Piotr Arshinov
A Makhnovitchina e o Anarquismo
História do Movimento Makhnovista, 1923
O anarquismo abrange dois mundos: o das ideias propriamente ditas, da filosofia, e o das ações e realizações práticas. Ambos estão intimamente relacionados. A classe trabalhadora em luta, em geral, está mais próxima do lado concreto e prático do anarquismo. Seu princípio essencial e fundamental é o da iniciativa revolucionária dos trabalhadores e da sua libertação por meio de suas próprias forças. Deste princípio derivam, naturalmente, o da negação do Estado e o da autogestão dos trabalhadores na nova sociedade. Contudo, até o presente, a história das lutas proletárias não contou com um movimento de massas guiado exclusivamente pelo princípio anarquista. Todos os movimentos operários e camponeses que existiram até hoje desenvolveram-se dentro dos limites do regime capitalista e não foram mais do que superficialmente inspirados pelo anarquismo. Isso é perfeitamente natural e compreensível. As classes laboriosas não agem no mundo desejado, mas naquele que existe, e por isso estão diariamente expostas à ação física e psíquica das forças hostis. Além do mundo das ideias anarquistas, as quais não têm sido amplamente disseminadas, os trabalhadores sofrem constantemente a influência real do regime capitalista e dos grupos intermediários.
As condições da vida moderna envolvem completamente os trabalhadores, assim como os peixes são envolvidos pelas águas do mar. Os trabalhadores não podem sair deste ambiente. Por isso, é natural que a luta que empreendem possua a marca das diversas condições e as particularidades da realidade existente. Nunca esta luta nasceu e manifestou-se sob uma forma anarquista claramente definida e nem correspondeu a todas as exigências ideais. Algo semelhante seria possível somente em círculos políticos restritos e, ainda assim, apenas em planos e programas, mas não na prática.
Quando as massas populares engajam-se na luta, sobretudo numa luta de amplas dimensões, elas inevitavelmente cometem erros no princípio, admitem antinomias e desvios. É somente no decorrer da luta que as massas podem ajustar sua linha de combate rumo ao ideal ao qual elas tendem.
Foi sempre assim. E assim sempre será. Por maior que seja o cuidado com que, previamente, em tempo de paz, tenhamos preparado as organizações da classe trabalhadora, desde o primeiro dia da luta decisiva das massas, tudo acontecerá de maneira distinta daquilo que estava previsto no plano estabelecido de antemão. Em certos casos, a própria ação das grandes massas desordenará algumas das posições estabelecidas. Em outros, os desvios e os choques das massas tornarão necessária a modificação das posições tomadas. Apenas gradualmente o imenso movimento das massas engajar-se-á no caminho determinado que conduz ao ideal.
Isso não quer dizer, de maneira alguma, que a organização prévia das forças e das posições da classe trabalhadora seja desnecessária. Pelo contrário. Um trabalho deste tipo é condição essencial para vitória dos trabalhadores. Mas precisamos sempre lembrar que isto não constitui o coroamento da obra, e que, mesmo tendo realizado este trabalho, o movimento exigirá, ainda, uma grande perspicácia em todos os instantes e uma significativa capacidade de orientação para ajustar-se às novas condições que surgirem. Numa palavra, será necessária uma estratégia revolucionária de classe, da qual dependerá, consideravelmente, o futuro do movimento.
O ideal do anarquismo é grande e rico em sua multiplicidade. Contudo, o papel dos anarquistas na luta social das massas é muito modesto. Seu objetivo é ajudar as massas a tomarem o caminho correto na luta e na edificação da nova sociedade. Enquanto o movimento das massas não tiver ingressado no período do conflito decisivo, o dever dos anarquistas é auxiliar as massas a compreender o significado da luta que as espera, a definir suas tarefas e seus objetivos, a tomar as necessárias disposições de combate e a organizar suas forças. Se o movimento já tiver entrado no período do conflito decisivo, os anarquistas deverão ingressar nele sem perder um minuto sequer; deverão fazer tudo o que for possível para orientar as massas a libertar-se dos desvios errôneos, apoiar seus primeiros ensaios construtivos, servi-las intelectualmente, sempre buscando fazer com que o movimento siga firmemente pelo caminho que conduz aos objetivos essenciais dos trabalhadores. Essa é a principal tarefa, para não dizer a única, do anarquismo durante a primeira fase da revolução. A classe trabalhadora, assim que tiver assenhoreado-se da luta e começado a edificação social, não cederá a ninguém a iniciativa do trabalho criador. Ela, então, dirigir-se-á pelo seu próprio pensamento e criará a nova sociedade de acordo com seus próprios planos. Quer estes planos sejam anarquistas ou não, assim como a nova sociedade neles baseada, eles emergirão do trabalho livre, sendo preparados por seu pensamento e sua vontade.
