Miguel Amorós

Teoria do Descrescimento

26/08/2008



Crescimento e decrescimento”



Falar de crescimento e decrescimento é o mesmo que falar de capitalismo e anticapitalismo, já que o capitalismo é a única formação econômica que não se baseia apenas na obtenção de lucros, senão na obtenção crescente dos mesmos. Os frutos da exploração capitalista não se utilizam principalmente em dispêndios, senão que se convertem em capital e se reinvestem. Deste jeito o capital se desenvolve, acumula-se sem cessar. O crescimento é a condição necessária do capitalismo; sem crescimento, o sistema entra em colapso. É o indicador do funcionamento normal da sociedade; é, portanto um objetivo de classe. Desde que a burguesia é ciente dos fundamentos do seu poder, a expansão é a sua bandeira; porém, até 1949 o crescimento não se define já como política geral do Estado, no famoso discurso de Truman.


O capitalismo se tornará algo mais técnico, mais dependente da tecnologia, mais americano. A ideologia baseada no crescimento econômico como panaceia, o desenvolvimentismo, irá se converter no eixo de todas as políticas nacionais, tanto de direitas como de esquerdas, tanto parlamentaristas como ditatoriais. A superioridade do crescimento econômico sobre o alvo político caracterizou durante os anos cinquenta e sessenta os discursos dos representantes da dominação. A liberdade foi assimilada à possibilidade dum maior consumo, do acesso a um maior número de mercadorias, graças ao crescimento. E ficou garantida pelos pactos sociais de pós-guerra entre as administrações, os partidos e os sindicatos, ao permitir o pleno emprego e a melhora do poder aquisitivo dos trabalhadores associada à produtividade.


O baleiro duma vida entregada ao consumo e manipulada pela indústria cultural foi posta de manifesto pela revolta juvenil dos sessenta, que afetou as capitais dos países chamados “desenvolvidos”: estes insatisfeitos não queriam uma vida onde o não morrer de fome se substituísse pela certeza de não morrer de aborrecimento. Os distúrbios do gueto preto americano botaram mais combustível ao lume da rebeldia. Os excluídos da abundância demonstravam o seu rechaço mediante o saqueio e a desfeita de mercadorias. Essa revolta niilista encontrou seu ápice em Maio de 1968. Mas não foi só isso. O mesmo sistema começou a ser questionado desde dentro por especialistas dissidentes, nomeadamente do campo da teoria econômica e do ambientalismo. Rachel Carson foi a primeira a advertir sobre a ameaça à vida da terra que gerava a produção industrial. Os economistas N. Georgescu-Roegen, H. Daly ou E.J. Mishan (o primeiro em escrever dos custos do desenvolvimento em 1969) davam uma ênfase “física” e holística à sua disciplina, considerando o mundo como um sistema fechado, uma “nave espacial Terra”, em tudo, tudo é vendido, tudo tem um custo. Segundo artigo histórico de Kenneth Boulding escrito em 1966, na economia do “cowboy”, a medida do sucesso fornecem-na a produção e o consumo, enquanto que na economia do “astronauta”, o sucesso corresponde à conservação do meio. Porém, o crescimento inerente à primeira alimenta-se com a degradação, visível a partir do ponto em que a destruição domina sobre os demais (quando a capacidade do planeta em aturar o lixo fica superada). Poluição, aditivos químicos, chuva ácida, lixo, explosão demográfica, urbanismo depredador, motorização, turismo, etc. problemas que desvendavam o desequilíbrio ecológico do planeta, foram colocados e debatidos de maneira parcimoniosa.


Na altura, Barry Commoner, na obra “O círculo fecha-se”, e Edward Goldsmith, desde a revista The Ecologist, criticaram o desenvolvimento tecnológico unilateral, o esbanjamento irreparável do “capital natural” e o impacto negativo crescente da indústria moderna sobre os ecossistemas, a saúde e as relações sociais. Cientistas como J. Lovelock e S. Margulis formularam a “hipótese Gaia” sobre o planeta como sistema autorregulado, e desvendaram pela vez primeira o aumento do efeito estufa devido às descargas de gás constante na atmosfera pela indústria e a circulação motorizada. Outra pessoa que estava ligada nisto, Donella Meadows, do MIT, a pedido do Clube de Roma redigiu um informe intitulado “Os limites do crescimento para a Conferência de Estocolmo” (1972), que colocava a contradição irresolúvel entre um desenvolvimento infinito e uns recursos naturais finitos. A expansão econômica desorganizava a sociedade e obrigava a multiplicar as hierarquias e os controles. Efetuava-se em detrimento da ecosfera e de manter-se ia esgotar os recursos. Qualquer política econômica devia de contar com o meio ambiente se realmente quisesse saber os custos reais. Aliás, o aumento exponencial da população provocaria uma crise alimentícia (como dizia Malthus) e num século chegar-se-ia ao colapso social e ao desaparecimento da vida. A solução residiria num “crescimento zero”. Lembrando a recomendação de Stuart Mill, uma economia estacionária restabeleceria o equilíbrio entre a sociedade industrial e a natureza. Finalmente, Goldsmith e um grupo de colaboradores publicaram em 1972 um “Manifesto para a sobrevivência”, que retomava e sistematizava as críticas anteriores. A sua mensagem: economia e ecologia deviam reconciliar-se, para dar lugar a formas sociais estáveis, autárquicas, descentralizadas.


