Murray Bookchin
Urbanização Contra Cidades
(capítulo do livro “Urbanização sem Cidades: a Ascensão e o Declínio da Cidadania”, de Murray Bookchin - 1992)
Urbanização Contra Cidades
(capítulo do livro “Urbanização sem Cidades: a Ascensão e o Declínio da Cidadania”, de Murray Bookchin - 1992)
O título desse capítulo foi deliberadamente escrito no intuito de criar um paradoxo na mente do leitor. Como, pode-se perguntar, podemos falar de urbanização contra cidades? As duas palavras, "urbanidade" e "cidade," geralmente são consideradas sinônimos. De fato, como costuma-se pensar, uma cidade é por definição uma entidade urbana, e uma entidade urbana, por sua vez, é certamente considerada uma cidade.
No entanto, farei um grande esforço para mostrar que elas estão em nítido contraste uma com a outra—na verdade, que são amargas antagonistas. Minhas razões para fazer uma distinção tão heterodoxa entre urbanização e cidadania não se dão por uma mera brincadeira semântica. A contradição forma a própria razão para escrever este livro. "Urbanização contra cidades" visa focar o mais nitidamente possível em uma crise humana e ecológica tão profunda que mal estamos cientes de sua existência, muito menos de seu grave impacto na liberdade social e na autonomia pessoal. Refiro-me ao declínio histórico da cidade como uma arena autêntica da vida política (que um dia viveu em algum equilíbrio com o mundo natural) e, talvez não menos significativamente, ao declínio da própria noção de cidadania.
De acordo com a maioria dos teóricos sociais, a "contradição" tradicional criada pelo surgimento do urbanismo tem sido o "conflito" ancestral da cidade com o campo. A História, nos é comumente dito, está repleta de inúmeros exemplos dos esforços da cidade para se libertar das amarras do paroquialismo agrário. A cidade, enfatiza-se, sempre tentou afirmar sua cultura cosmopolita e instituições cívicas seculares sobre o provincianismo estreito e os vínculos familiares restritivos das cidades e vilarejos rurais. Consideramos como um fato natural que, desde a antiguidade até os tempos modernos, a cidade e o campo estiveram em "guerra" uma com a outra. Historicamente, essa "guerra", supõe-se, que esteve representada pelos interesses conflitantes entre o senhor feudal e o mercador urbano, o agricultor cultivador de alimentos e o artesão residente na cidade, o aristocrata e o capitalista, o camponês e o operário.
É verdade que tais conflitos existiram ao longo da história e ecoam na sociedade moderna. Ainda conservamos visões arraigadas de uma vida pastoral purificadora e virtuosa que se contrasta moralmente com o mundo corrompido e pecaminoso da cidade. O contraste tem sido o tema de invectivas bíblicas, de alguns dos nossos romances mais notáveis e um ponto central nos escritos de muitos sociólogos distintos. No entanto, tomado como um todo, esse drama maniqueísta pode ser uma simplificação grosseira da realidade. É certamente verdade que cidade e campo se viram antagonisticamente no passado. E houve longos períodos da História em que cada um tentou afirmar domínio econômico e político sobre o outro. Mas também houve momentos em que eles coexistiram em um equilíbrio excepcionalmente sensível, criativo e ecológico. Algumas das mais admiráveis aventuras humanas em cultura, técnicas e liberdade social ocorreram precisamente nesses períodos em que uma relação complementar entre cidade e campo, de fato entre sociedade e natureza, substituiu com sucesso a rivalidade mútua pelo domínio.
Hoje, parece que a cidade finalmente alcançou uma completa dominância sobre o campo. De fato, com a expansão dos subúrbios para terras abertas próximas em uma escala sem precedentes, a cidade parece estar literalmente devorando os mundos agrário e natural, absorvendo cidades e vilarejos adjacentes em entidades metropolitanas em expansão—uma forma de canibalismo social que poderia facilmente servir para nossa própria definição de urbanização. Apesar de toda a ideia sobre Babilônia e Roma como metropolitanas, não temos paralelos comparáveis no passado com a urbanização em escala atual. Pior ainda, a cidade parece estar substituindo a cultura rural e todas as suas ricas formas tradicionais pelos meios de comunicação de massa e valores tecnocráticos que tendemos a associar com a "vida urbana". Se tudo isso é verdade—como eu francamente acredito que é—planejo introduzir neste livro uma qualificação bastante discordante. Contrariando a maioria das opiniões sobre o assunto, planejo mostrar que, se usarmos palavras como "cidade" e "campo" de maneira significativa para descrever esse processo de canibalismo urbano físico, cultural e ecológico, a imagem de uma "cidade" devoradora que está engolindo um "campo" submisso e indefeso é um mero mito.