Quando estudamos a makhnovitchina, destacam-se imediatamente dois aspectos fundamentais deste movimento: 1.) Seu caráter verdadeiramente popular e sua origem proletária: o movimento surgiu de baixo, da massa trabalhadora, e durante toda a sua existência foram as próprias massas populares que o sustentaram, o desenvolveram e o dirigiram. 2.) Isso se deve ao fato de que, desde seus primeiros dias, ela apoiou-se em alguns princípios incontestavelmente anarquistas: a.) O direito dos trabalhadores a uma iniciativa completa; b.) O direito à autogestão econômica e social; c.) O antiestatismo na edificação social. Em todas as fases de seu desenvolvimento, a makhnovitchina manteve estes princípios com tenacidade e consequência. Em nome destas ideias, o movimento suportou a morte de 200 ou 300 mil dos melhores filhos do povo, recusou a entregar-se às forças estatistas e sustentou, durante três anos, em condições dificílimas e com um raro heroísmo na história humana, a bandeira negra da humanidade oprimida, estandarte que simboliza a verdadeira liberdade dos trabalhadores e a verdadeira igualdade no seio da nova sociedade.
Vemos na makhnovitchina um movimento anarquista das massas laboriosas. Um movimento não muito claramente definido e nem completamente cristalizado, mas que busca o ideal anarquista por meio de caminhos anarquistas.
Mas foi exatamente porque este movimento saiu das camadas mais profundas do povo que ele não dispunha das forças teóricas necessárias, das capacidades de generalização indispensáveis a todo grande movimento social. Esta fragilidade manifestou-se, entre outras coisas, no fato de que o movimento, frente às condições gerais, não chegava a estabelecer a tempo suas ideias e palavras de ordem, a elaborar suas fórmulas práticas concretas. É por isso que o movimento avançou lenta e custosamente, devido, sobretudo, às múltiplas forças inimigas que o atacavam.
Era de se esperar que os anarquistas – que sempre falaram tanto de um movimento revolucionário das massas, que o esperaram durante anos, como a vinda de um novo Messias – apressar-se-iam em unir-se ao movimento, em incorporar-se e fundir-se integralmente a ele. Mas não foi assim.
A maior parte dos anarquistas russos, que tinha passado pela escola teórica do anarquismo, permaneceu em seus círculos isolados, sem nenhuma razão de ser naquele momento. Discutiam o que era o movimento e como deveriam relacionar-se com ele, mas permaneciam inativos, tranquilizando suas consciências com a ideia de que o movimento não parecia ser puramente anarquista.
Contudo, sua contribuição ao movimento, sobretudo quando o bolchevismo não havia ainda paralisado seu desenvolvimento normal, poderia ter tido um valor incalculável. As massas tinham uma infinita necessidade de militantes que soubessem formular e desenvolver as ideias que as animavam, que as ajudassem a criar, em grande escala, a definir e a elaborar as formas e a marcha futura do movimento. Os anarquistas não quiseram ou não souberam fazer isso. Causaram, assim, um imenso prejuízo tanto ao movimento quanto a si mesmos. Ao movimento, porque não puseram a seu serviço e a tempo suas forças de organização e de cultura, o que fez com que o movimento tivesse de se desenvolver lenta e dolorosamente, com o auxílio dos pobres recursos teóricos de que dispunham as próprias massas. A si mesmos, porque permaneceram fora da atualidade e condenaram-se à inatividade e à esterilidade.
