Título: O poder da análise anarquista
Subtítulo: Como o pensamento antiautoritário torna o mundo mais claro.
Assuntos: filosofia, introdução
Data: 2019-12
Notas: Publicado originalmente na revista Current Affairs. Traduzido por sol2070 em 2023-12.

"Questione tudo." Sempre gostei dessa frase e poderia ter afirmado estar entre aqueles que de fato questionavam tudo. Mas, para ser sincero, por muito tempo isso era mais como um clichê de caneca de café. Não significava muito. Na verdade, eu não questionava tudo. No máximo, uma ou duas coisas aqui e ali.

No entanto, comecei a questionar mais coisas. E recomendo fortemente que o faça. De fato, se fizer isso, se realmente fizer isso, algumas coisas notáveis podem aparecer no horizonte. O mundo seria um lugar melhor se todos nós passássemos um pouco mais de tempo usando uma "análise anarquista".

Apaixonei-me pelo anarquismo quando assisti a uma aula na faculdade chamada "Bandeiras vermelhas, bandeiras pretas: marxismo versus anarquismo". Quando comecei, não poderia ter lhe dito nada sobre o anarquismo; até onde eu entendia, parecia apenas uma espécie de rejeição irracional de todo governo. No entanto, a aula me apresentou isso por meio de um debate: uma disputa dentro da esquerda entre anarquistas e marxistas. Foi um debate que mudou minha maneira de pensar sobre tudo.

Primeiro, a existência de socialistas anarquistas mostrou instantaneamente que a ideia do socialismo como sendo "controle estatal" não podia ser verdadeira. Na verdade, o socialismo econômico era sobre o controle popular, do trabalhador e compartilhado, e o fato de isso ser feito ou não por meio do Estado era uma fonte importante de controvérsia.

Mas eu gostava mais dos anarquistas porque eles faziam perguntas penetrantes e úteis e se recusavam a se submeter à autoridade. Eles alertaram que, a menos que os socialistas tivessem um compromisso tão forte com a liberdade quanto com a igualdade, os regimes supostamente socialistas poderiam acabar oprimindo as pessoas em nome de sua liberdade.

Mikhail Bakunin advertiu que "o socialismo sem liberdade é escravidão e brutalidade" e "quando as pessoas estão sendo espancadas com um bastão, elas não ficam mais felizes se ele for chamado de 'o bastão do povo'".

P.J. Proudhon, em uma carta a Karl Marx, ofereceu uma advertência presciente contra o fato de os intelectuais de esquerda se verem como proponentes infalíveis de novos dogmas inquestionáveis:

Busquemos juntos, se você quiser, as leis da sociedade, a maneira pela qual essas leis são realizadas, o processo pelo qual conseguiremos descobri-las; mas, por Deus, depois de ter demolido todos os dogmatismos a priori, não nos deixe depois sonhar em doutrinar o povo; não nos deixe cair na contradição de seu compatriota Martinho Lutero, que, tendo derrubado a teologia católica, imediatamente iniciou, com a excomunhão e o anátema, a fundação de uma teologia protestante […] Vamos continuar com uma polêmica boa e leal; vamos dar ao mundo um exemplo de tolerância instruída e perspicaz, mas não vamos, apenas porque estamos à frente de um movimento, nos tornar líderes de uma nova intolerância, não vamos nos apresentar como apóstolos de uma nova religião, mesmo que seja a religião da lógica, a religião da razão. Vamos nos reunir e incentivar todos os protestos, vamos identificar todo exclusivismo, todo misticismo; que nunca consideremos uma questão como esgotada e, quando tivermos usado nosso último argumento, vamos começar de novo, se necessário, com eloquência e ironia. Com essa condição, entrarei de bom grado em sua associação. Caso contrário, não!

Foi um aviso que muitos dos que hastearam a bandeira vermelha deveriam ter ouvido com mais atenção.

Anarquistas podiam ser briguentos e, muitas vezes, pouco práticos — um famoso slogan anarquista é "exija o impossível". Mas eles também eram maravilhosamente lúcidos: um anarquista nunca conspirava na ilusão de que uma sociedade claramente opressiva era um lugar de liberdade.