A verdade é que a cidade e o campo estão acossados hoje—sob um cerco que ameaça o próprio lugar da humanidade no ambiente natural. Ambos estão sendo subvertidos pela urbanização, um processo que ameaça destruir suas identidades e sua vasta riqueza de tradições e variedade. A urbanização está devorando não apenas o campo; está também devorando a cidade. Está devorando não apenas a vida das cidades e vilarejos baseada nos valores, cultura e instituições alimentadas por relações agrárias. Está devorando também a vida urbana baseada nos valores, cultura e instituições alimentadas por relações cívicas. O espaço urbano, com sua proximidade humana, bairros distintos e política de escala humana—como o espaço rural, com sua proximidade com a natureza, seu alto senso de ajuda mútua e suas fortes relações familiares—está sendo absorvido pela urbanização, com seus traços sufocantes de anonimato, homogeneização e gigantismo institucional.
Se a urbanização, tanto da cidade, quanto do campo é desejável é uma questão que eu explorarei com seriedade. Mas não posso enfatizar o suficiente que, mesmo se pensarmos nos antigos termos de cidade versus campo e nos únicos contrastes políticos que tal imaginação tradicional cultivou, o conflito entre cidade e campo tornou-se em grande parte obsoleto. A urbanização ameaça substituir ambos os competidores nesse antagonismo aparentemente histórico. Ela ameaça absorver ambos em um mundo urbano sem rosto, no qual as palavras "cidade" e "campo" se tornarão essencialmente arcaísmos sociais, culturais e políticos.
Talvez nossa maior dificuldade em compreender a urbanização e seu grave impacto na vida social e pessoal hoje decorra de nossa tendência a associá-la à nossa ideia muito ingênua de cidade. Frequentemente, estamos satisfeitos em chamar qualquer entidade urbana de "cidade" se ela for demograficamente congestionada, estruturalmente grande e, mais significativamente, habitada por indivíduos cujo trabalho não lida mais diretamente com o cultivo de alimentos. A urbanização, assim como a cidadania, parece atender a esses critérios de tal forma que comumente identificamos as duas e as distinguimos mais como uma questão de grau do que de tipo. Assim, tendemos a considerar uma vasta área metropolitana apenas como uma cidade excessivamente grande, ou pode ser uma aglomeração de "cidades" compactas que os americanos chamam de "cinturões urbanos" e os britânicos chamam de "conurbações".
É verdade que estamos achando cada vez mais difícil, ao refletir cuidadosamente, considerar os cinturões urbanos e as conurbações como apenas cidades. Sentimos desconforto ao perceber que elas são algo mais—se não algo mais novo—do que o que as gerações anteriores chamavam de cidades. O que nos confunde sobre essas questões perplexas é que as pessoas que vivem nessas novas entidades urbanas estão claramente engajadas em ocupações do tipo urbano e parecem seguir modos de vida urbanos. Cada vez mais afastados do mundo natural, os habitantes metropolitanos raramente, se é que alguma vez, ganham a vida como agricultores, embora a jardinagem urbana e suburbana tenha se tornado popular nos últimos anos. Eles estão empregados em trabalhos urbanos, sejam profissionais, gerenciais, orientados para serviços, orientados para artesanato, ou similares. Eles vivem de maneira altamente acelerada e culturalmente urbana que se encaixa em horários fixos mecanicamente—notavelmente, o padrão "nove às cinco"—em vez de seguir ciclos agrários guiados por mudanças sazonais e ritmos pessoais do amanhecer ao anoitecer. Os ambientes urbanos são altamente sintéticos, em vez de naturais. A comida é normalmente comprada, em vez de cultivada. As habitações tendem a ser concentradas, em vez de dispersas. A vida pessoal não está sujeita ao considerável escrutínio público que encontramos em pequenas cidades ou enraizada nos fortes sistemas de parentesco que encontramos no campo. A cultura urbana é produzida, embalada e comercializada como um segmento do tempo de lazer do cidadão da cidade, não incorporada à totalidade da vida diária e sacralizada pela tradição como no mundo agrário.
