#title Para sempre Contra os Tanques #subtitle Três ensaios sobre o Nacionalismo Vermelho #author Mike Harman; Anônimo; Darya Rustamova #LISTtitle para sempre contra os tanques #SORTauthors Mike Harman; Anônimo; Darya Rustamova #SORTtopics Comunismo Autoritário, tankismo, orientalismo, colonialismo, União Soviética; coréia do norte #date 22 de Novembro, 2019 #source https://theanarchistlibrary.org/library/various-authors-always-against-the-tanks?v=1604095526 #lang pt #pubdate 2021-01-20T20:33:34 #notes Rede de Tradutores Anárquicos - https://crabgrass.riseup.net/rededetradutores Quem são estes esquerdistas que fazem piadas com gulags e memes do Stalin? Porque todo comentário sobre Hong Kong parece atrair uma resposta de alguém que afirma que resistências contra o controle Chinês são um plot da CIA, que o massacre da Praça de Tiananmen foi fake, que genocídio é discutível, e que nós temos o dever de apoiar os inimigos dos Estado Unidos, não importa quão tiranos e regressivos eles se revelam ser? Esse zine apresenta três ensaios que expõe a história da celebração dos tanques, e suas manifestações contemporâneas. ** Introdução Esse zine foi editado com o objetivo de tornar acessível a crítica ao ‘tankismo’, uma posição ideológica reacionária que parece estar em alta na esquerda. Tal qual a alt-right, que em 2015 parecia ser um fenômeno da internet com pouco potencial ganhar espaço nas ruas, tankies tem se saído bem na era de ascendência dos nacionalismos. Na América do Norte eles estão fazendo a transição do Twitter para as nossas comunidades offline. Aqueles entre nós que acreditam em um mundo de liberdade radicalmente expandida e o fim da dominação devem lutar com o corpo zumbificado da esquerda autoritária do século 20. Em ‘Tudo que você sempre quis saber sobre os tankies, mas tinha receio de perguntar’, Mike Harman revisa a história do termo ‘tankie’ e sua relação com os vários ramos do Marxismo-Leninismo. ‘Acabando com a idealização do outro’ se inspira na crítica de Su-lin Yu do Orientalismo para explicar porque algumas pessoas de cor queer na América do Norte apoiam a repressão quando é exercida por ‘Estados socialistas’. Finalmente, em ‘O negacionismo de genocídios é anti-imperialismo agora?’ Darya Rustamova confronta a fetichização da URSS enquanto expõe o dano causado por aqueles negando ou minimizando genocídios e crimes de guerra. ** I. Tudo que você sempre quis saber sobre os tankies, mas tinha receio de perguntar Por Mike Harman @libcomorg 8 de Março, 2018 O que significa tankie? Em 27 de Outubro de 1956, Peter Fryer, um membro do partido comunista da grã bretanha, e correspondente do jornal Weekly Worker, chegou na Hungria. Era o quarto dia de um levante de trabalhadores reivindicando um socialismo gerido pelos trabalhadores. Fábricas haviam sido tomadas nacionalmente pelos conselhos de trabalhadores, numa demonstração de auto-organização dos trabalhadores que era sem precedentes na época, e a primeira greve nesta escala em uma país do bloco do leste. No dia 4 de Novembro, tanques Russos T54 entraram dentro de Budapeste para suprimir o levante. Conflitos nas ruas continuaram até 10 de Novembro, apesar de que os conselhos dos trabalhadores se sustentaram por dois meses. Fryer retornou para a Grã-Bretanha chocado pela repressão Soviética que ele presenciou, mas sua tentativa de escrever sobre isto no Daily Worker foi suprimida – os editores aderiram à linha oficial da URSS de que o levante inteiro foi um plano contrarrevolucionário fascista e se recusaram à publicar qualquer coisa contradizendo essa narrativa. Quando Fryer insistiu em escrever suas experiência, ele foi expulso do CPGB (Partido Comunista da Grã-Bretanha). O ano de 1956 na Hungria dividiu os partidos Comunista em todo o mundo; muitos que apoiaram a URSS até esse momento ficaram desiludidos e racharam ou debandaram individualmente, enquanto que esses que permaneceram leais à URSS ganharam o apelido de ‘tankies’. Depois de 1956, a URSS iria invadir a Checoslováquia em 1968, e depois o Afeganistão em 1979. Todos os Tankies são Marxistas-Leninistas? Enquanto que o apelido original dos ‘tankies’ cresceu do racha do Partido Comunista da Grã-Bretanha, o apoio geopolítico ‘anti-imperialista’ à URSS e qualquer Estado alinhado contra os EUA também teve popularidade em alguns grupos Trotskyistas. Em 1980 foi revelado que o ‘Trotskyist Workers Revolutionary Party’ (famoso pelo envolvimento da atriz Vanessa Redgrave) havia recebido financiamentos dos serviços de inteligência da Líbia e transmitido detalhes de dissidentes iraquianos na Grã-Bretanha para Saddam Hussein. Nos EUA, o ‘Workers World Party’ e o ‘Party for Socialism and Liberation’ tiveram origem no racha do ‘Trotskyist Socialist Workers Party’ sob Sam Marcy. Marcy debandou do SWP por causa da posição tomada sobre o acontecimento de 56’ na Hungria, entretanto de maneira bizarra, também acusou aqueles que apoiaram do levante de serem Stalinistas. Ambos os partidos se descrevem como Marxistas-Leninistas agora, e não citam mais Trotsky, mas suas origens estão na teoria Trotskyista de que a URSS era um ‘Estado dos trabalhadores deformado’. Portanto o suporte para a repressão de movimentos trabalhadores é compartilhado tanto por alguns Marxistas-Leninistas quanto alguns Trotskyistas, uma explicação para isso é que a real política de Stalin e Trotsky não eram tão diferentes. Todos os Marxistas-Leninistas são Tankies? A importância da Hungria não foi apenas o levante em si, mas que isto ocorreu em um país do bloco do leste que estava reivindicando ser socialista. Isto causou uma crise existencial em qualquer comunista que ainda considerava a URSS um Estado dos trabalhadores. Juntamente com o discurso de Khrushchev no vigésimo congresso do partido comunista da união soviética em fevereiro de 1956, expondo e denunciando muitas das ações de Stalin. Isto ocorreu no mesmo momento em que Mao começou à distanciar gradualmente a China da URSS. O Maoismo já havia se tornado uma corrente distinta mas sem nenhuma ruptura formal, que foi acelerada pelo discurso de Khruschev e a reação internacional. Tanto a China quanto a URSS reivindicaram ser a vanguarda do Marxismo-Leninismo desse ponto em diante (de onde surgiram um milhão de acusações de ‘revisionismo’). A maior razão para isto foram os interesses nacionais dos dois países, e as contradições internas na China, mas foi expressa politicamente como uma ruptura com Khrushchev. O racha entre a China e a URSS, entre Maoismo e Stalinismo, teve repercussões além, como os múltiplos rachas no Partido Comunista da Índia no meio dos anos 60’, frequentemente associada com a rebelião Naxalita, ou quando os dois países apoiaram lados opostos na guerra civil da Angola nos anos 1970. Tanques rolaram na praça de Tiananmen em 1989, e aqueles que apoiaram o governo Chines contra trabalharadores e estudantes foram também denominados ‘tankies’ algumas vezes. Isso significa que o ‘Marxismo Leninismo’ nos anos 1960 incluía aqueles ainda alinhados com a URSS, aqueles que haviam se alinhado com a URSS mas debandaram depois de 1956, aqueles influenciados pelo Maoismo (Marxismo-Leninismo-Maoismo foi cunhado mais tarde nos anos 90’), e de maneira ainda mais confusa, alguns Trotskyistas iriam ocasionalmente se denominar Marxistas-Leninistas também (porque eles eram Leninistas Marxistas!). Todos os Leninistas Marxistas são Marxistas-Leninistas? Existiram outras correntes históricas que foram influenciadas por Lenin, incluindo o Trotskyismo, um ramo Italiano do Comunismo de Esquerda (Left communism), e a tradição do Operaismo Italiano nos anos 1960-70, da mesma maneira com figuras maiores como CLR James (inicialmente um Trotskyista e liderança Pan-Africanista, e mais tarde se movendo em direção à uma posição de comunismo de conselhos). Existem grandes diferenças entre essas correntes, tão amplas quanto as diferenças entre ‘anarquistas’ e ‘marxistas’. Em termos da relação com Lenin nós podemos identificar algumas questões que a maioria dessas correntes e outros tiveram que responder: - Se a obra de Lenin possuía perspectivas únicas em relação à outros marxistas da época - Se Lenin estava correto que a Rússia teria que passar por uma estágio capitalista anterior ao comunismo e que a tarefa do partido bolshevique era de desenvolver as forças produtivos antes da transição para o comunismo. - Se as condições da Rússia em 1917 se aplicam ao EUA em 1960, ou à qualquer canto do mundo em 2018 (T. ou 2020...). - Se a URSS continuava sendo revolucionária depois de 1921, 1927, 1956, ou 1981. As respostas a essas