Miguel G. Gómez (@BlackSpartak), Embat

Crítica ao Comunalismo

03/03/2025

  Os Limites do Comunalismo

  Alternativa ao Capitalismo?

  Alternativa ao Comunalismo

    Então, como faria uma comunidade autogerida comunalista para construir poder popular?

Os Limites do Comunalismo

Quando Abad de Santillán leu a Declaração Confederal do Comunismo Libertário em 1936, foi crítico. O pensador leonês acreditava que confundia comunismo com comunalismo: “[A Declaração] fala-nos de tudo, e por vezes com excesso de detalhes, exceto da organização do trabalho.” No espírito anarco-sindicalista da época, era vital pensar em como deveria ser formalizada a produção. Não é que a Declaração do Comunismo Libertário não abordasse o tema, mas faltava-lhe concretização.

Hoje encontramo-nos numa situação semelhante. Existe uma corrente que propõe o comunalismo como modo de vida. Há décadas que alguns setores dos movimentos sociais e do anarquismo propõem o regresso ao mundo rural como forma de superar o capitalismo. Um dos efeitos do capitalismo foi precisamente a concentração urbana causada pela desapropriação nas zonas rurais. Milhões tiveram de procurar sustento nas fábricas ou emigrar para o estrangeiro porque a vida nas suas aldeias se tornara inviável.

Assim, para inverter esse processo, a abordagem comum é abraçar uma vida idealizada que mistura trabalho agrícola com empregos técnicos ou administrativos. Ou seja, alguém pode ter um hectare de árvores de fruto, apanhar lenha e, ao mesmo tempo, trabalhar como técnico de som ou num município, dando oficinas ou ocupando um cargo mais estável. É apenas um exemplo para ilustrar a ideia.

Embora nem todas as pessoas partilhem os mesmos motivos, encontramos habitualmente dois tipos: os que cresceram em ambientes rurais e a eles regressam, e os que, provenientes de um nível sociocultural médio ou alto, fogem da cidade devido aos seus problemas. Nalguns casos, estes fugitivos urbanos adotam a ideia comunalista como ponto de partida para a sua atividade sociopolítica.

O comunalismo enfatiza a organização comunitária e local com base na cooperação, autonomia e uso comum dos recursos dentro de pequenas comunidades. O seu objetivo é promover comunidades autossuficientes, autogeridas e sustentáveis, baseadas na participação direta e na convivência harmoniosa com a natureza. Por isso, dá-se grande importância à economia local, ao cooperativismo, à autonomia e à descentralização, ligando-se através de redes mais ou menos informais, conforme o caso. Algumas redes são práticas, outras mais vivenciais.

Para clarificar a diferença: o comunismo procura a abolição das classes sociais, pretende instaurar a propriedade coletiva dos meios de produção e criar uma sociedade igualitária, onde os bens são propriedade comum e distribuídos segundo as necessidades de cada pessoa. Para isso, é necessário um certo nível de planeamento, tendo em conta os recursos existentes e as capacidades de produção, consumo e distribuição.

A poderosa produção cultural de Hollywood e o “senso comum” atual mostram claramente que o individualismo permeou a sociedade em todos os níveis, e que é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo. Segundo esse senso comum, não faz muito sentido lutar contra o capitalismo atual; é melhor afastar-se e viver uma vida mais ou menos livre nas suas margens. Envolver-se na vida sociopolítica das pequenas aldeias pode ser uma forma de manter-se ativo dentro do anticapitalismo militante. Mas muitas aldeias carecem de qualquer tipo de tecido social ou comunitário, e para militar em algo, há que ir para as cidades ou vilas maiores.

Alternativa ao Capitalismo?

É difícil imaginar uma alternativa ao capitalismo que não passe por um projeto de grande escala ou estruturado. Por isso, costumo pensar que os projetos comunais não são uma alternativa ao capitalismo entendido como modelo sistémico, mas sim alternativas ao capitalismo urbano, através de uma mistura de capitalismo rural, cooperativismo, troca, economias de dádiva e economia feminista. Para ser uma alternativa ao capitalismo, é preciso algo mais.

