Título: Uma história do anarquismo: o surgimento da Federação Libertária Argentina
Notas: Tradução do espanhol por Natalia Montebello

      Nota introdutória por Natalia Montebello

      I

      II

RESUMO

O movimento anarquista argentino desde começos do século XX, considerando os seus diferentes posicionamentos, divergências e encontros. Conflui no surgimento da Federação Anarco Comunista Argentina, FACA, em 1955 e seu desdobramento na Federação Libertária Argentina, FLA, em 1935. Descreve o surgimento e as atividades da Biblioteca Arquivo de Estudos Libertários, BAEL, na década de 1990.

Nota introdutória por Natalia Montebello

Centro da cidade, bairro de Constitución, avenida Brasil. A série de demarcações territoriais termina por aqui. A casa da sede de Buenos Aires da Federação Libertária Argentina, a FLA, transborda as delimitações e suas medidas. O espaço projeta-se em múltiplos percursos: dos anarquistas que há mais de 30 anos transitam por ela, dos amigos, dos pesquisadores, dos curiosos, dos desavisados, dos interessados, dos encontros, das invenções, dos confrontos, dos documentos, dos vestígios... Os movimentos se sobrepõem, descrevendo uma descontinuidade que afirma e constantemente atualiza um estilo libertário de viver. Não há demarcação onde práticas de liberdade inventam o espaço, subvertendo qualquer cristalização territorial.

Práticas de liberdade emergem de bons encontros, de encontros interessados em ampliar, em potencializar e em atualizar relações livres, insubmissas diante do autoritarismo da ordem geral. Se muitas propostas deste ou daquele futuro libertário para todos passaram e passam, entre conversas e publicações, pelo espaço em movimento da FLA, também passam, e reverberam, invenções de liberdade que irrompem com a alegria, sempre revolucionária, daqueles que se interessam por práticas anarquizantes. São os encontros, e nunca o espaço, a possibilidade de subverter qualquer representatividade sobre a vida de cada um. Surgem assim associações livres, que prescindem de um formato que dê voz à vontade: a vontade dos interessados não ecoa na representação em nome de todos, e associações livres não interessam a todos. Interessa aqui um deslocamento, que nos aproxima das associações que percorrem a casa da FLA, que a atravessam, a despeito de qualquer representação, sempre ideal, que possa ser feita de um espaço e mesmo de sua cronologia. A casa, não como território, mas como superfície, e seus relevos, pela qual, sobre a qual, invenções de liberdade reinventam e subvertem o próprio espaço.

Aqui chegaram e chegam documentos que contam miríades de histórias do anarquismo, ou melhor, de anarquismos. Revistas, jornais, folhetos, cartas, anotações, cartazes... vêm de 44 países, desde 1890, e são arquivados pelo trabalho autogestionário que se organiza, na casa, desde começos da década de 1990. Inventa-se, então, a Biblioteca Archivo de Estudios Libertarios, BAEL. Pessoas interessadas em organizar, preservar e disponibilizar a imensa quantidade de material que à casa chega desde seu surgimento associaram-se para repetir o gesto, tão comum no interior do anarquismo, de inventar um espaço para o estudo, o debate, a pesquisa, enfim, o movimento vital das idéias libertárias. Espaço também de reflexão e de práticas anarquistas, que descreve, em seu cotidiano, os princípios da associação livre, que prescinde da hierarquia e da centralização e que afirma a participação segundo a vontade de cada um para tanto.

Como grupo autogestionário, a BAEL dispensa os subsídios, públicos ou privados, e se desdobra em encontros com outros arquivos, com outros interessados. Encontros que desenham um descompasso, uma descontinuidade, e só nisto são uma resposta contundente à produtividade capitalista e às concessões que a ela se fazem em nome de… em nome do quê? Sem concessões, entretanto, a BAEL produz, apaixonadamente, material de impecável qualidade acadêmica e, com a mesma qualidade oferece orientação aos pesquisadores que a consultam.

Estes pesquisadores, vindos de diversos lugares, transitam pelo galpão de 20 metros de comprimento por 10 de largura que guarda as publicações organizadas por países. Eles não enfrentam os procedimentos burocráticos do que se entende por eficiência, eles se deparam com jovens generosos, que os recebem em sua casa, em meio à sua vitalidade. Pesquisadores atentos repararão que a vida libertária que dá o ritmo ao arquivo, longe de uma produtividade linear e eficiente, possibilita a potencialidade: inventam-se peças de teatro, conferências, seminários, oficinas, outras associações autogestionárias, outros espaços, outros trabalhos.

***

I

O movimento anarquista argentino, que emerge na segunda metade do século XIX, cresceu continuamente durante várias décadas. A formação de clubes culturais, bibliotecas, companhias filodramáticas, escolas e a Federação Operária fizeram do anarquismo a expressão de amplos setores operários e populares. Milhares de imigrantes e argentinos silenciados, submetidos a jornadas de trabalho humilhantes, amontoados em cortiços, encontram um espaço para suas reivindicações. Para eles, não há redenção no céu, mas aqui, no banquete da vida, afirmando práticas de liberdade, prescindindo de hierarquias ou patrões. Assim vivem, inventando suas próprias respostas, desenvolvendo um movimento cultural alternativo, arrancando conquistas nos seus lugares de trabalho. Não se pode esquecer a passagem de Errico Malatesta, na década de 1880, ou a de Pietro Gori, em 1900,[1] com conferências por toda a Argentina e seminário na Faculdade de Direito.[2] Ambos imprimem vitalidade ao movimento local.

Mas é em abril de 1902 quando começa a aparecer de maneira mais contundente o anarquismo. Nesta data se definem os delegados socialistas da Federação Operária Argentina, FOA, e se afirma a Federação Operária Regional Argentina, FORA, tornando-se rapidamente o setor mais forte do movimento operário. Paralelamente, no dia 23 de novembro, o Estado Argentino sanciona a Lei de Residência, dirigida aos anarquistas, e que os submetem a centenas de detenções e deportações. A ordem conservadora não se detém em perseguições, e isto não impede que em 7 de novembro de 1903 apareça La Protesta,[3] o maior jornal anarquista argentino e um dos mais importantes do mundo.