questões levarem Marxistas como CLR James à abandonar o ‘Leninismo’ quase que inteiramente, ainda que mantendo uma admiração ao Lenin pensador e figura histórica. Os Panteras Negras Eram Tankies? Alguns Parteras Negras, como Fred Hampton, descreviam a si mesmos como Marxistas-Leninistas, mas eram mais influenciados pelos escritos de Lenin e Mao (e o contexto da resistência Vietnamita a invasão ianque e as lutas de libertação na África) do que a política interna ou externa da URSS. Huey Newton em 1970 introduziu a ideia do Intercomunalismo Revolucionário, uma clarificação de suas ideias que rejeitavam firmemente o ‘socialismo em um só país’. Em 1966 nós chamamos nosso Partido de Partido Nacionalista Negro. Nos reivindicamos Nacionalistas Negros porque nós pensamos que a nacionalidade era a solução. Pouco tempo após decidimos que o que era realmente necessário era um nacionalismo revolucionário, isto é, nacionalismo mais socialismo. Após analisar as condições um pouco mais, descobrimos que isto era inviável e até contraditório. Consequentemente, fomos para um nível de consciência mais elevado. Vimos que para sermos livres nós deveríamos esmagar o círculo dominante e consequentemente deveríamos nos unir com os povos do mundo. Então nos reivindicamos Internacionalistas. Nós buscamos solidariedade com os povos do mundo. Nós buscamos solidariedade com o que pensamos que eram as nações do mundo. Mas então o que aconteceu? Descobrimos que por causa de que tudo está em constante estado de transformação, por causa do desenvolvimento da tecnologia, por causa do desenvolvimento da mídia de massa, por causa do poder de fogo do imperialismo, e por causa do fato de que os Estados Unidos não são mais uma nação mas um império, nações não poderiam existir, pois eles não tinham o critério para nacionalidade. Sua autodeterminação, determinação econômica, e determinação cultural foram transformadas pelos imperialistas e pelo circulo governante. Elas não eram mais nações. Descobrimos que para sermos Internacionalistas nós deveríamos ser também Nacionalistas, ou pelo menos reconhecer a nacionalidade. Internacionalismo, se eu entendo a palavra, significa a inter-relação entre um grupo de nações. Mas dado que as nações não existem, e dado que os Estados Unidos são de fato um império, é impossível para nós ser Internacionalistas. Essas transformações e fenômenos exigem que nos reivindiquemos ‘intercomunalistas’ porque as nações haviam sido transformadas em comunidades do mundo. Eu não vejo como nós podemos falar sobre socialismo quando o problema é a distribuição mundial. Eu penso que é isso que Marx queria dizer quando ele falou sobre o não-Estado. Antigos Panteras Negras como Russel Maroon Shoatz e Lorenzo Kom’boa Ervin, que passaram anos na prisão por associação com o BPP (Partido dos Panteras Negras; Black Panthers Party), romperam com o Marxismo-Leninismo depois de testemunhar como a estrutura Leninista do Partido dos Panteras Negras o tornou vulnerável ao programa COINTELPRO do FBI, e ao examinar a trajetória das revoluções Leninistas. Portanto o BPP não era uma entidade política monolítica, e a politica individual dos seus membros tanto quanto a orientação do próprio partido mudaram durante o tempo. Ao invés de afirmar que ele era apenas umas dessas coisas, nós podemos ler o que os membros do Partido dos Panteras Negras de fato escreveram por si. E a Liga dos Trabalhadores Negros Revolucionário (League of Revolutionary Black Workers)? A Liga dos Trabalhadores Negros Revolucionários, baseada em Detroit, se descrevia enquanto Marxista-Leninista, porém eles possuíam relações próximas com associados de CLR Jamos como Martin Glaberman, Grace Boggs, e James Boggs que haviam rompido com o Leninismo mais de uma década antes, enquanto eram também influenciados por Fanon e outros. Novamente a política é um pouco mais complexa do que denominações. E o anti-imperialismo? Anti-imperialismo significa coisas diferentes para pessoas diferentes. Fundamentalmente, ser contra o imperialismo deveria significar dar suporte para a luta da classe trabalhadora contra o colonialismo, e oposição à guerra capitalista. Infelizmente ‘anti-imperialismo’ se transformou em simplesmente ficar do lado da URSS em conflitos geopolíticos, e após 1990, apoio incondicional a classe dominante de qualquer país alinhado contra os EUA. Em 1914 Lenin escreveu em ‘O Direito das Nações à Autodeterminação’ que os comunistas deveriam apoiar o direito das nações de se separar, mas não as especificidades de nenhuma luta nacional particular. Isto porque Lenin via os movimentos nacionalistas como essenciais ao desenvolvimento do capitalismo sobre o feudalismo, como um passo em direção ao comunismo: Através do mundo, o período de vitória final do capitalismo sobre o feudalismo estava ligado aos movimentos nacionais. Para a vitória completa da produção de mercadorias, a burguesia deve dominar o mercado interno, e devem existir territórios politicamente unidos cuja população fale apenas um língua, com todos os obstáculos ao desenvolvimento dessa linguagem e sua consolidação na literatura eliminados. Mesmo dentro do quadro Estatista, Lenin afirmou em última análise que a luta de classes deveria ter absoluta precedência sobre os movimentos nacionalistas: A burguesia sempre coloca suas demandas nacionais na frente, e o faz de maneira categórica. Com os proletariados, entretanto, essas demandas estão subordinadas aos interesses da luta de classes. (...) o ponto importante para o proletariado é garantir o desenvolvimento de sua classe. Para a burguesia é importante to impedir esse desenvolvimento empurrando as aspirações de sua ‘própria’ nação com antecedência às do proletariado. É por isso que o proletariado se limita, por assim dizer, à demanda negativa pelo reconhecimento do direito de autodeterminação, sem dar garantias à nenhuma nação, e sem se comprometer à dar qualquer qualquer coisas às custas de outra nação. Além disso, enquanto que o Imperialismo ianque em 1916 não estava no nível em que está agora, ele também rejeitou a hipocrisia de simplesmente jogar com um imperialismo contra o outro, em Imperialismo, o estágio mais alto do capitalismo: Vamos supor que um japonês condene a anexação das Filipinas pelos ianques. A questão é: quantos vão acreditar que ele o faz porque tem horror as anexações em si, e não porque ele mesmo tem o desejo de anexar as Filipinas? E deveríamos não nos constranger em admitir que a ‘briga’ que Japones está assumindo contra as anexações apenas pode ser vista como sinceras e politicamente honesta se ele briga contra a anexação da Coréia pelo Japão, e clama liberdade para que a Coréia rompa com o Japão? Em Guerra e Revolução Lenin escreveu: Nada menos que uma revolução dos trabalhadores em diversos países pode derrotar essa guerra. A guerra não é um jogo, é uma coisa terrível cobrando milhões de vidas, e isto não termina facilmente. Lenin portanto via a luta anti-imperialista enquanto algo dentro do âmbito das revoluções nacionais burguesas (algo para se ‘apoiar criticamente’ mas subordinar à luta de classes), desprezando conflitos inter-imperialistas com o lema “Tornar a guerra imperialista em guerra civil”. A URSS não apoiou a libertação nacional na África? Algumas vezes, mas apenas quando isso favorecia os próprios interesses geopolíticos da URSS. CRL James descreveu sua conversa com George Padmore, que se filiou no Partido Comunista e se mudou para a URSS em 1929, antes de debandar em 1934 por causa das expurgos e da mudança de orientação: Mas um dia, em algum momento no fim de 1934 ou 1935, teve um batida na minha porta e eu fui para a porta e lá estava George Padmore. (...) Ele disse, “Eu abandonei essas pessoas que você conhece”. E esse foi o maior choque que eu levei desde que fui para o Brasil três anos antes. “Eu abandonei essas pessoas” significava que ele deixou o Partido Comunista. E ele era o maior homem negro de Moscou, lidando com o povo negro e as revoluções coloniais. Então eu disse, “O que aconteceu?” e ele me disse. Ele disse, “Eles estão mudando a linha e agora eles me disseram que no futuro seremos suaves e não atacaremos fortemente as democracias imperialistas como a Inglaterra, França e os Estados Unidos. Que o ataque principal deve ser direcionado aos imperialismo fascista, Itália, Alemanha e Japão. E George, nós gostaríamos que fizesse isso na propaganda que você está fazendo e nos artigos que você está escrevendo e no jornal que você está publicando, seguir essa linha”. E George disse, “Isso é impossível. A Alemanha e e Japão não tem colônias na