Título: Anarquia no Twitter
Subtítulo: Uma onda de reacionarismo "de esquerda" nas redes sociais
Autor: Paulo Bagre
Data: 7 de julho de 2024
Notas: O objetivo principal deste escrito é criticar as sub-comunidades do Twitter, que abrigam anarquistas; punks; góticos e outros "alternativos". Apontar os problemas em que se encontra o Brasil e o mundo inteiro, estes que deveriam receber uma atenção dos ditos "anarquistas", ao invés de perderem tempo em discussões e brigas fúteis nas redes sociais.

Os anarquistas mais uma vez estão esquecendo os seus princípios? Ou o anarquismo está caindo em obsolescência? Ou, então, será que os anarquistas ativos estão em minoria comparado aos "anarquistas" no Twitter?

Já estamos no século XXI, como muitos devem saber e outros ainda não se deram conta. Não há mais lugar para conservar postulados defasados e antiquados do século XIX, como o anarco-coletivismo e o anti-teísmo (uma retórica higienista, por sinal), e esperar que sejam levados a sério até mesmo pelos ditos "apolíticos". A Anarquia é uma metamorfose ambulante, busca uma revolução social e uma mudança, de baixo para cima, na sociedade – como é que vocês esperam que isso tudo ocorra, olhando para a atual sociedade neoliberal com os olhos da sociedade de dois séculos passados? A Anarquia se adequa à realidade material de nossa época, contexto histórico e geográfico, cultura e à situação socioeconômica em questão. Apesar das influências e admiração pela contribuição teórica de Mikhail Bakunin, que ainda se vê muito em anarquistas de gerações posteriores a dele, é fato que há um aperfeiçoamento ali. Não dá para denominar como "Bakuninista" (e eu abomino esse termo) estes anarquistas, como Emma Goldman e Errico Malatesta, apesar de suas claras influências de Bakunin; especialmente estes anarco-comunistas e anarco-individualistas, que claramente são parte de ramificações distintas do "Bakuninismo".

O que eu quero dizer é que: Precisamos aceitar estas mudanças e procurar aquilo que melhor se adequar ao nosso cenário atual. Bakunin continua sendo muito importante de ser estudado, e não é errado simpatizar com os seus escritos, que ainda apresentam pontos pertinentes para o anarquismo, como seus escritos "Socialismo Sem Estado: Anarquismo" e "Federalismo, Socialismo e Antiteologismo" (entre outros), por exemplo, e o seu histórico de militância e agitação ativas, quando vivo, é inspirador para qualquer anarquista ainda hoje. No entanto, sempre procure por mais e, especialmente, se informe dos escritos e notícias mais atuais referentes ao anarquismo; não fique somente em Bakunin, Proudhon ou Kropotkin, busque também estudar Emma Goldman, David Graeber, Rudolf Rocker, Volin e a Mary Nardini Gang (entre outros).

Entretanto, o que me levou a escrever isto aqui, não é para falar a respeito de "Bakuninismo" X Anarco-Comunismo; Plataformismo X Especifismo; Anarquismo Social X Pós-Esquerda; ou qualquer outra besteira do tipo, que mais me gera uma preguiça desgraçada e não agrega em muita coisa. O ponto pertinente aqui é a questão do uso das redes sociais, especialmente o Twitter, para fins de "militância" (entre treze, ou mais, aspas) e de embates teóricos entre os liberais e os marxistas-leninistas. Não é possível que você, anarquista, perca seu tempo disputando Gnose com marxista-leninista, no Twitter! Não é possível que você ache que isto trará alimento na barriga de 20 pessoas em situação de rua, ou que isto trará recursos básicos aos milhares de palestinos que sofrem nas mãos do genocida Estado de Israel. Não vai trazer nada disso, nem mesmo a solução para o genocídio no Congo, para a perseguição às pessoas trans e à matança de comunidades indígenas no Brasil e nos Estados Unidos.

• O Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo [1] e, no país como um todo, foram registrados 36 homicídios de pessoas trans menores de 18 anos, nos últimos 7 anos. Quase 80% das vítimas tinham menos de 35 anos de idade. A maioria das vítimas sendo de mulheres trans, com a média de pessoas trans negras assassinadas sendo 78,7% do total. [2]

• O Estado de Israel já é pioneiro em novos métodos de genocídio contra os povos palestinos, utilizando até mesmo da IA para isto [3]. E os israelitas estão destruindo caixotes de ajuda humanitária em Gaza, disparando mísseis de precisão contra um veículo após outro e matando voluntários estrangeiros. Mais de 200 trabalhadores humanitários mortos, 100 palestinos mortos e 700 feridos, só nesse ano. [4]

