Título: A morte da nova Internacional
Data: 17-23 de outubro de 1891
Fonte: KROPOTKIN, Piotr. Socialismo. Tradução e organização: Plínio Augusto Coêlho. São Paulo: Intermezzo Editorial; Biblioteca Terra Livre, 2021. pp. 19-24. [orig.: La Révolte, nº 5]

A imprensa socialista democrática continua a fazer grande barulho em relação ao último congresso de Bruxelas. Segundo esses jornais, seria um ato grandioso de federação realizado pela classe operária de todos os países. Visto que as resoluções do congresso, segundo a própria opinião de alguns jornais socialistas democráticos, não dizem grande coisa, é o espírito, a tendência do congresso que nos convidam a considerar.

Arriscando repetir-nos nos detalhes, consideremos uma vez mais esse espírito, essa tendência. Com efeito, é positivo que o congresso de Bruxelas houvesse tido uma tendência e um espírito marcados, que o fazem diferir dos congressos precedentes. Ele marca uma nova etapa na série dos congressos internacionais.

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Um dia, por volta de 1867, a burguesia soube que uma grande liga constituía-se entre operários. A liga era a Internacional. Seu objetivo era a luta contra os patrões. A greve apoiada internacionalmente, como arma de luta; a abolição do patronato como objetivo final.

Lembramos do terror que o nascimento da Associação Internacional dos Trabalhadores inspirou aos burgueses. Eles estudavam-na, cercavam-na de mistérios e buscavam penetrá-los. – "O que acontecerá com a sociedade", indagavam os mais inteligentes dos burgueses, "se esse sonho de união internacional entre trabalhadores realizar-se? Eles serão a força, toda a força. Por suas greves, eles poderão arruinar um a um todos os ramos da indústria. Nada poderia resistir-lhes. Eles podem danificar todas as nossas indústrias sem que possamos impedi-los. Podem paralisar toda uma produção e excluir-nos dessa produção. O próprio massacre dos operários não serviria para nada. Eles podem ser 'sabreados', todavia, e se, internacionalmente apoiados, eles não voltarem ao trabalho? Estaremos todos arruinados, e eles acabarão por excluir-nos”.

A burguesia tinha razão. Uma formidável organização de todos os ofícios pode absolutamente arruinar a burguesia e reduzir os burgueses a suplicar aos operários para tomar as fábricas, as minas e as ferrovias para administrá-las, eles próprios. A burguesia via esse perigo, e não sabia muito bem como o deter.

Os trabalhadores, sobretudo os marxistas alemães, encarregaram-se de tranquilizar os burgueses.

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– “A luta econômica deve primar sobre a luta política”, dizia a Internacional. E ela fez tremer os burgueses, e viu os milhões de operários acorrerem sob suas bandeiras.

– “Perfeitamente”, diziam os marxistas, “mas para triunfar na luta econômica é preciso conquistar o poder político. Façamos inicialmente a luta política, e a questão econômica encontrará nela sua solução”.

Isso era mentir ao princípio da Internacional. Era dizer aos fundadores da Internacional, sobretudo a Marx, que eles eram imbecis ao proclamar a luta econômica acima das lutas políticas.

Todavia – o que podiam ganhar os líderes burgueses nas lutas econômicas? – Um aumento de salário? Mas eles não são assalariados. – Uma diminuição das horas de trabalho? – Mas eles já trabalham em casa, como literatos ou como fabricantes! Eles só podiam ganhar pela luta política. Buscaram empurrar os trabalhadores a ela. Com a ajuda dos trabalhadores, obtiveram êxito.

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Desde logo, os burgueses puderam dormir tranquilos durante quase vinte anos. Eles não eram bastante ingênuos para imaginar que em tal ano os socialistas constituiriam a maioria no Parlamento. Um Engels pode ter essa ingenuidade, e refazer hoje – ele acaba de refazê-lo – o cálculo de que esse evento ocorrerá em 1898, como já o havia feito há catorze anos. Mas os burgueses não são tão ingênuos quanto ele.

Eles logo compreenderam que, se os trabalhadores lançam-se na luta política, a força deles acaba. Lutarão pelas candidaturas – como se faz há quinze anos na França; – subdividir-se-ão, como se subdividiram desde 1887, na Inglaterra, e como ainda se subdividem. E se mantêm uma espécie de união, como na Alemanha, será para combater Bismarck de acordo com tal ou qual facção parlamentar, para paralisar a força grevista dos trabalhadores, para enterrar o socialismo.

Uma vez dado esse passo, a burguesia não se preocupou mais com a Internacional.

A Internacional morrera.

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O congresso de Bruxelas acaba de repetir, com dezenove anos de intervalo, em escala maior, o que fez o congresso de Haia, em 1872.

Com efeito, um grande movimento operário começara havia dois ou três anos na Inglaterra. Algo que jamais se vira anteriormente, alguns homens haviam conseguido despertar os ofícios párias de trabalhadores braçais, de estivadores. Mulheres, reduzidas à mais terrível das misérias, revoltavam-se, por sua vez, e organizavam-se. O número de trabalhadores organizadores em ofícios mais que dobrava. Ele aumentava de meio milhão a quase um milhão e meio.