África. Como que eu posso falar de democracias imperialistas, como os EUA, que é o território de maior dominação racial do ocidente. Então eu devo falar que Inglaterra e França que tem colônias na África e os Estados Unidos, podem ser imperialistas democráticos e ser suave com eles mas ser duro contra o Japão, a Itália e a Alemanha. Isso é impossível. O que você pensa disso?” Criticar a URSS não é anti-comunismo? Existe uma tendência entre todos de conservadores, de liberais, à sociais democratas de criticar os ‘crimes do comunismo’ e ignorar as ações dos países capitalistas. Isso é um besteirol completo e nós rejeitamos isso completamente. Enquanto que existiram fomes e motins por pão na URSS nos anos 1930, a política Britânica causou a fome em Bengal assassinando 3 milhões de pessoas em 1943. Enquanto que a URSS e a China aprisionaram dissidentes políticos, incluindo muitos comunistas e anarquistas, os EUA tem o maior índice de encarceramento do mundo, com prisioneiros políticos mantidos em confinamento solitário por décadas e 1000 assassinatos extrajudiciais por ano pelo polícia. Enquanto que Lenin deportou bolsheviks dissidentes como Miasnikov e presidiu os esmagamento da rebelião em Kronstadt, sociais democratas na Alemanha orientaram o assassinato de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknicht em colaboração com os Freikorps fascistas. Enquanto que a URSS tinha ‘gulags’, a Inglaterra colocou centenas de milhares de Quenianos e Malaios em campos de concretação nos anos 1950, e existiram campos de trabalho forçado no próprio Reino Unido nos anos 1930 sob o governo Trabalhista. Enquanto que o sistema de saúde dos EUA deixa as pessoas sem tratamento médico e desamparadas, Cuba, apesar das sanções econômicas, tem uma saúde socializada e treina trabalhadores da saúde de outros países. A miopia liberal vê uma ferradura onde a democracia liberal é ‘razoável’ e o fascismo e o comunismo são dois polos de ‘autoritarismo’. Uma crítica comunista libertária afirma que o comunismo é impossível dentro do quadro do Estado-nação, e que todos os Estados, se fascistas, democracias liberais ou socialistas vão suprimir a auto-organização dos trabalhadores pelo interesse do capital. E a Síria, Irã, Coreia do Norte? Uma linha central do pensamento e prática anarquista e comunista tem sido o internacionalismo, e uma oposição à guerra em todas as suas formas. Isto causou o racha na Segunda Internacional em 1914 quando os Social Democratas Alemães votaram pelos créditos de guerra. Entretanto colocar isso em prática se provou muito mais complicado. Com a guerra na Síria, a oposição à intervenção ianque, compartilhada por todos os comunistas (porém não necessariamente os social democratas), tem sido desfigurada pelo apoio por parte de algumas organização ao governo Sírio e Bashar Assad e Rússia apesar dos bombardeamentos de civis, pela razão de que áreas como Ghouta do Leste são dominadas por milícias islamistas e que 400.000 civis presos lá estão sendo usados como ‘escudos humanos’. Isto se torna ainda mais complicado por Rojava, apoiada tanto por alguns Marxistas-Leninistas quanto alguns Anarquistas, devido a orientação Maxista-Leninista do PKK, as ideias municipalistas libertárias adotadas recentemente pelo líder do PKK Ocalan, o sistema TEV-DEM de conselhos administrativos, e ao direito de autodeterminação dos Curdos. Por um lado, alguns Marxistas Leninistas e alguns Anarquistas e Marxistas anti-Estado tem sido críticos ferozes de Rojava, devido à colaboração militar com o EUA contra o Daesh (também conhecido como Estado Islâmico). No libcom.org nós continuamos à permitir a publicações de textos tanto críticos quanto apoiadores de Rojava, e regularmente somos atacados por ser cúmplices do NATO para ambos, seja isso EUA contra Assad ou Turquia contra Rojava. Com o Irã, a despeito da natureza religiosa do regime e o fato de que todos os partidos comunistas são banidos, quando greves e protestos de rua explodiram no fim de Dezembro de 2017, houve um receio imediato de reconhecer a natureza orgânica das ações, devido à possibilidade de que os EUA podem usar o protestos como uma justificativa para ‘mudanças de regime’. Alguns comentadores foram tão longe à ponto de sugerir que os protestos haviam sido quase que imediatamente sequestrados pela CIA, Mossad, ou Arábia Saudita. Os casos do Irã e Assad mostram que nessas discussões a contradição interna do país pode ser completamente ignorada, com a questão central sempre sendo ‘este país é alinhado contra os EUA ou não?’ Por um lado celebrar os ataques de Assad aos Islamistas, por outro celebrar o Estado religioso do Irã contra os trabalhadores da cana de Haft-Tappeh ou estudantes de esquerda. Nossa posição é que não importando as ações do Estados Iraniano ou Sírio, nós nos opomos completamente à intervenções estrangeiras, seja os EUA, seja Rússia, seja a Turquia, tendo por base que intervenções estrangeiras sempre tornam as coisas piores. Mas se opor à intervenções não requer uma negação das contradições internas desses Estados ou da realidade da resistência da classe trabalhadora. O mesmo se aplica à Coreia do Norte – nós rejeitamos sob qualquer circunstância a intervenção dos EUA na Coreia do Norte, falcões nos EUA (termo que denomina os entusiastas do imperialismo ianque) falando sobre um programa de armas nuclear encobrindo os dois bombardeios ianques sobre o Japão em 1945, sem falar no uso de urânio empobrecido contra civis no Iraque. Mas a rejeição de sanções e intervenções pode se basear em princípios antimilitaristas e internacionalistas, em solidariedade com a classe trabalhadora da Coreia do Norte, não Kim Jong Un pessoalmente. Da mesma maneira que deveríamos apoiar o levante de Gwangku de 1980 na Coreia do Norte, deveríamos também apoiar a luta dos trabalhadores na Coreia do Norte. Mas os Partidos Comunistas não são bem sucedidos na Índia/Japão? Enquanto que o CPI-M (Partido Comunista da Índia – Marxismo) gosta de fazer grandes marchas com bandeiras com foices e martelos, suas políticas são social democratas. Ele concorre nas eleições, e quando ganha segue políticas pro mercado. Em Kerala a nova gestão comunista sob Pinarayi Vijayan enfatiza a parceria entre administrações e sindicatos e prometeu investimento para estimular a industria, incluindo centros inspirados no Silicon Valley. Nada muito parecido com a tomado dos meios de produção, portanto. O Partido Comunista Japonês, com diversos membros no parlamento japonês (Diet) abandonou o Leninismo 25 anos atrás, decidindo seguir um caminho puramente eleitoral ao socialismo, e tem tentado recentemente trabalhar com liberais centristas. Eles podem ser Partidos Comunistas populares, mas não são… comunistas… em nada. E os Marxistas Leninistas ianques, eles são social democratas também? O programa do Partido pelo Socialismo e Liberação (PSL) também soa suspeitosamente social democrata se você for realmente ler, por exemplo: Será um direito de todas as pessoas nos Estados Unidos ter um trabalho com representação sindical garantida e todos benefícios sociais promovidos pelo governo socialista, incluindo uma pensão, cuidados de saúde, compensação aos trabalhadores, folga parental e familiar paga por até dois anos, dispensa paga por doença ou incapacidade, o mínimo de um mês de férias pagas, e pelo menos 12 feriados pagos. Isto não é… Suécia? As condições de trabalho vão aspirar o melhoramento da humanidade e dignidade de todos os trabalhadores. A semana de trabalho será de 30 horas. Isso significa dez horas a menos que a proposta do Bernie, mas não exatamente a abolição do trabalho assalariado. Entretanto o PSL é apenas um partido, e você pode ver Marxistas Leninistas se opondo à política eleitoral, trabalhando com solidariedade aos prisioneiros e etc. O importante é realmente ler o que as pessoas dizem que querem, e observar o que fazem, não apenas ouvir o que eles dizem sobre eles mesmos ou checar se tem uma foice e um martelo ou uma rosa impressa próxima à uma promessa de emprego total – essas não são as coisas que decidem se alguém é comunista ou não. Liberais chamam todo mundo que eles não gostam de tankie! Isso é frequentemente verdade. Houveram ‘red-baiting’ (também conhecido como Reductio ad Stalinum) regulares sobre o social democrata moderado Jeremy Corbyn, recentemente o acusaram de ter sido um espião da Alemanha do Leste nos anos 80’. A direita do partido democrata estava em um certo momento chamando qualquer apoiador do Bernie Sanders de ser um alt-leftist (termo deliberadamente semelhante à alt-right, seção da direita não tradicional