O anarquismo não deixa de crescer, protagonizando todos os conflitos sociais e lutas populares daquela primeira década do século. As crônicas sobre as enormes manifestações de rua o dimensionam como movimento de massas. As classes dirigentes não podem ignorar a pressão constante e, em 1904, o Ministro do Interior, Joaquín Víctor González, leva um projeto de lei ao Congresso para restringir a jornada de trabalho a oito horas e efetivar outras demandas operárias; mas, sob pressão dos empresários, a lei não é aprovada. Em 1907 o Congresso cria o Departamento do Trabalho, uma nova tentativa de agir legalmente contra um movimento que questiona a ordem estabelecida. Enquanto isso, em 1905, a FORA realiza seu V Congresso, no qual estabelece como princípio o anarco-comunismo, e não apenas o setor operário se reafirma, mas também se realizam diversas experiências em âmbitos culturais, como a criação das escolas racionalistas, impulsionadas por Julio Barcos. Em 1910, La Protesta está chegando ao seu ápice, passando a ser o único diário anarquista do mundo que edita também um vespertino, La Batalla. Mas a vida deste será breve, já que, em junho de 1910, em apenas 48 horas, o Congresso aprova uma lei repressiva: a Lei de Defesa Social, provocando o fechamento de jornais libertários, e a perseguição, deportação e prisão de muitos militantes.

Toda a década de 1900 é de crescimento, confrontos, elaboração de projetos e debates internos no movimento anarquista argentino. Sob seu princípio de liberdade, contrário à autoridade institucionalizada e à hierarquia, e afirmativo da igualdade, encontram-se diversas expressões.[4] Estas diferenças podem ser rastreadas nas variadas publicações editadas no período e, se é verdade que La Protesta converte-se no porta-voz por excelência do movimento, grupos com uma posição diferenciada em relação à organização e ao movimento operário têm sua própria voz, constituindo um grande leque libertário que não resta forças, mas, ao contrário, amplia a proposta e permite chegar aos mais vastos setores da sociedade.

Qual é o peso dos confrontos sociais, em seu conjunto, no devir histórico, na construção de uma realidade cotidiana?

Se olharmos para a primeira década do século XX, veremos que do anarquismo surgem muitos projetos que representam amplos setores, com uma Federação Operária mais forte que a socialista União Geral dos Trabalhadores, UGT, com lutas que obrigam o Estado a dar importância à problemática social.

Com quanto contribuiu a indomável atitude anarquista para a queda da ordem conservadora e para a abertura da representação política? O anarquismo, sem o propor, alheio a acertos parlamentares e resistente à política burguesa, talvez pusesse contra a parede a velha forma do Estado, aquela que não conseguiu mais se abrir e incorporar novos setores, mostrar-se como representante de todos, incluir as novas vozes, reconhecer uma nova voz que falava, rangia, e reclamava cuja língua era inventada no movimento libertário. Mas, para poder abrir espaço, o Estado devia oferecer a ilusão da igualdade: devia construir cidadãos argentinos. Frente ao Estado conservador não só estavam os anarquistas, mas também radicais e socialistas. Entretanto, resulta inegável a incidência dos anarquistas na vida política do país. Os anarquistas não lutavam pela abertura política, não acreditavam no parlamentarismo e, mesmo assim, talvez seus atos tenham contribuído para desenhar um novo jogo de representação política, concessão feita pelo Estado restritivo com a finalidade de manter sua continuidade.

Para alguns historiadores, a Lei Sáenz Peña, que estabelece o voto universal, marca o fim da influência política do anarquismo. Também no âmbito social e cultural foi diminuindo seu espaço, devido as modificações na estrutura social: com a nova oferta do ócio, direcionada aos setores populares (futebol, cinema), a reestruturação do espaço urbano (distanciamento das populações dos lugares de trabalho) e a agressiva campanha de argentinização (símbolos pátrios, extensão da escola primária, serviço militar obrigatório). O Estado e a economia capitalista agora se espalhavam e penetravam naqueles âmbitos que antes lhes escaparam. No movimento operário também foi sentida a nova realidade política, diante de um presidente, Hipólito Yrigoyen, eleito por voto universal, secreto e obrigatório. A ação direta como método de luta ainda tinha argumentos, mas deixava de atingir muitos setores, ao se propagarem novos mecanismos de negociação desde o Estado.

Não é possível entender a perda de peso do anarquismo argentino, a partir de 1910, apenas pela repressão desatada com terrível ferocidade: invasões, fuzilamentos, deportações e encarceramentos de milhares de pessoas. Mas tampouco podemos atribuí-lo apenas à abertura da representação política, à modificação nos hábitos sociais ou à transformação que passava o sistema produtivo nacional. E menos ainda a certa visão marxista que identificou o anarquismo com um tipo de trabalhador atrasado, rêmora de regimes pré-capitalistas com tendência a desaparecer. Talvez todas as explicações anteriores, exceto a última, nos ajudem a entender o desalento de um movimento, mas é possível afirmar que o anarquismo estava longe de desaparecer. E mostrará toda sua vitalidade nas duas décadas seguintes, até o que podemos chamar de segundo momento libertário, momento que descreve o surgimento da Federação Libertária Argentina na década de 1930.