Tais críticas, como artigo delineado ou subvalorizado, dão natureza à história social, ignoradas porque todos responderão, com exceção do honorável anarquista Murray Bookchin, porque antes de tudo punham na causa ou dogma do desenvolvimento de forças produtivas, na base sagrada do socialismo. E, em segundo lugar, porque, longe de fingir uma mudança revolucionária, tentando agrupar o que há por trás de um programa radical anti-desenvolvimentista, apenas aspirava convencer os governantes, empresários e políticos do mundo a fazerem contra os feitos denunciados, com medidas nomeadas por duas imposições, como multas e subsídios. Os cientistas e outras mentes brilhantes eram vítimas da sua posição de classe subalterna e auxiliar do capitalismo, que não questionavam por nada, ao mesmo tempo também fechavam os olhos ante as consequências para a ação das suas objeções ao crescimento e negavam o seu anticapitalismo essencial. Limitando-se a exercer a função de conselheiros, cometiam o erro de confiar nos dirigentes, quer dizer, nos responsáveis do deterioramento planetário que eles mesmos denunciaram. O movimento ecologista arrastará sempre este “pecado original”, e nos oitenta os projetos “verdes” confluíram com as inovações capitalistas. A fugida neoliberal para a frente no crescimento e na degradação – encarecimento do petróleo, Bhopal, Chernobil, as dioxinas, o buraco na camada de ozônio, a poluição … – confirmou a persistência das críticas. O fracasso do desenvolvimentismo sem entraves converteria ao ecologismo a maioria dirigente. O conceito de “desenvolvimento sustentável” do informe Bruntland (1987), apresentado pola Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, e, sobretudo, pela Conferência de Rio (1992) marcaria a fusão da ideologia ecologista com o capitalismo, aceitada em primeiro lugar pelos partidários da regulação estatal do crescimento, a velha “esquerda”.


Na realidade, tratava-se de preservar o desenvolvimento, não a sustentabilidade. De administrar à ameaça, não de suprimi-la. Para isto procurava-se a harmonização do meio ambiente com a economia de mercado. A camada de ozônio e o modo de vida consumista podiam ser compatíveis graças a uma nova contabilidade que incluísse o custo ambiental. O mercado beneficiaria a produção “limpa” e puniria a poluente. A reciclagem seria premiada e o lixo, penalizado. Ainda, a Conferência de Kyoto sobre o as mudanças climáticas (1997) demonstrou em seu manifesto, os problemas irreparáveis que apresentava o processo de reconversão ecologista da produção e o consumo. Apesar da aparição dum negócio ambiental cada vez mais importante e da poupança que significava o desmantelamento dos serviços sociais do Estado, o mercado não podia fazer-se responsável de dita transformação, por ser onerosa para as indústrias. Medidas elementais como os topes à emissão de gases punham em perigo o crescimento puro e duro, pilar central do capitalismo de hoje. A solução que acharam, a globalização dos intercâmbios, e a sua consequência primeira, a deslocalização das indústrias e o incremento exponencial do transporte, caminhavam na direção contrária. Exigia que a agricultura intensiva seguisse a alimentar o mundo, nesta ocasião com ajuda da engenharia genética, que indústria química determinasse o metabolismo humano, que os meninos asiáticos trabalhassem em fábricas, e que o TAV previne a Europa; esse trem que para o poder “não é apenas um modo de comunicação rápido, solidário e eficiente, senão o mais compatível com as exigências meio ambientais”. Diria-se o mesmo da energia nuclear ou dos organismos modificados geneticamente. Se o crescimento destrutivo precisava a cobertura ecológica, a desfeita tinha que apresentar-se como o ato ecológico por excelência.