Há uma cena maravilhosa no filme Doutor Jivago em que Klaus Kinski faz uma participação especial como um anarquista preso em um trem que transportava trabalhadores forçados. O anarquista de Kinski se declara "o único homem livre no trem" porque é o único disposto a chamar o guarda de "lambe-botas" e "mentiroso" na cara dele, depois que o guarda afirma que Kinski está lá como um trabalhador "voluntário".

Quando li os escritos de Peter Kropotkin, Alexander Berkman, Errico Malatesta ou Emma Goldman, fiquei impressionado com sua força e clareza. Goldman, em My Disillusionment in Russia, escreveu com franqueza e honestidade sobre como suas esperanças sobre a liberdade a ser encontrada na União Soviética foram frustradas durante sua visita ali:

Eu vim para a Rússia com a esperança de encontrar um país recém-nascido, com seu povo totalmente consagrado à grande, embora muito difícil, tarefa de reconstrução revolucionária. E eu esperava fervorosamente que pudesse me tornar uma parte ativa do trabalho inspirador. Encontrei na Rússia uma realidade grotesca, totalmente diferente do grande ideal que havia me levado na crista da onda de elevada esperança à terra prometida […] Vi diante de mim o Estado bolchevique, formidável, esmagando todo esforço revolucionário construtivo, suprimindo, degradando e desintegrando tudo.

É importante ressaltar, porém, que a desilusão de Goldman não a levou a se tornar uma anticomunista conservadora. Ela continuou sendo uma socialista revolucionária, porque tinha uma visão do socialismo que era anticapitalista e antiautoritária. Muitas vezes penso que o slogan do anarquismo deveria ser "Na verdade, essas duas coisas são ruins", devido ao seu compromisso de rejeitar falsas dicotomias e recusar-se a se juntar a uma "trincheira" ou outra.

Meu apreço pelo anarquismo foi aprofundado por minha leitura de Noam Chomsky, que se identifica como um defensor da tradição anarquista. Muitos anarquistas são céticos se Chomsky "é" um anarquista, porque ele apoia muitas políticas social-democratas, considerava que você deveria votar em Hillary Clinton se vivesse em um estado-pêndulo, e não é um revolucionário. Sua abordagem política é altamente pragmática. Sua abordagem intelectual, entretanto, é totalmente anarquista. Ele fala com frequência sobre a abordagem anarquista da legitimidade da autoridade:

A autoridade, a menos que seja justificada, é inerentemente ilegítima e o ônus da prova recai sobre quem tem autoridade. Se esse ônus não puder ser demonstrado, a autoridade em questão deve ser desmantelada.

Isso não significa que não existam autoridades legítimas. Mas significa que nenhuma autoridade é pressupostamente legítima. As ordens do rei podem ser boas, mas não são boas porque ele é o rei, e o fato de serem boas não necessariamente torna os reis bons ou necessários. Seu professor pode estar certo, mas ele não está certo porque é seu professor.

É interessante notar que a abordagem anarquista de Chomsky é uma maneira pela qual seus esforços intelectuais gêmeos (linguística e crítica política) são unificados. Chomsky sempre ignorou a frequente pergunta: "O que conecta seu trabalho linguístico com sua análise da política externa dos EUA?", apontando corretamente que não há quase nada em comum entre "compreender as raízes profundas do uso da linguagem humana" e "criticar os Estados Unidos por jogar bombas no povo vietnamita".

No entanto, uma maneira pela qual essas duas partes de sua vida estão unidas é que, em cada domínio, ele obteve seus insights por meio da aplicação do "pressuposto contra a autoridade existente" anarquista.

Sua crítica influente às explicações behavioristas para o desenvolvimento da linguagem e sua precipitação de uma "revolução" na linguística vieram da disposição de fazer perguntas simples que desafiavam a sabedoria convencional.

Da mesma forma, os escritos de Chomsky sobre a política externa dos EUA frequentemente se concentram em como os atores poderosos usam eufemismos para encobrir atrocidades. Ele não aceita justificativas para guerras porque elas vêm de think tanks de política externa ou porque a pessoa que as oferece tem credenciais de elite e uma pasta à sua frente com o rótulo "Evidências".

