#title A Máscara da Anarquia #author Percy Bisshe Sheley #LISTtitle Máscara da Anarquia #date 1832 #source [[https://www.revistazunai.org/post/percy-b-shelley-por-lucas-zapparoli]] #lang pt #pubdate 2023-02-03T01:53:08 #authors Percy Bisshe Shelley #topics Poesia revolucionária #notes Traduzido do inglês em verso rimado por Lucas Zaparolli de Agustini. A Máscara Da Anarquia
1. Quando eu dormia na Itália veio uma voz do Mar que fala, e com grande poder adiante me vale a, na visão da Poesia, acompanhá-la.
2. O Assassínio na rua encontrei – tinha a máscara de Castlereagh – parecia tranquilo, mas sombrio; sete cães de caça o seguiam:
3. tão gordos; e tão bem estão nesta admirável situação, pois um a um, e dois a dois, dá-lhes nossos corações pra comer depois que de sua vasta capa os depôs.
4. Logo veio o Engano, que tinha o traje, como Eldon, de arminho; suas lagrimonas, pois bem carpia, faziam- -se pedra de mó quando caíam.
5. E as criancinhas, que em volta o pé pra lá e pra cá botam, crendo joia cada lágrima reles, tiveram os cérebros nocauteados por eles.
6. Vestida com a Bíblia e com a luz, e as noturnas sombras, como Sidmouth, logo, a Hipocrisia montando um crocodilo ia.
7. E muito mais Destruições à vista nessa mascarada sinistra, até os olhos, disfarçados, como bispos, nobres, espias, advogados.
8. Por fim veio a Anarquia: montando cavalo branco, sangue respingando; pálida até os lábios se lhe visse, como a Morte no Apocalipse.
9. E uma coroa real trazia; e a seu alcance um cetro luzia; em sua testa esta marca enxerguei – ‘SOU DEUS, REI, E A LEI!”
10. Num passo de altivez e destreza, passou sobre terras inglesas, calcando e em sangue atolando a multidão se espantando.
11. Em torno potente tropa vem, e em sua marcha o chão treme, espadas sangrentas sacodem, a serviço de seu Lorde.
12. E com triunfo glorioso, seguem pela Inglaterra orgulhosos e alegres, bêbados como em intoxicação do vinho da desolação.
13. Sobre campos e cidades, de mar a mar, o Cortejo livre e ligeiro a passar, rasga acima, e calca abaixo; onde enfim chegam em Londres.
14. E cada cidadão, em pânico, sentia o terror no coração entrando e o choro tempestuoso ouvia do triunfo da Anarquia.
15. Pois com pompa a vê-la vieram logo, com armas como sangue e fogo, assassinos de aluguel, entoando seus ‘És Rei, e Lei, e Deus.
16. ‘Temos esperado, sós e ansiosos, por vossa vinda, Poderosos! Nossas espadas frias, vazios os bolsos, dai-nos glória, e sangue, e ouro.’
17. Juristas e pastores, massa turva, a fronte pálida à terra curva; como má oração não tão alta, ‘– Tu és Lei e Deus –’ exaltam.
18. Daí foi uníssono o clamor, ‘És Rei, e Deus, e Senhor; Anarquia, a gente te adora, seja teu nome santificado agora!’
19. E Anarquia, o Esqueleto, curvou-se e riu-lhes a contento, bem como se sua educação custasse dez milhões à nação.
20. Pois sabia que os Palácios dos Reis eram seus de fato; seu cetro, coroa e globo, e o manto tecido de ouro.
21. Aí enviou seus escravos à frente que o Banco e a Torre apreendem, e estava procedendo no intento de achar seu pensionista Parlamento.
22. Quando uma fugiu, maníaca donzela, e seu nome era Esperança, disse ela: mas parecia mais Desespero, e ao ar lançou tal berreiro:
23. ‘Meu pai Tempo é grisalho e fraco, de melhores dias no aguardo; veja como idiota ele para, com as mãos paralisadas se atrapalha!
24. ‘Ele tem tido filho após filha, e na poeira da morte empilha cada um salvo eu só – Miséria, Miséria, oh!’
25. Então ela se deitou na rua, ante as patas dos cavalos se punha, expectante, e com olhar paciente via Assassínio, Fraude e Anarquia.
26. Quando entre ela e os inimigos seus uma névoa, luz, imagem se ergueu, pequena de início, e fraca, frágil e tal como o vapor de um vale:
27. até que as nuvens explodem crescendo, gigantes coroados de torres correndo, e luzem com raios quando voam, e trovão sua fala ao céu reboa,
28. já Forma encouraçada – crescente, mais brilhante que a escama da serpente, se elevava em asas com textura como a luz de ensolarada chuva.
29. Em seu elmo, se ao longe se avistava, um planeta, tal a estrela d’alva; e essas plumas verteram sua luz enfim qual chuva de orvalho carmesim.
30. Passou suave como o vento passa indo pelas cabeças dos homens – tão rápido que de sua presença ali sabiam, e viam, – mas tudo era ar vazio.