Em Dezembro de 1912, seis anos antes de ser assassinada pela soldadesca dum governo social-democrata, Rosa Luxemburgo tirava da prensa um controvertido livro, “A acumulação do capital”. Nele afirmava que a reprodução ampliada de capital, isto é, o “crescimento”, não podia assegurar-se sem entrarem na órbita mercantil os sectores atrasados dos países modernos e a população do resto do mundo que se desenvolvia em economias pré-capitalistas ou de capitalismo incipiente. Para o mundo capitalista era vital a existência dum mundo exterior, fonte de consumidores, matérias primas e mão de obra barata. As dificuldades que o processo podia ter solucionavam-se à força:


Nos países de além do mar, o seu primeiro aceno, o ato histórico com que nasce o capital e que desde então não deixa de acompanhar nem um só momento a acumulação, é o assoalhamento e aniquilação da comunidade tradicional. Com a ruína de aquelas condições primitivas, de economia natural, labrega e patriarcal, o capitalismo europeu abre a porta ao intercâmbio da produção de mercadorias, converte os seus habitantes em clientes obrigados das mercadorias capitalistas e acelera, a um tempo, em proporções gigantescas, o processo de acumulação, espoliando direta e descaradamente os tesouros naturais e as riquezas acumuladas polos povos submetidos.


Porventura por contradizer Marx, o livro foi esquecido, mas o seu ponto de vista foi repetido nos setenta por certos críticos, que tinham em comum o feito de terem sido altos funcionários: Ivan Ilich, da Igreja; François Partant, das finanças francesas; Fritz Schumacher, da indústria inglesa. Estavam implicados em programas de desenvolvimento do “Terceiro Mundo” e postulavam, a diferença dos ecologistas, o abandono do capitalismo.


Com efeito, livros como A convivencialidade (Illich), O Final do desenvolvimento (Partant), O pequeno é formoso (Schumacher) ou O manual completo da autossuficiência (John Seymour) denunciava, a ausência de relação entre prosperidade econômica e bem-estar social, rejeitavam o produtivismo, as novas tecnologias, os sistemas burocráticos e autoritários, o consumo em massa, os monocultivos, os pesticidas e adubos químicos, o urbanismo desbocado … e pulavam pela economia vernácula assente em laços comunitários, a descentralização, a tecnologia tradicional, a diversidade de cultivos e os adubos naturais, o auto fornecimento, a redução do tamanho das cidades … Na teoria, isso comportava uma ruptura quanto menos com dois aspectos essenciais do marxismo (e do sindicalismo revolucionário): a sociedade plenamente industrializada como alternativa emancipadora, quer dizer, o desdobramento ilimitado das forças produtivas socializadas como condição elemental duma sociedade livre, e o papel da classe obreira fabril na libertação das servidumes capitalistas; isto é, a função do proletariado industrial – com a sua ética do trabalho e a sua docilidade sindical – como agente histórico e sujeito revolucionário. Ao depender a liberdade da estabilidade dos ecossistemas, dentro dos que se inseria, esta não podia nascer dum desenvolvimentismo socializado universal, senão dum retorno à coletividade autossuficiente e à produção local; não surgiria da tomada dos meios de produção capitalistas, senão do seu desmantelamento. Não deviam assegurar-se um maior consumo e portanto uma produção maior, senão a sua subsistência material. As suas necessidades haviam de definir-se segundo os recursos, não em função do poder aquisitivo. Para isto não tinham que organizar de uma outra maneira a mesma sociedade, senão transformá-la de baixo a cima, abolir todas as dependências, destruir as máquinas que forçavam a hierarquia, a especialização e os salários, a especialização e o salário. Na sociedade de coexistência, nenhuma atividade impõe a quem não participa dela um trabalho, um consumo ou um aprendizado. A sociedade organizada de maneira autônoma e horizontal deveria dominar as condições da sua própria reprodução sem se alterar. As trocas não poderiam comprometer sua existência. Em tal sociedade, o tecido social substituiu o Estado, controlando sua tecnologia e desconsiderando o mercado. SSeguindo a linha do discurso, com o objetivo de alcançar uma sociedade desse tipo – acrescentamos – os trabalhadores teriam que lutar, não para se posicionar melhor ou simplesmente para permanecer no mercado de trabalho, mas para sair da economia.

