinas econômicas que careciam dos mecanismos adequados para garantir a reprodução e expansão perpétuas do capitalismo[41]. Em outras palavras, se a máquina capitalista fosse um relógio, as máquinas defeituosas discutidas neste ensaio ainda se qualificariam como relógios — mas seriam “relógios sem mola[42]. Na União Soviética, isso se manifestou como uma crise do que o Coletivo Aufheben chamou de “produção defeituosa endêmica” e, portanto, uma “deformação do valor”. No Ocidente, eles observam que o “capitalismo plenamente desenvolvido” resolve as crises da luta de classes e da acumulação insuficiente por meio de uma reestruturação que “restaura o exército industrial de reserva e o poder do capital sobre o trabalho”[43]. Na União Soviética, houve primeiro o colapso e, em seguida, uma prolongada tentativa de reestruturação segundo os moldes do capitalismo desenvolvido. Vale citar mais alguns trechos da análise de Aufheben, que trazem clareza à confusão sobre a relação entre dinheiro, trabalho e mercado de trabalho na URSS. Como eles destacam, grande parte dessa confusão deriva de um mal-entendido sobre o que essencialmente equivalia a um forte salário social ou pensão social dentro do sistema soviético: Ticktin[44] persistiu em negar que a força de trabalho fosse vendida como mercadoria na URSS com base no argumento de que o salário não estava relacionado ao trabalho realizado … esse argumento ignora os aspectos contraditórios da força de trabalho e sua expressão na forma de um salário. A força de trabalho é ao mesmo tempo uma mercadoria e não uma mercadoria. Embora a força de trabalho seja vendida como se fosse uma mercadoria, ela não é produzida ou consumida como tal, pois não é uma coisa separável da pessoa que a vende — mas sim a atividade viva do trabalhador. O trabalhador não produz força de trabalho como algo a ser vendido. Pelo contrário, ele se reproduz como um sujeito vivo, do qual sua atividade vital é um aspecto essencial e inseparável. Da mesma forma, após comprar a força de trabalho, o capital não pode usá-la na ausência do trabalhador. O trabalhador permanece no processo de trabalho como um sujeito alienado ao lado de seu trabalho alienado … Embora o salário possa estar vinculado à quantidade de trabalho realizada, ele é essencialmente o dinheiro necessário para que o trabalhador médio compre as mercadorias indispensáveis à reprodução de sua força de trabalho. A medida em que o capitalista pode obrigar trabalhadores individuais a trabalhar mais — vinculando o pagamento de salários ao trabalho realizado, em vez de um pagamento simples pela reprodução da força de trabalho — depende do equilíbrio de forças entre trabalho e capital. Assim, o fato de os salários na URSS poderem ter parecido ‘pensões’ pagas independentemente do trabalho executado, e não como salários verdadeiros aparentemente atrelados ao trabalho, não significa que a força de trabalho não fosse vendida. Tudo isso indica é o poder particular da classe trabalhadora na URSS … os trabalhadores conseguiram exercer um controle negativo considerável sobre o processo de trabalho. De um lado, confrontavam o imperativo de apropriar mais-valia por meio do aumento da produção imposto pelo plano central; de outro, detinham poder sobre o próprio processo laboral[45]. * A Tarefa Histórica da Burguesia, A Tarefa Histórica do Socialismo