Se em um princípio o debate interno esteve perpassado pela adesão ao individualismo, coletivismo e comunismo,[5] o acontecer histórico possibilitará novas discussões. O Estado fechado, alheio e mero representante das classes abastadas, começava a se abrir, e ainda que apenas se tratasse de um distanciamento estratégico das classes dominantes do controle direto da política para se refugiar num controle menos visível mas mais efetivo, o certo é que o cenário mudava, e muitos pensaram que as estratégias de luta também deveriam fazê-lo. Desta forma acontece o rompimento na FORA, no IX Congresso de 1915, que decide retirar, por 46 votos contra 14, a definição do comunismo anárquico como finalidade e se pronunciar contraria à adoção de sistemas filosóficos ou ideologias determinadas. O grupo minoritário se manterá como FORA V Congresso e reafirmará seus princípios. Apesar do peso das ideias sindicalistas na nascente FORA IX, é possível encontrar nela muitos representantes que aderem ao anarquismo e que se formaram nele. Suas consignas seguem apelando à luta de classes revolucionária e à greve geral revolucionária,[6] inclusive na organização que a sucede, a União Sindical Argentina, USA, em 1922. Habitualmente se atribui à USA uma extração puramente sindicalista, porém ela manteve uma forte influência anarquista ou, mais precisamente, anarco-bolchevista,[7] graças à qual a Aliança Libertária Argentina, ALA, soube exercer seu controle numa relação semelhante à conseguida pela FAI com a CNT espanhola.[8] O surgimento da ALA pode ser localizado no Primeiro Congresso Regional Anarquista de Buenos Aires, realizado em outubro de 1922. Ali se encontram 84 grupos argentinos, dois estrangeiros e 40 representações individuais, sendo excluídos os anarco-bolchevistas, que realizarão seu próprio congresso, com a participação de 60 militantes, representando oito organizações da capital e nove do interior, e constituindo a Aliança Libertária Argentina em 23 de janeiro de 1923, em Buenos Aires. No dia 23 de abril já começa a ser publicado seu jornal oficial, El Libertario, que aparecerá até 1932, com um total de 109 números editados.

Os debates foram intensos e ferozes entre as duas correntes, visíveis nos confrontos verbais mantidos entre La Protesta[9] e El Trabajo, depois Unión Sindical e posteriormente Bandera Proletaria. Mas a partir de 1917, com a Revolução Russa, se incorporaria outro tema que sacudiria o ambiente anarquista: o apoio primário e de expectativa que produzirá o levantamento do povo russo diante da opressão tirânica de séculos, irá se traduzindo tanto em grupos críticos da revolução[10] como em outros que apoiariam a construção da União Soviética a qualquer custo. Este debate aparece em todas as publicações da época, e é graficamente retratado em La Protesta, El Trabajo e Bandera Roja. O tempo dissolverá esta polêmica, mas quando o Estado soviético já não tiver nada mais de revolucionário e os anarquistas se reunirem contra ele, haverá aparecido na política argentina uma nova variável impossível de ignorar: o Partido Comunista Argentino.

Aos debates anteriores falta acrescentar as ações de grupos menores, mas de grande repercussão e também emblemáticos do anarquismo: o anarquismo expropriador ou o anarco-banditismo, definido assim por La Protesta.

A década de 1920, com um novo Estado, eleições universais, novas relações entre o movimento operário e o governo, não foi um tempo tranquilo.[11] O fuzilamento massivo de trabalhadores rurais na Patagônia, o assassinato de Jacinto Aráuz, em La Pampa,[12] as ações assassinas de bandos nacionalistas unificados na Liga Patriótica, comandada por Manuel Carlés, encontrava do outro lado lutadores dispostos a se armar, a se defender, a matar seus inimigos e a expropriar para financiar suas publicações e ajudar os companheiros presos. Severino Di Giovanni foi o mais lendário de todos eles e, ao seu lado, América e os irmãos Scarfó. Miguel Arcángel Rosigna,[13] cérebro de fugas carcerárias impressionantes, inaugura a figura trágica do desaparecido na Argentina, depois de ser detido pela polícia. O grupo de Tamayo Gavilán também deve ser lembrado e, sem dúvida, a rápida passagem de Durruti, Ascaso e Jover pela Argentina, com o assalto à estação de metrô de Caballito e ao Banco da Província de Buenos Aires, em San Martín.

Deve ter sido muito grande o impacto que estes grupos provocaram, perseguidos sem trégua pela polícia e o exército, em fuga constante e gerando em muitas intervenções a morte de transeuntes ocasionais. Assim podemos entender a posição cada vez mais dura do grupo de La Protesta, que os condenou publicamente, acusando-os de violência fascista e negando seu anarquismo. Mas frente a ela estavam La Antorcha, Brazo y Cerebro, Pampa Libre e Ideas (La Plata), que se mantiveram próximos. Os expropriadores viram passar milhares de pesos por suas mãos, mas viveram pobres, ajudando incansavelmente as famílias dos presos, editando publicações anarquistas, como a emblemática Culmine, e com desfechos que são um símbolo de suas vidas.

Lembremos que Di Giovanni é surpreendido em uma gráfica revisando a edição das obras de Elisée Reclus, Rosigna cai depois de se arriscar para libertar seus companheiros da prisão de Montevidéu e Durruti morre na defesa heróica de Madri. Enfim, a década de 1920 foi de duro e sangrento debate dentro do anarquismo,[14] no tom do ambiente social de violência e repressão estatal, de assassinatos patrióticos da Liga de Manuel Carlés.

Não podemos entender a violência entre as tendências anarquistas sem analisar seu conteúdo social, sem considerar a violência a que eram submetidos pelo Estado, que os colocava contra a parede, ou as definições políticas, que eram vividas como uma escolha de sobrevivência. Provavelmente esta análise sobre a violência praticada durante toda a década para dirimir as diferenças políticas no interior do anarquismo não seja completa, e outros interessantes fatores possam ser incorporados,[15] mas sem dúvida é um elemento a ser considerado.

Não interessa aqui definir as arestas que delimitariam um suposto corpus anarquista, incluindo e excluindo as tendências do movimento, estabelecendo uma ortodoxia ou um pensamento definitivo para o anarquismo. Como sabemos, o desenvolvimento do pensamento libertário contemplou em todas as épocas diversos matizes e também aqueles que pretenderam se atribuir a condição de verdadeiros porta-vozes da ideia. Foram La Protesta e a FORA V os que cuidaram estritamente dos postulados, mas o que podemos dizer do antorchismo, do anarco-sindicalismo da ALA, dos anarco-bolchevistas, do anarquismo expropriador, e ainda daqueles libertários individualistas que não se enquadravam em nenhum destes grupos?