Somos obrigados a dizer que os anarquistas russos, adormecidos em seus círculos, deixaram passar sob seus olhos um grandioso movimento das massas, o único que, na atual revolução e até hoje, pareceu realizar as aspirações históricas da humanidade oprimida.
Mas, ao mesmo tempo, verificamos que este deplorável fato não ocorreu fortuitamente; ele teve determinadas causas, às quais devemos dar alguma atenção.
Grande parte de nossos teóricos possui suas origens na intelligentzia. Esta circunstância é muito significativa. Ainda que se coloquem sob a bandeira do anarquismo, muitos deles são incapazes de romper definitivamente com o estado de espírito e a psicologia do meio em que nasceram. Tendo-se ocupado da teoria do anarquismo mais do que o resto dos camaradas, convenceram-se, gradualmente, que eram os líderes do mundo anarquista e acabaram acreditando que o próprio movimento anarquista conduzir-se-ia segundo suas indicações ou, pelo menos, por meio de seu concurso imediato e dirigente. No entanto, o movimento makhnovista começou muito longe deles, em uma distante província e nas camadas mais profundas da sociedade moderna. Apenas alguns teóricos do anarquismo, isoladamente, tiveram a sensibilidade e a coragem para reconhecer que este movimento era precisamente aquilo que o anarquismo vinha preparando há anos, e apressaram-se a auxiliá-lo. Seria mais justo dizer que, de todos os anarquistas intelectuais e teoricamente instruídos, Volin foi o único que participou decididamente do movimento makhnovista, colocando à sua disposição todas suas aptidões, suas forças e seus conhecimentos. O resto dos teóricos do anarquismo permaneceu à margem. Isto, naturalmente, nada implica contra a makhnovitchina ou contra o anarquismo, mas apenas contra os indivíduos e as organizações anarquistas que, no momento histórico em que o movimento social dos camponeses e dos operários manifestava-se com todo seu vigor, permaneceram acanhados, passivos e confusos, sem saber se ele aproximava-se ou não de sua própria causa, precisamente quando ele apresentava-se em carne e sangue e conclamava às suas fileiras todos aqueles aos quais eram caras a liberdade do trabalho e as ideias do anarquismo.
Outro traço ainda mais importante da impotência e da inatividade dos anarquistas é a confusão das ideias anarquistas e a desorganização das fileiras libertárias.
Embora o ideal do anarquismo seja poderoso, positivo e incontestável, ele conta, também, com algumas lacunas, com muitos lugares comuns abstratos e vagos, e com divagações por campos que nada têm a ver com o movimento social dos trabalhadores. Isso cria possibilidades para todos os tipos de interpretações equivocadas das aspirações do anarquismo e de seu programa prático.
Assim, até hoje, muitos anarquistas despendem suas forças buscando determinar se o objetivo do anarquismo é a libertação das classes, da humanidade ou do indivíduo. Esta questão não possui sentido. Contudo, ela fundamenta-se em algumas posições vagas do anarquismo e permite abusos, primeiramente no campo da ideia anarquista, e, em seguida, da prática anarquista.
A teoria anarquista da liberdade individual, longe de estar suficientemente esclarecida, oferece um campo ainda mais amplo aos abusos. Evidentemente, os homens de ação, que possuem uma firme vontade e um instinto revolucionário fortemente desenvolvido, verão na ideia anarquista de liberdade individual, antes de tudo, a ideia do respeito anarquista à individualidade alheia, a ideia da luta infatigável pela liberdade anarquista das massas. Mas aqueles que não conhecem a paixão pela revolução, que pensam em primeiro lugar nas manifestações de seu próprio “eu” , compreendem esta ideia à sua maneira. Cada vez que se discutem praticamente as questões da organização e da séria responsabilidade, eles refugiam-se na teoria anarquista da liberdade individual para abster-se de toda responsabilidade e impedir qualquer organização. Retiram-se para seu mundo, fazem suas coisas e pregam seu próprio anarquismo. As ideias e as ações anarquistas são, assim, pulverizadas insensatamente.