Minha própria visão, como tentei deixar claro, não é que a União Soviética fosse idêntica ao capitalismo ocidental, apenas com funcionários estatais como empregadores. Havia diferenças importantes entre o modelo econômico da URSS e o que normalmente entendemos como uma economia capitalista desenvolvida. Ainda assim, acho crucial destacar que a maioria — se não todas — das características fundamentais do capitalismo estiveram presentes na União Soviética, de alguma forma, ao longo de sua história. A natureza de sua aplicabilidade é fácil de passar despercebida, já que o sistema soviético frequentemente dependia de improvisação, economias paralelas de mercado negro e negociações burocráticas. A URSS também passou por diversas fases de mudança complexa e historicamente contestada: do período revolucionário inicial à NEP; do Comunismo de Guerra ao stalinismo; da era pós-Stalin às décadas finais de reforma. Isso levou alguns a chamarem a União Soviética de “não modo de produção”, já que consideram difícil afirmar se características capitalistas ou não capitalistas chegaram a se “generalizar”. Há certa lógica nisso. Mais convincente, porém, é a conclusão do Coletivo Aufheben, que argumenta que a URSS era uma economia subdesenvolvida em transição para o capitalismo. Essa visão deve muito às contribuições de Bordiga, que defendeu com perspicácia seu caso contra aqueles que entendiam a URSS como uma forma avançada de capitalismo de Estado ou um Estado em luta para transicionar ao socialismo. A ideia de capitalismo de Estado — do capitalismo soviético como um processo de acumulação primitiva e desenvolvimento capitalista — explica muito melhor a curiosa mistura do país entre características capitalistas observáveis e outras aparentemente não capitalistas. A teoria que delineei neste ensaio se beneficia de uma análise mais rigorosa e nuances do desenvolvimento capitalista tal como ocorreu no Ocidente. Embora frequentemente minimizadas em estudos burgueses de economia política (e também por muitos marxistas), as economias capitalistas ocidentais também foram, em grande parte, projetos de desenvolvimento dirigido pelo Estado e apresentaram muitas características que não podem ser consideradas parte de uma economia capitalista plenamente desenvolvida. Essas características foram varridas para o lado quando se tornaram um obstáculo — e não um meio — ao poder generalizado do capital sobre a sociedade. Além disso, minha própria visão acomoda a flexibilidade do capitalismo em sua extensão às variantes sociais-democratas e fascistas. Isso nos permite entender melhor as crises que esses modelos inevitavelmente provocam. Muitas das objeções à descrição da União Soviética como capitalista também deveriam se aplicar às economias ocidentais de guerra e pós-guerra. Críticas comuns, como a aparente falta de um mercado de trabalho livre, também são aplicáveis aos regimes fascistas das décadas de 1920 e 1930, particularmente a Itália, onde questões similares de subdesenvolvimento estavam em jogo. Apesar disso, a teorização socialista dominante sobre o fascismo é a de que ele representou uma afirmação do capitalismo contra a ameaça da revolução social; ou seja, um mecanismo de defesa da classe dominante que restabeleceu a autoridade do capital sobre o trabalho. Portanto, é geralmente aceito que — quaisquer que sejam suas peculiaridades — esses regimes ainda podem ser descritos como capitalistas. Raramente se vê sugestões de que algo novo foi estabelecido: um “modo de produção fascista”, ou que (apesar de uma similar recorrência à improvisação) nenhum modo de produção generalizado tenha sido consolidado. A transição soviética para o capitalismo foi única por várias razões, cada uma delas acrescentando camadas de complexidade. O regime soviético de desenvolvimento capitalista emergiu em um momento em que grande parte do Ocidente já havia passado por tal transformação ao longo de dois séculos. Na URSS, a responsabilidade por conduzir o mesmo processo foi assumida por um partido político marxista, após um movimento revolucionário autoorganizado de trabalhadores e camponeses socialistas. Para gerenciar o que foi considerado uma “fase necessária do desenvolvimento histórico”, garantir sua própria posição de autoridade política e manter o controle sobre a vida econômica da Rússia, a nova