Enquanto em décadas anteriores os diferentes olhares ampliavam a chegada a crescentes setores sociais, agora não havia lugar para dissidências e a violência dirimia os confrontos. As transformações econômicas, políticas e sociais colocaram em disjuntivas impossíveis de prever um movimento que tivera eco em amplos setores sob seus límpidos princípios. Estes deviam ser mantidos a custa de uma menor representação nas massas? Em caso afirmativo, como agir, como manter o sonho da derrocada do capitalismo, como fazer política?

No interior do anarquismo, na medida em que não se trata de uma teoria acabada que pressupõe a queda do capitalismo ou a sucessão de modos de produção que augura a chegada do socialismo, são intensas as variáveis que entram em jogo, pois é mais forte aqui apenas a potente voz que reclama justiça, a indomável atitude contra toda forma de exploração, o sensível grito diante da opressão. Assim pode ser entendida a atitude solitária e reivindicadora de tantos anarquistas como Radowitzky, Wilckens e Wladimirovich, e se bem se considera que onde há opressão deverá haver um ato de rebeldia, tudo isto estava delimitado pela ideia firme de que o mundo libertário seria alcançado em breve, de que o capitalismo desmoronaria inevitavelmente.

Se o anarquismo estava longe de estar morto em 1910, também já não era o mesmo. Agora havia tensão em diversos setores, e alimentava-se de novas práticas diante de uma nova realidade, mas ainda mantinha uma forte influência no cenário argentino. A FORA acusa os outros, talvez com razão, de desviacionismo. Mas sem reconhecer que seu purismo a distancia e a reduz cada vez mais. Os outros buscam novas formas de articular as ideias libertárias, de operar em uma realidade que muda, mas sem visualizar que agora estão longe de uma época em que a queda de todo um sistema parecia iminente. Acabara, então, a crença das massas em uma mudança revolucionária, na queda abrupta do capitalismo.

Então, como agir? Como efetivar um posicionamento político de agora em diante? O tempo, e mais precisamente a década de 1930, irá desenhando no movimento libertário esta busca de respostas.

II

No dia 6 de setembro de 1930, o General José Félix Uriburu inaugura a história dos golpes de Estado na Argentina do século XX. O presidente Hipólito Yrigoyen entregará um trunfo aos anarquistas meses antes de ser derrocado: o indulto a Simón Radowitzky. Mas isto contribuirá para a irremediável queda do líder radical. Imediatamente, todas as publicações anarquistas foram proibidas[16] e seus locais invadidos. Aconteceria um dos momentos de maior repressão para o movimento. Surpreendido em meio a divisões internas, desarticulado e sem capacidade de resposta, sofre centenas de detenções, aprisionamentos em Ushuaia, deportações, fuzilamentos[17] e torturas. Na hora do resguardo, de nada serviu à FORA manter-se longe do que definia como um conflito dentro da burguesia, e a La Protesta tampouco lhe foi útil se desligar dos setores violentos do anarquismo, convencida a ter um rosto mais humano. Diante da ditadura se apagam todas as diferenças. Para o autoritarismo não existem tons de cinza, mas um só inimigo. As sutilezas não são seu ponto forte, e a tortura emergirá como síntese de seu discurso.

Paradoxalmente, a repressão serviu para refletir sobre a luta e a morte mantida nos anos 20: parecia uma resposta da história, que castigava violentamente aqueles que tinham se relacionado com violência, convidando-os a se unirem contra o verdadeiro inimigo. A ditadura deu o marco concreto para possibilitar a unidade: o batalhão 3º bis da prisão de Villa Devoto,[18] onde tinham confluído centenas de militares de diferentes tendências, muitos como passo prévio à transferência para Ushuaia. Os libertários, depois de várias disputas,[19] conseguem expulsar os comunistas do pavilhão, situação que deve ter contribuído para o seu reconhecimento e se unirem neste confronto secundário, mas não de menor importância para o anarquismo. Assim, o espaço estava completo para dar início às discussões; e seus olhares se voltaram para a autocrítica, e produziram um fato impensável anos atrás: 300 militantes de todas as tendências, em setembro de 1931, organizaram um Congresso na prisão.[20] Era o começo da unidade e da reinvenção, e ao mesmo tempo do surgimento de um novo tema de discussão: a criação de uma organização específica do anarquismo que lograsse coordenar e unificar suas forças.

O especifismo não era na verdade um tema novo: sempre havia se aproximado da ideia de construir uma organização mãe e o I Congresso Regional de 1922 podia ter aberto este caminho. O certo é que, intimamente, todos[21] coincidiam em reconhecer a FORA como organização finalista, e em se distanciar de construções mais próprias de partidos políticos burgueses ou autoritários. Enfim, era o proletariado sob seus princípios federativos a verdadeira expressão do anarquismo local,[22] sua ferramenta de luta, e talvez o começo da sociedade futura.[23] Mas a FORA não tinha cada vez menos peso dentro do movimento operário? E, por outro lado, como coordenar setores crescentes, como o movimento estudantil[24] ou os núcleos culturais? Estas perguntas foram chaves na hora de pensar a nova organização; parecia que o anarquismo tinha começado a variar em sua composição.