Como resultado disso, encontramos um grande número de diferentes sistemas práticos preconizados pelos anarquistas russos. De 1904 a 1907, vimos os programas práticos dos “Besnachaltzy” (Sem Autoridade) e dos “Chernoznamentzy” (Bandeira Negra), que pregavam as expropriações parciais (a apropriação individual) e o terror “sem motivos” como método de luta anarquista. É fácil ver que tais programas não eram mais do que a expressão das inclinações particulares de pessoas que se encontravam apenas casualmente nas fileiras anarquistas e que eles só surgiram e foram propostos nos meios libertários em razão do fraco desenvolvimento da responsabilidade para com o povo e sua revolução. Ultimamente, temos visto surgir muitas teorias. Algumas delas possuem certa simpatia para com a autoridade estatista e a direção autoritária e centralizadora das massas; outras rejeitam todo princípio de organização e proclamam a liberdade absoluta do indivíduo; finalmente, há aquelas que se preocupam exclusivamente com os objetivos “universais” do anarquismo, na realidade fugindo das árduas obrigações do momento histórico.
Há décadas, os anarquistas russos sofrem desta terrível doença: a desorganização. Este mal destruiu neles a necessidade e o vigor de um pensamento concreto e condenou-os à inatividade no momento histórico da revolução. A desorganização é irmã gêmea da irresponsabilidade e, juntas, elas levam ao empobrecimento da ideia e à nulidade da prática.
Eis porque, quando o movimento de massas constituído pela makhnovitchina surgiu das camadas profundas do povo, os anarquistas encontravam-se tão fracos, irresolutos e pouco preparados.
Nossa opinião é que isso constitui apenas um fenômeno passageiro, explicável pela falta de cristalização e de organização dos anarquistas russos. A organização deverá vir, e virá, ligando todos aqueles que se esforçam verdadeiramente pelo anarquismo e que realmente se dedicam às classes laboriosas. Os elementos disruptivos e os desorganizadores, que estão entre os anarquistas, serão, assim, eliminados.
Anarquismo não significa misticismo, nem vãs palavras sobre o belo ou um grito de desespero. Sua grandeza depende, antes de tudo, de sua dedicação à causa da humanidade oprimida. Ele traz em si a aspiração das massas à verdade e seu heroísmo e sua vontade representam, neste momento, a única doutrina social sobre a qual as massas podem apoiar-se confiantemente para conduzir sua luta. Mas, para justificar esta confiança, não basta que o anarquismo seja uma grande ideia e que os anarquistas sejam seus representantes platônicos. É necessário que os anarquistas tomem constantemente parte no movimento revolucionário das massas, e que façam isso como trabalhadores. Somente assim este movimento respirará plenamente a atmosfera verdadeira do ideal anarquista. Nada é obtido gratuitamente. Todas as causas exigem esforços e sacrifícios constantes. O anarquismo deve encontrar uma unidade de vontade e uma unidade de ação, chegando a uma noção exata de seu papel histórico. O anarquismo deve penetrar no coração das massas, fundir-se a elas.
Ainda que a makhnovitchina tenha manifestado-se e desenvolvido-se independentemente e sem influência direta das organizações anarquistas, os destinos dos makhnovistas e do anarquismo ligaram-se intimamente durante a Revolução Russa. A própria essência da makhnovitchina resplandecia com o brilho do anarquismo e sugeria, involuntariamente, suas ideias. Dentre todas as doutrinas sociais, o anarquismo era a única mencionada com afeição pela massa dos insurgidos revolucionários. Muitos deles intitulavam-se anarquistas, não renunciando este título mesmo diante da morte. Ao mesmo tempo, o anarquismo deu à makhnovitchina alguns militantes admiráveis que, cheios de ardor e dedicação, empregaram todas suas forças e seus conhecimentos a serviço deste movimento. Ainda que fossem poucos estes militantes, eles foram da maior utilidade ao movimento e ligaram o anarquismo à trágica sorte da makhnovitchina.
