Levantaram de novo. Então, não conseguiram enterrar-vos. Esse espírito destrutivo do Estado que os encoraja, não é uma conseqüência do produto efêmero de uma exaltação juvenil, senão a expressão de uma necessidade vital e de uma paixão real, que surge das profundezas da vida popular.

Se vossas tendências revolucionárias não passassem de uma doença superficial, passageira, a simples ardência de uma vaidade juvenil, os meios heróicos que nosso governo tem empregado para destruir-vos, haver-se-ia já alcançado êxito a muito tempo. Faz muito tempo que vocês, renunciando a perigosa mania de pensar, rejeitando a tudo o que é humano no homem, haveriam se transformado em seres mais embrutecidos, entre a multidão de seres embrutecidos, oficiais e condecorados, que roubam o povo e devoram o país. Teriam merecido a indicação compatriota.

Apesar da sua tenra idade, a juventude culta e desclasada [1] da Rússia suportou uma série de tempestades. Em meus tempos, sob o regime ingenuamente despótico do imperador Nicolás seria preciso mais de vinte anos para passar pela metade das provas que vocês suportaram durantes estes oito ou nove anos.

Após os incêndios de 1861, durante e depois da insurreição polaca e, sobre tudo, depois do ato executado por Karakosov, o bom imperador Alexandre não poupou esforços para completar vossa educação política.

Animado, excitado por toda nossa literatura patriótica, pelos eslavófilos e pan-eslavistas, assim como pelos partidários da civilização burguesa do ocidente, por nossos fazendeiros e nossos liberais, utilizaram amplamente contra vocês de todos os meios que lhes foi legado pelos tártaros [2] e que, com o tempo, tem sido aperfeiçoada pela ciência burocrática dos alemães: espancamentos, torturas, enforcamento e morte por fome, cadeia perpétua, exílio em massa e trabalhos forçados, utilizando todos os meios disponíveis para medir vossas forças, vossa teimosia e vossa fé na causa do povo.

Nada os desmoralizou, vocês se mantiveram de pé: são fortes. Muitos de vossos camaradas morreram. Mas, por cada vítima enterrada, dez novos combatentes emergiram da terra... Aproxima-se o fim desse infame Império de todas as Rússias. De onde encontrais vossa força e vossa fé? Uma fé sem Deus, uma força sem esperança e objetivos pessoais! Onde encontrais essa capacidade de reduzir a nada, conscientemente, toda sua vida para enfrentar a tortura e a morte, sem vaidade ou retórica? Onde está a origem dessa idéia cruel de destruição e essa determinação friamente apaixonada perante a qual se põem um fim as energias e se gela todo o sangue de nossos inimigos?

Nossa literatura oficial e oficiosa, que pretende expressar o pensamento do povo russo, ficou completamente desmoralizada perante vocês. Eles não entendem nada.

Se vocês fossem servos fiéis ao imperador e ao Estado, espiões, carrascos, ladrões particulares ou públicos com ou sem direito a violência, canalhas inteligentes, liberais servis, assassinos de camponeses e polacos, se tivessem matado milhares ou dezenas de milhares de seres humanos, esta literatura teria os compreendido e anistiado, e se vocês tivessem os poucos meios e a vontade para provar sua resignação aos editores dos jornais, vos declarariam salvadores do Império, tal como fizeram com Muraviev o Carrasco.

Tudo é coisa normal na civilização bizantino-tártaro e germano-burocrática de nosso Estado; tudo isso não entra em contradição com o patriotismo oficial e oficioso do Império de todas as Rússias.

Se vocês fossem uma juventude idealista, doutrinária ou sentimental; entretida em sonhar com a ciência e com a arte. Com a liberdade e a humanidade somente em teorias, em conversas ou em livros, eles os perdoariam, levando em conta que os dignos veteranos dessa velha literatura também já tiveram seus tempos de juventude. Eles também sonharam quando eram só estudantes.

Entusiasmados com as belas teorias, também prometeram dedicar suas vidas ao culto do ideal, aos atos nobres, a serviço da liberdade e da humanidade.

