Título: Discurso do cidadão Bakunin a uma Assembleia Pública de socialistas estrangeiros
Data: 23 de novembro de 1868, Genebra
Fonte: BAKUNIN, Mikhail. Obras seletas I. Tradução: Plínio Augusto Coelho. São Paulo: Intermezzo, 2016. pp. 63-67.

Após ter dito que a Assembleia não se reunira apenas para prestar homenagem à memória do bravo republicano Baudin, assassinado pelos bandoleiros de dezembro, mas ainda para exprimir seu devotamento aos princípios da República democrática e social, o cidadão Bakunin exprimiu-se nesses termos:

Somos socialistas, isto é, desejamos todos:

A igualdade das condições políticas, econômicas e sociais para todos;

A igualdade dos meios de sustento, de educação, de instrução para todas as crianças dos dois sexos – e aquela dos meios de trabalho para todos os homens viris e para as mulheres.

Queremos a justiça social e a liberdade real de cada ser humano pela solidariedade de todos;

Queremos a Fraternidade de todos os seres humanos sobre a terra, sem distinção de nações, cor e raça.

Queremos que a paz reine no mundo, fundada na razão esclarecida pela ciência, fundada na justiça humana, isto é, na liberdade, na igualdade e na universal fraternidade. Mas quem quer o fim, deve querer os meios. Devemos, pois, querer a abolição de todas as fronteiras políticas criadas pela violência dos Estados. Queremos a supressão dos Estados, seu desaparecimento na organização livre e universal da sociedade humana.

Quem diz Estado, diz fortaleza, diz separação violenta de uma porção da humanidade de todas as outras porções igualmente aprisionadas em outros Estados; diz rivalidade, concorrência e guerra perpétua dos Estados; diz conquista, espoliação e massacre patriótico e glorioso no exterior e no interior: opressão e exploração legalizada e regulada do trabalho popular, em proveito de uma minoria dominante.

A paixão correspondente a essa dupla manifestação dos Estados chama-se patriotismo. Não queremos mais patriotismo, pois queremos a justiça, o direito humano e a fraternidade humana.

Quem diz Estado, diz privilégio. O privilégio por excelência que serve de fundamento a todas as outras injustiças políticas e sociais é a propriedade individualmente hereditária.

Essa propriedade tem por elementos, de início, seu ponto de partida, sua base histórica e real: a conquista, um fato sangrento e brutal, um delito contra a humanidade e contra a justiça, uma espoliação ou um massacre qualquer e, na maioria das vezes, ambos simultaneamente; em seguida, a consagração do ato violento realizado pela religião – a divindade tendo tomado em todos os tempos o partido dos mais hábeis e dos mais fortes; dessa consagração resultou o direito jurídico, a injustiça petrificada, sistematizada e legalizada. O conjunto de tudo isso se chama – Estado político.

Queremos, portanto, a abolição desse Estado, porque ele não tem outra missão senão proteger a propriedade individual; e nós queremos a abolição da propriedade individual porque enquanto ela existir, haverá necessariamente desigualdade. A sociedade permanecerá partilhada em duas porções, das quais uma – a minoria dominante e exploradora – será composta de todos os felizes da terra, nascendo na fartura, graças a essa lei de herança, e recebendo da sociedade a educação, a instrução e todos os meios materiais e intelectuais, políticos e sociais para continuar essa obra de exploração. A outra porção abarcará as massas populares, todos esses milhões de trabalhadores que não herdam senão a miséria e a ignorância forçada de seus pais, e que se verão eternamente condenadas a um trabalho excessivo que, mal lhes dando do que viver, aumentará o bem-estar, o luxo e a civilização dos burgueses.

No lugar da propriedade individual, queremos a propriedade coletiva, e no lugar dos Estados, a organização cada vez mais universal da sociedade humana, pela federação livre das associações produtivas, industriais e agrícolas. No lugar de uma organização social fundada no privilégio e na política dos Estados, queremos uma organização que não terá outra base senão o trabalho, senão a justa e fraternal repartição de todos os produtos do trabalho.


Em seguida, o cidadão Bakunin fala da Associação Internacional dos Trabalhadores.

Essa Associação, nascida há apenas quatro anos, já se tornou uma grande força, reconhecida como tal por todos os políticos da Europa. Ao formar-se, ela havia propositalmente eliminado de seu programa todas as questões políticas, deixando a política – essa manifestação da vida dos Estados, aos privilegiados dos Estados – aos burgueses. Quanto a ela, colocou-se, de início, um único objetivo: a Emancipação dos trabalhadores de todos os países do jugo do capital.