conhecida por seu uso de conspirações e inspirações neo-fascistas) influenciado pela Rússia. William Gillis do Centro por uma Sociedade sem Estado recentemente nos disse “Lembram quando o libcom (libcom.com) era tão tankie e reducionista de classe quanto era possível encontrar na esquerda radical, e nós os víamos como bastardas maldosos e suspeitos porque eles não se identificavam imediatamente como anarquistas?” provavelmente devida à nossa postagem e promoção de Marxistas anti-Estado e pós-Leninistas. Portanto, se alguém está usando o termo ‘tankie’, ele pode estar contestando uma ideologia de esquerda especifica que dá prioridade à geopolítica acima da luta de classes, ou ele pode estar apenas batendo na esquerda. Quando os liberais falam do ‘comunismo’ eles frequentemente se referem à união soviética ( e sejamos honestos, as vezes é tentador dizer às pessoas que elas serão as primeiras nas gulags após a revolução quando elas fazem isso, especialmente se é o Jordan Peterson). Eu deveria cooperar com Marxistas-Leninistas? Se você está organizando politicamente no seu trabalho ou em torno de questões de moradia, então as pessoas com quem você irá cooperar não terão todas a mesma política que você, e sua opinião sobre o levante dos Socialistas Revolucionários de Esquerda em julho de 1918 expulsos do governo bolchevique não é relevante para essa situação. Sim, de verdade, ninguém se importa. Você está se relacionando com outros nesta situação enquanto trabalhadores, não como representantes de um nicho político, pelo menos esperamos que não. Anarquistas e Marxistas-Leninistas também trabalharam juntos como membros de coletivos antifascistas nos EUA e em outros lugares, e isto é uma escolha à se fazer localmente. Entretanto cooperar com indivíduos é bem diferente de um projeto de unidade de esquerda, coalizões de organizações e etc. A questão à se considerar quando um grupo está organizado em um, por exemplo, protesto contra a guerra, é se eles vão tentar desfigurar o protesto em uma marcha inefetiva, ou cooperar com a policia se os manifestante tentam dar um passo para além dos limites estritos. De maneira similar com organização em locais de trabalhos, os colegas de trabalho tem ligações com a hierarquia do sindicato ou da administração? Abordagens à estas questões diferem de organização para organização e não são estritamente ligadas à ideologia. Se existem discordâncias políticas e organizacionais reais, então é melhor ser aberto sobre do que as ignorar, e resguardar alguma independência. ** II. Terminando a Idealização do Outro: Notas sobre o Queer POC Tankie Sem créditos 30 de agosto de 2019 - POC – Person of Color – Pessoas de Cor Nosso fascínio pelo nativo, pelo oprimido, pelo selvagem, todas essas figuras mascaram o desejo de manter uma certeza imutável em algum lugar fora de nossa própria experiência "falsa". É um desejo de "não ser enganado", que é um desejo não muito inocente de assumir o controle. - Rey Chow, Writing Diaspora 1. Então, o que é um tankie? Tankismo: o apoio acrítico e inabalável a qualquer estado alinhado contra os EUA, tipicamente imperialistas e anti-trabalhadores (ex) socialistas autoritários. O que mais pode ser dito sobre o tankie que já não foi dito? O ensaio recente de Darya Rustamova desmonta o tankismo completamente para ser a palavra final sobre o recente ressurgimento dessa escola de pensamento perturbadora e a-histórica. Você também vai querer ler a explicação incrivelmente completa de Mike Harman sobre as origens do tankismo moderno. No entanto, se há uma falha no ensaio de Rustamova, é que ela aponta diretamente para aquele cara que todos nós conhecemos, o irmão branco, queixoso e socialista cishet. Não duvido que esses homens constituam grande parte do tankie que sobrou em Londres, ou em qualquer outro lugar do Ocidente, já que os homens são em geral os piores misóginos e fornecedores de poder heteropatriarcal nos círculos socialistas. Isso ocorre sob o pretexto de um foco na “luta de classes” sobre o que é ridiculamente chamado de distração do idpol, ou política de identidade. Mas, como muitos de nós online sabemos, há uma população significativa de tankies que também se identificam como queer, trans, não binários e assim por diante. Muitos deles também são negros. 2. Pós-11 de setembro, liberalismo queer como precursor Isso não é totalmente sem precedentes. Como Jasbir Puar argumenta no desenvolvimento de seu conceito de "homonacionalismo", a sincronicidade entre o racismo de gays e lésbicas ocidentais "bem-intencionados" e o racismo do militarismo imperialista do estado-nação foi posto em pleno relevo na América pós-11 de setembro, pois o contingente LGBT que se fixou na suposta homofobia do regime iraniano também foram as mesmas pessoas que se opuseram à possível invasão do Irã pelos Estados Unidos. No entanto, foi exatamente a aceitação separada da ideologia islamofóbica por esses ativistas LGBT e falcões de guerra do governo que permitiu que os dois propósitos se encaixassem. O final dos anos 90 viu a mudança geral do "homossexual" da associação com a morte (a epidemia de AIDS) para a futura reprodutividade (casamento e famílias). Essa dobra em vida, nota Puar, sinaliza o uso de queerness como uma lente para a “produção, disciplinamento e manutenção” de populações racializadas, particularmente contra “sexualidades muçulmanas, árabes, sikhs e do sul da Ásia”. Embora a crítica de Puar seja uma acusação precisa do liberalismo LGBT dominante nos primeiros anos, algo mudou desde então, à medida que as chamadas "Guerras Para Sempre" da América se arrastaram até os anos 2010, o objeto óbvio de crítica, o liberal queer, cedeu na última década para algo completamente novo: o tankie queer radical. 3. Algo novo “Atribuir a diferença ao outro ... mesmo que adore ou idealize essa diferença, não é o mesmo que respeitar o outro sujeito como um igual, como um centro equivalente do ser.” - Jessica Benjamin, Like Subjects, Love Objects Perfis queer tankie online geralmente apresentam as mesmas características: eles destacam não apenas seus pronomes de gênero e identidades queer / trans radicais online, mas combinam-no com fluência em ML / MLM (marxista-leninista / maoísta) dicta (destilado em um emoji de martelo e foice) . Frequentemente, bastante abertos sobre seu treinamento acadêmico, esses queer tankies lançam os pontos de conversa corretos sobre os tentáculos inescapáveis do imperialismo norte-americano que se estendem pelo globo. Embora deva ficar claro que a exclusão de "idpol" é simplesmente uma redução do patriarcado sob um revolucionário disfarçado, parece menos claro para os tankies (especialmente em um contexto anglo-americano) que a subsunção das revoluções globais sob o mapeamento político da política dos EUA é simplesmente uma redução do imperialismo sob o pretexto de internacionalismo de esquerda. Assim, em seu cerne, a lógica do tankie contemporâneo (como com a lógica do império) deve ser entendida através da questão do “Outro”. Defensores acríticos dos “estados socialistas”, ao idealizá-los tão completamente como um objeto desejado e perfeito, de fato, retiram o povo, o país e suas condições materiais (o contexto da vida das pessoas reais) e os reinserem em suas próprias fantasias, um quadro psíquico de referência. Mas para qual propósito? “A identificação não é um conceito historicamente universal nem politicamente inocente. A identificação é um processo imperial, uma forma de apropriação violenta em que o Outro é deposto e assimilado no domínio senhorial do Eu.” -Diana Fuss, Interior Colonies: Frantz Fanon and the Politics of Identification Como muitos teóricos do Orientalismo e da psicanálise argumentam, o “eu” imperial deve construir o outro para construir o Eu. Esta é a base do Indivíduo liberal, bem como a base psíquica para outros atos de criação de fronteiras, seja em escala nacional, comunitária ou de grupo. Como que isso foi acontecer? Como pessoas com alto acesso à formação acadêmica que também incorporam categorias de identidade marginalizadas podem chegar ao ponto em que idealizam a sujeição do Outro? A resposta está na própria academia. 