• No Mato Grosso do Sul (MS), territórios de indígenas Guarani Kaiowá têm 76% dos domicílios com insegurança alimentar, de acordo com um estudo realizado, pela Fian Brasil, em 5 terras indígenas [5]. Além disso, os indígenas tiveram uma casa de reza incendiada em Kunumi Verá, na cidade de Caarapó (MS), em 22 de fevereiro. [6]

• O Projeto de Lei 1904/24, conhecido como "PL do Estupro", teve o seu debate adiado por Arthur Lira (PP-AL), após a pressão de atos nas ruas e votos contra a PL. No entanto, um grupo de 35 deputados apresentou o PL 2499/24, que obriga unidades de saúde a notificar a polícia em casos de interrupção da gravidez decorrente de estupro. [7]

Viram só? O país e o mundo inteiro estão lidando com questões geopolíticas, sociais e econômicas muito complexas, o Estado está sufocando todo o povo e tentando varrer os grupos minoritários. Porém, um espesso suco de ditos anarquistas e comunistas, no Brasil, estão afogados em postagens e intrigas sem valor no Twitter; os libertários estão submetendo-se ao status quo, discutindo sobre quem é ou deixa de ser "nazista" de acordo com o seu gosto musical (exemplo: "Quem ouve Pantera, é nazista!"). Entendem o quão estúpido é isto tudo? Vocês deveriam estar nas ruas, imprimindo e distribuindo zines, organizados em coletivos ou organizações socialistas, montando sindicatos, conselhos, ou formando agrupamentos para fazer trabalho de base – ao menos, organizar campanhas de agasalho e de alimentos, para ajudar pessoas em situação de rua. Vocês já se informaram a respeito destas pessoas no Brasil?

• 227 mil pessoas em situação de rua no Brasil. Um aumento de 935% em 10 anos. 90% delas são alfabetizadas, sabendo ler e escrever. 68% já tiveram emprego com carteira assinada (CLT). [8]

Segundo Marx, estas pessoas compõem o Exército Industrial de Reserva (ou somente Exército de Reserva), que são parcelas de trabalhadores ativos que estão em situação de desemprego permanente, para que haja o pleno funcionamento do sistema capitalista e a acumulação do capital pelos burgueses. [9] Ou seja, isso não somente é consequência da desigualdade social inerente ao sistema capitalista, como é obra do mesmo.

Diante desta realidade chocante, você, libertário, vai continuar gastando tempo no Twitter? Você vai continuar cantando aos quatro ventos, no Twitter, de que você é um anarquista, anti-capitalista, anti-fascista, anti-punitivista e anti-teologista? Não estou te pedindo para provar nada, nem mesmo suplicando alguma coisa. Apenas quero lhe dizer o seguinte: Anarquia é uma coisa séria, uma emancipação ativa que requer uma práxis ativa.

Anarquia no Twitter, a revolução será hit tweet – não é um indicativo de emancipação alguma. Me parece, na realidade, que a esquerda está SEDENTÁRIA em todos os sentidos! A esquerda está sedentária, conformada, imobilizada, estática e atrasada. O sedentarismo móvel, teórico, prático e filosófico – a esquerda brasileira em maioria está parada no mesmo lugar, sem saber o que fazer, como agir e no quê acreditar ou defender. O Twitter torna-se o seu novo meio de "ativismo" e de disputa pelo Ego socialmente aceito; disputa pela Razão premiada pelas relações sociais virtuais.

O Twitter é um Big Brother Brasil a céu aberto. Em que o indivíduo se envolve em um coliseu virtual, onde o ódio é o rei governante. Você não concorda que já temos inimigos o suficiente em nossas vidas? Políticos, policiais, militares, burgueses, empresários, patrões, preconceituosos, neopentecostais, nazifascistas... E a lista só aumenta. Mas não precisa aumentar mais ainda, especialmente incluir pessoas como nós ou irrelevantes, nesta lista. Eu não gostaria de incluir um militante do PCB, totalmente irrelevante na minha vida, em uma lista tão pesada como esta; ou um estudante de Economia, que ainda mora com a mãe e não ganha mais que R$ 2.100,00 de salário. Não precisamos de rivalidades banais com ninguém.

A esquerda está muito subdividida, e isso já está no conhecimento de muitos. O ponto é que fomentar essas discussões irrelevantes e essa disputa pelo Ego prestigiado, nas redes sociais, compõem uma série de fatores nocivos para a saúde mental, às relações sociais e ao movimento socialista – ênfase nos dois primeiros fatores. Estamos nos matando aos poucos, desrespeitando cada vez mais o próximo, engajando cada vez mais discussões que colocam o outro sob suas solas e você sobre um pedestal invisível; aquele que tem a Razão, que domina o senso-comum ou que sabe como funcionam as "regras do jogo" de um hit tweet, no fim das contas, sempre acaba por estar neste pedestal invisível. E quando alguém o derruba deste degrau, o sujeito se afoga em um narcisismo ou em uma profunda angústia. E para quê? Um circo de sombras cavernosas e futilidades, não agrega em porcaria alguma para a simpatia entre os indivíduos que compartilham de experiências semelhantes no mundo do trabalho, ou em qualquer outro "mundo" atrelado ao capitalismo, e muito menos ao movimento socialista.