Ele aponta para perguntas simples que não recebem respostas satisfatórias. (Por exemplo, por que a Guerra do Vietnã não foi classificada como uma "invasão do Vietnã pelos EUA", embora tenha sido claramente o que foi? Por que um ato cometido pelos Estados Unidos nunca é rotulado como terrorismo, mesmo quando é idêntico a um ato cometido por um de nossos inimigos?)

Ao discutir como estudar seres humanos, Chomsky invocou o famoso exemplo de um "marciano visitando a Terra". O marciano seria uma espécie de anarquista, pois não teria nenhum motivo para aceitar nossas justificativas para as coisas até que respondêssemos às suas perguntas. O marciano pode perceber coisas sobre nós que não percebemos por nós mesmos, como enxergar uma estrutura de linguagem humana unificada em vez de um conjunto de muitas línguas diferentes.

O marciano pode ficar intrigado quando você tentar explicar o que é um estado-nação e por que ele é importante, ou por que usamos o sexo cromossômico como uma categoria importante para classificar seres humanos, ou por que temos carros.

Esse tipo de "desfamiliarização" — tentar ver as coisas que tomamos como certas como se as estivesse vendo pela primeira vez — é muito poderoso para gerar percepções criativas. Meu amigo Albert Kim diz que tem uma compreensão muito melhor da política sempre que tenta imaginar nossa própria sociedade como se fosse um adolescente lendo sobre ela em um livro de história, 2000 anos no futuro. Como seria vista, por exemplo, a maior atenção dada a Trump e à Ucrânia em vez das mudanças climáticas por estudantes daqui a dois milênios?

O anarquista tem um cérebro que não quer calar a boca. Ele não consegue barrar as perguntas: "O que é isso? Para que serve? As coisas precisam ser assim? Elas podem ser diferentes?"

As crianças, é claro, fazem perguntas como essas, e um dos motivos pelos quais gosto dos anarquistas é que eles se recusam a parar de fazer perguntas que todos nós fizemos quando crianças, mas para as quais nunca recebemos respostas satisfatórias.

Se você perguntasse: por que algumas pessoas são muito ricas e outras muito pobres, e por que as pessoas ricas não dão dinheiro suficiente às pessoas pobres, provavelmente você recebeu uma resposta que não faz sentido.

Alguns de nós acabam parando de fazer perguntas, mas anarquistas são pessoas incomumente teimosas que não se acomodam à sociedade ao seu redor, por mais intensa que seja a pressão. Chomsky fala da "disposição de permanecer perplexo" e de continuar fazendo perguntas simples. Isso pode torná-las pesoas difíceis, mas também significa que são como o "homem não razoável" de George Bernard Shaw: a pessoa razoável se adapta ao mundo, enquanto a pessoa não razoável espera que o mundo se adapte a ela.

Isso pode significar que o anarquismo se torna um credo egoísta e individualista, é claro, e essa tendência sempre esteve presente na tradição. Mas não precisa ser assim, e podemos nos acomodar de forma prática à realidade enquanto nos recusamos a mudar nossas crenças fundamentais.

Um exemplo disso é o advogado anarquista. Um advogado muitas vezes tem de apresentar argumentos nos quais não acredita de fato. Por exemplo, em um caso, ele argumentará que, em vez de olhar para a letra da lei, devemos olhar para a intenção do legislador, porque a intenção do legislador é mais favorável à sua posição. Então, no caso seguinte, ele argumentará que devemos analisar a letra da lei, não sua intenção, porque isso é mais favorável ao próximo cliente.

Ou você pode ter que aceitar premissas que não acredita. Se você for um advogado de imigração, talvez tenha que dizer que o status do seu cliente está protegido pela parte X do estatuto, portanto, ele deve permanecer no país, mesmo que, na verdade, você não esteja nem aí para a autoridade do estatuto e, na verdade, tudo o que lhe interessa é justiça, e você ainda acharia que ele deveria permanecer no país mesmo que o estatuto dissesse exatamente o contrário.

Portanto, por uma questão de realidade prática, às vezes temos que nos submeter à autoridade. Em um trabalho acadêmico, alguém pode escrever: "Robinson (2016), em seu artigo clássico, disse que…" E talvez ele não cite Robinson porque acredita que Robinson foi perspicaz, mas porque sabe que a literatura acadêmica considera Robinson muito importante e o professor espera que ele cite Robinson. É essencial, porém, que tentemos resistir a isso e que tentemos constantemente decidir por nós mesmos se achamos que Robinson estava certo ou errado.

