Pikante
Opondo-se ao Massacre em Gaza!
Uma perspectiva anarquista
Escrever por aqui um artigo sobre esta situação é algo que será inevitavelmente limitado, mas o silêncio nos parece pior. Sentimos necessidade de escrever sobre o que está acontecendo, para desabafar as emoções. Além disso, tentar nos afastar da mídia e da propaganda estatal. Mesmo que as palavras nunca sejam suficientes contra esta violência incrivelmente injusta que atinge toda uma população. Mais de 2 milhões de pessoas, culpadas de estarem enfiadas nesta prisão sem teto e de não quererem (e nem mesmo poderem) sair dela. E ir para onde?
A horrível situação atual é um passo num esmagador processo colonial organizado há mais de 75 anos nesta área. Hoje, o governo Israelita é o seu principal e mais visível perpetrador, mas isto não deve fazer-nos esquecer o fato de que numerosos países ocidentais, com a sua participação, estão a partilhar a responsabilidade histórica e atual na criação desta situação insuportável. Desde a administração britânica que “distribuiu” a Palestina (que eles tomaram para si 30 anos antes) para permitir a criação de Israel, até aos EUA que são o seu fiel apoio. Sem esquecer a França que, tanto ontem como hoje, recebeu nas mãos o sangue de judeus exterminados (colaboração do governo de Vichy durante a Segunda Guerra Mundial) e de palestinos massacrados (através do seu apoio histórico ao Estado de Israel e ao seu comércio de armas).
A situação atual em Gaza é a ponta do iceberg, mas a violência colonial ocorre diariamente em todo o território dominado pelo Estado de Israel (inclusive na Cisjordânia). Expropriações, exploração de seres humanos e recursos, humilhações, prisões, bombardeamentos, ataques, torturas, assassinatos, a lista é interminável.
E essa violência extrema, apresentada como uma “resposta legítima”, não se iniciou em 7 de outubro, longe disso.
A resistência voluntária da população, que luta contra essas injustiças, sempre foi reprimida pelo exército Israelita de Tsahal. Todas as vezes, o protesto contra o regime colonial do lado palestino é esmagado de forma sangrenta. Sem que isso sirva de desculpa para as atrocidades perpetradas sobre a população israelense no dia 7 de outubro, é uma realidade que devemos ter em conta quando olhamos para o que aconteceu nesse dia.
Da mesma forma, não podemos ver o que está acontecendo como, dois exércitos lutando entre si no mesmo nível. Embora ambos recebam apoio de outros estados, o poder político e militar do Hamas não tem nada a ver com o do Estado de Israel. No entanto, isso não o torna nem um pouco inofensivo. A organização visa a independência da Palestina para impor o seu exército totalitário, bem como o seu domínio político e religioso. É uma voz tóxica e podre que procura ingerir os vários movimentos de resistência tanto quanto a raiva das pessoas, apresentando-se como a única voz existente e legítima.
Ouvimos repetidas vezes esta história falsa, que fala de dois lados homogêneos, de populações inteiras que estariam todas atrás do Hamas, por um lado, e do governo de Israel, por outro. Estenografias enganosas que dizem sobre a oposição de judeus e muçulmanos dentro do chamado “choque de civilizações”.
Mas se não existir uma posição comum para “os judeus” ou para “os muçulmanos”. Da mesma forma, as equações “Judeu=Israelense=Branco=Islamofóbico” e “Palestino=Muçulmano=Não-Branco=Antissemita” estão erradas e têm consequências pesadas. Essas visões binárias e racistas procuram apagar as diferentes realidades e as profundas contradições políticas, os interesses divergentes e as lutas que existem através dos chamados “lados”. E esta manipulação da opinião pública é uma receita antiga e bem conhecida dos políticos guerreiros para colocar no seu poder e reforçar a unidade nacional contra um inimigo comum.
Este tipo de discurso é poderoso e, infelizmente, funciona muito bem. Eles são construídos a partir de algumas violências e experiências de racismo reais, traumas e medos, o que torna difícil e marginal refutá-los.
Como não endossar o ódio ao outro, quando ele nos é mostrado como responsável pelos nossos sofrimentos? Como não comprar a ideia de um Estado para nos proteger, quando é a única solução que nos é vendida para acabar com os horrores do passado e do presente?
No entanto, algumas palavras e alguns atos conseguem recusar estas lógicas. Como quando, há pouco tempo, vários protestos se chocavam contra os poderes que governam cada lado do muro. O povo israelense também está implicado na luta contra o colonialismo e contra o seu governo de extrema-direita. Solidariedades que se tecem, desafiando o nacionalismo e o racismo, como aquelas manifestações de mulheres israelenses e palestinas, que, no início de outubro, saíam às ruas para exigir a paz. E todas aquelas coisas que aqui são inéditas, mas que existem, invisibilizadas em propósito por quem está no poder e seus representantes.
A violência colonial do Estado de Israel tem especificidades que não podemos esquecer quando queremos combatê-la. As comparações, por vezes feitas aqui, com a colonização francesa na Argélia, só são relevantes até certo ponto. A história da criação de Israel é complexa e não pode ser resolvida por uma ordem que ordene ao povo israelense que “volte para casa”. Ao contrário dos colonizadores franceses, não existe um território de origem para cada pessoa que lá regressa. A perseguição e a instrumentalização sofridas pelos judeus, que existem numa escala mundial, há centenas de anos, não pode justificar a criação de um Estado colonial na Palestina, mas também não podem ser apagadas.
Na Palestina, como em outros lugares, o problema não é ser ou não ser “nativo” do lugar onde vivemos, mas, sim, o domínio de algumas pessoas sobre outras. O problema é que alguns Estados e os seus dirigentes estão a tomar para si territórios que saqueiam, que as populações são exploradas, para alimentar a economia capitalista, que se impõem modos de vida, que algumas pessoas desumanizam outras pessoas para justificar o fato de esmagarem elas.
A destruição dos Estados, o Israelita um deles, é necessária para almejar um mundo mais desejável. Tal como atacar o capitalismo, juntamente com todos os outros sistemas que permitem a exploração e a dominação.
Estas ideias belíssimas parecem deslocadas, face à violência das bombas. Como então agir concretamente hoje, a partir daqui? Como ser solidário com as pessoas que lutam, também, pela sua sobrevivência? Infelizmente não há uma resposta óbvia. Mas, primeiro, precisamos superar a imobilidade e o estado de paralisia diante dos horrores que se afogam no fluxo de informações.
Não esperar nada de Estados, que agem de acordo com os seus interesses, estes interesses que nunca estarão alinhados com os nossos.
Atacar instituições e empresas que se beneficiam desta situação.
Para nos opormos aos discursos racistas e aos atos racistas que se estão a espalhar, quer tenham como alvo os judeus, os muçulmanos ou quem quer que seja.
Sabotar a propaganda e a atmosfera militarista que, aqui, preparam as nossas mentes e corpos para a guerra.
Fazer existir uma crítica contra os Estados, as nações, as fronteiras e contra todas as forças motrizes dos massacres do passado e dos massacres de amanhã.
E sermos solidários com outras pessoas em luta, em Gaza como em outros lugares, que tentam não fortalecer estas lógicas!