Mas 1930 é também a década que marca o fim do modelo agro-exportador argentino, é a crise final do sonho harmônico, como celeiro do mundo, que tinha proporcionado a divisão internacional do trabalho. E com isto a estrutura produtiva irá se transformando, acelerando as mudanças já anunciadas durante a Primeira Guerra Mundial. Isto reanimará o debate iniciado na década anterior entre aqueles partidários da organização por ofício ou por indústria. A FORA se manterá fiel a seus princípios federativos, opondo-se a todo tipo de organização por indústria. Esta posição, que já tinha gerado a incorporação de muitos sindicatos à USA, agora propiciará que muitos anarquistas criem grupos intersindicais nas associações reformistas, e que reconheçam as transformações no capitalismo como um fato objetivo com o qual deverão trabalhar. Com estes pontos centrais de discussão: superar as diferenças fratricidas da década anterior, criar uma organização específica do anarquismo e revitalizar a FORA sem deixar de levar em consideração outras formas de participação sindical. Acontecerá então, um grande encontro em setembro de 1932, em Rosario, o II Congresso Regional Anarquista.[25] Todos os setores contribuíram para sua realização; La Protesta pediu, desde suas páginas, a elaboração de comunicações que delineassem os pontos de discussão, mediante uma pesquisa destinada a seus leitores, e vários militantes percorreram o país, reabilitando as velhas práticas linyheras,[26] para concentrar os grupos e instar sua participação.

Em 13 de setembro de 1932 começa o Congresso, com a participação de 53 delegados em representação de 30 organizações de toda a Argentina.[27] Tinha sido aberto, uma vez mais na história anarquista, um lugar de intercâmbio, construção e reconhecimento. Mas, tinham sido diluídas realmente as diferenças para permitir a unidade? Na verdade, o que pareceu acontecer é que se esgotaram certas discussões e se estabeleceram outras, produto de uma nova conjuntura histórica e da reorganização de grupos e militantes diante de novas disjuntivas. Desta maneira, encontramos agora representantes do grupo La Antorcha unidos com a FORA e apoiando o ponto de minoria no Congresso, três votos, enquanto que 49 delegados aprovam a conformação de uma organização específica libertária. As principais resoluções que ofereceu o encontro instaram a criar uma organização federativa de grupos que pudesse conter todas as vertentes, em ampla liberdade e, ao mesmo tempo, seguir dando à FORA a qualidade de organização finalista do anarquismo. Por que a FORA se opunha, então, à formação da organização específica?[28] Não podemos omitir que outras resoluções também impulsionavam a formação de grupos inter-sindicais exteriores à FORA e em sindicatos opositores.

O impasse estava colocado: resistir dentro da FORA e provocar dali que os operários percebessem sua verdadeira luta e nutrissem suas filas, ou reconhecer a perda da hegemonia anarquista dentro do movimento operário e atuar como tal em outros sindicatos. O Congresso, sem aceitar totalmente a segunda opção, optou pelo reconhecimento tácito da realidade, convencido de uma tática que devolveria ao anarquismo as massas operárias perdidas. Se, depois de mais de 70 anos, vemos esta tática como infrutífera, este encontro de Rosario, sem alcançar seus objetivos revolucionários, sempre abertos e presentes, possibilitou o Comitê Regional de Relações Anarquistas, CRRA, que revitalizou todo o movimento no país e deu ao ideal libertário novas forças. Já em setembro de 1933, fez nascer Acción Libertaria como seu porta-voz, retratando quase quarenta anos de história, até seu desaparecimento, em março de 1971.

O CRRA[29] teve um importante papel na organização da militância, conseguindo que os seis comitês locais estabelecidos no Congresso de Rosario (Rosario, Resistencia, Bahia Blanca, Santa Fe, Tucumán y Capital) aumentassem para 16 em setembro de 1933, e chegassem posteriormente a 30. Conseguiu a conformação de uma organização inter-sindical na corporação da indumentária, a reorganização da Associação de Trabalhadores do Comércio de Rosario e a construção do Sindicato de Operários de Bondes e Anexos em Buenos Aires, de expansão em todo o país (autônomo, não aderido à FORA).

A FORA, enquanto isso, terá duas importantes atuações no começo da década: a greve portuária, em janeiro de 1931 e, em julho, diante da chegada de uma embarcação nazista, a agitação e a greve convocada pela Federação Operária Local Bonaerense. Agora, enquanto as atividades do CRRA cresciam, conectando zonas e preparando a todos os militantes do país para um próximo congresso que fizesse surgir a Organização Específica, esperavam-se os resultados da Assembleia Geral da FORA, a ser realizada em outubro de 1934. Mesmo sendo conhecida a opinião contrária da maioria dos membros da FORA em relação à formação específica, esperava-se que influísse a majoritária votação do congresso de Rosario. Mas, finalmente, as resoluções aprovadas pela FORA não foram alentadoras para aqueles que impulsionavam os acordos de 1932: reafirmou-se a organização por ofício, a posição contrária às comissões inter-sindicais[30] e a opinião anti-especifista, assentando uma dura postura contra a organização libertária nascente. Diante disto, o CRRA optou por se definir abertamente a favor de impulsionar o trabalho nos sindicatos por rama de indústria. A brecha estava aberta novamente.

Entretanto, isto não malogrou o objetivo, e o trabalho desenvolvido pelo CRRA durante três anos pôde se concretizar em outubro de 1935, ao ser realizado o Congresso Constituinte da Federação Anarco-Comunista Argentina, FACA.

A FACA, primeira organização específica da Argentina, estabelece sua sede de correspondência em Buenos Aires, e começa a desenvolver múltiplas atividades em todo o país, em continuidade com as desempenhadas pelo CRRA. Podemos destacar a intensificação da campanha pela liberdade dos presos de Bragado: Pascual Vuotto, Reclus de Diago e Santiago Mainini, torturados e condenados por um crime que não cometeram, em 1931. Foram editados milhares de exemplares do jornal Justicia,[31] porta-voz da campanha, e percorrido todo o país, com manifestações, suportando a perseguição e o assassinato,[32] até conseguir o indulto, em 1942.