Vou dar alguns exemplos de posições radicais às quais a abordagem intelectual anarquista me levou.

  • Locais de trababalho democráticos — Uma pergunta simples: por que você pode votar em quem é seu parlamentar, mas não em quem é seu chefe no trabalho? Por que os funcionários da Amazon não podem votar para expulsar Jeff Bezos do cargo se acharem que ele está fazendo um mau trabalho? O princípio da democracia é que as pessoas devem ter voz ativa nas decisões que afetam suas vidas. Mas os locais de trabalho são lugares intensamente antidemocráticos. Como Elizabeth Anderson aponta, politicamente eles seguem a estrutura das ditaduras: pessoas no topo dizem às pessoas o que fazer, mas não podem ser removidas pelas pessoas na base. Aceitamos a estrutura de cima para baixo como natural na instituição da corporação, mas não a aceitamos na instituição do governo.

  • Fronteiras abertas — Limites entre países não fazem sentido. Eles não existiram durante a maior parte da história humana. A ideia de que, por sua existência ter surgido em um lugar, você não pode ir para outro lugar é absurda. Cada pessoa deve ter o mesmo direito de se movimentar livremente pelo mundo. Em termos práticos, pode ser difícil abrir unilateralmente as fronteiras, mas está muito claro que um mundo sem fronteiras não só é possível como também necessário para evitar que ele seja absurdo e irracional.

  • Militares e armas nucleares — A instituição de um exército pode ser bizarra do ponto de vista do nosso marciano. É um desperdício colossal de recursos humanos que existe apenas porque seres humanos não encontraram maneiras de cooperar que não envolvam ameaçar uns aos outros de morte. Mais uma vez, o desarmamento unilateral pode não ser viável. Mas colocar uniformes nas pessoas e fazer com que elas se preparem para matar umas às outras a qualquer momento é uma ideia da qual seres humanos devem rir um dia, quando olharem para trás, para a sangrenta pré-história da civilização. (Civilização é algo que podemos alcançar algum dia no futuro, quando aprendermos o que isso de fato implica.)

  • Burocracia — Burocracias geralmente sobrevivem porque são aceitas. O anarquista pergunta: quanto dessa papelada é realmente necessária? É realmente necessário que esse regulamento tenha 800 páginas?

  • Propriedade - A propriedade privada é uma construção peculiar. Em que ela consiste? O que significa uma coisa ser "minha"? Em termos de lei, significa que eu tenho o direito de impedir pela força que outras pessoas a utilizem e que, se elas tentarem fazer certas coisas com ela, posso impedi-las. Proudhon observou que a origem desses direitos era muito misteriosa. Se começamos com um mundo que é propriedade de todos, como as pessoas desenvolvem o direito de cortar pedaços dele e excluir outros de usá-los?

  • Autoridade religiosa - Não pretendo depreciar toda religião ou crença religiosa aqui, mas as revoluções mais poderosas no pensamento humano muitas vezes vieram daqueles dispostos a questionar a autoridade religiosa: recusando-se a aceitar as explicações oferecidas a eles pelo clero. Hoje, muitas crianças nos Estados Unidos ainda crescem em comunidades fervorosamente cristãs que lhes contam mentiras óbvias sobre o mundo, mas é difícil ser um dissidente contra seus pais, pastor e até mesmo amigos.

  • Cientificismo - Ao rejeitar corretamente a autoridade absoluta dos textos religiosos e afirmar a crença na independência da mente, alguns ateus se esquecem da importância do questionamento. Pessoas como Sam Harris, por exemplo, falam em nome de algo que chamam de Razão, mas como não são anarquistas o suficiente, pois não examinam aqueles que professam amor pela ciência com a mesma intensidade com que examinam os religiosos, acabam sendo irracionais em nome da Razão, praticando o "cientificismo" (algo que se parece com a ciência e usa sua retórica) em vez de ciência de verdade.

