Título: Dois discursos no Congresso da A.I.T. em Basileia
Data: 10 de setembro de 1869, Basileia
Fonte: BAKUNIN, Mikhail. Obras seletas I. Tradução: Plínio Augusto Coelho. São Paulo: Intermezzo, 2016. pp. 69-71.
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  I

  II

I

Entre os coletivistas que pensam que, após ter votado a propriedade coletiva, torna-se inútil votar a abolição do direito de herança, e os coletivistas que, como nós, pensam que é útil e, inclusive, necessário votá-la, há só uma simples diferença de ponto de vista.

Eles situam-se em pleno futuro e, tomando por ponto de partida a propriedade coletiva, pensam que já não há mais motivo para falar do direito de herança.

Partimos, ao contrário, do presente; encontramo-nos sob o regime da propriedade individual triunfante, e caminhando rumo à propriedade coletiva, encontramos um obstáculo: o direito de herança.

Pensamos, portanto, que é necessário derrubá-lo, aboli-lo.

O relatório do Conselho geral diz que o fato jurídico, sendo apenas a consequência de fatos econômicos, basta transformar este último para aniquilar o primeiro.

É incontestável que tudo o que se chama direito jurídico ou político nunca foi outra coisa na história senão a expressão ou o produto de um fato consumado. Mas também é incontestável que, após ter sido um efeito de atos ou de fatos anteriormente realizados, o direito torna-se, por sua vez, a causa de fatos ulteriores, torna-se ele próprio um fato muito real, muito poderoso, e que é preciso derrubar se se quiser chegar a uma ordem de coisas diferente daquela que existe.

É assim que o direito de herança, depois de ter sido a consequência natural da apropriação violenta das riquezas naturais e sociais, tornou-se mais tarde a base do Estado político e da família jurídica, que garantem e sancionam a propriedade individual. Assim, devemos votar a abolição do direito de herança.

Falaram-nos muito de prática. Pois bem, é em nome da prática que convido-vos a votar a abolição do direito de herança.

Disseram hoje que a transformação da propriedade individual em propriedade coletiva reencontrará graves obstáculos entre os camponeses, pequenos proprietários de terra.

E, com efeito, se após ter proclamado a liquidação social, tentassem desapossar por decreto esses milhões de pequenos cultivadores, eles seriam necessariamente lançados na reação, e para submetê-los à revolução, seria necessário empregar contra eles a força, isto é, a reação.

Será necessário, portanto, deixá-los como possuidores de fato dessas parcelas das quais eles são hoje os proprietários. Mas se não abolirdes o direito de herança, o que ocorrerá, então?

Eles transmitirão essas parcelas a seus filhos, com a sanção do Estado, a título de propriedade.

Conserveis, eternizareis a propriedade individual da qual votastes a abolição necessária e a transformação em propriedade coletiva.

Se, ao contrário, ao mesmo tempo que fareis a liquidação social, proclamardes a liquidação política e jurídica do Estado, se abolis o direito de herança, o que restará aos camponeses?

Nada além de possessão de fato, e essa possessão, privada de toda sanção legal, sem se abrigar mais sob a proteção poderosa do Estado, deixar-se-á facilmente transformar sob a pressão dos acontecimentos e das forças revolucionárias.


II

A ausência dos representantes da agricultura não é uma razão para contestar no Congresso o direito de pronunciar-se sobre a questão de propriedade. O Congresso é só uma minoria, mas houve em todas as épocas uma minoria que representou os interesses da humanidade inteira. Em 89, a minoria burguesa representava os interesses da França e do mundo; ela conduziu ao advento da burguesia. Uma protestação faz-se ouvir em nome do proletariado, aquela de Babeuf; somos seus continuadores, nossa pequena minoria logo será maioria.

Contrariamente ao que se disse, é a coletividade que é a base do indivíduo; é a sociedade que faz o homem; isolado, ele não conseguiria nem mesmo aprender a falar e pensar. Que não sejam citados os homens de gênio e suas descobertas, Arago, Galileu etc.; eles nada teriam inventado sem o trabalho das gerações anteriores; há alguém que tem mais espírito do que Voltaire, é o mundo. O maior gênio, se ele vivesse desde a idade de cinco anos em uma ilha deserta, não produziria nada; o indivíduo não é nada sem a coletividade. A propriedade individual não foi e não é senão a exploração do trabalho coletivo; não se pode destruir essa exploração senão estabelecendo a propriedade coletiva.

[…]

Voto a favor da coletividade, em particular do solo, e em geral de toda a riqueza social no sentido da liquidação social.

Entendo por liquidação social a expropriação em direito de todos os proprietários atuais, pela abolição do Estado político e jurídico, que é a sanção e a única garantia da propriedade atual e de tudo o que se chama direito jurídico; e a expropriação de fato, em toda a parte e enquanto ela for possível, pela própria força dos acontecimentos das coisas.

Quanto à organização posterior, considerando que todo trabalho produtivo é um trabalho necessariamente coletivo, e que o trabalho denominado impropriamente individual é ainda um trabalho coletivo, porquanto só se torna possível graças ao trabalho coletivo das gerações passadas e presentes, concluo pela socialização das comunas proposta pela maioria da comissão, tanto mais porque essa solidarização implica a organização da sociedade de baixo para cima, enquanto o projeto da minoria fala-nos do Estado.

Sou um antagonista resoluto do Estado e de toda política burguesa do Estado.

Reivindico a destruição de todos os Estados nacionais e territoriais, e, sobre suas ruínas, a fundação do Estado internacional dos trabalhadores.