classe dominante dedicou-se a condensar 200 anos de acumulação primitiva sangrenta e desenvolvimento capitalista no espaço de uma única geração. Bordiga resumiu essa posição em um relatório de 1951 para uma reunião geral do partido: … economicamente e socialmente, [a Revolução Russa] não avançou de forma alguma, recaindo sobre o objetivo de uma industrialização capitalista do território que controlava …[46] A economia pré-capitalista, asiática, feudal russa tendia fortemente para o capitalismo, e essa tendência é positiva… Stalin afirma que seu partido implementa o socialismo econômico em apenas um país (Rússia); na verdade, seu Estado – e seu partido – foram reduzidos a ser o portador da única revolução social capitalista na Rússia e na Ásia… Nossa avaliação da revolução chinesa não é diferente. Na China também, trabalhadores e camponeses lutaram por uma revolução burguesa, em várias fases, e não podem avançar além disso. A aliança das quatro classes – trabalhadores, camponeses, intelectuais e industriais – reproduz as alianças (totalmente em conformidade com o marxismo em doutrina e táticas) na França de 1789 e na Alemanha de 1848[47]. Minha própria posição, informada pela teoria e prática do comunismo anarquista, difere da de Bordiga ao enfatizar a importância das relações de produção e o papel contrarrevolucionário do Estado na conformação do caráter especificamente capitalista do desenvolvimentismo soviético[48]. Isto é, ao criticar a URSS como um regime de desenvolvimento capitalista, é insuficiente concentrar-se unicamente nas pressões do mercado mundial, na falta de produção coordenada ou na baixa capacidade produtiva. É crucial que nossas análises também considerem a destruição das formas organizacionais revolucionárias, tais como os comitês de fábrica, os sovietes livres e os coletivos camponeses. Isso não quer dizer que, se tivessem persistido, tais órgãos de poder dos trabalhadores e camponeses teriam evitado as pressões enfrentadas pelos bolcheviques. Sem dúvida, as contradições ainda precisariam ser enfrentadas. Mas permanece uma distinção crucial: uma União Soviética baseada na governança de sovietes organizados livremente, juntamente com uma federação de comitês revolucionários de fábrica, teria permitido que tais decisões fossem tomadas pelos próprios trabalhadores e camponeses auto-organizados[49]. Uma oposição consistente dentro do movimento revolucionário à introdução ou reintrodução de formas burguesas (seja no governo ou nas relações de produção) teria – independentemente das dificuldades enfrentadas pela revolução – reproduzido melhor o tipo de indivíduos e organizações de massa necessários para a sobrevivência e disseminação da revolução internacional. Em seu artigo Anarchism as non-integration (2021), o escritor anarquista Danny Evans oferece um quadro teórico útil para considerar essa história alternativa. Evans apresenta o anarquismo como uma crítica (e um movimento de oposição) à “integração nacional das classes trabalhadoras … o processo pelo qual trabalhadores e suas organizações passaram a identificar seus interesses com os do Estado-nação”. Ao se opor ativamente à participação política, o anarquismo entre 1870–1914 conseguiu resistir, de forma muito mais eficaz que seus rivais marxistas, ao processo pelo qual o capitalismo estendeu sua dominação. Esse processo foi identificado como a transição da subsunção formal à subsunção real do trabalho sob o capital … A representação da classe trabalhadora em parlamentos e sindicatos grandes e tolerados era apenas um elemento. Mas, ao rejeitar esse elemento, o anarquismo abriu a possibilidade de a modernidade capitalista permanecer um projeto incompleto, derrotado por um mundo alternativo orientado em torno da comuna. Enquanto isso, a maioria dos marxistas marchou feliz em sintonia com o progresso