Uma grande greve paralisou por algumas semanas grandes indústrias em Londres – o coração do comércio internacional. – E nessa greve, o povo deu prova de uma força de organização que os próprios anarquistas não ousavam supor. Enfim, nessa greve, os operários encontraram um apoio absolutamente incrível em milhares de homens e mulheres, desclassificados da burguesia inglesa, ao passo que a Austrália enviava socorros imprevistos.

Essa grande greve e esse despertar operário encontraram eco no continente: nas docas da Holanda, entre os mineiros belgas, alemães e eslavos, nos grandes ofícios da França, da Itália, da Espanha.

Assim como na Internacional, surgia a ideia de greve geral, e parecia assaz próxima de sua realização à medida que os ofícios agrupavam-se, federavam-se, saíam à rua no 1º de Maio.

Era preciso, a qualquer preço, paralisar esse movimento.

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Os marxistas encarregaram-se disso. Eles foram pagos para isso pelos burgueses, que não teriam trabalhado com mais ardor para paralisar o movimento. E, na Inglaterra, eles encontraram um apoio sincero entre os conservadores – os dignos filhos desse Beaconsfield, que Liebknecht quer fazer-nos hoje engolir como um grande pensador.

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No congresso de Bruxelas, esses senhores, ajudados por conservadores ingleses, alcançaram seu objetivo. Os burgueses poderão doravante dormir em paz, do mesmo modo que após a vitória dos marxistas no congresso de Haia.

Com efeito, segundo a ideia dos marxistas, os trabalhadores não se ocuparão mais com a luta econômica. A luta econômica é boa para sonhadores como Marx e Bakunin. Como pessoas práticas, ocupar-se-ão com os votos.

Eles farão alianças – uns com os conservadores, os outros com Guilherme II – e impulsionarão os seus ao Parlamento. É o artigo primeiro, o ponto essencial da bíblia marxista promulgada no congresso de Bruxelas. Isso primará sobre todas as outras resoluções.

No segundo capítulo, falar-se-á de greves – para fomentá-las? O que é isso! Para dizer aos trabalhadores que “é uma arma de dois gumes”, que é preciso manejá-la suavemente, e jamais sem a permissão dos birôs de estatística do trabalho. Estes permitirão uma greve, ou não permitirão, e será preciso obedecer. Eles permiti-la-ão se Guilherme II permite na Alemanha e os conservadores permitem-na na Inglaterra. Eles proibi-la-ão se esses senhores proíbem-na. Proibi-la-ão sobretudo se, em tal distrito eleitoral, isso puder estragar uma candidatura.

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Eis o resultado claro do congresso.

Toda essa imensa organização operária à qual tantas forças trabalharam ultimamente foi, de modo jesuíta, vendida aos burgueses, em troca de algumas candidaturas asseguradas ao senhor X aqui, ao senhor Y ali.

– “Burgueses, dormi tranquilos, não há mais Internacional operária que coloque as fábricas em perigo. Nós, marxistas alemães, ingleses, belgas, holandeses, italianos, velaremos por vós! Não falaremos dos marxistas franceses e espanhóis, quase nulos. Divertiremos nosso rebanho com candidaturas e faremos com que guerreie internamente pelos lugares nos parlamentos e nos conselhos. E se essa velha besta de Marx não estiver contente e sacudir sua crina no túmulo, pior para ele: somos – em política – seus alunos!”

Eis a ideia desse nefasto congresso.

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Visto que nosso primeiro artigo concerne ao congresso de Bruxelas, não é inútil recordar, em relação a isso, as apreciações que um correspondente enviava a seu jornal, Le Temps.

“A palavra do dia, que será provavelmente a palavra do congresso, é o adjetivo organizado. Esta palavra foi sublinhada, inclusive ressaltada no próprio texto do convite que dirigiam ‘às organizações operárias de todos os países’, e ela retorna com afetação no transcurso dos debates, nos quais prometem ‘um entendimento para a ação comum do proletariado consciente e organizado dos dois mundos’.

…Disso resulta que a ação, à qual o congresso de Bruxelas tem por objetivo preparar, deve ser apenas uma ação legal, política, pacífica.

Deve ser a ação comum do socialismo dos dois mundos, à exceção dos anarquistas, os anarquistas não sendo considerados como fazendo parte do proletariado ‘consciente e organizado’, como dignos do nome de socialistas. Se, por acaso, um de seus delegados é demitido no congresso, só o é sob condição.

Crer no Estado, tal é o ato de fé que se deve fazer; tal parece ser a noção fundamental do socialismo atualmente.

Eu acrescentaria de bom grado, entre as coisas acessórias, que ele é de aparência parlamentar e – perdoar-me-ão por dizê-lo? – burguesa. A influência dos germanos e dos anglo-saxões faz-se sentir ali até nisso. Ah! No dia em que eles houverem destruído a burguesia, que bons burgueses serão os socialistas!”

Dir-se-á que é um inimigo que fala. Sim, mas um inimigo que não é absolutamente cego, e que sente que há terrenos de conciliação possíveis.