Título: O Caráter Luditas das Revoltas na Fase Terminal Do Desenvolvimentismo Capitalista
Data: 10 de Abril de 2024
Notas: Titulo Original: El carácter ludita de las revueltas en la fase terminal del desarrollismo capitalista. Tradução e Revisão por André Tunes @Nucleo de Estudos Autonomo Anarco Comunista.
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O Ludismo nas últimas etapas da civilização industrial



Hoje, é trivial dizer que a civilização industrial não tem futuro e que tenta prolongar o último ciclo de prosperidade já concluído, e consequentemente, a submissão da população ao modo de vida industrial, com alarmes catastróficos e fugas para a frente propiciadas pelas inovações digitais. O crescimento a qualquer preço há muito tempo entrou em contradição irresolúvel com o modo capitalista de produção e ninguém acredita que a tecnologia traga soluções duradouras. O esgotamento previsível dos recursos, a explosão demográfica, a perda de fertilidade dos solos, a poluição, a urbanização galopante, o desmatamento, a multiplicação de resíduos, a crise energética e as alterações climáticas são evidências do caminho ladeira abaixo empreendido pelo capitalismo em sua atual fase “verde”. Longe de diminuir, alta tecnologia acentua a velocidade da descida. A corrida pela acumulação, com as formas de vida industrial que esta impõe, não só colidem com barreiras econômicas e sociais, mas também com os limites impostos pela natureza. O Capital já atua como força geológica e perturba as condições que permitem a vida na Terra. Embora o progressivo empobrecimento e precarização da população assalariada, com a marginalização e exclusão de setores excedentários, são inevitáveis nesse processo cumulativo, as consequências do extrativismo descontrolado a que são submetidos os territórios oferecem um panorama ainda mais desolador. O metabolismo da sociedade capitalista com a natureza ameaça diretamente a sobrevivência da espécie humana. Por isso as classes dirigentes mudaram a ideologia do progresso, primeiro, pela do desenvolvimento “sustentável” e, ultimamente, pelo conceito de “antropoceno” e a ideologia do colapso. Sem abandonar o culto elitista da tecnociência, de fora o discurso da dominação se torna ecologista, já que a fonte principal do acúmulo na dita fase verde é a superexploração do território.


Em um futuro de dificuldades e catástrofes, o capitalismo será ecologista ou não será. Do ponto de vista dos dirigentes, a ecologia é a ciência que estuda a camuflagem da exploração da natureza para fins econômicos, algo próximo ao ambientalismo. Daí derivam os departamentos de meio ambiente das grandes empresas e as “políticas territoriais” a implementar pelo Estado e pela administração regional, orientadas para a gestão dos efeitos extrativistas e o que chamam “transição energética”, ou seja, principalmente a realização massiva de megaprojetos de renováveis industriais destinados a garantir o alto consumo energético característico desta civilização. Cientistas especializados e consultores de ecossistemas desempenham um papel central nessas políticas. Sua função seria a criação de condições ideais para o negócio extrativista e encobrir o desequilíbrio flagrante que provoca entre sociedade e natureza. O sistema precisa de mecanismos que regulem seus excessos e não prejudiquem os beneficiários dos planos desenvolvimentistas. Esse é o papel que se atribui a um certo “movimento ecologista” que tenta agir como grupo de pressão, uma espécie de sindicato dos consumidores de ar puro, água limpa, comida saudável e espaços verdes. Isso resulta de forma benéfica para um capitalismo que sem essa mediação poderia ter sido quebrado com a radicalização dos protestos “cidadãos”. A tarefa do ecologismo integrado consiste em criar válvulas de segurança, organismos “transversais”, participativos, negociadores ou meramente consultivos, e se possível, remunerados.