Tinham que destruir fábricas e máquinas, não autogerenciá-los. E, como no capitalismo contemporâneo o consumo prevalece sobre a produção, o terreno do conflito residiria menos no local de trabalho do que na área da vida cotidiana. Essa luta exigiria a vontade de viver de maneira diferente, de modo que não poderia ser assumida por assalariados satisfeitos e consumistas. Aqueles destinados a fazê-lo seriam trabalhadores precários, imigrantes, desempregados, prisioneiros ou auto-marginalizados – os excluídos em geral – atuando não apenas no âmbito da produção capitalista, mas nas margens, ou seja, com um pé fora do sistema; e, portanto, mais inclinados a se colocar, por meio da auto-organização e do autoconsumo, em uma perspectiva de enfraquecimento da economia e do Estado. Nos países “desenvolvidos”, o grau de exclusão é mínimo, embora esteja crescendo, mas nos países que os líderes chamam de “subdesenvolvidos”, os excluídos são muitos.


A destruição do meio rural na década de oitenta é a causa de que esta crítica ficasse ancorado nos meios que lhe deram origem, e de que quinze anos mais tarde fosse recuperada polos ideólogos do decrescimento. No campo da radicalidade, apenas podemos citar reflexões neste sentido: Bookchin, Fredy Perlman, Theodore Kaczinski, “Encyclopédie des Nuisances”, “Fifth Estate” … o menos que se pode dizer de aqueles meios é que não eram os mais ajeitados para expurgar dita crítica de contradições, para logo espalhá-la. De acordo com ela, a reprodução ampliada de capital e da força de trabalho estava assegurada pelo decrescimento, mas não a reprodução do meio que fornecia recursos, nem tampouco da sociedade no conjunto. Daquela, cumpria perguntar-se se os conflitos que forçosamente têm de derivar do deterioramento ambiental, as catástrofes e a decomposição social, favoreceriam uma transformação do sistema; por outras palavras, se permitiriam a emergência duma alternativa crível. A ideologia do decrescimento pretende ser essa alternativa.


O nome é uma simples etiqueta tomada de Georgescu-Roegen. De partida consiste num conjunto aparentemente coerente de ideias como as que expusemos, e que encontramos em Illich, Partant, Mumford ou em The Ecologist, elaborado por peritos de instâncias de cooperação para o desenvolvimento, universidades, ONGs e “Foros Sociais”, o mesmo meio que culminou na ideologia cidadanista da “alterglobalização”. Contudo, existem diferenças importantes entre ambas: a do decrescimento é antidesenvolvimentista e condena às claras o ecocapitalismo e o papel das novas tecnologias. Desaprova tanto o desenvolvimento sustentável como o crescimento zero. Defende logo uma saída do mercado, não um mercado mundial controlado; ainda mais, desconfia do Estado como sistema de poder centralizado e hierárquico, injustificável ante uma sociedade sem mercado, preferindo no seu lugar o ideal gandhiano duma federação de aldeias autossuficientes. Na teoria, estaríamos ante uma concepção libertária semelhante à do naturalismo, ou a mais próxima ao comunalismo; na prática, não há outra coisa que cidadanismo. O apoio de ATTAC, Ecologistas em Acçom ou Le Monde Diplomatique viriam a corroborá-lo se houvesse necessidade. Os alvos poderão variar, mas o de menos são os alvos, pois o “decrescimento constante” aspira a reproduzir pacificamente a produção e o consumo de massas “mediante o controlo democrático da economia pela política”. Os ecologistas de Can Masdeu precisam formar “governos de transição, de ética inquebrantável, e monitorizados por baixo”. Como conseguir isso? Mediante a ação “constante”, que nos haveria de conduzir, mediante a inanidade de atos simbólicos e festivos, para “conscientizar a sociedade”, a política oficial, as associações de consumidores, as candidaturas municipais e o sindicalismo. E é que a transição à economia autônoma tem que transcorrer sem problemas, já que os desencontros com o poder põem em perigo a “democracia”. Os partidários do decrescimento, como alumpenburguesia ilustrada, têm pânico à “desordem” e preferem de longe a ordem estabelecida às algaradas populares. As ideias terão mudado, mas os métodos são cidadanistas. Há de “exercer a cidadania” e avançar para “a democracia”, nos diz o ideólogo Serge Latouche. O partido do decrescimento, com o fim de conjurar a crise social, pretende substituir o aparelho econômico do capitalismo conservando o seu aparelho político. Como ao fim e ao cabo a proclamada saída do mercado não é rupturista, senão morna e transacional, quer arredar-se da economia sem se arredar da política, e aceita todas as mistificações que rejeitou na teoria. Não esqueçamos que fugir ao crescimento não supõe, para Latouche, renunciar aos mercados, a moeda ou o salário, já que não procura amotinar os oprimidos, senão convencer os dirigentes.