4. A Academia Imperial Muita tinta foi derramada sobre as origens da academia dos EUA como o braço de "artes e ciências" do esforço anticomunista americano na Guerra Fria na produção de conhecimento e avanços tecnológicos. O cerne desse projeto foi a formação de uma epistemologia fundamentalmente americana que esculpiu o mundo em impérios ideológicos bipolares, tudo, desde cultura, sociedade e política, caiu nesses dois campos separados. Assim, os tankies, ao destilar sua compreensão da geopolítica pós-1991 em IMPÉRIO-EUA vs. TODOS OS OUTROS, na verdade operam sobre este fundamento do imperialismo liberal que eles supostamente condenam. Apesar de seu uso fervoroso da simbologia soviética (estranha), esses críticos implacáveis do agente a-histórico chamado "Império", portanto, tomam como fundamental a produção de conhecimento imperialista da academia, que (ironia das ironias) operou, se não como um braço literal de Produção militar da Guerra Fria, então certamente como uma instituição em sincronia com os objetivos e demandas do Serviço de Informação dos Estados Unidos (o braço de propaganda cultural dos Estados Unidos) e da CIA. A academia, talvez, tenha sido a maior operação psicológica da CIA. 5. Sobre o povo socialista É impossível para mim ir mais longe em tal hipótese psicológica sem projetar nela a visão ocidental - Julia Kristeva, About Chinese Women O famoso tratado orientalista de Julia Kristeva sobre "Mulheres chinesas" foi totalmente criticado por sua arrogância, e eurocêntrica e quase completa incompreensão da sociedade chinesa moderna e do lugar das mulheres nela. E embora Kristeva seja maravilhosamente ignorante em muitos aspectos de sua posicionalidade como uma mulher europeia que tira conclusões antropológicas sobre sociedades complexas na ausência de qualquer método etnográfico real, para seu crédito, seu texto frequentemente irrompe com momentos de ansiedade, nos quais ela reconhece a análise orientalista que ela não pode deixar de perpetuar. De maneira crítica, em uma passagem infame, Kristeva olha para um grupo de mulheres chinesas e tenta se ver nelas, pensando melancolicamente que “reconheceu [sua] própria infância pioneira do komsomol nos pequenos guardas vermelhos, e [que ela deve a] maçãs do rosto a algum ancestral asiático. ” Como búlgara, ela era estrangeira na França. Essa identificação com a posição de outsider em um contexto francês, argumenta Jane Gallop, permite que Kristeva tente se ver como a mesma mulher chinesa, para ela o Outro absoluto. Gallop conclui que esta tentativa de identificação mostra que Kristeva acredita “só ela pode ser capaz de transpor o abismo da alteridade, contatar e relatar o heterogêneo”, e que About Chinese Womem é “um livro precisamente sobre os perigos de se usar como uma medida para o outro. ” Então, enquanto os tankies impõem uma homogeneidade a-histórica na China para idealizá-la (ou idealisticamente tomam os documentos políticos do PCCh como uma representação da realidade), eles também impõem homogeneidade a Hong Kong para demonizá-la. Ao contrário de Kristeva, que articula a futilidade de representar o outro (apesar de ainda ir em frente e fazê lo), isso apresenta uma situação única em que o centrismo norte-americano e o impulso identificatório inconsciente são tão fortes que se iludem pensando que recusou este imperialismo na constituição do sujeito. A psicologia tankie esculpiu e constituiu identificações de fantasia para China e HK, desconectadas quase que totalmente da realidade material - efetivamente jogando um jogo de risco com locais e populações que estão cheios de contradições materiais e históricas. Como um camarada astuto recentemente me observou, os tankies americanos projetam as relações raciais dos EUA como se isso fosse uma forma de análise geopolítica. Este é o colonialismo discursivo clássico. Tão atentos estão esses críticos em mapear as preocupações políticas, histórias e atores dos EUA em locais políticos de luta, que se torna extremamente claro - quase ofuscantemente óbvio à la Orientalismo - que a projeção diagnostica o próprio sujeito (tankie), não o objeto (China / HK). Pegando emprestado o famoso argumento de Saidiya Hartman contra a empatia abolicionista branca em Scenes of Subjection, podemos ver que o tankie, de fato, por "em/sim patizar" tão fortemente com o "Outro Socialista", recentraliza o eu e com sua boa intenção realmente torna o outro fungível, que é abstrato. Como o abolicionista branco que reinstancia as relações de escravidão por meio de sua identificação empática com o africano escravizado, o tankie reinstancia as relações do imperialismo dos EUA (o desejo de mapear, ver, descrever) em vez de se envolver em uma luta verdadeira ou representação honesta de o outro como complexo, imperfeito, contraditório ou de outra forma. A ilusão é tão completa porque tankies muitas vezes citam corretamente exemplos históricos de desestabilização imperialista dos EUA, mas a leitura antecipatória e paranoica de "AMÉRICA" em cada instância de luta e resistência no exterior mostra quantas vezes a crítica acadêmica, desconectada da luta material, ou mesmo mais simplesmente, a experiência vivida por pessoas não americanas, reduz tudo o que existe de fora a algo possível e compreensível no interior. Essa subjugação do mundo sob a rubrica da análise americana é um comportamento colonial hegemônico. 6. Mas por que queer? Por que POC? “Frequentemente, na tentativa de mostrar 'como as coisas realmente são' no não-Ocidente, nossos discursos produzem um não-Ocidente privado de fantasia, desejos e emoções contraditórias. Quando não é o local de guerra e derramamento de sangue, quando não é o que atrai simpatias humanistas e caridades, o não-Ocidente comanda uma reverência solene e sem humor como o Outro que não podemos esperar conhecer.” - Rey Chow, Woman and Chinese Modernity A resposta aparentemente óbvia para o problema do tankismo - a branquitude - não contém mais água. A noção idealista de solidariedade entre todos os povos oprimidos também provou ser mais difícil do que uma simples política de identidade. Certamente, o problema central do tankismo é colonial-racial: a romantização acrítica, a nobre selvageria, de locais estrangeiros de repressão autoritária como meio de obter superioridade moral em uma noção estritamente definida de anti-imperialismo é, por definição, uma que ignora a complexidade da divisão e conflito racial e étnico localizados, entre muitas outras coisas. Também joga um jogo cavalheiresco com a repressão violenta do Outro (não idealizado). O chamado Outro dissidente do qual o “estado socialista” requer “proteção” - essas são as pessoas reais identificadas para o extermínio justificado por queers, pessoas de cor na América. Fascismo em roupas vermelhas. Esta é a dolorosa realidade, pela qual pessoalmente me senti mais traída: não apenas aqueles muitos intelectuais de esquerda com os quais devo lidar na vida real, acadêmicos experientes que exercem algum poder sobre mim, seguem e apoiam esses tankies online, mas tantos deles são queers, muitos POC, todos entrando no movimento tankie para condenar aqueles de fora dos Estados Unidos em suas lutas contra o imperialismo e pelo direito à autodeterminação. O que poderia ser? Apesar do vanguardismo radical de gênero e sexualidade desses tankies, o ato imperial de tornar sites fora dos EUA totalmente cognoscíveis (uma análise pelo capaz "eu" de um lugar e de seu povo sem a primeira pista sobre suas condições materiais) e paradoxalmente completamente incognoscível (um fantasma homogêneo que não tem conexão com a realidade) reinstaura o domínio patriarcal clássico que está vinculado ao sujeito ativo na tradição liberal iluminista, da mesma forma nas teorias do orientalismo, nas quais um Ocidente masculino feminiza os objetos orientais de estudo. Como Rey Chow argumenta em Woman and Chinese Modernity, “o livro de Kristeva sobre as mulheres chinesas nos mostra como a tática atraente de 'feminizar' outra cultura na tentativa de criticar o discurso ocidental na verdade repete os mecanismos do discurso e, portanto, não pode ser uma alternativa a ele.” O que vemos na conjunção implícita do vanguardismo radical de gênero / sexualidade centrado nos Estados Unidos e a abstração e idealização do outro no discurso online é o chauvinismo masculino latente do imperialismo dos Estados Unidos como uma ideologia que surge em sua cabeça. O “homonacionalismo” de Puar revelou islamofobia como inscrita tanto da “preocupação” paternal LGBT com os gays marrons oprimidos de lá e do belicismo do estado dos EUA. No tankismo queer, os dois se invertem e se fundem perfeitamente: o "anti-imperialismo" dos tankies queer e a categoria de identidade "queer / trans crítico ocidental" através da qual é refratado, embora aparentemente "libertador" na verdade se torne o espelho imagem da itinerante e imperial “América, Polícia Mundial”. Com a intenção de encontrar e lutar contra instâncias do imperialismo dos EUA em todo o mundo, mesmo onde ele não