capitalista. Em vez de integrar a classe trabalhadora à modernidade capitalista — o papel histórico da social-democracia na Alemanha —, em outros países que tentavam embarcar no trem do desenvolvimento industrial, o anarquismo soube articular um projeto político das classes párias (trabalhadores e camponeses). A necessidade de os socialistas fazerem isso foi enfrentada por marxistas em situações análogas em lugares como Itália e Rússia, mas a adesão ideológica ao progresso histórico conflitava com a necessidade de lutar por um mundo melhor no aqui e agora. Isso é o que os anarquistas conseguiram fazer, projetando uma modernidade alternativa que poderia ser alcançada pela combinação de ação direta e educação[50]. Em outras palavras, podemos dizer que foi o anarquismo que melhor sustentou a missão histórica do proletariado e que oferece a teoria social mais convincente para um movimento baseado na autonomia da classe trabalhadora e em sua autoemancipação. Na União Soviética, testemunhamos um exemplo do que pode ocorrer quando o proletariado abandona essa autonomia de classe – a teoria libertária da luta revolucionária fora e contra o Estado – e, em vez disso, adota a chamada “missão histórica da burguesia”. [1] Os anarquistas foram os primeiros a desenvolver uma crítica à URSS como uma forma de sociedade de classes que replicava muitos dos elementos-chave do capitalismo ocidental, e isso foi uma contribuição importante. Essas observações perspicazes não foram simplesmente devidos a uma disposição única para desafiar os bolcheviques pela esquerda. As críticas anarquistas ao novo sistema soviético surgiram naturalmente da análise materialista do Estado realizada pelos anarquistas – tanto como uma forma de organização social quanto como sua função na reprodução da sociedade de classes. Além disso, o movimento anarquista há muito desafiava as ideias desenvolvimentistas sobre o capitalismo como um “estágio histórico necessário”, como proposto tanto pelos liberais quanto pelos marxistas. As primeiras tentativas de teorizar o “capitalismo de Estado” podem ser encontradas em obras anarquistas anteriores à Revolução Russa. Por exemplo, na crítica de Bakunin ao programa de Eisenach do Partido Social-Democrata Alemão em Cartas a um Francês sobre a Crise Atual (1870) e nos ensaios sobre o Estado que formariam a base para Ciência Moderna e Anarquia (1914) de Kropotkin. [2]Lenin se envolveu em extensas polêmicas contra os comunistas de esquerda e anarquistas sobre a questão do capitalismo de estado. O conceito teórico havia sido levantado antes da tomada do poder pelos bolcheviques, mas a discussão do tópico aparece com muito mais frequência a partir de 1918. Em suas ‘Theses for a Report on the Tactics of the R.C.P. at the Third Congress of the Communist International’ de 1921, Lenin declararia sem rodeios a seus camaradas que “até certo ponto, estamos recriando o capitalismo. Estamos fazendo isso abertamente. É capitalismo de Estado”. – Lenin, V. I.. 1973. V. I. Lenin: Collected Works: Volume 32: dezembro de 1920 – agosto de 1921. Progress Publishers. p. 491 [3]Em 1918, o relatório de Lenin ‘On the Immediate Tasks of the Soviet Government’ argumentou que “o capitalismo de estado sob a democracia de Kerensky teria sido um passo em direção ao socialismo, e sob o governo soviético seria três quartos do socialismo…” – Lenin, V. I. 1974. V. I. Lenin: Collected Works: Volume 27: February – July 1918. Progress Publishers. pp. 295–296 [4]Pode-se argumentar que o último prego no caixão da revolução não foi realmente colocado até 1921, com o esmagamento da Rebelião de Kronstadt, mas em 1918 os fundamentos do regime bolchevique estavam estabelecidos. [5]“Esses métodos [de acumulação original na Europa Ocidental]… todos empregam o poder do Estado, a força concentrada e organizada da sociedade, para