Em 1936 acontece um dos fatos mais importantes para o anarquismo mundial. O levantamento do general Franco contra a República Espanhola desencadeia a Guerra Civil, mas também acelera o processo revolucionário que vinha sendo desenhado, e que tinha como protagonista o forte movimento anarquista espanhol. O movimento anarquista cumpriu um papel decisivo na derrota dos sublevados em várias cidades, e conseguiu controlar importantes zonas, desenvolvendo seu trabalho de construção revolucionária. Assim nasceram as coletividades de Aragón e a coletivização de indústrias e serviços na maior parte da Catalunha. Na Argentina, a FACA realizou uma campanha importante a favor do movimento espanhol. Interveio na formação de numerosos comitês populares de ajuda à Espanha. Fundou, em acordo com a CNT e a FAI espanhola, o Serviço de Propaganda de Espanha, editando a revista Documentos Históricos de España, e impulsionou a formação da Solidariedade Internacional Antifascista, SIA. Foram designados três militantes como delegados na Espanha: Jacobo Prince, Jacobo Maguid e José Grunfeld, que ocuparam cargos de máxima responsabilidade no jornal da confederação Solidaridad Obrera, na publicação da FAI, Tierra y Libertad, e na Secretaria Peninsular da FAI, respectivamente.

A década de 1930 foi de formação e crescimento para a FACA, em duras condições de repressão, que tinham dizimado o movimento no início da ditadura. Em 1939, com uma estratégia de ampliação e junto a homens que não eram libertários, é criada a revista Hombre de América. E em 1941 surge o jornal Solidaridad Obrera, como expressão de um importante setor de corporações autônomas orientadas pela FACA. Em 1946, a criação da editorial Reconstruir foi de notável importância para a difusão das ideias libertárias, editando dezenas de folhetos e livros, até os dias de hoje.

A derrota na Revolução Espanhola e o começo da Segunda Guerra Mundial reavivaram as campanhas antimilitaristas, assim como a ajuda a todos os refugiados. Neste marco se iniciou uma campanha para auxiliar os companheiros sobreviventes do terror nazista, enviando roupas e mantimentos à Alemanha.

O enorme impacto repressivo que causou o fascismo em todo o mundo, sua expansão, o surgimento do regime nazista e a existência, na Argentina, de grupos que assassinavam os operários e que apoiavam estas tendências, gerou um clima político que buscou evitar o nascimento de movimentos similares no país. O peronismo parecia reunir as condições de um movimento fascista vernáculo, construindo sua base de sustentação na massa operária, organizada em sindicatos impulsionados desde o Estado e com uma orientação autoritária. A maior parte dos libertários não duvidou em atacar o Estado peronista, recebendo prisão e fechamento de seus jornais: em 1946 foi criado o jornal Reconstruir, que sofreu processos por desacato e sequestro de edições, transladando sua impressão para a cidade de Rosario, e em 1952 foram encarcerados os operários portuários da FORA.

O ano de 1945 foi outro ponto de inflexão para a história argentina. Juan Domingo Perón chega à presidência e com ele se produz uma das grandes mudanças do século. A crise terminal do modelo agro-exportador argentino, que tanto proveito gerou até a década de 1930, e as condições criadas pela Segunda Guerra Mundial, impulsionaram setores da burguesia nacional para a construção de um projeto de desenvolvimento interno. A indústria nacional, e mais ainda o controle estatal da economia, serão os pilares do peronismo. Somado a isso, a necessidade de criar um mercado interno de consumo crescente que possibilitasse a produção nacional. As mudanças sociais e políticas produzidas a partir disso foram de tal magnitude que provocaram um movimento de massas de importância mundial. A sindicalização operária elevou-se de 500.000 para 2.500.000 filiados e os benefícios obtidos pelos trabalhadores, em condições de pleno emprego, produziram um deslocamento rápido de adesões ao peronismo. Esta atitude da maior parte do movimento operário, que se prolonga até os dias de hoje, relegou ao esquecimento a riqueza das experiências anteriores, produzindo uma invisibilidade, sobretudo do movimento anarquista.

A construção do discurso peronista alimentou-se de reivindicações operárias existentes, apelou para a dignificação do oprimido e aludiu para tanto à exaltação da pátria. Mas, se em décadas anteriores recorreu-se à pátria desde o poder e contra os operários de ideias estrangeiros, agora se utilizava para designar àqueles que tinham ocupado o subsolo da nação. O verdadeiro feitor da pátria era, então, o povo trabalhador, aquele que forjava com seu esforço as riquezas nacionais. O movimento operário, que durante décadas tinha construído suas reivindicações em oposição direta ao conceito de pátria, estabelecendo-o como raiz do militarismo, as guerras e o aproveitamento da burguesia, via agora que seus reclamos se veiculavam através dela. O trabalhador começou a ser protegido por uma legislação inexistente tempo atrás, a redistribuição do ingresso nacional dirigiu-se para os mais desfavorecidos, os salários aumentaram, muitas reivindicações socialistas e anarquistas[33] começaram a ser cumpridas e muitas pessoas começaram a aceder a benefícios antes negados. Mas, se os benefícios econômicos e sociais foram reais, e a exploração descarnada que realizava a elite foi restringida, a dignidade alcançada estava longe dos postulados revolucionários da primeira metade do século. O melhoramento das condições sociais pareceu reconstruir o movimento operário, e direcioná-lo por um sentido de pertencimento e inclusão. As lutas já não estavam dirigidas para a emancipação do gênero humano, para derribar as fronteiras que separam os homens e derrocar o capitalismo. E a dignidade pretendida tinha um recorte nos ideais mais altos, nascidos nos movimentos revolucionários.

Neste sentido, se a abertura da ordem conservadora ao voto universal significou uma inclusão de amplos setores na representação política, o peronismo conformou um segundo movimento de abertura, agora na esfera econômica e social, e uma construção de pertencimento no âmbito capitalista. Será necessário aguardar algumas décadas para que uma nova fase do sistema capitalista descarte a necessidade do pleno emprego e o consumo massivo para se realimentar, e possa acomodar a acumulação junto à exclusão de grandes massas do mercado de trabalho e de consumo.

A posição assumida pela FACA frente ao governo peronista ficou plasmada no jornal Acción Libertaria, e também nas resoluções e declarações dos diferentes congressos e plenários nacionais, celebrados por esta organização.