Que a vida no campo está se tornando cada vez mais semelhante à vida urbana e perdendo seus atributos naturais mais simples é um ponto que se tornará altamente relevante para os propósitos de nossa discussão. No presente, o que importa é que a distinção mencionada ainda existe na imagem do que chamamos de urbanização (concebida como cidadania) em contraste com a ruralização.
Superficiais que essas continuidades e contrastes possam ser, eles começam a se dissolver completamente quando começamos a explorar a história para padrões mais ricos e completos do que queremos dizer com a palavra “cidades”. Uso o plural, cidades, com intenção: apesar de certas semelhanças, as diferenças entre as cidades do passado também têm importância considerável. A história nos apresenta uma ampla gama de cidades únicas e distintas— as mais antigas na Suméria, centradas em torno de templos; as mais recentes, como Babilônia, em torno de palácios; as democracias gregas mais dinâmicas em torno de praças cívicas que promoviam a interação cidadã; medievais e mais recentes, em torno de uma variedade de mercados diferentes. Independentemente de quão diversificadas as cidades possam ter sido no passado, nossa linguagem lhes confere prestígio considerável. O termo civilização tem sua origem em civitas—uma palavra latina ocasionalmente usada para cidade—e denota a sofisticação cultural que o mundo ocidental tradicionalmente atribuiu a algum tipo de urbanismo. A maioria de nossas visões utópicas, sejam celestiais ou terrestres, toma a forma de uma cidade, uma "Nova Jerusalém" para falar em termos sagrados, ou uma versão idealizada da "cidade-estado" helênica para usar uma linguagem secular.
Aqui encontramos abruptamente os limites do termo urbanização como sinônimo de cidadania. A urbanização não se encaixa confortavelmente em uma imagem da cidade extraída de comunidades teocráticas, monárquicas, democráticas e econômicas habitadas por artesãos e pequenos comerciantes engajados em uma economia natural. Nossos cinturões urbanos e conurbações são vastos motores para operar grandes empresas corporativas, redes industriais, sistemas de distribuição e mecanismos administrativos. Suas instalações, como seus edifícios imponentes, se estendem quase infinitamente pela paisagem, até começarem a perder toda definição e centralidade. É difícil situá-los em um templo, palácio, praça pública ou no pequeno e íntimo mercado de artesãos e comerciantes. Dizer que eles têm algum centro específico que lhes confere identidade cívica é muitas vezes tão inadequado que chega a ser absurdo, mesmo que se permita centros que persistem desde eras passadas, quando as cidades ainda eram áreas claramente delimitadas para associação humana.
O que, então, as nossas cidades pré-modernas com sua rica diversidade de formas e funções têm em comum? Chegamos a uma característica básica da vida urbana que é resultado não apenas da proximidade humana, tamanho estrutural, ocupações e uma cultura urbana. O que as grandes cidades do passado compartilham—independentemente de suas diferenças—são amplamente atributos morais, muitas vezes espirituais, com raízes profundas em um ambiente natural que as distinguem nitidamente dos atributos físicos que associamos à urbanização. As cidades do passado, desde seus primórdios, eram, em última análise, o que eu chamaria de "comunidades do coração"—associações morais que eram nutridas por um senso compartilhado de compromisso ideológico e preocupação pública. A ideologia e a preocupação cívicas giravam em torno de uma forte crença na vida boa para a qual a cidade fornecia a arena e o agente catalisador. A vida boa não significava de forma alguma uma vida de riqueza, prazeres pessoais e segurança material. Mais frequentemente, significava uma vida de bondade, virtude e probidade. Esse senso de vocação cívica podia assumir uma forma altamente espiritual, como encontramos na reverência dos judeus por Jerusalém, ou uma forma altamente ética, como na admiração dos gregos por Atenas. Entre esses extremos emotivos e intelectuais, os habitantes das cidades do passado tendiam a formar "compactos sociais" que eram guiados não apenas por considerações materiais e defensivas, mas por lealdades às suas cidades moldadas por compromissos ideológicos ricamente detalhados.