Este cruzamento dos destinos do anarquismo e da makhnovitchina começou em meados de 1919. Foi consagrado na Ucrânia, no verão de 1920, pelo ataque simultâneo dos bolcheviques contra os makhnovistas e os anarquistas, e sublinhado brilhantemente em outubro de 1920, no momento do acordo militar e político entre as autoridades soviéticas e os makhnovistas, quando estes últimos exigiram, como condição absoluta do acordo, que todos os makhnovistas e todos os anarquistas fossem libertados das cadeias da Ucrânia e da Rússia central, e que lhes fosse concedida completa liberdade de professar e proclamar suas ideias e suas teorias.
Indiquemos em ordem cronológica a participação dos anarquistas no movimento makhnovista.
Logo nos primeiros dias da Revolução de 1917, um grupo de anarquistas-comunistas foi formado em Guliaipolé e realizou um trabalho revolucionário considerável na região. Deste grupo saíram, depois, numerosos atores e notáveis guias da makhnovitchina: N. Makhno, S. Karetnik, Marchenko, Kalachnikov, Liuty, Grigori Makhno etc. Este grupo relaciona-se intimamente ao início do movimento makhnovista.
Entre o fim de 1918 e o início de 1919 formaram-se outros grupos anarquistas na região da makhnovitchina e procuraram estabelecer relações com ela. Contudo, alguns destes grupos, como no caso de Berdiansk e outras localidades, não estavam à altura da situação e só podiam prejudicar o movimento. Felizmente, a sanidade dos makhnovistas fez com que eles fossem deixados de lado.
Nos primeiros meses de 1919, havia em Guliaipolé não apenas camponeses anarquistas tão notáveis como Makhno, Karetnik, Marchenko, Vasilevsky e outros, mas também alguns militantes que vinham de cidades distantes e representavam certas organizações anarquistas: Burbyga, Mikhalev-Pavlenko etc. Trabalhavam exclusivamente em meio às tropas insurrecionais, no fronte ou na retaguarda.
Na primavera de 1919, alguns camaradas chegaram a Guliaipolé, principalmente para organizar atividades culturais e educativas na região: criaram o jornal Put k Svobode (O Caminho para a Liberdade), principal órgão dos makhnovistas, e fundaram a Associação dos Anarquistas de Guliaipolé, que desenvolveu trabalhos tanto no exército como entre os camponeses.
Ao mesmo tempo, foi fundado em Guliaipolé um grupo anarquista vinculado à confederação Nabat (Alarme). Ele trabalhou em contato estreito com os makhnovistas, sobretudo no campo da cultura, e publicou o jornal local Nabat.
Pouco tempo depois, esta organização fundiu-se à Associação dos Anarquistas de Guliaipolé.
No mês de maio, 36 operários anarquistas foram de Ivanovo-Voznesensk a Guliaipolé; entre eles encontravam-se anarquistas muito conhecidos como Cherniakov e Makeev. Parte dos recém-chegados instalou-se na comuna anarquista situada a 7 km de Guliaipolé, outros dedicaram-se ao trabalho cultural na região e o restante alistou-se no exército insurrecional.
Foi também em maio de 1919 que a confederação ucraniana Nabat, a mais ativa de todas as organizações anarquistas da Rússia, percebeu que a mais intensa vida revolucionária das massas pulsava na região insurrecional libertada. Ela decidiu concentrar ali suas forças. No início de junho de 1919 foram enviados para Guliaipolé Volin, Mrachny, Josif, o emigrado, e vários outros militantes. Havia a intenção de se levar à Guliaipolé as principais instâncias da confederação, logo depois do congresso extraordinário dos operários e camponeses, convocado para 15 de junho pelo Conselho Militar Revolucionário. Mas o ataque simultâneo à região insurgida, levado a cabo por Denikin e os bolcheviques, não permitiu que estes projetos fossem realizados.
Mrachny foi o único que conseguiu chegar naquele momento em Guliaipolé, mas, em razão da retirada geral, viu-se obrigado a retornar um ou dois dias depois deter chegado, não voltando mais. Quanto a Volin e seus companheiros, eles não puderam deixar Ekaterinoslav e foi somente em agosto de 1919 que conseguiram unir-se, perto de Odessa, ao exército makhnovista, que estava em plena retirada.