Em primeiro lugar, é necessário um modelo territorial. Nem toda a gente vive no campo, nem se pode propor seriamente que todos abandonem as cidades. Embora o comunalismo fale frequentemente a partir do meio rural, as aldeias de hoje já não são como antes; a sua economia não é totalmente agrícola (nem sequer maioritariamente). Fala-se de uma perspetiva romântica de um ruralismo que nunca existiu. O mundo rural atual é mais semelhante a uma vida dependente do turismo, posse individual de automóveis, e conforto tecnológico doméstico—isto é, um mundo plenamente inserido no capitalismo neoliberal, com todas as suas relações sociais.

Neste sentido, o comunalismo é mais uma aspiração por algo melhor do que uma memória de algo vivido. Seguindo o parágrafo anterior, trata-se de uma mudança nas relações sociais. Contudo, é necessário um projeto político que vá além da mera vivência ou microeconomia, que, pela sua constante necessidade de capital, não consegue escapar ao capitalismo.

Infelizmente, estas redes ou redes de redes ainda são frágeis, pouco estruturadas e subfinanciadas, e não podem ser consideradas uma alternativa ao capitalismo atual. Na melhor das hipóteses, oferecem uma vida melhor, e mesmo isso pode ser questionável dependendo da perspetiva.

O aspeto mais interessante é a recuperação dos bens comunais e comuns. Este é o ponto forte do comunalismo, pois surge do próprio território. Nesse sentido, converge com práticas tradicionais em alguns locais e resignifica o valor do comum na nossa sociedade. Pode ser visto como uma nova seiva na defesa do território e do bem comum. Nas últimas duas décadas, vimos a força de tais movimentos, que conseguiram travar grandes projetos de infraestrutura ou até criar “zonas libertadas”.

Uma crítica habitual é a falta de ligação entre estes projetos libertados ou comunais e os setores mais urbanos da esquerda. Quando muito, estes veem esses projetos como aventuras individuais (ou de pequenos grupos) que, quando enfrentam dificuldades, pedem solidariedade, e quando tudo corre bem, ficam em silêncio.

Porque nesta vida tudo é luta. O capitalismo deve ser desmantelado pela força da luta de classes e, nesse processo, deve emergir um poder popular massivo, criando espaços de contrapoder. Falo de contrapoder para além da comunidade intencional, passando ao município ou território alargado—ou seja, incluindo pessoas locais que não vieram de meios urbanos politizados.

Alternativa ao Comunalismo

Quando se fala em desmontar as cidades, imagino longas filas de carros com toda a bagagem. Imaginemos que fizemos a Revolução. Agora imaginemos que o Conselho Superior Comunal conclui que Madrid tem de desaparecer.

Não me parece realista pensar que os 5 milhões de habitantes de Madrid podem abandoná-la de uma só vez sem que isso cause enormes problemas de infraestrutura, distribuição, recursos ou mesmo segurança. Irão para lugares mais pequenos, com economias reduzidas, incapazes de oferecer emprego ou sequer alimentos suficientes para tanta gente.

Portanto, esse processo teria de durar décadas para ser viável e evitar o caos económico e social. Esses períodos caóticos gerariam muita insatisfação, que é sempre terreno fértil para os nossos adversários. Ou seja, a gestão deve andar sempre de mãos dadas com o planeamento.

Então, como faria uma comunidade autogerida comunalista para construir poder popular?

O primeiro passo seria envolver-se na vida política e associativa local. Se tens ideias revolucionárias, não podes viver desligado do que se passa à tua porta. Por isso, há que participar na vida comunitária local, mesmo que pareça atrasada ou insuficiente.