O amor pela própria cidade, um profundo e duradouro senso de lealdade ao seu bem-estar, e uma tentativa de colocar esses sentimentos dentro de um rico contexto moral e ecológico, seja dado por Deus ou intelectual, claramente distingue a maioria das cidades das eras passadas das cidades atuais. Praticamente não temos equivalente na cidade moderna ao senso de espiritualidade cívica do Oriente Médio, ao sentimento grego de afiliação política, ao afeto medieval à fraternidade comunitária e ao amor renascentista pelo esplendor urbano que infundiu a cidadania antes díspar. Essas lealdades, com suas bases morais, podem persistir nos residentes das cidades modernas, mas mais como um apetite fervoroso pelo estímulo material, cultural e nervoso do que hoje designamos como boa vida do que como um produto da robustez ética, compromisso espiritual e senso de virtude cívica que marcou a cidadania das eras anteriores. Isso também significava um amor pela terra, pelo lugar e pela natureza que fez emergir uma rica sensibilidade ecológica e respeito pelo campo.
Para falar com sinceridade, nossa relação atual com a cidade geralmente assume a forma de requisitos materiais muito pragmáticos. Uma cidade moderna, subúrbio, cidade ou, por que não, uma vila é frequentemente avaliada em termos dos "serviços municipais" que oferece aos seus residentes. As características tradicionais religiosas, culturais, éticas e ecológicas que outrora cativavam os cidadãos com sua cidade e seus arredores naturais se dissolveram em critérios quantitativos, muitas vezes eticamente neutros. A cidade é o primeiro fundo no qual fazemos uma série de investimentos sociais com o propósito explícito de receber um número de retornos distintamente materiais. Esperamos que nossas pessoas e propriedades estejam protegidas, nossos abrigos sejam preservados, nosso lixo seja removido, nossas estradas sejam reparadas, nosso ambiente seja fisicamente e socialmente limpo—ou seja, poupado da invasão de "elementos indesejáveis".
Sem dúvida, queremos que nossas cidades sejam culturalmente estimulantes, economicamente viáveis e atraentes em reputação. Mas tais conquistas não são necessariamente uma função da cidade em si. Elas frequentemente dependem dos resultados da iniciativa pessoal, da presença de tipos individuais que residem nela por virtude de nascimento ou escolha. Para que uma cidade reivindique um filho famoso—e, mais recentemente, uma filha famosa—não reflete necessariamente bem sobre a reputação da cidade por produzir pessoas talentosas ou renomadas, mas sim sobre os dons individuais de um ou mais de seus residentes. Isso não nos dá evidências do ambiente cultural da cidade, mas dos dons e biografia específicos de uma pessoa, que muitas vezes envolvem um esforço corajoso para transcender o ambiente opressor da comunidade. Esse foi o caso, por exemplo, da relação de James Joyce com Dublin, da relação de Oscar Wilde com Londres ou da relação de Cézanne com Paris.
Portanto, a "civilização" urbana, como a conhecemos hoje, é o subproduto errático de uma cidade particular, não sua principal e distinta consequência. Tal "civilização" emerge das atividades desordenadas de indivíduos ou corporações privadas, e não das características inatas do município em si. Uma cultura cívica não decorre dos esforços coletivos de um público único e coeso, por mais incomum que seja a cidade em termos de localização regional e tradições históricas. Ela decorre das atividades pessoais de certos indivíduos que ocupam uma residência dentro dos limites da cidade, preenchem suas lojas e escritórios, trabalham em suas indústrias e, claro, produzem seus artefatos artísticos. A "civilização" urbana hoje não é um fenômeno cívico característico que emerge de um público distinto e corpo político; é simplesmente o extrato do livre empreendimento com seu verniz de "serviço público" e caridade cultural. Que prefeitos, líderes corporativos e filantropos possam competir entre si para celebrar os projetos que iniciam—projetos que podem variar de salas de concerto e museus a aeroportos e parques industriais—é simplesmente evidência da superficialidade do que hoje é chamado de "espírito cívico". Raramente esses projetos, que de qualquer forma raramente estão livres de vulgaridade, nutrem a cidade como uma coletividade e arena para atividade pública. Como bolhas iridescentes que sobem, brilham e estouram, eles formam a superfície da vida cultural frequentemente estagnada e do mal-estar social da cidade.