A posição do “movimento ecologista” acima mencionado oscila entre o identitarismo pós-moderno e o cidadanismo de esquerda, sem deixar de lado concepções místicas (cultos naturalistas de todos os tipos), primitivistas (volta ao Paleolítico, anticivilizacionismo, salvajismo) e anti-humanistas (animalismo, ecologia “profunda”). Nas lutas contra os efeitos nocivos de uma civilização industrial que se vai submergindo nas imundícies que produz, esse movimento não persegue uma tomada de consciência radical das vítimas rebeldes através da ecologia, mas um diálogo com suas instituições em troca de desativar o conflito territorial. Ele tenta convencer os líderes de uma gestão menos agressiva do ambiente, não combatê-los. Ele dá por certa a renúncia dos indivíduos diante de problemas que os superam, e longe de tentar revertê-lo, a reforça através do recurso ao medo infantilizador que leva a confiar em uma autoridade externa supostamente remediadora. O colapsismo é isso. O reformismo do século XIX também. Mas a crise ecológica – o desajuste entre o que a espiritualidade chama de “Homem” e “Natureza” – é também econômica e social, depende do modo industrial de produzir, cultivar, comercializar e consumir, do estilo de vida ao qual obriga. Não é resolvido com leis restritivas, sobretaxas ao turismo, captura de CO2, incentivos à eletrificação ou disposições punitivas por parte de um ministério do meio ambiente. O grande inimigo são o Capital e o Estado, seu implacável desenvolvimentismo, sua fome de poder e mais-valias, não o afã predador de alguns empresários, a falta de civismo, o descontrole natalício dos países terceiros, a rezonificação ou a direita política. Apresentar a crise como fruto da fatalidade, do mau planejamento ou do abuso, venalidade e inconsciência de alguns aproveitadores, obriga a procurar sua solução entre os verdadeiros responsáveis, o mercado capitalista e suas diversas coberturas governamentais. O problema é de classe. A crise nunca afetará todos na mesma proporção: por mais que suba o preço da energia, da água, dos alimentos, etc., sempre haverá para quem possa pagá-lo.


Depois de estas reflexões, ficará claro que não somos ecologistas. Somos indivíduos conscientes da crise ecológico-social e pensamos que sua superação não passa por ministérios de transição ecológica nem pactos verdes novos, mas pela abolição do sistema hierárquico-tecno-produtivista. Para a supressão do mercado. Por outro modelo de produção e alimentação. Só assim poderá se desenvolver uma sensibilidade e racionalidade novas, que impeçam o retorno da ordem industrial. Priorizamos a reconstrução da comunidade na resistência à industrialização. Não tentamos mecanicamente sobrepor a teoria ecológica com a luta de classes, e menos ainda, associar a questão ambiental com a social em favor de um reformismo político “ecossocialista” ou decrescentista, ou em prol de um partido verde qualquer repleto de “realismo político”. Somos antidesenvolvimentistas radicais mais que ecologistas. Anticapitalistas. Valorizamos a contribuição da crítica ecológica como a exigência de descentralização, de reajuste com a natureza, de limites à urbanização, de proibição de contaminantes, de defesa da terra, de soberania alimentar, de técnica convivencial, de reciclagem, etc., mas não tentamos encaixá-la na política convencional, pois para traduzi-la em medidas efetivas seria necessário sair do ordenamento burguês e realizar uma mudança social e econômica qualitativa que poderia ser considerada revolucionária, algo que não aparece no imaginário ecológico. Valorizamos mais a visão biocêntrica das comunidades indígenas americanas, os métodos tradicionais de cultivo e gestão territorial do quase extinto campesinato, as ideias de restituição, restauração e justiça social da revolta ludita, o instinto sabotador e criativo do antigo sindicalismo, e, em última análise, a vontade de autogoverno e auto-emancipação dos povos subjugados como os mapuches, os berberes e os curdos. Ao desacreditar a ideia de progresso por se tornar o futuro mais temido do que desejado, as sociedades tradicionais em muitos aspectos se mostram mais avançadas que a arcaica civilização industrial contemporânea.