existe, esses tankies queer usam a retórica libertadora para argumentar pela própria sujeição dos oprimidos em "estados socialistas". Portanto, esse radicalismo em torno de gênero, sexualidade ou raça não é necessariamente incompatível com o comportamento imperial. Subsumindo tudo sob a rubrica de AMÉRICA, incluindo a própria crítica da América, reifica a América como o ator geopolítico por excelência - é o mecanismo do discurso que se repete. Essas pegadas de tankie, em essência, estão sendo subscritas por um chauvinismo geral dos Estados Unidos, no qual as concepções americanas de raça, gênero, sexualidade, cultura e política, porém subconscientemente, passam a ter precedência sobre as contradições materiais reais e a personalidade complexa de os atores em qualquer levante global. Deixe-me ser claro: a intensa identificação das pessoas marginalizadas dos EUA com os movimentos dos oprimidos em outros lugares é compreensível e, de fato, louvável. É um projeto do qual eu mesmo participo. É quando essa identificação e "empatia" (com todos os seus tons hartmanianos) atropelam as vozes e as condições reais dos "oprimidos em outros lugares" que a realidade de viver, falar e agir dos Estados Unidos enquanto ainda possuidor de certo conteúdo epistemológico e poder material é esclarecido. A crítica ocidental do Ocidente deve ser capaz de lidar com a realidade da contradição (como Mao nos lembra), em vez de tentar suavizar tudo em algo consumado / subsumível na "crítica" americana da América. Isso requer uma "ética após o idealismo” O fim da idealização do Outro como força intelectual e moral de nossas análises e de nosso ativismo. Trabalhos citados Devo uma grande parte das leituras e análises neste artigo a essa crítica sensível e matizada de Kristeva por Su-lin Yu da National Cheng Kung University, Tainan, Taiwan. Yu, Su-lin. “Reconstruting Western Female Subjectivity: Between Orientalism and Feminism in Julia Kristeva's About Chinese Women.” 2002. legacy.chass.ncsu.edu ** III. Negação de genocídio agora é anti-imperialista? Como Tankies estão tomando a ala esquerda e o cenário estudantil de Londres Darya Rustamova Imagine um estudante de Sociologia do segundo ano segurando uma placa do Partido dosTrabalhadores Socialistas gritando “tire as mãos da RPDC (República popular da coreia)” do lado de fora do seu centro acadêmico (na imagem em sua mente, ele é homem e está usando bermuda cargo, certo? Ele vai te chamar para sair e tomar um chá, te levar em lugares favoritos, explicar a seção de literatura feminina para você, e depois desaparecer por seis meses). Agora imagine uma sala cheia deles. Essa foi minha semana de caloura nas reuniões da Sociedade Socialista. É setembro de 2013 e três pessoas na minha frente estão lendo honestamente em seus macbook pros, “uma pesquisa não-oficial mostrou que a maioria da Criméia escolheria uma parceria com a Rússia invés da União Européia”. Não é um bom começo. Um menino de Cambridge usando um keffiyeh que ele comprou em Camden Lock vira sua cabeça para mim quando ele ouve o que parece ser um nome russo sendo chamado. Depois ele me diz que se ele pudesse casar em qualquer nacionalidade ela seria russa. Eu não sorrio pra ele, eu digo que não tenho nacionalidade russa e ele me deixa sozinha. A Sociedade Marxista de Londres está aqui entregando panfletos com uma foto no cabeçalho do Monte Rushmore com os rostos de Lenin, Marx, Stalin, e Putin nas rochas. Se isso não é decepcionante o suficiente, esses símbolos são seguidos com as palavras “abaixo o imperialismo”. Depois todos nós vamos ao Lexington, tem um quiz na pub onde o time com o nome mais engraçado ganha um saco de Doritos. Quando os nomes são entregues, o homem com o microfone fica surpreso que 6 dos 10 times chamavam-se Rio da Criméia (Crimea River). É estranho e quase tão decepcionante quanto a porra de um Doritos ser sabor “Cool Original” (sem sabor). É 2017 e eu estou do lado de fora da SOAS com uma amiga, e Jonty Leff, o candidato do Partido Revolucionário dos Trabalhadores para Hackney do Sul e Shoreditch, vem até nós. Ele já começa mal, “Olá moças lindas”. Ele nos entrega um folheto para o simpósio celebrando o 100 ° aniversário da Revolução de Fevereiro (primeiro ultraje, o comparecimento custava £48), e me diz que eles querem mais mulheres envolvidas em seu movimento porque, afinal de contas, foi em 1917 em Petrogrado onde o sexismo conheceu sua morte final. Ele se vira para minha amiga (uma mulher marroquina) e diz “Sabe, a revolução de 1917 foi também a primeira derrota do racismo no mundo moderno!” Quero deixar claro que eu li o manifesto de Jonty Leff, e eu concordei com todas as políticas. Eu sou uma socialista, eu acredito na redistribuição das riquezas, bem-estar grátis, e o desmantelamento das hierarquias de poder. Eu acredito que Jonty Leff tem boas ideias e eu ficaria feliz em vê-lo eleito um dia. Eu não acredito que a URSS sustentou os valores do socialismo ou do Marxismo, e eu não concordo em defender e relativizar um regime onde em milhares de ocasiões muito bem documentadas usou estupro em massa como uma ferramenta de guerra, enviou mulheres e crianças para gulags, e carregou incontáveis genocídios étnicos e religiosos durante seu reinado (acabou com o sexismo e o racismo, o caralho). O que eu não acredito é no apoio acrítico ao Sovietismo para defender as ideologias da esquerda. Nós atravessamos um longo caminho e podemos fazer melhor que em 1917. Essas visões são como as manifestações intelectuais daquelas coisas infláveis com braços balançando do lado de fora de lojas de carros. Elas são feias e não fazem sentido. Precisamos finalmente dispensar dispensar a celebração incondicional do Sovietismo. 2017 acabou. Já fazem 102 anos desde a revolução Bolchevique, e 102 aniversários não significam merda nenhuma. Eu sei que a estética soviética é descolada e estilosa e crianças gostam de ter uma foice e um martelo em seus nomes no Twitter ou alguma foto de capa vaporwave do Stalin. As torres soviéticas são legais pra caramba, eu sei. A URSS foi importante e fascinante. Piadas sobre gulag e negação de genocídios não são tão legais. O que parece com uma estética Weeaboo 2.0 do rosto de Stalin’s e filtros de glitch, com um profundo uso de letras Cirílicas utilizadas erroneamente, se tornou a história de capa para a negação, apropriação e revisão de uma história que foi inserida na mente dos blocos orientais por séculos. O amadurecimento da esquerda trouxe proibições explícitas a comportamentos racistas, transfóbicos, homofóbicos, coloristas, bifóbicos, afóbicos, anti-semitas, e ainda assim, somente um punhado de grupos baniram o “tankismo”. Muitos usuários não veem problemas com o apoio característico dos tankies (ou negação) da violência Soviética, repressão, e imperialismo. O debate é amplamente aberto e parece que todos têm uma opinião. Ainda assim, pessoas que cresceram em nações soviéticas e pós-soviéticas estão sendo silenciadas por apologistas soviéticos marxistas que insistem que “Stalin não fez nada errado”. Sabe, esses garotos que têm “POR FAVOR NÃO FALE DO AFEGANISTÃO" escrito em seus olhos. “Stalin não pode ter matado milhares de muçulmanos porque não havia nenhum muçulmano na Rússia”. Xeque-mate, história. Esses garotos das capitais que fetichizam o bloco oriental, considerando qualquer crítica ao Comunismo-Soviético como “Propaganda Imperialista americana” enquanto se recusam a ouvir qualquer um que experienciou o colonialismo soviético. Os mesmos que gritam “religiões só causam guerra!!” debaixo de suas fedoras enquanto defendem a ideologia secular que calculadamente queimou os muçulmanos para fora do Cáucaso, porque seu Socialismo não abria espaço para os religiosos. Esses que estão diretamente mostrando imagens de escravidão e do holocausto em campanhas veganas, enquanto, no mesmo folego, fazem piadas sobre gulags em todas suas plataformas. Aqueles que acham que Stalin lutou com os nazistas porque ele odiava TANTO o racismo. As contas de ☭ Twitter ☭ fantasiando constantemente em alinhar seus opositores políticos contra um paredão ou enviá-los à gulags enquanto insistem que o estado soviético não usou nenhuma violência excessiva. São os folhetos de literatura proletária denunciando anti-semitismo enquanto inequivocamente negam o de Stalin. São as novas ondas das mesmas velhas pessoas pedindo para Corbyn resignar sua promessa de renovar o Trident (Programa Nuclear Britânico) enquanto defendem o direito da Rússia e da Coréia do Norte de comprar e vender armas nucleares (...sem querer aumentar a cobertura negativa e