apressar, como em uma estufa, o processo de transformação do modo feudal de produção no modo capitalista, e para encurtar a transição”. – Marx, K. 1990. Capital: Volume I. Penguin Classics Edition. pp. 915–916 [6]No Volume I de O Capital (‘A Expropriação da População Agrícola da Terra’), Marx cita as ações da Duquesa de Sutherland como típicas da acumulação original na Europa: “Entre 1814 e 1820, esses 15.000 habitantes, cerca de 3.000 famílias, foram sistematicamente caçados e erradicados. Todas as suas aldeias foram destruídas e queimadas, todos os seus campos transformados em pastagens. Soldados britânicos forçaram esse despejo e entraram em choque com os habitantes. Uma velha senhora foi queimada até a morte nas chamas da cabana, que ela se recusou a deixar. Foi dessa maneira que essa fina senhora se apropriou de 794.000 acres de terra que pertenciam ao clã desde tempos imemoriais”. Capital: Volume I. p. 891 [7]Marx, K.1991. Capital: Volume III. Edição Penguin Classics. pp. 503–504 [8]O imposto sobre o volume de negócios gradualmente perdeu importância à medida que indicadores mais padronizados de lucratividade passaram a ser exigidos das empresas soviéticas, e a tributação começou a se concentrar no lucro e na renda. [9]Esses outros chamados países socialistas fariam, por sua vez, o mesmo. A política industrial como preparação para o confronto militar é frequentemente justificada com referência à Segunda Guerra Mundial e à luta contra o fascismo. No entanto, como Alec Nove observou, “Isso dificilmente pode ser aceito. Nos piores anos de coerção social e planos excessivamente ambiciosos, ou seja, 1929–33, Hitler estava apenas começando a subir ao poder, e a política da Comintern mostrou que ele não era então considerado o principal inimigo.” – Nove, A. 2011. Was Stalin Really Necessary? Some Problems of Soviet Economic Policy. Segunda Edição. Routledge. p. 31 [10] “O que os regimes capitalistas de Estado tentam em vão fazer no campo da produção dos meios de produção não é substituir o mercado pelo plano, mas sim planejar as transações de mercado entre as empresas.” – Ver discussão em Buick & Crump. 1986. State Capitalism: The Wages System Under New Management. St. Martins Press. pp. 82–84 [11] As ineficiências dentro do sistema soviético adicionam outra camada à compulsão pelo crescimento – a economia se expande para lidar com seu próprio processo de produção defeituoso e, como resultado, introduz ainda mais ineficiência: “Esse problema da produção defeituosa tornou-se ainda mais agravado, já que, em uma economia tão integrada e autossuficiente quanto a URSS, os produtos de cada indústria na cadeia de produção industrial se tornavam os insumos de ferramentas, máquinas ou matérias-primas para as indústrias subsequentes da cadeia. De fato, em muitas indústrias, mais trabalho tinha de ser dedicado ao reparo de ferramentas, máquinas e produtos defeituosos do que à produção real!” – Aufheben. 2020. What was the USSR?: Towards a Theory of the Deformation of Value Under State Capitalism. Radical Reprints. p. 134 [12] Essa era a visão do teórico trotskista Tony Cliff. [13] Fernandez, N. C. 1997. Capitalism and Class Struggle in the USSR: A Marxist Theory. Ashgate. pp. 117–118 [14] Dunayevskaya, R. 2017. Russia: From Proletarian Revolution to State-Capitalist Counter-Revolution: Selected Writings. Brill. pp. 229–230 [15] Ibid. p. 231 [16] Ibid. p. 231–232 [17] State Capitalism. p. 151n16 [18] Russia: From Proletarian Revolution to State-Capitalist Counter-Revolution. p. 300 [19] Was Stalin Really Necessary?. pp. 85–86 [20] Russia: From Proletarian Revolution to State-Capitalist Counter-Revolution. pp. 288–289 [21] Capital: Volume I. pp. 671–672 [22] Marx não nega a possibilidade de um “excedente” de certa forma fora do capitalismo, da forma-valor, etc. Em O Capital, ele argumenta