Para piorar, uma onda de reacionarismo bem aceito pela esquerda libertária, nestas redes sociais. Anarquistas propagando discursos anti-teístas, uma retórica extremamente higienista e ignorante, que apenas contribui para o antissemitismo, o racismo religioso (especialmente com crenças de matriz africana e crenças orientais) e ao retorno do postulado comteano da "Lei dos 3 Estados" [10]. Punks e góticos com discursos anti-pornografia, que apenas se debruçam em argumentos moralistas e nem um pouco distintos do que uma Damares [11] diria; não sabem separar a pornografia em si da indústria pornográfica (esta, sim, muito nociva à sociedade). Vale lembrar também, que a própria subcultura gótica tem elementos fetichistas e eróticos, especialmente da comunidade BDSM, até mesmo em sua estética; demonstrando apenas que:

1) Estes "alternativos" do Twitter não estudam a própria contracultura/subcultura;

2) Nem mesmo os ditos libertários sabem lidar com questões de libertação e expressão sexual;

3) A pseudo-ciência eugenista também pode convencer libertários.

Vale lembrar também que este movimento anti-porn foi precursor do chamado movimento redpill [12], que é um movimento da extrema-direita com o intuito de abrigar e organizar homens frustrados, ausentes de figura paterna e vulneráveis, para encorajar neles o machismo ardente e o "celibato voluntário". Esta retórica do anti-porn está ligada diretamente às pseudo-ciências eugenistas do tipo: "Se você consome pornografia, o seu cérebro fica deformado por conta de uma descarga de dopamina" ou "se você tem essa descarga de dopamina, isso te causa TDAH" – para quem é minimamente bem-informado, sabe que isto é uma mentira absurda. Não existe essa coisa de "cérebro deformado" por conta de descarga de dopamina, além de que, todos nós necessitamos deste hormônio; e praticamente qualquer coisa que façamos, que nos deixe feliz, libera uma descarga de dopamina. Além do mais, muito se falava do tal "jejum de dopamina", que também já se provou ser falso [13].

De toda maneira, parece que há um estereótipo a respeito dos anarquistas – de que eles são "burros", "baderneiros", "não possuem teoria", "não usam da ciência" ou qualquer outra besteira – mas, sabemos que não é verdade. Acontece que, assim como outros comunistas e indivíduos em geral, não estamos imunes à ignorância e nem à propaganda. O que precisa ser feito, a partir de agora e há muito tempo antes, é buscar o conhecimento sempre; desenvolver cada vez mais as suas ideias e abandonar o conformismo da ignorância; reconhecer sempre que somos falhos e que isso nos faz humanos, mas nunca permitir que a propaganda estruture a nossa visão permanentemente. Não tem mais desculpas, não é nada sensato se dizer "libertário" e não almejar por uma libertação geral de todos os povos; seja a libertação da propaganda e da ideologia dominante, da escravidão, dos preconceitos, da violência simbólica [14], do punitivismo e entre outras coisas. Não se admite mais!

[1] www.brasildefato.com.br

[2] www.brasildefato.com.br

[3] www.theguardian.com

[4] "Israel is pioneering new methods of genocide", de Peter Gelderloos. Disponível em: petergelderloos.substack.com.

[5] www.brasildefato.com.br

[6] www.brasildefato.com.br

[7] www.cartacapital.com.br

[8] www.camara.leg.br

[9] MARX, Karl. O Capital: Livro 1. Boitempo Editorial, 2023. p. 858-860. Disponível em: shre.ink (PDF)

[10] COMTE, Auguste. Curso de Filosofia Positiva: Lição 1. 1842. Disponível em: pdfcoffee.com

[11] www.metropoles.com

[12] www.terra.com.br

[13] jornal.usp.br

[14] Conceito do sociólogo francês, Pierre Bourdieu, encontrado no seu livro "A Dominação Masculina". A Violência Simbólica é caracterizada por uma violência não-física, porém ainda violenta, que é naturalizada e velada pelos indivíduos; sendo esta introjetada por quem sofre com ela. Exemplos: Piadas racistas, machistas e homofóbicas; cisnormatividade e heteronormatividade; padrões de beleza; xenofobia; capacitismo; etc.