Mais tarde entrou em jogo a experiência, uma experiência adquirida no mundo mais desprezível que se possa imaginar, e sob a influência desse mundo se converteram no que são hoje, uns canalhas. Mas relembram com ternura os dias de sua juventude e perdoariam vocês, especialmente quando estivessem convencidos que, com a mesma experiência e sob a influência da mesma realidade, vocês iriam em breve superar sua maldade.

O que eles nunca perdoarão é que vocês não querem ser nem ladrões nem sonhadores. Vocês desprezam tanto esse mundo odioso, cuja realidade o oprime, como o mundo ideal que até os tempos atuais tem servido de refúgio para as “almas puras” contra o despotismo da realidade. Aqui está o que aterroriza nossa literatura “patriótica”. Não sabem o que vocês querem, nem aonde vão.

Em seu desespero, o Sr. editores de jornais em São Petersburgo e Moscou encontraram uma saída. Decidiram unanimemente que o movimento atual da juventude russa tem sua origem em intrigas polacas. Não poderíamos imaginar algo mais covarde nem mais estúpido.

Não é uma cruel e desprezível covardia estimular o carrasco contra a vítima que está sendo torturada? E, além disso, tem que ser realmente estúpido para não compreender o abismo que separa o programa da grande maioria dos patriotas polacos do programa de nossa juventude, representante da idéia socialista e revolucionária do povo russo.

Entre a maioria dos patriotas polacos e nós não há nada em comum, a não ser um único sentimento e meta: o ódio contra o Império de todas as Rússias, e a firme vontade de destruir-lo por todos os meios e com a máxima rapidez.

Esse é o único ponto que estamos de acordo. Mais um passo e entre os dois se abre o abismo: nós queremos a abolição definitiva de tudo o que constitui o Estado, tanto na Rússia como fora da Rússia; quanto aos polacos só estão trabalhando pela reconstrução do seu Estado histórico.

Em nossa opinião, o sonho dos polacos não é bom. Como todo Estado, por mais liberais e democráticos que sejam suas formas, esmaga as massas populares que trabalham, em benefício de uma minoria que não trabalha.

Os polacos sonham com o impossível, por que no futuro os Estado não se reconstruirão, e sim cairão. Sem saber disso, nem querer-lo, sonham com uma nova escravidão de seu povo e se conseguissem realizar esse sonho, não pela força popular, que não se prestaria a isso, senão com a ajuda das baionetas estrangeiras, se converterão tanto em nossos inimigos como opressores do seu próprio povo.

Então, os converteremos em nome da revolução social e da liberdade de todo o mundo. Mas até esse ponto somos seus amigos e devemos ajudar-lhes, por que sua causa, a de destruição do Império de todas as Rússias, é também nossa causa.

Para os povos russos e não-russos presos hoje no Império de todas as Rússias, não existe inimigo mais perigoso e mais mortal que o próprio império.

Os patriotas polacos nunca entenderam, e por isso que sua influência sobre o movimento revolucionário da Rússia foi sempre nula. É uma lástima, pois existiriam vantagens evidentes tanto para eles como para nós merecer realmente a difamação da imprensa russa e ambos deveríamos conviver bem, ainda que seja apenas o primeiro ato que se anuncia da tragédia eslava; O que não nos impediria de separar-nos e inclusive de combater-vos nos três atos seguintes, à custa de reconciliarmos no quinto.

Não, não é a influência das intrigas polacas; é uma força de dimensões gigantescas que levanta e agita a juventude russa: o despertar da vida popular.

O reinado atual apresenta uma enorme semelhança com o reinado do csar Alexis, pai de Pedro o Grande, que apesar de sua imagem de bonachão, saqueou e destruiu o povo, para a maior glória do Estado e em proveito dos nobres e burocratas, assim como faz hoje o suposto emancipador dos camponeses, o excelente imperador Alexandro II.

Naquele momento, como agora, o infeliz povo, esmagado, torturado, levado a miséria suprema e dizimado pela fome, abandonou as aldeias e refugiou-se nas florestas. Hoje, como naquele momento, toda essa imensa população, finalmente tomando consciência da fraude imperial, se agita, esperando sua emancipação apenas pelos de baixo, pela via que lhe indicou, a exatos dois séculos, seu herói Stenka Razin [3].