Assim, os anarquistas somaram-se ao movimento com um atraso imenso, quando seu desenvolvimento normal já havia sido interrompido, quando ele já tinha sido violentamente projetado para fora das bases do trabalho de edificação social e quando, sob as forças da circunstância, tinha entrado, principalmente, na via da ação militar.
Durante o período que vai do final de 1918 a junho de 1919, as condições para um trabalho positivo na região haviam sido das mais favoráveis: o fronte estava afastado a uns 200 ou 300 km, perto de Taganrog, e a população da região, estimada em muitos milhões de pessoas e disseminada em oito ou dez distritos, encontrava-se abandonada a si mesma.
A partir do verão de 1919, os anarquistas só conseguiam atuar nas operações militares, sob o fogo contínuo, de todos os lados, e sendo obrigados a mudar de lugar todos os dias. Aqueles que tinham juntado-se ao exército faziam tudo o que podiam nestas circunstâncias de guerra. Uns, como Makeev e Kogan, tomaram parte na ação militar; a maior parte ocupou-se dos trabalhos culturais com os insurgidos e nas aldeias que eram atravessadas pelos makhnovistas. Mas este não era um trabalho criador, no sentido verdadeiro e amplo da palavra. O ambiente saturado de combates militares havia reduzido tal trabalho, essencialmente, a uma propaganda volante. Era impossível pensar numa obra de criação, numa obra positiva. Apenas em casos muito raros, como, por exemplo, depois da tomada de Aleksandrovsk, Berdiansk, Melitopol e outras cidades, os anarquistas e os makhnovistas tiveram a possibilidade – por um tempo muito curto, contudo – de esboçar as bases de um trabalho mais profundo e vasto. Mas logo chegava uma onda militar, vinda de um lado ou de outro, e avançava levando tudo, inclusive os vestígios daquilo que tinha sido feito. Novamente, era necessário restringir-se a uma propaganda sumária entre os insurgidos e os camponeses. A situação era claramente hostil a um vasto trabalho criador entre as massas.
Certas pessoas, que não participaram do movimento ou que não o fizeram mais do que por um breve período, extraíram dos acontecimentos daquele período uma conclusão errônea: de que a makhnovitchina estava demasiadamente impregnada de militarismo, que ela se interessava muito pelos aspectos militares e pouco pelo trabalho construtivo de educação das massas. Na realidade, entretanto, o período militar na história da makhnovitchina não foi, de modo algum, produto de sua própria essência, mas das condições externas que a envolveram, a partir de meados de 1919.
Os bolcheviques estatistas compreenderam muito bem o significado do movimento makhnovista e a situação do anarquismo na Rússia. Eles sabiam, perfeitamente, que o anarquismo na Rússia, privado do contato com um movimento de massas de tamanha importância como a makhnovitchina, careceria de bases e só poderia constituir um fenômeno inofensivo, sem perigo para eles. Inversamente, o anarquismo era a única concepção em que a makhnovitchina poderia apoiar-se, em sua luta implacável contra o bolchevismo. É por isso que os bolcheviques não pouparam esforços para separá-los.
Deve-se reconhecer que os bolcheviques perseguiram seu objetivo com perseverança; colocaram a makhnovitchina fora de toda lei humana. E, como bons manipuladores, comportaram-se inversamente. Na Rússia, e principalmente no estrangeiro, agiram como se isso fosse algo muito natural e que devesse ser rapidamente compreendido por todos, sem despertar qualquer dúvida. Da maneira colocada, parecia que somente os cegos ou aqueles que nada conheciam da Rússia poderiam não considerar justas e razoáveis as medidas por eles adotadas.
Quanto à ideia anarquista, os bolcheviques evitaram declará-la oficialmente fora da lei. Mas qualificaram de “makhnovista” todos os atos revolucionários dos anarquistas e todos protestos sinceros e, com um ar de naturalidade, como se as coisas não pudessem ser de outra maneira, jogaram os anarquistas na cadeia, os fuzilaram e cortaram suas cabeças. Afinal, a makhnovitchina e o anarquismo, que não se curvaram perante os bolcheviques, foram tratados da mesma maneira.