E se não existir nada, terá de ser criado. Haverá, naturalmente, pessoas locais que vejam com hostilidade as iniciativas novas. Talvez sejam descendentes de falangistas. Talvez odeiem os hippies da cidade que vêm dizer aos do campo como devem viver. Talvez as únicas associações existentes na aldeia até agora tenham sido a Igreja e o grupo de caçadores. O objetivo será manter o espaço a todo o custo e politizar a pouca juventude que houver. Pode também ser um ponto de encontro com pessoas de outros projetos da região. Por razões políticas, o espaço deve estar situado na aldeia, e não numa casa isolada que exija transporte. Se for possível usá-lo através de alguma entidade já existente, melhor.

O poder popular constrói-se a partir das lutas sociais. Mas se não houver luta social, é preciso focar-se na criação das estruturas necessárias. Por exemplo, nas zonas rurais, costumam existir sindicatos ou cooperativas agrícolas. Recentemente, houve mobilizações no campo com tratores incluídos. Em muitos territórios, estas mobilizações foram aproveitadas pela extrema-direita, embora nalguns casos também pelos seus opositores. É evidente que a falta de organizações sindicais com conotação de classe leva a que essas mobilizações se tornem reacionárias. Pode-se reverter isso? Se não se conseguir, podem-se criar outros sindicatos? Implementar o anarco-sindicalismo?

Em alguns territórios, esse enraizamento local constrói-se através de candidaturas políticas. É relativamente fácil conquistar um município pequeno. Este aspeto costuma ser rejeitado pelos anarquistas, mas muitas pessoas neorrurais não o consideram como algo a descartar. A realidade é que se pode vencer uma eleição. Há exemplos. Embora isso não sirva para mudar tudo—já que o município raramente tem competências para decisões realmente importantes—serve para travar o caciquismo e impedir que se roube ao povo.

Ao entrar numa dinâmica de luta de classes, a relação com as cidades torna-se mais óbvia. As lutas requerem recursos como advogados, espaços para assembleias e reuniões, dinheiro... Assim, a luta exige novas formalidades. E se falamos em fazer revoluções, é necessário um plano—ou seja, um programa.

Existem entidades que reclamam o comunalismo e têm um programa para chegar à sociedade pós-capitalista que desejam. Ainda assim, esse programa não contempla a cidade, como se esta se dissolvesse sozinha, ou como se a cidade capitalista pudesse tolerar um comunal pós-capitalista. Não podia estar mais em desacordo. Para conquistar um território, é necessário conquistar primeiro a sua população. O abandono das esquerdas dos bairros operários levou muitos à despolitização total, de que se aproveitam as igrejas evangélicas, os crypto-bros, os estalinistas ou os neofascistas. Alguns de nós entendemos que disputar esses espaços é precisamente uma tarefa estratégica nos dias de hoje. Nesses bairros vive um volume populacional tal que determinará a correlação de forças.

Porque como poderá o comunal resistir aos ataques das políticas fascistas? Basta tornar os bens comuns ou as ecoaldeias ilegais para desmontar décadas de trabalho. A grande batalha política está nas cidades, e é vital apelar à maioria social para a trazer para o nosso lado. Isso não impede a confluência com os projetos rurais mais interessantes, desde que não sejam bolhas e estejam ligados ao território que os rodeia.

Resumindo: bens comuns, sim; comunal, sim; mas dentro de um cenário de enraizamento local, de construção de comunidade, de construção de povo, e de criação de organizações sociais ou sindicais próprias que tenham interesse em organizar o maior número de pessoas possível. Isolamento, não; elitismo, não; milenarismo, não; mas sim ligação com as lutas urbanas anticapitalistas sob um programa comum que aponte não para o comunalismo, mas para uma sociedade comunista libertária em grande escala. E para isso, é evidente, são necessários planeamento, congressos e participação no debate geral dos movimentos anticapitalistas.

Miguel G. Gómez (@BlackSpartak)


Traduzido por Don Diego de la Vega