que a jornada de trabalho pode se expandir ou ser intensificada além da reprodução da própria força de trabalho simplesmente porque houve uma extensão das necessidades e desejos ou, de outra forma, um desejo de prover para o bem social (por exemplo, aqueles que não podem trabalhar, etc.). Crucialmente, fora da produção capitalista — ou da sociedade de classes de modo mais geral —, isso é trabalho cooperativo, sob condições de autogestão generalizada. Não há controle alienado sobre o processo ou o produto do trabalho e, portanto, não há “exploração”. É atividade livre. (O Capital: Volume I. pp. 666–667) [23] State capitalism. pp. 75–76 [24] Capitalism and Class Struggle in the USSR. p. 130 [25] What was the USSR?. p. 284–285 [26] Capital: Volume I. p. 719 [27] Tooze, A. 2006. The Wages of Destruction: The Making and Breaking of the Nazi Economy. Allen Lane. p. 261 [28] Ibid. p. 262 [29] Gardner Clark, M. ‘Governmental Restrictions on Labor Mobility in Italy’. Industrial and Labor Relations Review. Vol. 8, No. 1 (Oct., 1954): 3–18. p. 6 [30] Ibid. p. 8 [31] Fried, R. C. ‘Urbanization in Italian Politics’. The Journal of Politics. Vol. 29, No. 3 (Aug., 1967): 505–534. pp. 509–510. Fried is quoting Ernesto Rossi. [32] Capital: Volume I. p. 272. Todo o capítulo sobre “A Compra e Venda da Força de Trabalho” é relevante aqui. Da mesma forma, poderíamos recorrer a Wage Labour and Capital (1847) de Marx: “O trabalhador deixa o capitalista a quem se oferece para trabalhar sempre que lhe convém, e o capitalista o dispensa sempre que julga conveniente…” – Marx, K. & Engels, F. 2010. Marx and Engels Collected Works: Volume 9: 1849. Lawrence & Wishart. p. 203. (A palestra de 1847 não foi impressa até 1849). [33] Bordiga ia até mesmo afirmar que, “o capitalismo na Rússia não nos apresenta absolutamente nada de inédito. O fato da gestão estatal o conecta diretamente com centenas de outros casos ao longo da história… Lembre-se, foram os Estados e os reis que equiparam as primeiras frotas e fundaram as companhias imperiais, sementes da explosão capitalista!” – Bordiga, A. 2020. The Science and Passion of Communism: Selected Writings of Amadeo Bordiga (1912–1965). Brill. pp. 266–267 [34] Bordiga, A. 1952. Dialogue with Stalin. [[https://www.marxists.org/archive/bordiga/works/1952/stalin.htm][www.marxists.org]] [35] Trotsky, L. 1972. The Revolution Betrayed: What is the Soviet Union and Where is it Going?. Pathfinder. pp. 249–250 [36] Matthews, M. 1978. Privilege in the Soviet Union: A Study of Elite Life-Styles under Communism. George Allen & Unwin. pp. 47–49. O trabalho de Matthews é particularmente interessante, dado seu enfoque na classe dominante soviética como aquela que não apenas detinha o poder, mas também posições de privilégio material como resultado direto desse poder. [37] Ibid. pp. 159–163 [38] Ibid. p. 158 [39] Ibid. p. 155 [40] Para uma excelente e erudita descrição desse processo, administrado pelo Partido Trabalhista Australiano (com a cooperação da burocracia sindical), veja: Humphrys, E. 2018. How Labour Built Neoliberalism. Haymarket Books. [41] O economista britânico Simon Mohun oferece uma formulação semelhante, fundamentada nas noções marxistas de subsunção “formal” e “real” do processo de trabalho. Para Mohun, a União Soviética supervisionou o processo inicial de “subsunção formal”, no qual o capital primeiro “subjuga o processo de trabalho tal como o encontra, isto é, assume um processo de trabalho existente, desenvolvido por modos de produção diferentes e mais arcaicos”. (Capital: Volume I. p. 1021) Para Mohun, no entanto, as contradições discutidas neste ensaio impediram uma transição completa para uma “subsunção real”. Como ele escreve em The Problem of the Soviet Union (1980): “Desenvolveu-se uma burocracia que devia seu poder, de um lado, à derrota da Revolução