Na verdade, como qualquer mercado, a cidade moderna é o centro agitado de uma interação amplamente privatizada entre compradores e vendedores anônimos, que estão mais envolvidos na troca de suas mercadorias do que na formação de associações social e eticamente significativas. As cidades hoje são tipicamente medidas mais pelo seu sucesso como empresas do que como focos culturais. A capacidade de uma entidade urbana de "equilibrar seu orçamento", operar "de forma eficiente", "maximizar" seu serviço com custo mínimo—todos esses são considerados marcas do sucesso municipal. Modelos corporativos formam os exemplos ideais de modelos urbanos, e os líderes cívicos se orgulham mais de suas habilidades gerenciais do que de suas habilidades intelectuais.
Esse conceito “empreendedorista” dominante da cidade tem seu contraponto preciso na noção contemporânea dominante de cidadania. Se tendemos a ver a cidade como nosso investimento social mais imediato, esperamos que a cidade nos forneça retornos materiais adequados. Pagamos nossos impostos com uma expectativa distinta dos serviços que eles comprarão. Quanto mais serviços para o dinheiro que pagamos, mais lucrativo é residir em uma determinada cidade. As comodidades cívicas são claramente mensuráveis em termos do número de escolas, tamanhos das turmas, parques, corporações de bombeiros, instalações de transporte, polícia, taxas de criminalidade, vagas de estacionamento—de fato, em termos demasiados para inventariar. Quando "compramos" uma área residencial, a averiguamos principalmente por essas comodidades materiais e logísticas e secundariamente, se é que o fazemos, pelo estímulo cultural e senso de comunidade que ela oferece.
Não é surpreendente que o residente da maioria das cidades hoje tende a desenvolver uma imagem de si mesmo muito distinta. Não é a imagem de um cidadão—um termo historicamente notável que ainda não descrevi—mas sim a de um contribuinte. Ele ou ela não tem um senso de si apropriado ao que poderíamos chamar de figura pública, mas sim a de um investidor livre. Sem dúvida, contribuintes e investidores frequentemente formam muitas associações, mas se aliam entre si para avançar ou proteger interesses muito específicos. Como todos os empreendedores sensatos envolvidos no negócio de residir em uma cidade, eles querem um retorno favorável pelo que pagam e, como diz o ditado, "nos números há força". Assim, todos os ditos comuns ao contrário, eles podem lutar contra a Prefeitura—presumivelmente, o lugar onde o conselho corporativo se reúne—e, dependendo tanto de sua riqueza quanto de seu número, podem ter sucesso.
Mas além dessa interação economicamente segura de interesses e demandas conflitantes, o cidadão como contribuinte não é esperado se envolver profundamente nos assuntos municipais. Nem o ambiente urbano contemporâneo o incentiva a fazê-lo. Um "bom cidadão" é aquele que obedece às leis, paga impostos, vota ritualisticamente em candidatos pré-selecionados e "cuida da sua própria vida". Essa noção de comportamento cívico apropriado não é apenas uma visão quietista e compartilhada mutuamente da cidadania moderna; é um dogma político que, se violado, expõe contribuintes mais ativos a acusações de "intromissão", no melhor dos casos, e "vigilantismo", no pior. Tanto contribuintes quanto funcionários municipais reconhecem prudentemente que as pessoas de uma cidade devem ser devidamente representadas por intermediários eficientes, especializados e profissionais do "público". No entanto, o poder cotidiano reside precisamente nas mãos desses intermediários gerenciais, não em seus “constituintes" que adquirem cada vez mais o anonimato e a ausência de rosto que a palavra "constituintes" denota. Como o conceito liberal tradicional de que o governo é melhor quando governa menos, o conceito liberal contemporâneo de cidadania parece ser que um "constituinte" é melhor quando age o mínimo possível.