desequilibrada de Corbz na imprensa, sua posição sobre a Síria me faria gritar “CALA A BOCA tankie” para ele em qualquer centro acadêmico de estudantes.) É o cara do meu módulo de estudos de Antropologia usando uma camiseta escrito “Liberte o Tibete” enquanto argumenta que estados-nações “comunistas” nunca são imperialistas. Marxistas de Schrodinger insistem que o comunismo não deve ser reduzido às visões e ações de líderes totalitários enquanto se desligam daqueles dignos de criticá-los. É mais danoso tentar defender as ações de criminosos de guerra extremos associados aos movimentos de esquerda do que criticá-los, desenvolver nossas visões, e seguir em frente. Eu meio que entendo porque alguns esquerdistas se sentem na defensiva quando vão falar da URSS. É um argumento frequentemente usado como um teste prático de toda a moralidade voltada à esquerda. Comunistas devem estar extremamente cansados de tentar justificar o comunismo de estado dado as terríveis tentativas apresentadas até agora. Por mais que eu gostaria que nos fosse dado um ótimo exemplo de Comunismo real, não foi. Somente quando aceitarmos isso, que poderemos trabalhar para que isso realmente aconteça. Isso não enfraquece as ideologias do comunismo e socialismo, nem mesmo do Marxismo-Leninismo, aceitar que Stalin fez um monte de coisas erradas. Uma história que não importa mais, aparentemente Eu não estou escrevendo uma mera lista das hipocrisias dentro de um único cenário ativista de Londres (honestamente, eu ficaria digitando por semanas), e eu não estou (apenas) sendo sarcástica. Existe um grande problema quando adolescentes hipsters que descobriram a teoria marxista a três meses atrás tentam explicar a URSS a pessoas que sabem do assunto desde que eles estavam na barriga de suas mães. Já que muitas pessoas que deveriam estar falando sobre isso foram forçosamente mortas de fome, deportadas para campos de trabalho escravo, e/ou enfileiradas e fuziladas, partes de mim sobreviveram em meus genes, dentro do maravilhoso mundo do discurso online em língua inglesa, e eu estou aqui para escrever sobre isso. Como muitas pessoas com herança pós- soviética, a história da minha família é deslocada, deprimente e confusa. Tendo ancestrais de onde hoje é conhecido como Armênia, Uzbequistão, Rússia, Grã-Bretanha e Paquistão, eu cresci numa gloriosa cidade multicultural do norte e eu tive a sorte de (quase) sempre me sentir confortável em me identificar como britânica. Eu sou muito branca, eu (infelizmente) tenho um sotaque regional inglês muito forte, e no Reino Unido somente após verem meu nome que pessoas começam a perceber algo de estrangeiro em mim. Muitas das gerações nascidas da era soviética têm um senso de desconexão com suas raízes culturais e étnicas devido às campanhas de limpeza em massa e deportação perpetradas contra elas. O trauma resultante e o apagamento de suas histórias é o remanescente vivo do governo soviético. Além disso, muitos dos políticos contemporâneos russos e a opinião pública estão direcionados em linhas similares desse sovietismo. Pessoas do Cáucaso e da Ásia Central são rotineiramente discriminadas na Rússia e nas nações que ainda carregam os efeitos danosos da URSS e das campanhas coloniais da Federação Russa. Uma grande porção da existência da humanidade se segura numa teia construída de múltiplos genocídios recentes, deportações forçadas e escassez executadas diretamente por líderes da União Soviética. Nós devemos reunir alguma compreensão e empatia pelas histórias daqueles que sofreram sob o regime “Comunista”. Nós devemos ouvir e aprender com isso. Existe um número enorme de massacres deliberados e premeditados baseados em etnicidade, religião, classe e mais. Alegações de “Propaganda Ocidental” não podem convenientemente explicar e justificar as valas comuns daqueles que foram alvos dos líderes soviéticos. Nem qualquer argumento ideológico sobre a invalidez da religião, precisamente quais classes são contra-revolucionárias ou quem conspirou com os alemães pode ser usado para justificar esta escala de sofrimento. É um puta ultraje que eu tenha que dar exemplos novamente, especialmente por esses dados serem bem documentados, pesquisados e amplamente acessíveis. Mas lá vamos nós. Estupro em massa foi planejado e usado por soldados soviéticos através da Polônia e do Oeste da Alemanha para punir ex-prisioneiros de guerra. Comunidades judaicas foram varridas através de incontáveis nações. 2 milhões de afegãos foram mortos num genocídio soviético. 18 milhões de pessoas foram enviadas para gulafs. 10 milhões de mortes resultadas de escassez de comida deliberada e feita pelo homem de 1932-1933. Genocídio étnico de Poles, Chechens, Ingush, Balkars, Karachay,Tatars Crimeios, Kalmyks e muito mais. 4 milhões de pessoas foram forçadas a migrar para dentro da União Soviética, aproximadamente metade do quais morreram como resultado. Preciso continuar, porra? Negar genocídios e crimes de guerra simultaneamente nega as vozes das populações sobreviventes e seu direito de aceitar e superar o trauma. Isso remove a possibilidade de localizar as raízes e causas dessas atrocidades, e impede que sejamos capazes de seguir em frente e prevenir que estas merdas aconteçam de novo. Também é aterrorizante que eu tenha que explicar para alguém o porquê de talvez ela não deveria revirar os olhos para testemunhos de vítimas e negar massacres reconhecidos. Você consegue imaginar o último membro da sua família, barganhando com sua bolsa para comida e não comer por três semanas, depois usando os cigarros que você conseguiu para subornar um guarda para te dar uma colher de metal, depois afiando a colher gradualmente por dois meses, usando-a para abrir um caminho por uma cerca e ameaçar o guarda que tenta te prender, e andar por vinte e oito dias para o vilarejo liberado mais próximo (isso é uma história verdadeira, aliás) onde você encontra um tipo de contribuinte da Vice de Dorset que grita “HoLOLdomor foi uma mentira, vá para o gulag aldeão hahaha!” Você desmorona, toda esperança foi perdida, você cai de joelhos e grita para os céus “POR QUE EU FUI VÍTIMA DA PROPAGANDA OCIDENTAL”. A Guerra Fria instituiu em dois partidos uma visão binária de geopolítica que devemos desconstruir. Também cimentado nesta visão binária de geopolítica, que amplamente essencializa ideologias em Capitalismo e Comunismo. Se você não está conosco, você está contra nós. Odiar os EUA não significa que você deva amar e acreditar no estado russo. Que tipo de mundo seria se tivéssemos que escolher entre uma aliança EUA/UK, e Rússia/RPDC/China? Reconhecer e relembrar os milhões de mortos pela fome soviética não significa que você não possa também reconhecer e relembrar que a Grã-Bretanha forçou a morte de fome de três milhões em Bangladesh. Nós não temos que escolher um lado. Temos todos o dever de desmantelar desequilíbrios de poder ao redor do mundo. Afirmar “o inimigo do meu inimigo é meu amigo'' é uma forma de visão muito ocidental-cêntrica da União Soviética e do que ela deixou para trás. Quando você deliberadamente enraíza seu ponto de vista precisamente na noção do que “O Ocidente" despreza, você ainda está se baseando numa visão de mundo ocidental, e isso não é muito legal nem subversivo. Tentar justificar retroativamente a morte e sofrimento de milhões de civis é perigoso, infundado e absurdo. Essa noção categoricamente vaga e ideológica (e chocantemente individualista) de quem merece ou não viver, dentro da estranha utopiachamada “União Soviética” que vive somente dentro das mentes de garotos brancos de 20 anos, não é mais ofensiva do que sem nenhum significado.. As presunções que preenchem os duelos online entre Tankies, Ultras, Ancoms, Brocialistas, etc. é tão vazia de quaisquer referenciais mundiais que é amplamente impossível de se engajar nisso. Às vezes eu me prendo em algo que reconheço e me envolvo. Normalmente são negações da fome ou qualquer menção à Criméia, e normalmente, eu sou chamada de simpatizante nazista por três adolescentes de 19 anos que me mandam um link do Reddit descrevendo como os documentos devem ter sido forjados por economistas burgueses do novo mundo porque você consegue ver pixels diferentes ao longo do texto. Mas, como você pode argumentar com uma pessoa que está atacando a própria epistemologia? Lutar contra narrativas pode parecer como se você estivesse em uma sala escura tentando pegar um mosquito que você nem tem certeza se realmente existe. O Twitter é o fórum para se discutir historicismo? A ideia de União Soviética dos tankies, a imagem em suas mentes, é de uma coisa