Alemã e, de outro, à vitória bolchevique na Guerra Civil. Esse duplo isolamento político tornou-se ‘uma condição necessária para a sobrevivência, e até para a extensão, do privilégio burocrático’. Assim, uma ideologia de ‘socialismo em um país’ seguiu logicamente da situação total, e a nova sociedade permaneceu travada na subsunção formal dos meios de produção, com a associada ‘reprodução contínua da separação da classe trabalhadora do produto que ela cria’”. – Citado em van der Linden, M. 2007. Western Marxism and the Soviet Union: A Survey of Critical Theories and Debates Since 1917. Brill. p. 199 [42] Eu retiro essa expressão do ensaio de Christopher Arthur com esse título. Em muitos aspectos, a análise de Arthur difere da minha (ele opta pela tese do “não-modo de produção” de Ticktin, (ver nota 44) e faz muitas afirmações que não estão em consonância com as evidências apresentadas aqui). Ainda assim, sua metáfora é apropriada: “Certamente, se o sistema fabril no qual o capital se materializou permanece, então não se pode falar de socialismo; mas, inversamente, se a lei do valor imposta pela concorrência capitalista não estiver mais em vigor, temos um relógio sem mola”. – Arthur, C. J. 2004. The New Dialectic and Marx’s Capital. Brill. p. 222. [43] What was the USSR?. p. 288 [44] O Aufheben Collective descreve a teoria de Ticktin sobre a União Soviética da seguinte forma: “Ticktin aceita a posição de Trotsky de que a Revolução Russa derrubou o capitalismo e estabeleceu um estado operário, e que, com o fracasso da onda revolucionária, o estado operário russo degenerou. No entanto, diferentemente de Trotsky, Ticktin argumenta que, com o triunfo de Stalin na década de 1930, a URSS deixou de ser um estado operário. Com Stalin, a elite burocrática assumiu o poder. Contudo, incapaz de retornar ao capitalismo sem enfrentar o poder da classe trabalhadora russa, e também incapaz e não disposta a avançar com o socialismo, pois isso minaria o poder e os privilégios da elite, a URSS ficou presa a meio caminho entre o capitalismo e o socialismo”. – Ibid. p. 122. Para Ticktin, esse purgatório de transição constituía um ‘não-modo de produção’. [45] Ibid. pp. 285–287 [46] The Science and Passion of Communism. p. 270 [47] Ibid. p 277 [48] Veja meu outro trabalho, [[https://anarchistworker.substack.com/p/interpreting-marxs-theory-of-the?utm_source=substack&utm_campaign=post_embed&utm_medium=web][Interpreting Marx’s Theory of the State and Opposition to Anarchism]], bem como [[https://theanarchistlibrary.org/library/matthew-crossin-anarchism-and-the-dictatorship-of-the-proletariat][Anarchism and the Dictatorship of the Proletariat]] [49] Podemos considerar, por exemplo, as conclusões de Stephen Smith sobre a organização do abastecimento de alimentos durante o Comunismo de Guerra. Como alternativa tanto às requisições sangrentas quanto à reintrodução do livre mercado, sua pesquisa sugere que “Muito mais uso, por exemplo, poderia ter sido feito da rede de cooperativas, não apenas no que diz respeito à melhoria do abastecimento de alimentos, mas também em relação ao estímulo à manufatura artesanal no campo. Se os congressos dos sovietes camponeses servem de guia – a maioria dos quais era dominada pelos Socialistas Revolucionários de Esquerda –, os camponeses estavam dispostos a trocar grãos por bens manufaturados de maneira organizada, de preferência por meio das cooperativas… No entanto, os bolcheviques eram profundamente desconfiados do movimento cooperativo… e relutavam em reconhecer que este possuía uma rede de distribuição muito mais eficiente do que o Comissariado de Alimentos”. – Smith, S. A. 2017. Russia In Revolution: An Empire in Crisis: 1890–1928, p. 229. [50] Evans, D. 2021. [[https://abcwithdannyandjim.substack.com/p/anarchism-as-non-integration][Anarchism as non-integration]].