  • A Lei - Eu me formei em filosofia política e fiz isso em parte porque era fascinado por perguntas simples como: por que as pessoas devem obedecer às nossas leis? Acontece que muitas das respostas simples a perguntas como essa não se sustentam sob análise. Veja o caso da Constituição: ela não é um documento democraticamente legítimo. A maioria do país (mulheres, negros, povos nativos) foi excluída da participação na elaboração e ratificação. Ela não passa nos testes que usaríamos para determinar se as leis têm autoridade moral. Ainda assim, pedimos às pessoas que respeitem sua autoridade, e o Supremo Tribunal anula leis democraticamente legítimas que são inconsistentes com esse documento democraticamente ilegítimo.

  • Hierarquia racial e de gênero - O feminismo nasce do pensamento racional, da recusa em se submeter à tradição social e ao preconceito, e da exigência de respostas para o porquê de as coisas serem como são. Pessoas como Ben Shapiro não são anarquistas: elas aceitam concepções simplistas do que é gênero e não as questionam nem tentam formular conceitos melhores e mais sensatos. O mesmo acontece com o racismo: Shapiro não pausa para se perguntar por que acha os nomes negros engraçados, e Charles Murray não examina sua própria preferência pela cultura europeia. Tanto a ciência quanto o estudo da história são enriquecidos pelo feminismo e pelo antirracismo, que corrigem o preconceito decorrente do fato de certas perspectivas e vozes serem excluídas da análise dominante e, portanto, levam à aceitação de falsidades como verdade.

  • Animais - Muitos de nós nos envolvemos em um ato flagrante de inconsistência moral: se alguém mutilasse um cachorro vivo na nossa frente, consideraríamos essa pessoa psicopata, mas aceitamos a matança industrializada em massa de criaturas inteligentes para alimentação como se, de alguma forma, não fosse psicopática. Quando começamos a pensar sobre isso e percebemos quanto dano é infligido (e continuará sendo infligido) a outras criaturas além de nós, que não podem falar, não podem votar e não possuem propriedades, fica claro que o bem-estar animal deve estar na vanguarda de nossas prioridades morais.

  • Prisões - Prisões são peculiares. Em vez de resolver o problema social da transgressão com vítimas, decidimos trancar qualquer pessoa que viole a lei em uma caixa por um período de tempo. Trancar as pessoas em uma gaiola esquálida parece ser algo inerentemente desumano e sem sentido e, no entanto, é a solução escolhida, e o país mais livre do mundo também prende o maior número de pessoas. Vamos todos concordar que a abolição das prisões, pelo menos a longo prazo, é a única posição sensata, e que o único debate que vale a pena ter é a rapidez com que podemos chegar lá.

  • Escolas particulares - Muitas pessoas dizem que acreditam em "oportunidades iguais". Mas não levam isso a sério. Por que existem escolas particulares? As escolas particulares existem para que algumas crianças possam obter uma vantagem injusta sobre outras crianças. Sua própria existência torna impossível a igualdade de oportunidades. Não é preciso nem mesmo acreditar no conceito supostamente mais radical de "igualdade no resultado" para perceber que as escolas particulares são incompatíveis com uma sociedade justa.

  • Arquitetura contemporânea - É engraçado, parece que esse deveria ser um assunto comparativamente incontroverso, mas recebo a maior quantidade de mensagens de ódio quando escrevo sobre arquitetura, o que só me incentiva (como um anarquista obstinado) a ser mais provocativo. Para mim, é óbvio que algo deu errado de forma profunda e preocupante com os espaços construídos. Eles não são apenas antidemocráticos, mas também não proporcionam sensações de felicidade estética. O consenso arquitetônico é, na verdade, mais rígido do que o consenso que se encontra em quase todos os outros lugares. Se você tentar construir algo como isso ou isso ou isso, será ridicularizado. Há um dogma de que os edifícios devem se parecer "com sua época", que é usado para dizer "você deve projetar coisas que se pareçam com as coisas que são projetadas atualmente". Uma estética minimalista é imposta e ninguém tem permissão para produzir algo que pareça ter sido construído antes de 1945. Só muito raramente se vêem novos experimentos realmente interessantes (como a Nova Arquitetura Andina na Bolívia).