radical, gloriosa e cor de rosa que nunca existiu de verdade. O que os tankies dizem sobre a URSS diz mais sobre os tankies do que sobre a própria URSS. Deus abençoe Edward Said. No geral, eu me alegro que pessoas estão interessadas pela União Soviética. Mas esse interesse deve ir além, precisamos de mais nuances, novas vozes e melhores argumentos.. Um presente que importa menos O impacto dos “Tankies” tem se tornado nocivo no discurso contemporâneo. Movimentos radicais socialistas reais e maravilhosos estão por aí lutando contra o legado vivo do imperialismo russo. Infelizmente, estudantes de política ocidentais com mais de 3000 seguidores no Twitter estão tomando seus espaços. Eles estão gastando nossas energias em discursos sobre propaganda de 100 anos atrás. O estado russo e seu legado colonial nos arredores ainda é nocivo e ainda merece debate. Por exemplo, desde que a URSS forçou fronteiras indesejadas e governabilidade, regiões no Cáucaso estão lutando por seus direitos por independência e autodeterminação. Você pode ler mais sobre essas lutas aqui. Depois da invasão da Rússia, populações Tatar Crimeias enfrentaram violência e discriminação em suas próprias terras, muitas sendo presas ilegalmente, forçadas a sair de suas casas, e existem numerosas pessoas desaparecidas inexplicavelmente. Você pode ler mais e oferecer ajuda aqui. Enquanto isso, os suspeitos usuais da extrema direita do Reino Unido; Worker’s Hammer, os Socialist Worker e os Morning Star, cada um inequivocamente apoiaram o "referendo" de 2014 que recusava dar votos aos Tatars tendo como justificativa a invasão da Rússia à Crimeia. Histórias vitais e importantes da Ucrânia, Cazaquistão, Tatarstão, Crimeia, Siberia, Ichkeria, e muito mais estão sendo cooptados, apropriados e re-escritos por grupos de estudantes de classe média em Paris. Pessoas que pesquisam no google somente artigos e arquivos na língua inglesa não deveriam dizer aos Georgianos e Uzbeks que eles são apenas vítimas passivas da propaganda ocidental. A aterrorizante ocupação russa da Ucrânia e do Cáucaso está sendo reforçada e apoiada por guerreiros do Twitter que nunca estiveram à leste de Berlim (ok, Chiang Mai não conta). Pessoas que abrem um discurso crítico sobre a União Soviética são excluídas de certos espaços da esquerda ocidental. A exclusão das vozes pós-Soviéticas vai mais longe. Nós ainda temos mal-entendidos preocupantes relacionados à nações pós-Soviéticas, elas são pouco representadas na imprensa, cultura popular e na academia, e por muitas razões históricas, poucas pessoas viajam ou migram para fora de suas nações, particularmente da Rússia e da Ásia Central. Poucas pessoas da Europa viajam para além de Moscou e São Petersburgo. Vozes pós-Soviéticas já são marginalizadas em espaços ocidentais. A agenda da esquerda simplesmente deve lutar contra isso. Por exemplo, alguns anos atrás, a Chechênia começou a se popularizar em todas plataformas. Ao mesmo tempo, “Onde fica Chechênia” foi pesquisado no Google mais de 178,000 vezes. International Business Times lançou o primeiro artigo na língua inglesa “Chechênia detém 100 homens gays no primeiro campo de concentração desde o Holocausto” Primeiramente, a Chechênia não é realmente um país (não disse que não deveria ser, mas o fato de tantos indivíduos e meios de comunicação estarem falando dela como uma nação mostra o quão pouco eles entendem). Em segundo lugar, a Rússia, na qual a Chechênia está dentro (por enquanto — liberdade e justiça para o Cáucaso do Norte virá), esteve sistematicamente detendo, torturando e por extensão assassinando comunidades LGBT+ há um longo tempo. Eu tenho que acrescentar, esse provavelmente não é o ‘primeiro campo de concentração desde o holocausto’ — Chechênios étnicos a não muito tempo atrás foram colocados no que eu chamaria de campos de concentração. Esse não é um daqueles argumentos do tipo “Como você não sabia que isso estava acontecendo a ANOS???”, mas quando o IBT anuncia que a Chechênia está fazendo isso, por que se populariza instantaneamente? Uma agenda particular russa (e europeia e americana) islamofóbica atualmente marca a região, de predominância muçulmana, do Cáucaso e da Ásia Central como um espaço de terrorismo e barbaridade no geral. Em um flash-back para a negação dos crimes de Stalin contra as etnicidades, os Russófilos- Incondicionais estão se alinhando com formas de racismo islamofóbico novamente. Portanto as pessoas e campanhas defendendo cada faceta da União Soviética continuam retrocedendo ao apoio à Putin e ao estado moderno da Federação Russa. Por exemplo, no começo de 2016, um historiador expôs novos relatos de crimes stalinistas ao desenterrar uma vala comum contendo 9000 corpos dos anos 1930 (sim, neguem isso Tankies) tornando-se agora um local de lembrança conhecido como Sandarmokh. Ele foi rapidamente mandado para uma ala psiquiátrica por Putin e foi avaliado no centro de Serbski, um infame centro de interrogatório no qual muitos esforços de propaganda foram adulterados e permanecem em julgamento. Desde sua campanha de reeleição, Putin tem enfatizado fortemente o que ele chama de uma “excessiva demonização de Stalin” que está sendo usada para enfraquecer a Rússia e seu governo. Juntamente com uma instrumentalização do Dia da Vitória, isto está fazendo com que a popularidade de Stalin chegue a uma “altura recorde” entre os russos hoje em dia. Ele denuncia todas as tentativas de trazer responsabilidades negativas ao sovietismo precisamente porque isso enfraquece a primazia do estado russo e o desenfreado nacionalismo russo que se espalha. Putin está armando e apoiando estados violentos e exércitos ao redor do mundo. Ele está reprimindo brutalmente os direitos de mulheres e LGBT+ dentro de sua própria nação e prendendo manifestantes. Ele solidificou um sistema de oligarquia e corporativismo, uma forma de capitalismo regulado pelo estado que centraliza os lucros do governo e de sua aristocracia. Ele restaurou a Igreja Russa Ortodoxa no governo, reforçado por repressões a outras religiões por toda a nação. Sua política estrangeira viu as ocupações e/ou invasões da Chechênia, Inguchétia, Ossétia do Sul, Abkhazia Gerogia, Ucrânia e Criméia. Ele está perpetrando massacres diários na Síria. Dizer tudo isso não significa que “Putin é pior que a América ou Inglaterra!”, significa “aplique a mesma lente crítica à Federação Russa de Putin como você aplica em estados-nações ocidentais”. Tankismo frequentemente está lado a lado com uma forma particular horrível de Assadismo. Esses são os negacionistas das armas químicas (ou até apoiadores), os militaristas, também chamados de “kebab removers” recapitulando as mesmas desculpas de “propaganda ocidental” e lambendo incessantemente as botas dos interesses geopolíticos russos através de todo homem ou meio possível.Ainda assim, muitos parecem sentir que a Rússia é uma nação oprimida que precisa ter seu nome e reputação protegidos. De certa forma se tornou impossível de considerar que a Federação Russa em todas suas formas ao longo da história moderna não foi nada mais que um espelho dos EUA (e seu cachorrinho, o Reino Unido). A Rússia colonizou ou tentou colonizar grande parte da Ásia Central. Se alinhou com as forças mais cruéis do mundo (agora incluindo os EUA e o Reino Unido). Ao longo de cada uma dessas eras, ela se limpou sistematicamente de minorias étnicas e religiosas. É totalmente terrível. É imperativo que todos os Tankies re- avaliem suas prioridades e direcionem seu pensamento crítico duvidoso para outro lugar. Deixem essa bagunça para trás.. O discurso tankie acabou para mim. Eu não me engajo nisso novamente. Ele se rodeia de referências ideológicas que não respondem a nada no mundo dos vivos ou dos mortos. É uma rede tóxica de argumentos e contra-argumentos baseados em reivindicações infundadas e acusações vazias de propaganda. É um desastre de um desfile de moda por pessoas que não tem nenhuma ideia sobre as experiências ainda vividas do mundo soviético. Jogue fora essa arrogância, o nonsense dialético, a insensibilidade cultural e a pura ignorância do tankismo. Nós não temos escolha, Stalin fez coisas erradas. O estado de Stalin era dramaticamente racista, sexista e destrutivo e os efeitos de suas falhas ainda estão ocorrendo pelo Bloco Oriental. Ignorar, negar ou reescrever o que deu errado somente enfraquece os movimentos socialistas e comunistas hoje. Se nós não conseguirmos achar uma forma desses movimentos progredirem, eu assistirei feliz eles morrendo. Tankies são regressivos e, francamente, uma puta vergonha para a esquerda.