Uma longa e dura experiência havia demonstrado aos fundadores da Associação que esse objetivo não podia ser alcançado senão pelos esforços combinados, pela aliança e pela solidariedade dos trabalhadores de todos os países; a ciência econômica veio, por sua vez, confirmá-los nessa convicção, demonstrando-lhes a universalidade da questão social, que nenhum país, por mais avançado e mais extenso que seja, poderia resolver sozinho, porque enquanto a concorrência dos Estados existir, haverá concorrência necessária e permanente entre as classes e os indivíduos; mas essa concorrência é a guerra, é a exploração e a opressão mútuas.

A Associação Internacional, consciente e voluntariamente estranha a toda política, deu, portanto, um único passo, fez um único ato com vistas à grande questão da emancipação de todos os trabalhadores no mundo. Mas esse ato e esse passo são imensos; eles contêm toda a revolução.

Ao proclamar o direito dos trabalhadores à exploração solidária de todos os capitais produzidos pelo trabalho acumulado das gerações passadas, ela proclamou a destituição, não do capital, mas da monopolização do capital – a destituição da propriedade individual, do direito de herança, isto é, do direito hereditário da exploração do trabalho alheio – ela proclamou a propriedade coletiva.

Ao proclamar a solidariedade dos trabalhadores de todos os países, ela atacou as fronteiras e começou a destruição dos Estados. Ela matou o patriotismo, essa paixão, essa virtude interesseira dos burgueses.

Pelo próprio fato de sua organização e de sua existência, ela aboliu, renegou a existência de todas essas inumeráveis pátrias que, do ponto de vista da política aristotélica e burguesa, dividem ainda hoje a Europa e o mundo, de sorte que, para os trabalhadores, só restam agora dois países estrangeiros no mundo, duas pátrias que, divididas por seus princípios, suas aspirações e seus interesses, logo se farão uma guerra mortal: uma chama-se capital, propriedade individual, monopólio, exploração, opressão – em resumo, reação; a outra, trabalho, direito humano, liberdade de todos pela igualdade de todos, justiça e fraternidade – a Revolução.

Não é isso, cidadãos, o que chamamos de questão social? Não é isso o princípio que deve assegurar o triunfo da república democrática e social?

Eis, após a condenação de toda política burguesa, a verdadeira, a única política da Associação Internacional dos Trabalhadores.

Assim, ao mesmo tempo que se declarou estranha à nossa política, essa grande associação realizou o mais importante ato e fato político de nossos dias. Ela inaugurou a política do povo: aquela da negação da propriedade individualmente hereditária e da destruição dos Estados.

Retorno a Baudin. Era um bravo cidadão. Morreu como só os heróis morrem, sem esperança de triunfo, mas fiel até ao último momento à sua fé. Ele foi buscar a morte após ter tentado em vão sublevar o povo contra os massacradores de dezembro.

Os operários não quiseram segui-lo. Eles erraram, tiveram razão? Pois bem, cidadãos, penso que eles erraram e acertaram simultaneamente.

Eles tiveram razão contra essa assembleia reacionária que Napoleão, por seu golpe de Estado, havia dissolvido. Pois não se deve falar sempre das vítimas de dezembro – falemos também daquelas de junho.

Aqui, sobretudo, no meio dessa assembleia completamente popular, não devemos esquecer essas vítimas da causa do povo, esses milhares de bravos operários que foram massacrados pelas guardas nacionais burguesas, porque reivindicaram o direito popular – os meios da vida e da liberdade popular. A ferocidade burguesa de junho preparou a ferocidade pretoriana de dezembro. Cavaignac foi o precursor de Napoleão.

Pois bem, essa assembleia nacional, que se chamava, então, assembleia constituinte, após os massacres de junho, acolheu o General Cavaignac como o salvador da civilização, isto é, da burguesia, como seu salvador; ela amaldiçoou e caluniou as vítimas e coroou de louros o carrasco. Depois de todas essas medidas, todas as leis que ela promulgou tiveram um único objetivo: aquele de destruir uma a uma todas as liberdades que o povo havia conquistado em fevereiro. Eis por que os operários, por sua vez, tiveram razão, mil vezes razão, de não se sublevar para a conservação dessa assembleia reacionária e burguesa tanto quanto para a república completamente reacionária e burguesa criada por essa assembleia.

Mas se os operários tiveram razão em relação a ela, eles erraram mil vezes em relação a eles próprios. Eles devem sublevar-se contra o tirano, não em nome da república burguesa, mas em nome da república democrática e social, em nome da vida, do pão e da liberdade populares. Pois não há mais monstruosa ilusão, nem mais monstruosa aliança do que aquela do povo dos trabalhadores com a ditadura, qualquer que seja, mas sobretudo com a ditadura militar.

Dezessete anos de opressão e aviltamento demonstraram essa verdade elementar ao povo. Ele não buscará mais sua salvação no poder de um charlatão coroado, nem de um criminoso feliz. Ele logo destruirá, espero-o, a força dos fuzis, das baionetas e do sabre. Mas os destruirá não para os burgueses, mas para ele próprio.