  • Alienígenas - Ok, esta é apenas uma pergunta divertida, mas por que as pessoas não pensam mais sobre extraterrestres? Por que as pessoas que "acreditam em alienígenas" parecem bizarras? O universo é insondavelmente gigantesco. Acreditar que somos a única vida inteligente nele requer pensar que somos as coisas mais especiais que já existiram. Penso que é muito mais provável que não sejamos especiais o suficiente para que alienígenas achem que vale a pena visitar, ou (e isso seria muito triste) que haja muita vida inteligente no universo, mas as realidades da física significam que é impossível que muitas delas se encontrem.

  • Autoridade acadêmica - É difícil fazer uma contribuição original para um campo de conhecimento estabelecido, mas é muito mais provável que você faça isso se começar a pensar como um anarquista e examinar cada palavra de cada afirmação na literatura existente para ver se realmente acredita nela. Foi isso que Sócrates fez, de certa forma, e foi o que o tornou um grande filósofo. (Isso também o tornou tão irritante que as pessoas o assassinaram).

O anarquismo é muito poderoso como ferramenta analítica, mas não tanto como guia de ação. Assim, descobrimos que os principais argumentos a favor da propriedade privada são falaciosos, ou descobrimos que as forças armadas são o resultado absurdo de uma falha em resolver o que deveriam ser problemas básicos de cooperação. Olhamos ao redor e pedimos que o mundo justificasse a si, e o mundo deu de ombros respondendo: "Acho que não posso".

A economista Joan Robinson relatou que, depois que ela apontou que uma parte importante da teoria econômica neoclássica era incoerente, outros economistas admitiram que ela estava certa, mas simplesmente continuaram como se ela não tivesse provado o que havia provado, porque não estava claro como eles poderiam fazer o contrário.

Se, em casos políticos, o Supremo Tribunal decidir com base em seus valores políticos, como sabemos que fazem, tornando seu raciocínio enganoso e suas opiniões sem valor, talvez não respeitemos mais o que a corte tem a dizer. Mas ela ainda está lá. Haverá casos amanhã também. E os juízes terão que continuar fazendo alguma coisa.1 Construções sociais não são menos reais pelo fato de serem construções. Você pode apontar que o dinheiro não tem realidade além da nossa crença nele e que não há nenhuma razão teórica para que não possamos acreditar em "outra coisa", mas essa é uma descoberta praticamente inútil por si só.

De fato, questões anarquistas costumam ser assustadoras, porque, uma vez que "desconstruímos" várias certezas, pode não ficar claro o que colocar em seu lugar. Um dos principais slogans anarquistas é "sem deuses, sem mestres", mas ter deuses e mestres torna mais fácil evitar o problema de ter que decidir o que fazer; a decisão já foi tomada para você. Se não é justo ter uma classe de capitalistas e uma classe de trabalhadores, então precisamos de quais tipos de estruturas alternativas de propriedade?

É pelo fato de os socialistas lutarem com essas questões incrivelmente difíceis que eles são frequentemente descartados como sonhadores impraticáveis. Mas observe que a impossibilidade de descrever com precisão as alternativas não significa que uma pessoa esteja errada: um camponês que se opõe ao feudalismo não precisa ter inventado uma forma "alternativa" de fazer as coisas para ter uma boa objeção.

A tradição anarquista também é fortemente democrática. Se você ler livros anarquistas antigos, verá que eles são acessíveis, porque os anarquistas acreditam na "democratização do conhecimento" e desconfiam que uma pequena classe de intelectuais seja a única a entender as coisas. Anarquistas geralmente são a favor da "descentralização": eles não gostam de poder concentrado e levantam questões importantes sobre como podemos equilibrar a necessidade de realizar coisas com a garantia de que haja participação em massa. (As assembleias gerais do movimento Occupy, com seu processo de consenso, foram um exemplo de democracia anarquista, que é bela e incomumente inclusiva, mas muitas vezes irritantemente ineficiente).

O pensamento anarquista o ajudará a evitar erros. Isso me ajudou em 2016, por exemplo. Por ter uma mentalidade anarquista, eu não estava satisfeito com as previsões dos especialistas de que Donald Trump fracassaria, o que parecia entrar em conflito com coisas que eu sabia sobre a realidade. E não entendia por que os democratas achavam que poderiam nomear um candidato sob investigação ativa do FBI sem que isso representasse um enorme risco de elegibilidade.