Desde a formação da FACA até sua designação como Federação Libertária Argentina, FLA, aconteceram seis grandes encontros: em dezembro de 1936 o Plenário Nacional de Agrupações Provinciais, em fevereiro de 1938 o Primeiro Congresso Ordinário, em julho de 1940 o Segundo Congresso Ordinário, em outubro de 1942 o Plenário Nacional de Agrupações e Militantes, em dezembro de 1951 o Terceiro Congresso Ordinário e, em fevereiro de 1955, o Quarto Congresso Ordinário; nasce a FLA.

Se nesta data as ideias anarquistas tinham deixado de ser uma expressão de massas e de representar o movimento operário majoritário, sobressai a continuidade e o desenvolvimento conseguido pela organização específica. Enquanto o anarquismo via-se relegado em sua expressão operária a um espaço cada vez mais reduzido, desenvolveu-se uma nova forma de canalizar os ideais libertários que, sem deixar de estar imersa no retraimento geral do movimento, esforçava-se para demonstrar a vigência das ideias anarquistas. Este novo momento histórico, vivido sob a necessidade de uma mudança de estratégias, que articulava a militância não incluída na FORA, insuflou forças ao movimento e possibilitou a Federação Libertária Argentina, em atividade permanente até os dias de hoje. Sem prejuízo da FORA, que soube contemplar milhares de trabalhadores nas décadas anteriores, tinha sido aberta um novo momento, que propiciava outro tipo de militância. Ainda que para ambas organizações apenas ficasse reservado um lugar de minorias.

Não se pode dizer que as ideias anarquistas tenham falecido. Nem tampouco que ao serem adotadas por grandes contingentes humanos fossem de maior acerto. Isto só expressaria um especial clima de época, quando maiorias estariam dispostas a romper com os valores que sustentam todo um sistema. Possibilidade sempre aberta, neste breve momento da história que é o capitalismo, e no qual as ideias anarquistas, através dos questionamentos colocados sobre a igualdade e a liberdade, seguem expressando sua vigência e, sobretudo, em seu grito firme contra toda opressão.


[1] As atividades de Malatesta e Gori na Argentina, assim como seu pensamento, aparecem bem retratados em: Hugo Mancuso & Armando Minguzzi. Pensamiento social italiano en Argentina: utopias anarquistas y programas socialistas (18701920). Buenos Aires, Ediciones Biblioteca Nacional, 1999, p. 12. Também ver: Hector Adolfo Cordero. Alberto Ghiraldo, precursor de nuevos tiempos. Buenos Aires, Editorial Claridad, 1962.

[2] Na revista Ciencia Social n° 15, fevereiro de 1900, reproduz-se o seminário ministrado por Pietro Gori na Universidade de Buenos Aires.

[3] Tinha surgido antes como La Protesta Humana. Ver Pablo M. Pérez (Coord.). Catálogo de Publicaciones Políticas, Sociales y Culturales Anarquistas (1890-1945). Colección Archivo. Federación Libertaria Argentina. Biblioteca Archivo de Estudios Libertarios. Buenos Aires, Editorial Reconstruir, 2002.

[4] A publicação anti-organizadora por excelência foi El Perseguido, que aparece em 18 de março de 1890. O porta-voz máximo da tendência anarco-individualista foi Germinal, que por sua vez aparece em 14 de novembro de 1897. E a tendência organizadora inicia-se com força em 1894, com três publicações: El Obrero Panadero, El Oprimido e La Questione Sociale.

[5] Em 1898 o grupo Progreso y Libertad, de La Plata, organiza um Encontro Socialista Libertário, onde um dos temas propostos mostra a importância deste debate: “(...) o coletivismo, o comunismo e o individualismo, origem e importância atual e futura destas teorias socialistas. Qual delas está mais em harmonia com os princípios da anarquia?”. Folheto do grupo Progreso y Libertad, na biblioteca José Ingenieros.

[6] Ver Samuel L. Baily. Movimiento obrero, nacionalismo y política en la Argentina. Buenos Aires, Editorial Paidós, 1984.

[7] Sobre esta definição ver Andrés Doesswijk. Entre camaleones y cristalizados: los anarcobolcheviques rioplatenses, 1917-1930. Tese de Doutorado. Universidade de Campinas, 1998.

[8] Foi consultado o trabalho de Fernando López Trujillo, “El anarquismo en los ´30: la FACA”, apresentado em: I Jornadas de Historia de lãs Izquierdas, organização do Centro de Documentación e Investigación de la Cultura de Izquierdas, CeDInCI, em Buenos Aires, em dezembro de 2000. O autor afirma a hipótese de que o conflito entre a USA e a FORA pode ser entendido como uma disputa ideológica no interior do próprio movimento anarquista. Também ver núm. 7 de Vía Libre, abril de 1920. No artigo intitulado “Federación Obrera Argentina, apuntes de historia y critica del movimiento obrero argentino”, assinado por Armando Flogueral, é criticada duramente a constituição da FORA V. Este grupo é acusado diretamente de ter realizado um golpe interno no anarquismo, e de atentar contra a unidade do movimento operário e lhe retirar, ao mesmo IX, mas em menor número em relação a outros grupos, até que a FORA IX, perdida em sua linha de ação, foi presa de negociações oportunistas. Desde o anarquismo, e referenciando a Malatesta e Bakunin, rejeita a tática da FORA V e adere à moção de omitir a definição de anarco-comunismo dos estatutos internos, segundo o argumento de que não é possível chegar à “Ideia” através da luta econômica sindical, mas sim em um momento posterior, sendo que esta luta proporciona apenas a solidariedade operária e o reconhecimento como grupo.

[9] Em 1916 acontecera um rompimento no interior de La Protesta, que provocou a saída de Antilli e Rodolfo González Pacheco, que fundam La Protesta Humana, La Obra, depois Tribuna Proletária, e mais tarde La Antorcha.

