Neste texto de 1925, Nestor Makhno discute conceitualmente o anarquismo e o relaciona à sua época. Trata-se, entretanto, de uma tradução revisada, que soluciona um grande problema de outras traduções. Por algum erro, não sabemos se de Alexandre Skirda – que organizou o livro de Nestor Makhno, “La Lutte Contre L’État et Autres Écrits”, por meio do qual este texto foi difundido – ou da editora que publicou o livro, o fato é que os artigos “Anarquismo e Nossos Tempos” e “Nossa Organização” tiveram parte importante de seu conteúdo invertida. Praticamente toda a segunda metade do primeiro texto foi colocada no segundo e vice-versa. Nesta versão, que compõe o conjunto de textos relacionados ao debate da “Plataforma”, a questão foi resolvida, a partir da orientação do Nestor Makhno Archive, que endentemos ser adequada.
Nestor Makhno
Anarquismo e Nossos Tempos
O anarquismo não é apenas uma doutrina que se ocupa dos aspectos sociais da vida humana, no sentido limitado com que o termo é empregado nos dicionários políticos e, às vezes, nas conferências, por parte de nossos oradores propagandistas. O anarquismo é, também, o estudo da vida humana em geral.
No curso da elaboração de sua abrangente perspectiva de mundo, o anarquismo colocou-se uma tarefa muito específica: abarcar o mundo em sua totalidade, varrendo todos os tipos de obstáculos, presentes e futuros, que podem ser colocados pela ciência e pela tecnologia capitalistas e burguesas, visando dar à humanidade a explicação mais exaustiva possível da existência neste mundo e fazer o melhor possível frente a todos os problemas que podem confrontá-la. Esta abordagem deve ajudar a humanidade a conscientizar-se do anarquismo, que creio ser naturalmente inerente a ela, visto que nos deparamos continuamente com suas manifestações parciais.
É somente com base na vontade do indivíduo que os ensinamentos anarquistas podem ser encarnados na vida real e limpar o terreno, ajudando a humanidade a acabar com todo o espírito de submissão em seu seio.
O anarquismo não tem limites quando se desenvolve.
O anarquismo não reconhece barreiras em relação às quais deve confinar-se e ajustar-se.
O anarquismo, assim como a existência humana em geral, não possui fórmulas definitivas para suas aspirações e seus objetivos.
Tal como vejo, o direito de todas as pessoas à liberdade ilimitada, conforme definido pelos postulados teóricos do anarquismo, constitui apenas um meio pelo qual o anarquismo pode realizar sua expressão mais ou menos plena, enquanto continua a desenvolver-se. É somente aqui que o anarquismo torna-se claro para cada um de nós. Tendo acabado com o espírito de submissão da humanidade, o qual foi nela artificialmente introduzido, o anarquismo torna-se, consequentemente, a ideia condutora das massas humanas em sua marcha rumo à realização de todos seus objetivos.
Em nossos tempos, o anarquismo ainda é considerado teoricamente débil, pouco desenvolvido e, mesmo, diriam alguns, uma doutrina frequentemente mal compreendida em muitos aspectos. Entretanto, estas mesmas pessoas também sustentam que os expoentes do anarquismo têm muito a dizer: muitos pregam constantemente, militam ativamente e, às vezes, queixam-se de sua falta de êxito. (Imagino, neste último caso, que isso ocorre em função do fracasso de se estabelecerem, por meio da investigação, as possibilidades sociais vitais do anarquismo, levando em conta o objetivo de fincar raízes na sociedade contemporânea…)
Na realidade, onde houver vida humana, o anarquismo estará vivo. Por outro lado, ele só se tornará acessível aos indivíduos se for difundido por propagandistas e militantes que tenham rompido, sincera e inteiramente, com a mentalidade de submissão de nossa época; algo que, aliás, faz com que sejam ferozmente perseguidos. Estes militantes agem desinteressadamente, de acordo com suas convicções e sem medo de encontrar aspectos desconhecidos no curso de seu desenvolvimento. Fazem o melhor possível para, se necessário, assimilá-los, na medida de seu avanço e, assim, preparar o caminho para a vitória do espírito anarquista sobre o espírito de submissão.
Disso decorrem duas teses:
• A primeira é que o anarquismo assume diversas expressões e formas, mas conserva uma perfeita integridade em seus aspectos essenciais.
• A segunda é que o anarquismo é necessariamente revolucionário e só pode adotar métodos de ação revolucionários na luta contra seus opressores.
No decorrer de sua luta revolucionária, o anarquismo não somente derruba os governos e suprime suas leis, mas também se preocupa com a sociedade que deriva de seus valores, de seus “hábitos” e de sua “moralidade”. É isso que faz dele cada vez mais conhecido e compreendido pelos setores oprimidos da humanidade.
Tudo isso nos faz acreditar firmemente que, em nossos tempos, o anarquismo não pode continuar aprisionado nos restritos limites de um pensamento marginal, reivindicado apenas por alguns grupelhos isolados. A influência natural do anarquismo na mentalidade das massas humanas em luta é bastante evidente. Para que esta influência seja assimilada conscientemente pelas massas, o anarquismo precisa, desde já, munir-se de novas ferramentas e embarcar no caminho da ação social em nosso tempo.