31. Como flores ao andar de maio acordem, como estrelas do cabelo solto da Noite se sacodem, como ondas se erguem quando ventos fortes sopram, Ideias de cada pegada sua brotam.
32. E a multidão prostrada a vê-los – e com sangue nos tornozelos, Esperança, a donzela mais serena, caminhava com atitude amena:
33. e Anarquia, a origem hórrida, sobre a terra jazia terra morta; o Cavalo da Morte sem controle voa qual vento, e com os cascos mói à poeira os assassinos que atrás amontoa.
34. Luz de nuvem e esplendor que afeta, um sentido que desperta e ainda é afeto foi ouvido e sentido – e no seu termo surgiram tais termos de alegria e medo
35. como se sua própria indignada Terra que deu à luz os filhos da Inglaterra sentisse o sangue deles em suas cãs, e estremecendo com as dores de ser mãe
36. toda gota de sangue tivesse a alterá-la, a qual sua própria face já orvalha, em um sotaque irresistido,– como se seu coração desse um grito:
37. ‘Ingleses, herdeiros da Glória, heróis de não escrita história, lactentes de uma Mãe potente, Esperanças dela, e de seus entes;
38. ‘Ergam-se como Leões após a soneca em número que não se vença, lancem suas algemas à terra como o orvalho que no sono sobre vocês derrubaram – vocês são muitos – eles parcos.
39. ‘Que é Liberdade? – a vocês cabe dizer o que é escravidão, bem sabem – pois esse próprio nome cresceu virando um eco dos seus.
40. ‘É trabalhar e ter paga para manter só a vida diária em seus membros, como uma cela a tiranos fazerem uso dela,
41. ‘vocês lhes são apenas as espadas, e teares, e arados, e pás, com ou sem seu próprio arbítrio reles só pra defesa e sustento deles.
42. ‘É ver seus filhos mirrando com suas mães definhando, quando ventos frios de inverno estão soprando,– Tão morrendo enquanto estou contando.
43. ‘É ter fome por alimento enquanto o rico em esbanjamento atira aos cães gordos deitados sob sua vista fartos;
44. ‘é deixar o Fantasma do Ouro a levar mil vezes mais do Laboro a substância que tanta jamais tomada fora nas tiranias de outrora.
45. ‘Papel-moeda – esse fake de escrituras de bens, e que vocês tenham algo do valor que a herança da Terra dispor.
46. ‘É ser escravo n’alma de sorte a não ter controle forte sobre o que se quer, mas ser tudo que quiserem de você.
47. ‘E quando reclamarem então com um murmúrio fraco e vão é pra ver a tropa tirana cavalgar sobre vocês e suas damas sangue igual orvalho na grama.
48. ‘Então é sentir vingança fera sedenta por barganha de sangue por sangue – e engodo a engodo – Ao serem fortes, não ajam desse modo.
49. ‘Repousam passarinhos, em exíguos ninhos exaustos de alados caminhos; bestas se alimentam, se a toca adentram e há no ar neve e tormenta.
50. ‘Asnos, suínos, porqueira alastram e comida digna se lhes pastam; toda coisa tem casa, exceto uma – tu, oh, inglês, não tem nenhuma!
51. ‘Isso é Escravidão – homens selvagens, bestas feras em tocas não fazem suportar como vocês suportam – mas tais males nunca os tocam.
52. ‘Que és tu Liberdade? Ó! a tal pergunta pudessem responder escravos de sua tumba vivente – tiranos fugiriam como as figuras obscuras do sonho:
53. ‘não és, como impostores falaram, uma sombra que breve passara, uma superstição, nome que brama ecoando da caverna da Fama.
54. ‘Ao trabalhador pão és, e uma mesa decente eis que sua labuta diária dá em limpo e feliz lar.