[10] Atitude acentuada pela matança de anarquistas em Kronstadt, perpetrada pelo Exército Vermelho, comandado por Trotsky.

[11] A década fora inaugurada em 1919, com os acontecimentos da Semana Trágica. Ver Edgardo Bilsky. La Semana Trágica. Buenos Aires, CEAL, 1984, e Julio Godio. La Semana Trágica... Buenos Aires, Hyspamerica, 1985.

[12] Ver Osvaldo Bayer. Los anarquistas expropiadores, Simon Radowitzky y outros ensayos. Buenos Aires, Editorial Galerna, 1975. Na década de 1920 sucedem-se os assassinatos de trabalhadores, assim como na grande greve de La Floreetal, na região do Chaco em Gualeguaychu, cometidos pela Liga Patriótica.

[13] No dia 27 de março de 1931, nove dias depois da famosa fuga do presídio de Punta Carretas, de Montevidéu, quando conseguiram fugir Vicente Moretti e três anarquistas catalães, Ros.igna é capturado pela policia em seu alojamento na rua Curupí. No dia 31 de dezembro de 1936 chega ao fim sua reclusão no Uruguai e é deportado para a Argentina, onde o aguardam vários processos, mas, apesar de anulados, é transladado de delegacia em delegacia, até que se perde qualquer pista dele. Supõe-se que tenha sido lançado ao Rio da Prata. Em 10 de maio de 1935, Juan Antonio Moran, secretario geral da União Operária Marítima e também anarquista, sofreu uma morte similar, quando foi sequestrado ao ser libertado da prisão de Caseros, mas encontrado morto e torturado dois dias depois em General Pacheco.

[14] Vale lembrar o ataque ao jornal Pampa Libre, de General Pico, em agosto de 1924, efetuado por gente de La Protesta, ou o assassinato de López Arango em 1929, praticado, supostamente, por gente de Severino Di Giovanni. Ver Jorge Etchenique. Pampa Libre., anarquistas en la Pampa argentina. Buenos Aires, Ameríndia, 2000.

[15] Na década seguinte, a repressão estatal será feroz durante a ditadura e, entretanto, o movimento se dispõe a encontrar outros mecanismos parar solucionar as diferenças; ali começa a Federação Libertária Argentina.

[16] Curiosamente, a primeira publicação que consegue ser editada na clandestinidade é Anarchia, elaborada por Di Giovanni e América Scarfó. Mas a sua atitude insubmissa acabará em pouco tempo, quando Di Giovanni é capturado e fuzilado.

[17] No dia 1o. de fevereiro de 1931 será fuzilado Di Giovanni e, no dia seguinte, Paulino Scarfó.

[18] Ver José Grunfeld. Memorias de un anarquista. Buenos Aires, Editorial Nuevo Hacer, 2000; e Jacobo Maguid. Recuerdo de un libertario. Buenos Aires, Editorial Reconstruir, 1995. Os autores fazem o relato destes fatos como participantes.

[19] Resultam vários feridos depois de um grande enfrentamento.

[20] Ver Jacobo Maguid. op. cit. O autor afirma que as atas do Congresso foram elaboradas por Jesús Villarías, primeiro editor do jornal Pampa Libre e depois de Brazo y Cerebro. Posteriormente, estas atas servirão como antecedentes no Congresso de Rosario, de 1932, para onde serão enviadas. No dia sábado 17 de janeiro de 1931, o jornal L´Adunata del Refrattari, de Nova Iorque, publica uma carta sobre o congresso da prisão.

[21] Ver Jacobo Maguid, op. cit. O autor explica que a criação de uma organização não se pretendia em detrimento da FORA. Ver também José Grunfeld, op. cit., 2000, em que narra as atividades realizadas em Rosario para vitalizar a FORA, ao mesmo tempo em que eram organizados os Comitês Regionais de Relações Anarquistas.

[22] Em outros países existiam organizações específicas, lembremos apenas o caso da FAI, na península Ibérica.

[23] Neste sentido, cabe esclarecer que a FORA rejeitou a posição anarco-sindicalista. Isto é, não aceitava que os sindicatos se encarregassem da construção da sociedade, depois da revolução emancipadora, e manteve sua posição de que não é possível legislar sobre o futuro da sociedade depois da mudança. Ver Antonio López. La FORA en el movimiento obrero. Buenos Aires, Centro Editor de América Latina, 1987.

[24] José Maria Lunazzi, reconhecido militante, chegou a ser presidente da Federação Universitária de La Plata.

[25] Ver Jacobo Maguid, op. cit., O autor afirma que foi considerado como antecedente o Congresso de 1922, para denominar este como II Congresso.

[26] Os linyheras costumavam perambular pelas ruas, sem trabalho fixo. Também eram contatos que levavam jornais anarquistas a diferentes partes da Argentina. Havia certos lugares marcados onde enterravam estes jornais, para serem apanhados por outras pessoas. Ver Jorge Etchenique, op. cit.

[27] Fernando López Trujillo, em seu trabalho antes citado, reproduz uma nota de La Protesta, de 24 de setembro de 1932, na qual aparecem todos os grupos participantes.

[28] A FORA sempre combateu a formação de uma organização específica do anarquismo. Neste período o fará com maior força a partir do Congresso de Rosario, de 1932. Ver Antonio López. La FORA en el movimiento obrero. Tomo I. Buenos Aires, Centro Editor de América Latina, 1987

[29] A secretaria geral do CRRA funcionou na clandestinidade, na casa do militante Enrique Balbuena.

[30] Será necessário esperar até a Reunião Geral da FORA, realizada em 1962, para que aconteça uma abertura neste sentido. Na ocasião, uma resolução estabelece a formação de grupos inter-sindicais de orientação forista em associações alheias ao movimento. Ver Antonio López, op. cit.

[31] Ver Pablo M. Pérez, op. cit.

[32] Em um ato em Santa Fe é assassinado o militante Salvatierra por um grupo fascista. Ver Jacobo Maguid, op. cit.

[33] Ver Antonio López, op. cit.