Esse conceito de cidadania está carregado de graves consequências psicológicas e políticas. Indivíduos cujas vidas públicas mal transcendem o nível social de meros contribuintes tendem a formar imagens muito passivas de suas personalidades e do ambiente natural ao seu redor. Um cidadão cada vez mais desamparado pode se tornar um eu quietista e altamente reservado. Uma grande perda de poder social tende a tornar uma pessoa menos do que humana e, assim, leva a uma perda da própria individuação. Tais constituintes vivem em um mundo dolorosamente contraditório. Por um lado, a sociedade se torna uma presença intensamente problemática em suas vidas. O reino social é uma fonte potencial de guerra, de instabilidade econômica, de facções e ideologias em contenda que podem atingir diretamente os nichos mais reservados da vida privada. Esses problemas se tornam particularmente íntimos quando questões como aborto, conscrição militar, liberdade sexual e capacidade de ganhar invadem o reino doméstico do indivíduo. Por outro lado, enquanto tais questões fervilham ao redor do "constituinte", ele ou ela é constantemente despojado do poder de agir sobre elas.
De fato, o "constituinte" vê sua capacidade intelectual para formar uma opinião segura sendo erodida por um sentimento cada vez mais profundo de incompetência pessoal e desapego público. Uma preocupação com trivialidades—os problemas de compras, moda, aparência pessoal, avanço na carreira e entretenimento em um ambiente totalmente entediante—substitui a postura mais heróica de um corpo político social e ambientalmente envolvido. Assim, encontramos um desenvolvimento duplo: um mundo em que o crescente poder social antecipa preocupações que outrora estavam amplamente dentro do alcance do indivíduo e da comunidade, e a erosão constante do poder pessoal e da capacidade de ação do indivíduo. Dentro desse campo de força paralisante, a identidade pessoal começa a sofrer um declínio crucial. O reconhecimento de si dissolve-se progressivamente em uma falta sombria de identidade. A inação torna-se a única forma de ação com o resultado de que o "constituinte" recua para uma interioridade que carece de substância para tornar uma pessoa funcionalmente individual. Um mundo em que a personalidade em si se assemelha à tabula rasa de uma sociedade sem rumo, e a uma maneira de vida pessoal sem sentido, pareceria levantar questões mais universais do que o destino da cidade e do cidadão. Mas, em muitos aspectos, essa universalidade se expressa como uma necessidade de uma perspectiva mais ampla em relação às questões cívicas. A cidade não é apenas o primeiro "investimento" social do indivíduo; é o seu ambiente social mais íntimo. Devido à sua imediata vitalidade, a cidade continua (como ao longo da história) a ser a arena mais direta onde o indivíduo pode agir como um ser verdadeiramente social e a partir da qual ele pode alcançar as soluções imediatas para os problemas mais amplos que afligem o eu privatizado.
Na medida em que a autodefinição do indivíduo como uma pessoa e cidadão empoderado é sequer possível hoje, o terreno cívico em todos os seus níveis deve ser recuperado por seus constituintes e reconstituído de novas maneiras para tornar as pessoas operacionais socialmente. O re-empoderamento cívico do cidadão, portanto, torna-se uma questão pessoal assim como social. Equivale a recuperar o próprio eu privado, bem como o eu público, a personalidade e a cidadania. Para alcançar tal re-empoderamento e auto-reconstituição, existem pressupostos. Tanto da participação cívica quanto da mentalidade cívica foram perdidos neste século, especialmente na sua metade final, que teremos que investigar profundamente a história enterrada da cidade e da cidadania para encontrar pontos de referência para entender onde estamos no turbilhão da urbanização que nos cerca.