O seu discurso é o do tecnocrata esperto, não o do que alardeia. Mostrando a mudança climática, o estalido das borbulhas financeiras, o aumento da produção, o endividamento dos países empobrecidos, as secas e demais catástrofes, pretende animar a classe dirigente a se esquecer do crescimento. Supõe-se que os dirigentes, ante a impossibilidade de controlar as crises e sob a ameaça de conflitos imprevisíveis, preferirão a paz social e a “desconstrução” mercantil. Isto explica que dito partido não contemple um câmbio social revolucionário a realizar pelas vítimas do crescimento, e que na prática proponha um conjunto de reformas, impostos, desgravações, moratórias, leis, etc., quer dizer, “um programa reformista de transição” a aplicar das instituições políticas atuais. Nem cumpre dizer que é o mesmo que propunham as plataformas cívicas, os ecologistas, os antiglobalizadores de mentira e mesmo a “esquerda” integrada. Lamentamos dizer que a promoção de uma economia marginal sem autonomia real ou a possibilidade de se tornar uma alternativa real é apenas um álibi. Agricultura camponesa, redução de consumo e mobilidade, prioridade das relações, alimentação saudável, redes locais de troca, não competindo, não acumulando … são ideias anti-desenvolvimentista que perdem todo o sentido quando a fratura social não é desejada; as tentativas de realização efetiva dessa fratura alterariam seriamente as condições de produção e troca, colocando em risco a existência do mercado, das instituições e das classes sociais privilegiadas. Pressionada pela necessidade de acalmar o sistema, qualquer medida alternativa segue a direção do capitalismo. Assim, economias marginais de alguma magnitude nada mais são do que áreas de reserva de trabalho industriais autossustentadas; as energias renováveis ​​fluem para grandes parques eólicos ou solares, de acordo com o modelo industrial; reciclagem e reutilização nos levam ao grande negócio de exportação de lixo digital; a crise do petróleo inaugura a era das grandes plantações de agrocombustíveis. O interesse do decrescimento constante pelas ONGs, os sindicatos, os parlamentos ou as Nações Unidas órgãos reguladores e de “monitoramento” ilustra, pelo contrário, sua falta de interesse na reconstrução de uma esfera pública autônoma. Não querem liquidar os dirigentes, portanto, devem preservar cuidadosamente o mecanismo político que os torna necessários, embora para isso você tenha que começar no seu quintal qualquer experiência real de democracia associativa, pois essas coisas estão ocorrendo bem no Mali, na Bolívia ou na floresta de Lacandona, mas não nas metrópoles ocidentais.


A produção cooperativa e o intercâmbio sem fins lucrativos não podem nascer de consenso com poder, mas da imposição pelos oprimidos de condições sociais que proíbem a produção industrial e o comércio lucrativo. A luta contra a opressão – que como diria Anders, ocorre entre vítimas e culpados – é a única que pode lançar as bases para a “democracia ecológica local” e a autonomia social, nos arredores de Kinshasa e em todos os lugares.


A ideologia do decrescimento é a última mutação da cidadania após o infeliz fracasso do movimento contra as cúpulas; uma ilusão renovável, como diriam Os Amigos de Ludd. Como uma banalização de protestos e supressão de conflitos, é uma arma auxiliar de dominação. Nos dias que se passaram, o capital emergiu vitorioso, como já havia emergido da luta de classes dos anos sessenta e setenta. Com nada ou ninguém para detê-lo, ele continua sua carreira de destruição crescente e atraída, desta vez graças às contribuições de ambientalistas e cidadanistas. Uma sociedade livre não pode ser concebida sem a sua abolição, o que para o partido do decrescimento levaria ao caos social e ao terrorismo; no entanto, eles já estão presentes em abundância, o que gradualmente forma um regime ecofascista.


Dada a magnitude da catástrofe ecológica, lutar por uma vida livre não é diferente a lutar por salvar a vida. Mas a luta pela sobrevivência – através de redes regionais de intercâmbio, transporte público ou tecnologias limpas – não significa nada menos que o combate anticapitalista; além disso, sua força reside na intensidade desse combate. É um movimento de secessão, mas também de subversão, cujo momento depende mais da profundidade da crise social do que da própria crise ecológica. Em outras palavras, a conversão da crise ecológica em crise social e, portanto, em sua transformação em uma luta de classes de um novo tipo. Se esta alcançar um nível suficiente, as forças dos oprimidos poderiam deslocar o capitalismo e aboli-lo. Então a humanidade poderia reconciliar-se com a natureza e reparar os danos à liberdade, a dignidade e ao desejo provocados pelas tentativas de dominá-la.



Titulo Original: Teoría do decrescimento. Tradução e Revisão por André Tunes @Nucleo de Estudos Autonomo Anarco Comunista.
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