Se sente que se aproxima um encontro sangrento, de uma última luta até a morte entre a Rússia popular e o Estado.

Quem triunfará desta vez? O povo sem dúvida nenhuma. Steka Razin era um herói, mas estava sozinho e acima de todos. Seu poder pessoal, realmente gigantesco, era, não obstante, insuficiente para resistir a força já em grande parte organizada do Estado. Morreu e todos morreram com ele. Agora as coisas serão diferentes. Não teremos provavelmente um herói tão poderoso e tão popular com Stenka Razin, que concentrou todas as forças das massas rebeldes em uma só pessoa. Mas será substituído por essa legião de jovens desclasados e anônimos que agora já se alimentam da vida popular e que permanecem extremamente unidos uns aos outros, pelo mesmo pensamento e a mesma paixão, e por um objetivo comum.

A garantia do triunfo popular reside na união da juventude com o povo.

Essa juventude só é invulnerável e forte porque sustenta seu pensamento e sua vontade implacável na paixão popular. Não busca seu próprio triunfo, senão o triunfo do povo. Tem atrás de si Stenka Razin. Não a pessoa do herói, senão o coletivo, e por isso mesmo invencível. Será toda essa magnífica juventude sobre a qual já planeja seu espírito.

Esse é o verdadeiro sentido do movimento atual, em aparência bastante inocente, e que apesar desse aspecto de inocência, alimenta-se do desgosto a todo nosso mundo oficial, oficioso e patrioticamente literário.

Amigos! Abandonem o quanto antes esse mundo condenado a destruição! Abandonem essas universidades, essas academias, essas escolas que agora os expulsam, elas nunca fizeram outra coisa que afastá-los do povo. Vão ao povo. É nele que deve estar sua carreira, sua vida e sua ciência. Aprenda em meio a essas massas com as mãos calejadas pelo trabalho como deveis servir a causa do povo. E lembre-se bem, irmãos, que a juventude culta não deve ser nem o amo, nem o protetor, nem o benfeitor, nem o ditador do povo, senão a vanguarda de sua emancipação espontânea, o coordenador e organizador dos seus esforços e de todas as forças populares.

Não se preocupem nesse momento em nome da qual se pretenderia vincular, confundindo-se. Esta ciência oficial deve perecer com o mundo do qual é expressão e ao qual serve; em seu lugar, uma ciência nova, racional e viva, surgirá depois da vitória do povo, exatamente das profundezas da vida popular liberada de suas cadeias.

Tal é a fé dos melhores homens do Ocidente, onde, assim como na Rússia, o velho mundo dos Estados fundados na religião, na metafísica, na jurisprudência, em uma palavra, na civilização burguesa, com seu complemento indispensável: o direito da propriedade privada hereditária e da família jurídica entra em colapso, se preparando para deixar seu posto ao mundo internacional e livremente organizado dos trabalhadores.

Mentem aqueles que dizem que a Europa encontra-se mergulhado em um sono profundo. Bem ao contrário, a Europa desperta, e só podem ser verdadeiramente surdo e cego para não dar-se conta da iminência de uma luta suprema.

Ao se organizar para esta luta e dar as mãos para além das fronteiras de todos os Estados, o mundo dos trabalhadores da Europa e da América os chama para uma fraternal aliança.

Genebra, maio de 1869.

Mikhail Bakunin

[1] Nota do Tradutor. Desclasado: No original em espanhol. Adj. Que já não pertence à classe social, geralmente alta, da qual provem.

[2] Nota o Tradutor. Há dois principais grupos vinculados aos povos tártaros, os do Volga e os de Crimeia, com duas línguas diferentes. No século XIII os tártaros entraram na Europa com as hordas de Gengis Khan. Nos séculos XV e XVI o janato de Kazán teve grande importância comercial e econômica, por sua vez fomentou a islamização das margens do Volga.