Queremos saber o que os conceitos de "cidade" e "cidadania" realmente significam—não apenas como definições ideais, mas como processos ecológicos fecundos que revelam o crescimento das comunidades e dos indivíduos que as habitam—de fato, que os transformam em uma esfera pública genuína e um corpo político vital. É dolorosamente característico de nossa miopia atual que essas próprias palavras, esfera pública e corpo político, simplesmente caíram do nosso vocabulário social. Quando as usamos, raramente parece que entendemos o que elas significam ou ao menos significavam para as civilizações anteriores nas quais afirmamos ter nossas raízes cívicas e sociais. Elas foram substituídas por termos como "eleitorado" e, claro, "contribuintes" e "constituintes"—termos administrativos que desnaturam os conceitos de política e comunidade por definição.
Também é necessário examinarmos o tipo de instituições que as cidades criaram para promover a cidadania e o empoderamento público. Um número notável de questões institucionais conflitantes se agrupou ao redor da cidade enquanto ela percorria diferentes formas históricas: descentralização versus centralização, democracia direta versus republicanismo representativo, assembleias do povo versus conselhos de deputados, rotação de funcionários públicos versus longos mandatos no cargo e fixidez profissional, gestão popular dos assuntos sociais versus controle e manipulação burocrática. Essas questões explodiram repetidamente, desde os tempos antigos até o presente, em amargas disputas cívicas. Persistem em nosso meio sob o rótulo de "movimento de reforma" para alterar os estatutos municipais e mais recentemente como movimentos de bairro para estabelecer a democracia "de base".
Queremos saber como os altos ideais de uma cidadania livre com um senso de lugar em um ambiente natural apreciado foram variados e perdidos, muitas vezes para serem recuperados por períodos limitados no mesmo local ou em outras partes do mundo. Precisamos perguntar como a "liberdade comunal" (para usar a frase de Benjamin Barber) se saiu com as fortunas da cidadania e como cada uma interagiu com a outra, pois nem as formas de liberdade da cidade nem o cidadão podem ser isolados sem fazer violência ao significado de ambos. O fato de que a urbanização eventualmente se separou da cidadania para assumir uma vida própria e devastar a cidade e o campo, tanto ecológico quanto agrícola, será um tema persistente em tudo o que teremos que explorar. Essa separação começa com as mudanças institucionais, tecnológicas e sociais massivas que eventualmente despojaram o cidadão de seu lugar nos processos decisórios da cidade. A urbanização, efetivamente, pressupõe e depois promove a redução do cidadão a um "contribuinte", "constituinte" ou parte de um "eleitorado".
Veremos que a urbanização resulta não apenas em uma drástica colonização do campo, mas também da própria identidade do cidadão e da cidade. Assim como o mercado moderno, que invadiu todas as esferas da vida pessoal, perceberemos que a urbanização varreu todas as instituições cívicas e agrárias que proporcionavam até mesmo um mínimo de autonomia ao indivíduo. Nascida da cidade, a urbanização tem sido o mais eficaz agressor de seu progenitor, sem mencionar o mundo agrário que ela quase completamente desfez.
Será importante ver até que ponto as instituições presumidamente não urbanas, frequentemente de origem remotamente tribal e enraizadas em uma sociedade mais naturalista, se tornaram características integrais da cidade democrática na forma de assembleias populares, conselhos de bairro e reuniões municipais tão evocativas de um municipalismo ativo e cidadania em nossos dias. Ironia das ironias, o mesmo pode ser dito para as instituições feudais, teocráticas e monárquicas, com o castelo, o templo e o palácio como seus centros. De fato, não precisamos ir mais longe, se quisermos, do que as revoluções americana e francesa para encontrar que as assembleias populares, sob diferentes nomes, foram os principais meios pelos quais as pessoas comuns lutaram pelos assuntos de justiça e liberdade com nobres, monarcas e estados-nações centralizados. Cada campo oposto lutou com o outro pela soberania cívica e, em última análise, social. A imagem legalista atual da cidade como uma "criatura" do estado não é uma expressão de desprezo. É uma expressão de medo, de deliberação cuidadosa em um esforço proposital para submeter a democracia popular. O fato de que o termo tenha sido codificado em leis, mesmo em "democracias" auto-proclamadas, expressa um medo de um despertar cívico ou municipal ameaçador em cada sistema social centralizado, um que sempre ameaçou desmembrar o poder centralizado como tal e restaurar o controle da sociedade a um público que foi cruelmente despojado de sua própria identidade.