Pessoas continuavam dizendo que as coisas eram verdadeiras, mas você precisa "permanecer perplexo" e perguntar se elas realmente são verdadeiras. As pessoas dizem que Pete Buttigieg é um progressista. Eu, como anarquista, decidi ler seu livro de memórias para descobrir se isso era verdade. Descobri que não era.

Não sou o único conhecedor de política. Muitas pessoas conhecem muito mais fatos do que eu. O que eu tenho é uma disposição anarquista, e isso me ajuda a perceber coisas que frequentemente passam despercebidas.

O anarquista pensa consigo mesmo: "Será que essa pessoa está distorcendo as descobertas do estudo? Talvez seja melhor eu ler a fonte primária e descobrir". Porque ele não está inclinado a ser reverente. E, então, eis que a pessoa estava sim distorcendo as conclusões do estudo. Se ele não fosse um cético radical, nunca teria descoberto!

Essa mesma tendência me levou a pensar: esse célebre "intelectual", Jordan Peterson - será que, quando eu ler sua obra magna, Maps of Meaning, descobrirei que a maior parte é bobagem? E era. Quando vejo intelectuais famosos como Steven Pinker sendo aclamados por seu raciocínio, fico mais cético, de modo que, leio de verdade seus trabalhos com cuidado para julgar por mim mesmo se os comentários efusivos de Bill Gates são justificados.

Vale a pena observar a função do privilégio em tudo isso. Um dos motivos pelos quais sou capaz de alimentar noções mais ousadas e fazer perguntas mais críticas é que estou em uma posição relativamente isolada das consequências. Meu único "chefe" é o público leitor da Current Affairs2. Posso discordar sem ter que ser um "dissidente".

Muitas pessoas precisam abafar suas perguntas, não porque elas vão embora, mas porque não têm escolha. Se um funcionário de um depósito da Amazon perguntar: "Ei, por que o robô decide se vai me demitir ou não?", o robô provavelmente decidirá que sua "pontuação de compatibilidade cultural caiu abaixo do nível limite" ou algo assim, e ele será demitido. O sistema Jim Crow era ultrajante e injusto, mas qualquer pessoa que se manifestasse seria aterrorizada e assassinada. Muitas pessoas percebem que há coisas erradas, mas não podem fazer ou dizer nada a respeito.

É por isso, porém, que aqueles de nós que têm conforto e privilégio têm a responsabilidade de atacar incansavelmente a autoridade injustificada. Se nos encontrarmos em uma posição de conforto, em que não há punição para quem se manifesta, exceto a leve sensação de desconforto social que vem quando riem de você e dizem que você é um idiota que precisa ler mais sobre economia ou o que quer que seja, então você tem muito menos desculpas.

É bastante grosseiro quando pessoas privilegiadas que não têm realmente nada a perder ainda assim não assumem posições morais acertadas, quando isso é muito mais fácil para nós do que para qualquer pessoa que enfrente danos e ameaças reais.

Pode ser muito satisfatório sentir-se como "a única pessoa livre no trem", aquela que vê os imperadores em sua nudez total. Isso pode fazer com que você se sinta menos insano e alienado do mundo. Mas também pode torná-lo um babaca, como Sócrates e o trabalhador de Kinski eram, e impedi-lo de fazer os compromissos necessários para trabalhar e conviver com outras pessoas. É preciso ter cuidado.

Ainda assim, gosto dos anarquistas porque sinto que seriam eles que estariam gritando "Baixem suas armas! Vocês são livres para escolher!" quando os soldados viessem expulsá-los. O anarquista não tolera nem mesmo a mais insignificante das injustiças e, portanto, ajuda a evitar que pequenas injustiças sejam normalizadas e racionalizadas e se transformem em injustiças muito grandes.

Provavelmente eu não descreveria mais minha política como anarquista. Mas eu diria que todas as pessoas deveriam tentar ser anarquistas pelo menos várias vezes ao dia. Isso tornaria tudo mais claro e talvez todos nós nos beneficiaríamos. De fato, quem sabe o que poderemos realizar quando enxergarmos as coisas como elas realmente são?

Este ensaio é dedicado ao meu grande camarada anarquista Oren Nimni.

Para uma introdução rica e abrangente à filosofia anarquista, leia as Perguntas Frequentes sobre Anarquismo. Ou escute uma discussão sobre anarquia em um podcast da Current Affairs.