55. ‘És vestes, calor, e grude à pisoteada multitude – não – em terra que livre seja tal miséria não esteja como a que a Inglaterra veja.
56. ‘Ao rico és estorvo quando seu pé está no pescoço de sua vítima, tu pões sob a sua pegada uma cobra.
57. ‘Tu és Justiça – a ouro jamais sejam tuas justas leis vendidas tais as leis na Inglaterra – igual, tu proteges o baixo e o alto.
58. ‘És Sensatez – nunca seres Livres sonharão que Deus lhes privem por achar tais coisas inverdades das quais pastores tanto ladrem.
59. ‘Tu és Paz – jamais por ti a riqueza ou o sangue se desperdiçaria como tiranos desperdiçam, e se aliam a extinguir tua chama na Gália.
60. ‘E se suor e sangue inglês fluiu à toa, mesmo igual dilúvio? Isto servido, Oh, Liberdade, tem pra te ofuscar, não te extinguir, porém.
61. ‘Tu és Amor – teus pés o rico beijou, e como aquele seguindo Cristo, seus recursos ao livre distribuiu e pelo mundo-cão te seguiu,
62. ‘ou fez de seu ouro armas, e impusera guerra por teu bem contra guerra, e ouro, e fraude – de onde sacam poder que à presa corresponde.
63. ‘Ciência, Poesia e Pensamento são tuas lâmpadas; tornam o quinhão de habitantes de um barracão sereno; não o amaldiçoam então.
64. ‘Espírito, Paciência, Gentileza, tudo que abençoa e embeleza és tu – que em atos, não palavras, vejam- -se tua extraordinária beleza.
65. ‘Que grande Assembleia se avive de destemidos e livres em solo inglês, em algum ponto que tenha as planícies em torno.
66. ‘Que o céu azul por cima, a terra verde em que se caminha, tudo que de eterno exista tal solenidade assista.

67. ‘Dos mais longínquos nichos dos pontos ingleses fronteiriços; de cada barraco, vila ou cidade que tenha alguém que viva e sofra e gema pela miséria alheia ou sua mesma,
68. ‘de asilo e prisões que há a ver esses pálidos tais recém-ressuscitados cadáveres, mulheres, crianças, velhos e jovens que gemam de dor, que de frio chorem –
69. ‘de antros da cotidiana labuta onde se trava a cotidiana luta com anseios e cuidados comuns que soem o coração humano semear com joio –
70. ‘enfim de palácios donde sai o eco do murmúrio de ais, como som distante ouvido de um vento em volta vivo
71. ‘desses halls de prisão de luxo e moda, onde uns poucos sentem dó da gente que geme, labuta e se lamuria como seus irmãos empalideceriam –
72. ‘vocês que sofrem aflições não ditas, ou sentem, ou fitam aflitas seu país perdido comprado vendido a preço de sangue e ouro reduzido –
73. ‘façam assembleia ampla e com solenidade tanta declarem em palavras medidas que vocês são livres como Deus os fez –
74. ‘sejam suas fortes e simples palavras agudas pra ferir igual afiadas espadas, que vastas como tarjas sejam, e com sua sombra os protejam.
75. ‘Deixa tiranos saírem vertendo com um som ligeiro e horrendo, como de um mar que se solta, armada brasonaria às tropas.
76. ‘Deixa a artilharia pesada mover- -se até que o ar morto pareça viver com o estrondo de rodas troando, e o casco de cavalos trotando.
77. ‘Deixa brilhar a fixa baioneta com desejo intenso que umedeça em sangue inglês sua ponta luzida aflita como alguém por comida.
78. ‘Deixa rolar e luzir as cimitarras dos cavaleiros, como astros desesferados sedentos por eclipsar seu ardor num mar de morte e dor.

79. ‘Pare a gente calma e resoluta, como floresta cerrada e muda, braços cruzados e olhares que são de guerra não derrotada um canhão,
80. ‘e deixa o Pânico, que ultrapassa o passo de corcéis armados, passar; sombra ignorável por sua falange imperturbável.
81. ‘Deixa que em sua terra há leis, boas ou más, estão entre vocês mão a mão, e pé a pé, árbitros da disputa, pois é,
82. ‘as velhas leis inglesas – já grisalhas reverendas cabeças, filhas de tempos de mais sapiência; e cuja voz solene há de ser teu próprio eco – Liberdade!
83. ‘Sobre os que primeiro violarem tais arautos sagrados paire o sangue que deve acontecer, e não paire sobre você.
84. ‘E se aí os tiranos se atrevem a ir entre vocês, deixá-los devem, rasgar, aleijar, decepar, fender, o que gostam, deixa-os fazer.
85. ‘Braços cruzados, no olhar firmeza, e pouco medo, e menos surpresa, vejam-lhes enquanto assassinam até que suas fúrias se extingam.
86. ‘Daí voltarão com vergonha ao lugar que os disponha, e vai falar o sangue que despejam no ardor rubor de suas bochechas.
87. ‘Apontar-lhes-ão as mulheres onde quer que estiverem – mal ousarão dar à sua conhecida um oi na rua.
88. ‘E os verdadeiros guerreiros, ariscos que em guerras abraçaram riscos virarão aos que queriam ser livres, com vergonha dos vis com quem convivem.
89. ‘E esse massacre à Nação vai se condensar como inspiração, eloquente, oracular; vulcão distante a troar.
90. ‘E tais termos se tornarão destruição estrondosa da Opressão rangendo em cada cérebro e coração, ouvida de novo – de novo – de novo – então

91. ‘Ergam-se como Leões após a soneca em número que não se vença – lancem suas algemas à terra como o orvalho que no sono sobre vocês derrubaram – vocês são muitos – eles parcos.’