[3] Para explicar a gigantesca figura de Stenka Razin e o segredo de sua imensa popularidade seria necessário, em primeiro lugar, dar uma idéia da situação em que se encontrava o povo russo no século XVII. Até fins do século XVI, esse povo foi livre, e só na última década deste século os camponeses, que até então haviam conservado sua liberdade de movimento, se converteram em servos da gleba. A idéia tradicional, e que constitui ainda hoje o essencial da consciência popular na Rússia, é que toda a terra pertence ao povo. A outra idéia, tão antiga como a anterior, é que o povo deve administrar seus próprios assuntos a partir das resoluções das assembléias comunais, da qual fazem parte todos os chefes de família. Estas duas idéias se encontram tão profundamente arraigadas na consciência do povo russo que, a pesar de sofrer três séculos de escravidão, as conserva intactas ainda hoje. Serão a mesma base de sua próxima organização política. O povo russo profundamente socialista por instinto, assim como por tradição, carece de educação política. Isso explica que, sendo livre antes, ainda pode ser jogado na escravidão. Contrariamente ao que aconteceu no Ocidente, onde o poder monárquico se desenvolveu através de uma aliança da Coroa com o povo contra a nobreza proprietária, na Rússia tal poder se baseou na aliança da Coroa, da nobreza e do clero contra o povo. Isso explica também por que a nobreza e o clero russos se mantiveram sempre como escravos voluntários do Csar, e este, em recompensa, lhes garantia a escravidão dos camponeses, é por isso que o povo tem sido em todos os tempos, e continua sendo, o único sujeito revolucionário real e sério na Rússia. As comunas se sublevaram em massa contra o poder do Csar, do clero, da nobreza e da burocracia moscovita, nos primeiros anos do século XVII, este foi reconstruído pela eleição livre de um czar novo, cujo filho o Csar Alexis (1645-1676), esquecendo de todas as promessas juradas pelo seu pai, enterrou o povo russo e os camponeses em uma escravidão que até então não tinham idéia. Chegava na metade do reinado de Alexis quando explodiu a célebre revolta de Steka Razin. Stenka Razin era um homem notável pela sua inteligência e vontade. Era um homem de ferro, que desconhecia a piedade até para si mesmo, e obviamente para os demais. Era apenas um cossaco do Don. Seu pai havia sido enforcado pelo príncipe Dolgoruki, comandante de um exercito moscovita levantado contra a Polonia. Stanka Razin fugiu ao Volga em 1667. Ali formou uma [...] com a qual desceu de barco até o mar Caspio, pilhando as costas persas e regressando de novo ao Don, carregado os produtos roubados. Em 1670, reapareceu no Volga e declarou guerra a morte a toda a nobreza, a burocracia e ao clero, proclamando a liberdade dos camponeses com plena posse da terra. Todo o povo, entre o Oka e o Volga, se uniu a ele, matando todos os nobres, os funcionários do Csar e os padres. Em pouco tempo, Stenka Razin havia conquistado Astraján, Tsaritsin, Saratov. Seu procedimento era muito simples: Todo aquele que não pertencia ao povo era executado, deixando ao povo a tarefa de expropriar a terra e organizar-se por si mesmo. Em qualquer lugar que Stenka Razin ocupasse, a comuna livre dos camponeses em posse da terra se levantava e se organizava. Depois que Steka Razin vencia as tropas regulares, sua primeira preocupação consistia em matar todos os oficiais, usando de seu próprios soldados, advertindo estes que não declarava guerra contra eles, que eram livres para unir-se a ele ou ir embora. Mas se escolhiam ir embora, ele os perseguia e matava. Onde quer que fosse, antes de qualquer coisa queimava todas as atas, todos os papeis do Csar, mas, segundo vimos, não isentava os homens do castigo. De forma alguma era religioso, e quando lhe censuravam por que matavam os padres, lhes respondia: “O que? Você precisa de um padre? Quer se casar? Pois passais três vezes em volta de uma árvores e o assunto está encerrado”. No sentido inverso, foi um poeta, e escreveu grandes canções sobre bandidos que ainda se cantam no Volga e em toda a Rússia. O fizeram prisioneiro em 1671 e foi conduzido a Moscou, onde o povo lhe esperava como um libertador, e depois de ser torturado, foi decapitado. Em meio as mais terríveis torturas, não proferiu nenhum gemido. Este ainda é o melhor herói da lenda popular. O povo russo, supersticioso mas não religioso, e supersticioso unicamente quando a superstição coincide com seus desejos, espera o seu retorno em 1870.