Somos algo como novos luditas que se levantam contra o futuro que a economia global e o mito da máquina têm reservado para eles, com a particularidade de que não nos resta um modo de vida para manter, uma cultura para preservar, regras morais para se reger ou poder de decisão para defender. A mercadoria, e consequentemente o dinheiro, graças à tecnologia digital, em muito pouco tempo invadiu o mundo ao ponto de mudar radicalmente a forma de viver e se relacionar, redefinir o trabalho e o lazer, reformular os comportamentos e as normas, deteriorar seriamente o meio ambiente, e, enfim, modificar aquilo que entendemos por realidade. Com razão pode-se falar de catástrofe. As máquinas digitais são o instrumento de uma ordem econômica que vem de antes, mas renovado, contra os quais nenhuma tradição nos protege. Eles pulverizaram todos. Não nos rebelamos contra as máquinas que destroem a comunidade trabalhadora e seus costumes, pela simples razão de que atualmente não existe nenhuma comunidade nem costume de qualquer tipo; Nos rebelamos contra a sociedade industrial informatizada para poder construir uma comunidade que se consolide graças a novos hábitos solidários. Queremos nos libertar tanto das velhas servidões do trabalho como das novas que a economia impõe por culpa da digitalização. Escapar de relações baseadas na preponderância do Capital e do Estado assistidos tecnologicamente que escravizam as mentes, degradam a existência e destroem o planeta. E por isso negamos firmemente a legitimidade do lucro privado acima de tudo, da hierarquia burocratizante e da centralização política, da busca de rentabilidade como valor supremo ou do princípio da inovação científica-técnica quaisquer que sejam as suas consequências. O crescimento da economia não tem que ser prioridade. Ao contrário. Queremos recuperar a autonomia na vida e privacidade; queremos abandonar não só o status de assalariado, mas a condição de consumidores escravos do espaço virtual. Lutamos contra esse salto qualitativo na industrialização e no controle social social que, ao instrumentalizar a ecologia e através dos meios digitais, perpetua as políticas de desenvolvimento e leva a espécie humana ao precipício. Nós nos sentimos oprimidos por aquela e procuramos a maneira de nos libertar. A perspectiva luddita aponta para a sabotagem.


Nós escolhemos para declarar um estado de alarme mais social do que ecológico. Construir comunidade e impedir o funcionamento normal do sistema são os dois aspectos entre os quais se desenrola a dialética da resistência. Não há necessidade de pronunciarmos a violência, já que a própria complexidade sistêmica facilita sua obstrução sem a necessidade de recorrer a métodos extremos. É a ocasião para uma forma de guerrilha incruenta. A informática – internet – foi a ponta de lança da última revolução industrial. Em menos de dez anos, ela tem alterado o conhecimento, a educação, as hierarquias, as finanças, os mercados, as culturas, os empregos e a produção, incluindo a dos resíduos. Assim passamos de uma economia produtivista ancorada na indústria nacional para uma economia terciária mundializada com predomínio do capital financeiro, que tenta superar suas grandes dificuldades apelando à reconversão “verde” e digital da sociedade. O resultado, já dissemos, foi uma expansão incontrolável das metrópoles e infra-estruturas, um crescimento ímpar dos aparelhos coercitivos e do controle social, a superação dos limites biofísicos, a desigualdade generalizada, a fome em regiões inteiras e uma atomização sem precedentes da população que, desprovida de laços coletivos de qualquer tipo, fica absolutamente à mercê de fatores econômicos, midiáticos e administrativos. Uma população cujas necessidades e desejos são constantemente manipulados para alimentar a demanda e fomentar a submissão aos imperativos do poder. Nosso objetivo final é reverter a situação, o que passa pelo desmantelamento radical da dominação capitalista. Trata-se de construir um mundo sobre as ruínas do velho, baseado nos valores comunitários e práticas de outrora, como a equidade, a reciprocidade, a autonomia, a honestidade, o jogo, a festa, o respeito da natureza, o debate público e a tomada de decisões coletivas. Qualidades e experiências enriquecidas com novos contributos e adaptadas às condições presentes, ou seja, atualizadas. Não é preciso voltar ao passado, mas ir para outro futuro. O da civilização industrial é inviável.